RecCrimEleit - 0000014-62.2013.6.21.0057 - Acompanho o(a) relator(a) - Sessão: 19/06/2023 às 14:00

DECLARAÇÃO DE VOTO

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Na qualidade de Revisor do processo, após analisar detidamente os autos, acompanha o ilustre Relator quanto ao reconhecimento da prescrição da pretensão punitiva no que se refere a José Protázio Silva Ramos.

Por sua vez, Luciano Cardoso Ramos foi denunciado pelo Ministério Público Eleitoral (ID 44902381) porque, em 5 de maio de 2012, forneceu auxílio material (declarações de residência ideologicamente inverídicas e transporte) para que cinco pessoas, quais sejam, Juan Francisco dos Santos Fagundez, Juan Mario dos Santos Fagundez, Carla Valeria Morales Torres, Sabrina da Silva Carvalho e Nelson Lidio Ocampo Filho, todos residentes no Uruguai, para que se inscrevessem fraudulentamente eleitores em Barra do Quaraí.

Em depoimentos extrajudiciais, todos as cinco pessoas que compareceram ao Cartório Eleitoral confirmam que José Protázio e Luciano forneceram auxílio material para as operações cadastrais e que não residiam nos endereços declaradas, sequer em Barra do Quaraí.

Do mesmo modo, na fase de investigação policial, Galvão Luis Osório Greco (ID 44902392), então Escrevente do 1º Tabelionato de Notas de Uruguaiana, tendo trabalhado também no Tabelionato de Barra do Quaraí à época dos fatos, reconheceu que Luciano e José Protázio compareciam com muita frequência, munidos de declarações de residência, para o fim de reconhecimento de firma.

Nas razões recursais (ID 44902499), os recorrentes defendem que não há prova judicializada para fundamentar a condenação, pois somente os policiais que efetuaram o flagrante foram ouvidos em juízo. Alegam que a participação de Luciano se restringiu a dar carona aos corréus. Refere que Carla Valeria Torres e Nelson Lidio Ocampo Filho já possuíam cadastro eleitoral na 57ª Zona e que os documentos encontrados com o acusado envolvem apoiadores do Partido Progressista, por ele dirigido em Barra do Quaraí/RS, e a relação de possíveis trabalhadores para a Secretaria Municipal de Indústria e Comércio, para contratações que não se realizaram.

Ocorre que, por ocasião do flagrante, também foram apreendidos documentos que corroboram os relatos contidos nos depoimentos extrajudiciais e judiciais, no sentido de que Luciano e seu pai José Protázio operaram um esquema de transferências eleitorais de brasileiros residentes no Uruguai para Barra do Quaraí, consoante bem anotado na sentença:

No automóvel utilizado por LUCIANO para levar Carla Valéria, Sabrina e Nelson Olidio da Barra do Quarai até o Cartório Eleitoral de Uruguaiana foram apreendidos os seguintes documentas (Auto de Apreensão fls. 74-75), os quais, por serem provas não repetíveis e antecipadas. nos termos do art. 155 do CPP, podem ser utilizados para fundar juízo de certeza, inclusive em ratificação do que foi produzido na fase policial. Confira-se:

- Uma agenda, contendo em seu interior anotações diversas, especificamente na fl. do dia 30 de abril de 2012 "faltam ter inscrições eleitoral" seguida de listagem de nomes diversos numerados de 1 a 19 e, em seu interior diversas anotações.

 -Título Eleitoral, plastificado, em nome de FERNANDA GISSELE ALVARENGA DIAZ, 09/09/1981, nº 093072420426, zona 57, seção 271, município Barra do Quaraí/RS;

- Comprovantes de faturas diversas dentre os quais da Corsan e AES SUL. Em nome das pessoas: MARIA HELENA REFATI PRADELLA, IAD MAHOUD ABDER RAHIM CHOLI, ELZA MARIA GOMES PORTO, MUSTAFA IBDEIR, ELI GOULARTE TRILHOS e JAMILE SCHAEFFER DE SOUZA;

- Uma listagem com cabeçalho contendo identificação da Prefeitura Municipal da Barra do Quarai, Programa "Barra Sem Fome", "famílias contempladas com a cesta básica emergencial mês de outubro de 2011". composta de 7 laudas.

