PCE - 0603167-16.2022.6.21.0000 - Divirjo do(a) relator(a) - Sessão: 19/06/2023 às 14:00

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des. eleitoral caetano cuervo lo pumo

Trata-se da prestação de contas apresentada por JOSÉ CARLOS MORAES, candidato ao cargo de deputado federal, não eleito, referente à arrecadação e ao dispêndio de recursos relativos às eleições gerais de 2022.

A única mácula verificada nas contas refere-se ao crédito junto ao Facebook Serviços Online do Brasil Ltda., adquirido com recursos do FEFC e não utilizado durante a campanha.

Conforme já vislumbrado em outros processos de contas de campanha, os serviços de impulsionamento de conteúdo prestados pelo Facebook são pagos antecipadamente, por meio da aquisição de conta de créditos, os quais vão sendo utilizados de forma gradual durante a campanha, sendo emitidas as notas fiscais relativas aos serviços efetivamente prestados e descontados da conta do usuário ao final de cada mês.

No caso em exame, o candidato encerrou sua campanha com créditos não utilizados no valor de R$ 710,88 (setecentos e dez reais e oitenta e oito centavos), oriundos de recursos do FEFC, os quais deveriam ter sido devolvidos pela empresa fornecedora ao candidato, pois não houve contraprestação de serviços, ou, em qualquer hipótese, restituídos ao Tesouro Nacional, consoante prevê o art. 35, § 2º, inc. I, da Resolução TSE n. 23.607/19:

Art. 35. São gastos eleitorais, sujeitos ao registro e aos limites fixados nesta Resolução:

[...].

§ 2º Os gastos de impulsionamento a que se refere o inciso XII deste artigo são aqueles efetivamente prestados, devendo eventuais créditos contratados e não utilizados até o final da campanha serem transferidos como sobras de campanha:

I - ao Tesouro Nacional, na hipótese de pagamento com recursos do FEFC;

 

De seu turno, o prestador de contas reconhece a pendência, mas afirma que o montante não foi devolvido aos cofres públicos por circunstâncias externas à sua vontade, pois a empresa contratada não efetuou a devolução da quantia remanescente. Outrossim, o candidato acostou resposta do Facebook em caso semelhante, no qual a fornecedora, em termos genéricos, atesta a impossibilidade de devolução dos valores “devido ao encerramento dos CNPJs de campanha”, de modo que “todos os reembolsos que ainda precisam ser finalizados só poderão ser creditados na conta bancária do partido político pelo qual o candidato concorreu às eleições, por questões de segurança e transparência”, seguido de formulário para preenchimento com as informações bancárias do partido político (ID 45460281).

Inconformado, o prestador de contas assevera que a solução adotada pelo Facebook ensejará prejuízos às suas contas e enriquecimento sem causa à União, ante o provável duplo recolhimento das quantias, tanto pelo candidato e pelo partido político. Por essa razão, requereu que a Justiça Eleitoral determine ao Facebook a devolução imediata da cifra ao Tesouro Nacional, mediante GRU.

Em seu respeitável voto, a Relatora, Desembargadora Eleitoral Elaine Maria Canto da Fonseca, apontou que não cabe a esta Justiça Especializada oficiar à empresa contratada, uma vez que a responsabilidade pela gestão dos valores destinados à campanha eleitoral cabe exclusivamente ao candidato, não sendo legítima a transferência da obrigação a terceiros.

De fato, em regra, a conduta dos fornecedores não exime o candidato de sua responsabilidade pela regularidade das contas prestadas à Justiça Eleitoral, especialmente em relação ao destino de recursos públicos. Assim, eventuais danos havidos por conduta do contratado, resultantes de violações contratuais e outras condutas ilícitas, deverão ser apurados em ação própria no juízo cível.

Entretanto, pedi vista dos autos para colher observações da unidade técnica deste Tribunal e aprofundar a reflexão sobre o caso concreto, uma vez que reputo inadequado o tratamento imposto unilateralmente pelo Facebook Serviços Online do Brasil Ltda. para o estorno de quantias de natureza pública.

Trago à consideração também o fato de que a empresa em questão figura na primeira posição do ranking de fornecedores nas eleições de 2022, tanto no critério de número de candidatos contratantes (19.014) quanto em volume de recursos recebidos (R$ 126.591.103,83), consoante dados disponíveis do Sistema de Divulgação de Candidaturas e Contas Eleitorais (https://divulgacandcontas.tse.jus.br/divulga/#/consulta/doadores-fornecedores/2040602022/individual/13347016000117).

