REl - 0600083-60.2022.6.21.0047 - Voto Relator(a) - Sessão: 19/06/2023 às 14:00

VOTO

O recurso é adequado, tempestivo e comporta conhecimento.

Preliminarmente, com fundamento no art. 266 do Código Eleitoral, conheço dos documentos acostados com a peça recursal, a saber: atestado médico (ID 45321254), CNH (ID 45321253), contracheques (ID 45321255) e comprovantes de que a recorrente não declarou imposto de renda nos anos de 2020, 2021 e 2022 (ID 45321256).

Não fosse isso, o procedimento administrativo foi instaurado de ofício, e a recorrente apenas dele tomou ciência após a imposição da multa, por ocasião de sua intimação para efetuar o pagamento, de sorte que a primeira oportunidade que teve para falar nos autos e juntar documentos foi exatamente por ocasião da interposição do recurso.

No mérito, MARIA VITORIA EGERT TUBINO DORNELES, embora convocada para exercer a função de Secretária da Seção n. 139, instalada no Município de São Borja, não compareceu aos trabalhos eleitorais, tampouco apresentou justificativa no prazo de 30 (trinta) dias após a data do pleito.

Em face disso, foi promovida a autuação de processo próprio, o qual culminou com decisão do Juízo Eleitoral arbitrando multa à mesária faltosa no valor de um salário mínimo nacional, conforme excerto que reproduzo (ID 45321244):

No caso dos autos, decorridos mais de 30 dias, a convocada se manteve silente, sem prestar contas à Justiça Eleitoral acerca de sua ausência, o que torna evidente a sua incúria.

Não se olvida, ainda, que qualquer fato relevante e impeditivo de seu comparecimento poderia ter sido comunicado previamente ao Cartório Eleitoral, a fim de ajustar os convocados e garantir a tranquilidade no dia da votação. Conforme se depreende da ata da seção 139, foi necessária a substituição da faltosa para garantir a continuidade dos trabalhos dentro da seção.

Razões postas, presente a recalcitrância da convocada, considerando a gravidade do fato, a necessidade de inibir a reiteração da falta e o necessário efeito pedagógico, arbitro a multa à mesária faltosa no máximo legal, ou seja, um salário mínimo nacional. (CE, arts. 124, e §§ e 327).

Notifique-se a eleitora para pagar a multa no prazo de 30 (trinta) dias ou recorrer da decisão no prazo de 3 (três) dias.

Cientifique-se de que a interessada não terá acesso à certidão de quitação eleitoral, segunda via, revisão e transferência de sua inscrição, enquanto não quitada a referida multa.

 

Irresignada, recorreu a eleitora, aduzindo que se encontrava enferma no dia da eleição, mais especificamente com pneumonia, e que, consoante prescrição médica, necessitava de repouso. Alega que, ultrapassada essa questão, sua situação econômica justificaria a dispensa do pagamento da multa, ou, então, a fixação da penalidade no mínimo legal.

Adianto que o recurso merece provimento, na linha do parecer ministerial.

Inicialmente, cumpre anotar que o decisum hostilizado alicerçou-se nos arts. 124 e 367 do Código Eleitoral – “(CE, arts. 124, e §§ e 327)” (sic) –, que assim dispõem:

Art. 124. O membro da mesa receptora que não comparecer no local, em dia e hora determinados para a realização de eleição, sem justa causa apresentada ao juiz eleitoral até 30 (trinta) dias após, incorrerá na multa de 50% (cinqüenta por cento) a 1 (um) salário-mínimo vigente na zona eleitoral cobrada mediante sêlo federal inutilizado no requerimento em que fôr solicitado o arbitramento ou através de executivo fiscal.

§ 1º Se o arbitramento e pagamento da multa não fôr requerido pelo mesário faltoso, a multa será arbitrada e cobrada na forma prevista no artigo 367.

§ 2º Se o faltoso fôr servidor público ou autárquico, a pena será de suspensão até 15 (quinze) dias.

§ 3º As penas previstas neste artigo serão aplicadas em dôbro se a mesa receptora deixar de funcionar por culpa dos faltosos.

§ 4º Será também aplicada em dôbro observado o disposto nos §§ 1º e 2º, a pena ao membro da mesa que abandonar os trabalhos no decurso da votação sem justa causa apresentada ao juiz até 3 (três) dias após a ocorrência.