- uma listagem com nomes diversos, composta de 22 laudas Impressas e mais algumas em branco;

- uma listagem com cabeçalho impresso da Prefeitura da Barra do Quarai/RS, gabinete do prefeito, com título "RELAÇÃO DE OBRAS E INVESTIMENTOS DO GOVERNO MUNICIPAL DA BARRA DO QUARAÍ - GESTA0 2005-2008, E 2009-2010.

 

Posteriormente, outros documentos foram apreendidos na residência comum de Luciano e José Protázio (ID 44902432 e 44902433), mediante prévia autorização judicial, cabendo transcrever novamente a análise contida na sentença:

Na fl. 579 dos autos, consta uma lista de oito pessoas, dentre as quais se encontram Sabrina da Silva Carvalho: Juan Mario. Juan Francisco Fagundez. Nelson Olidio Ocampo e Carla Valéria Torres, com a anotação “inscrição” ao Iado dos primeiros quatro nomes e "transferência" em relação a última. Veja se que estas foram exatamente as operações feitas pelos alistandos e pela eleitora, conforme demonstram os Requerimentos de Alistamento Eleitorais de fls. 47, 53, 59, 65 e 69. Na folha referente ao dia 31 margo/1º de abril de 2012 da agenda encontrada na casa de JOSÉ PROTÁZIO, consta uma lista com o nome de 24 pessoas com o título "Nomes Para Inscrição Eleitoral". No dia 7 de abril de 2012 da referida agenda: consta mais uma listagem de nomes, na qual há referência aos nomes de Juan Francisco. Juan Mario Fagundez e Sabrina da Silva Carvalho. Da mesma forma, foram apreendidos, dentre outros, os seguintes documentos:

- três folhas compondo uma lista de nomes de eleitores com seus dados cadastrais;

- duas folhas contendo uma relação manuscrita com 70 nomes e endereços correspondentes;

- uma folha contendo cópias de RG, CPF e título eleitoral de Adão Piragipe da Rosa Bastos;

- quatro comprovantes de pagamento da empresa AES SUL, dois em nome JOSÉ PROTÁZIO RAMOS, um em nome de OSMAR LUIZ PRADELLA e um em nome de MARIA DO PORTO ROMER.

 

A documentação apreendida demonstra uma atividade sistematizada de captação de potenciais eleitores e obtenção de comprovantes de residências, incluindo a expressa menção a, no mínimo, três das pessoas surpreendidas no flagrante policial ao lado de Luciano.

A regra geral do artigo 155 do CPP, de que o juiz não pode fundamentar sua decisão apenas nas provas produzidas durante a fase investigatória, é expressamente excepcionada quando se trata de provas cautelares, irrepetíveis e antecipadas, hipóteses dos documentos apreendidos.

Outrossim, na linha do voto do Relator, inviável o reconhecimento do crime em relação a Nelson Lidio Ocampo Filho, uma vez que a operação requerida no Cartório Eleitoral consistiu em mera atualização cadastral de eleitor já inscrito em Barra do Quaraí há quase 10 anos, sendo impossível a fraude em nova “inscrição” ou “transferência” que não ocorreu.

Assim, tal como constou no voto do Relator, havendo somente quatro operações fraudulentas em continuidade delitiva, o patamar de exasperação da pena deve ser reduzido para ¼, culminando na pena definitiva de 3 anos, 1 mês e 15 dias de reclusão.

Também em relação ao redimensionamento da pena de multa e das penas substitutivas da privação de liberdade, estou de pleno acordo com o Relator.