Grande parcela desse lucro alcançado provém de verbas públicas, tal como na espécie, o que recomenda maior atenção pelos órgãos de fiscalização no tocante à movimentação financeira.

No aspecto, deve a Justiça Eleitoral atuar não apenas para a recomposição dos valores aos cofres públicos, mas também com o objetivo de repelir possíveis locupletamentos ilícitos ou sem causa por meio de malversação de dotações públicas por aqueles que participam, de qualquer forma, das campanhas eleitorais.

Ressalto, ainda, que, uma vez julgadas as presentes contas, com a determinação de recolhimento de valores pelo candidato, a Justiça Eleitoral não disporá de meios para acompanhar a devolução da verba pela empresa, ou mesmo para impor a sua devida destinação, caso o fornecedor mantenha os valores em seu poder.

Ademais, ainda que a empresa efetivamente realize a transferência à agremiação, o diretório partidário tenderá a recolher também ao Tesouro Nacional, configurando a dupla restituição: pelo candidato condenado e pelo partido político.

Isso porque tal triangulação entre fornecedor, partido e candidato será de difícil constatação pelo diretório partidário, que não participou do gasto nem do processo de contas originário. Assim, sob o risco de ser penalizada por doação de pessoa jurídica, é presumível que a grei política igualmente proceda ao recolhimento em favor do Tesouro Nacional, a fim de mitigar possíveis sanções.

Pode-se cogitar, ainda, que, ignorando o incidente nas contas do candidato, o órgão partidário estorne o valor ao próprio Facebook, por reputar proveniente de fonte vedada na forma prescrita pelo art. 11, § 5º, da Resolução TSE n. 23.604/19, levando, novamente, ao enriquecimento sem causa da empresa.

Em qualquer hipótese, a intermediação pelo órgão partidário não encontra amparo legal, posto que o partido político somente faz jus aos créditos remanescentes se originários de recursos do Fundo Partidário ou de verbas privadas, a teor do art. 35, § 2º, inc. II, da Resolução TSE n. 23.607/19.

Além disso, o procedimento pretendido pelo Facebook retira qualquer possibilidade de ação do efetivo responsável pelas contas e transfere tal encargo à agremiação, pondo fim à fiscalização sobre a operação nas pertinentes contas de campanha.

A partir de tais ponderações, entendo que a proposição de restituição dos recursos não utilizados à conta do partido político não cumpre os postulados da legalidade, da probidade e da transparência, posto que se afasta das previsões normativas, cria uma situação pendente nas contas e ao alvedrio do fornecedor de serviços, bem como prejudica o rastreamento, pela Justiça Eleitoral, do fluxo financeiro dos recursos públicos.

Não sendo cabível que o Facebook Ltda. persista na guarda desses valores pertencentes ao Tesouro Nacional, é possível depreender que a única razão jurídica para condicionar a transferência da verba à agremiação seja o desconhecimento de que os recursos são provenientes do FEFC, razão pela qual a empresa os trata como sobras de campanha em geral.

Desse modo, julgo necessário e suficiente para o saneamento da falha e para o escorreito tratamento dos recursos públicos que o fornecedor seja intimado sobre a natureza da quantia e para que providencie o seu depósito ao Tesouro Nacional, na forma do art. 35, § 2º, inc. I, da Resolução TSE n. 23.607/19.

 

ANTE O EXPOSTO, VOTO pela conversão do julgamento em diligência a fim de intimar o Facebook Serviços Online do Brasil Ltda. para que, no prazo de 10 (dez) dias, recolha os valores de créditos não utilizados da conta de campanha eleitoral de José Carlos Moraes (CNPJ n. 47.547.424/0001-34), no valor de R$ 710,88 (setecentos e dez reais e oitenta e oito centavos), ao Tesouro Nacional, nos termos do art. 35, § 2º, inc. I, da Resolução TSE n. 23.607/19, uma vez que pagos com recursos do FEFC, devendo, no mesmo prazo, acostar aos autos o respectivo comprovante de recolhimento.

Determino que a Secretaria Judiciária, com a intimação, disponibilize ao Facebook Serviços Online do Brasil Ltda. as informações e os meios para o correto recolhimento dos valores ao Tesouro Nacional.