(...)

Art. 367. A imposição e a cobrança de qualquer multa, salvo no caso das condenações criminais, obedecerão às seguintes normas:

(...)

§ 2º A multa pode ser aumentada até dez vezes, se o juiz, ou Tribunal considerar que, em virtude da situação econômica do infrator, é ineficaz, embora aplicada no máximo. (Incluído pela Lei nº 4.961, de 4.5.1966)

 

Contudo, o Tribunal Superior Eleitoral, atento ao preceito constitucional do art. 7º, inc. IV, da CF, que veda a vinculação do salário mínimo para qualquer fim, regulamentou, por meio da Resolução TSE n. 23.659/21, a matéria atinente às providências e penalidades decorrentes da não apresentação aos trabalhos eleitorais sem justificativa, estabelecendo o seguinte:

Art. 129. A pessoa que deixar de se apresentar aos trabalhos eleitorais para os quais foi convocada e não se justificar perante o juízo eleitoral nos 30 dias seguintes ao pleito incorrerá em multa.

§ 1º A fixação da multa a que se refere o caput observará a variação entre o mínimo de 10% e o máximo de 50% do valor utilizado como base de cálculo, podendo ser decuplicada em razão da situação econômica do eleitor ou eleitora, ficando o valor final sujeito a duplicação em caso de:

a) a mesa receptora deixar de funcionar por sua culpa; ou

b) a pessoa abandonar os trabalhos no decurso da votação sem justa causa, hipótese na qual o prazo aplicável para a apresentação de justificativa será de 3 dias após a ocorrência.

§ 2º A aplicação da multa de que trata este artigo observará, no que couber, o disposto nos §§ 1º a 3º do art. 127 desta Resolução.

§ 3º Recolhida a multa, será observado o previsto no art. 128 desta Resolução.

 

A Resolução em tela, em seu art. 133, fixou o valor da “base de cálculo” em R$ 35,13, litteris:

Art. 133. A base de cálculo para aplicação das multas previstas nesta Resolução, salvo se prevista de forma diversa, será R$ 35,13 (trinta e cinco reais e treze centavos).

 

Dessa feita, a multa inicial há de ser fixada entre R$ 3,51 e R$ 17,57, podendo ser decuplicada em razão da situação econômica do eleitor ou eleitora, vale dizer, pode atingir R$ 175,70, ficando tal valor final sujeito à duplicação (R$ 351,40), em caso de a mesa receptora deixar de funcionar por sua culpa ou a pessoa abandonar os trabalhos no decurso da votação, sem justa causa.

Nesse cenário, ainda que fosse imposta a penalidade em seu patamar inicial máximo, R$ 17,57, somente poderia ser majorada até R$ 175,70 se a situação econômica da eleitora exigisse o incremento, o que não se verifica no caso, pois a recorrente percebe remuneração pouco superior a um salário mínimo, como aponta a documentação acostada aos autos (ID 45321255 e 45321256)

Além disso, ainda que a mesária fosse economicamente abastada, não poderia a sanção majorada de R$ 175,70 ser duplicada, porquanto a mesa receptora de votos não deixou de funcionar regularmente e tampouco trata a espécie de abandono dos trabalhos eleitorais no curso da votação.

No caso vertente, entretanto, a penalização deve ser afastada, porque a recorrente, em sede recursal, apresentou atestado médico que demonstra ter recebido atendimento em 02.10.2022, data do pleito, com indicação de repouso por um dia, em face do diagnóstico de moléstia registrada sob CID J18 (ID 45321254).

Dessarte, tenho que restou comprovada a sua impossibilidade de atender à convocação da Justiça Eleitoral para atuar como mesária.

Destaco que a inércia da eleitora em apresentar perante o Juízo Eleitoral, no prazo de 30 (trinta) dias, a devida justificativa para sua ausência à mesa receptora de votos não obsta o reconhecimento, nesta instância, do justo motivo, na esteira da jurisprudência deste Tribunal:

RECURSO. ELEIÇÕES 2020. TRABALHOS ELEITORAIS. MESA RECEPTORA DE VOTOS. AUSÊNCIA INJUSTIFICADA. PRELIMINAR. CONHECIDOS OS DOCUMENTOS JUNTADOS AO RECURSO. MÉRITO. COMPROVADO JUSTO MOTIVO. AFASTADA A PENALIDADE IMPOSTA. DETERMINADA A REGULARIZAÇÃO DA SITUAÇÃO CADASTRAL DA ELEITORA. PROVIMENTO.

1. Irresignação contra sentença que aplicou penalidade de multa, em virtude do não atendimento à convocação da Justiça Eleitoral para exercer a função de Secretária junto à Mesa Receptora de Votos, bem como não ter justificado tempestivamente a ausência.

2. Preliminar. Juntada de documentação ao recurso. Procedimento administrativo instaurado de ofício, tendo a recorrente ciência da imposição da multa apenas quando intimada para efetuar o pagamento. Conhecidos os documentos, com fundamento no art. 266 do Código Eleitoral.

3. Apresentação, em grau recursal, de atestado demonstrando ter recebido atendimento médico em 13.11.2020 e necessitado de afastamento de suas atividades nos três dias subsequentes, período que abarcou a data da realização do pleito. Comprovada a impossibilidade de atender à convocação da Justiça Eleitoral.

4. Caracterizada a incidência de justo motivo para ausência às atividades na seção eleitoral no dia do pleito. Afastada a penalidade de multa. Determinada a regularização de situação cadastral, com o levantamento da restrição de mesário faltoso.

5. Provimento.

(TRE-RS, REl n. 0600423-72.2020.6.21.0047/São Borja, Relator Des. Federal Carlos Eduardo Thompson Flores Lenz, julgado em 06.5.2021).

 

RECURSO ELEITORAL. NOMEAÇÃO DE MESA RECEPTORA. ELEIÇÕES 2018. PRELIMINAR. AUSÊNCIA DE ADVOGADO. ADMISSIBILIDADE. MÉRITO. MESÁRIO FALTOSO. MULTA. JUNTADA DE DOCUMENTOS COM O RECURSO. JUSTO MOTIVO. ACOLHIDA A TESE DEFENSIVA. AFASTADA A MULTA IMPOSTA. PROVIMENTO.

1. Preliminar. Legitimidade do recorrente para interpor o apelo sem advogado constituído nos autos. A ausência de advogado subscrevendo a peça não impede o conhecimento do recurso, pois a sanção contra a qual se insurge o recorrente foi aplicada por juiz eleitoral no exercício da atividade administrativa, e não em atividade jurisdicional.

2. O eleitor, devidamente convocado para atuar como segundo mesário, deixou de comparecer aos trabalhos eleitorais no dia que ocorreu o segundo turno das eleições, não tendo apresentado justificativa para a ausência no prazo previsto de 30 dias. Diante da inércia do eleitor, o juízo a quo aplicou-lhe a sanção de multa.

3. O recorrente apresentou justificativa para sua ausência, instruindo o apelo com atestado e receituário médico, a fim de comprovar problemas de saúde que o teriam impossibilitado de exercer a função para a qual foi convocado. Este Tribunal firmou entendimento no sentido de admitir a juntada de documentos em grau recursal, quando se tratar de documento simples, sem a necessidade de diligência complementar.

4. No caso dos autos, os documentos comprobatórios autorizam a compreensão pela ocorrência de justo motivo. O eleitor não se furtou em atender ao chamado da Justiça Eleitoral para compor a mesa receptora de votos no primeiro turno das eleições gerais e em eleições anteriores.

5. Provimento.

(TRE-RS - RE: 8012 NOVO HAMBURGO - RS, Relator: ANDRÉ LUIZ PLANELLA VILLARINHO, Data de Julgamento: 25/06/2019, Data de Publicação: DEJERS - Diário de Justiça Eletrônico do TRE-RS, Tomo 117, Data 28/06/2019, Página 3) Grifei.

 

Desse modo, afastado o sancionamento, deve também ser levantada a restrição de mesária faltosa, regularizando-se a situação cadastral da eleitora.

 

ANTE O EXPOSTO, VOTO pelo provimento do recurso, para a) afastar a penalidade imposta a MARIA VITORIA EGERT TUBINO DORNELES; e b) comunicar ao Juízo de origem para que promova o devido levantamento da restrição de mesária faltosa junto ao cadastro eleitoral.