Embora ainda persista relevante debate doutrinário acerca do tema, o STJ consolidou o entendimento de que a regra do cúmulo material da pena de multa (art. 72 do CP) não se aplica ao crime continuado, uma vez que este, com fundamento na teoria da ficção jurídica, é considerado um crime único para fins de aplicação da pena, devendo incidir sobre a multa a mesma fração de exasperação aplicada à pena privativa de liberdade.

Nessa linha, os seguintes julgados:

PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. CRIME TRIBUTÁRIO. ART. 72 DO CÓDIGO PENAL - CP. PENA DE MULTA. CÚMULO MATERIAL. REGRA INAPLICÁVEL AO CRIME CONTINUADO. AGRAVO DESPROVIDO. 1. Nos termos da jurisprudência desta Corte, a regra do cúmulo material com relação à pena de multa, nos termos preconizados no art. 72 do CP, não se aplica aos casos em que reconhecida a continuidade delitiva, como na hipótese dos autos. Precedentes. 2. Agravo regimental desprovido.

(STJ - AgRg no REsp: 1952970 MG 2021/0253807-4, Relator: Ministro JOEL ILAN PACIORNIK, Data de Julgamento: 07/06/2022, T5 - QUINTA TURMA, Data de Publicação: DJe 10/06/2022) Grifei.

 

PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. ARTIGO 72 DO CÓDIGO PENAL - CP. REGRA APLICADA ÀS HIPÓTESES DE CONCURSO FORMAL OU MATERIAL, NÃO INCIDINDO AOS CASOS EM QUE HÁ CONTINUIDADE DELITIVA. AUSÊNCIA DE ILEGALIDADE NO CASO DOS AUTOS. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO. 1. Conforme jurisprudência desta Corte, a regra do art. 72 do Código Penal - CP é aplicada às hipóteses de concurso formal ou material, não incidindo o referido dispositivo aos casos em que há reconhecimento da continuidade delitiva. [...]. 3. Agravo regimental desprovido.

(STJ - AgRg no REsp: 1843797 SP 2019/0312709-9, Relator: Ministro JOEL ILAN PACIORNIK, Data de Julgamento: 05/03/2020, T5 - QUINTA TURMA, Data de Publicação: DJe 16/03/2020) Grifei.

 

AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. APROPRIAÇÃO INDÉBITA. DOSIMETRIA DA PENA. PRIMEIRA FASE. FUNDAMENTAÇÃO CONCRETA E IDÔNEA. QUANTUM DE AUMENTO DA PENA. DESPROPORCIONALIDADE.

[...].

CONTINUIDADE DELITIVA. CÁLCULO DA PENA DE MULTA. NÃO INCIDÊNCIA DO DISPOSTO NO ART. 72 DO CÓDIGO PENAL. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO.

1. A jurisprudência desta Corte assentou compreensão no sentido de que o art. 72 do Código Penal é restrito às hipóteses de concursos formal ou material, não sendo aplicável aos casos em que há reconhecimento da continuidade delitiva. Desse modo, a pena pecuniária deve ser aplicada conforme o regramento estabelecido para o crime continuado, e não cumulativamente, como procedeu a Corte de origem.

2. Agravo regimental parcialmente provido para redimensionar a pena corporal, que passa a ser de 2 (dois) anos, 7 (sete) meses e 2 (dois) dias de reclusão, em regime inicial aberto, reduzindo-se a sanção pecuniária para 21 (vinte e um) dias-multa, calculados conforme a sentença condenatória, e também para restabelecer a substituição da pena corporal por duas restritivas de direitos, nos termos do art. 44, § 2º, segunda parte, do Código Penal, tal como fixado pela sentença condenatória.

(AgRg no AREsp n. 484.057/SP, relator Ministro Jorge Mussi, Quinta Turma, julgado em 27/2/2018, DJe de 9/3/2018.) Grifei.

 

Ademais, abrandada a pena privativa de liberdade ante o reconhecimento de somente quatro ilícitos, deve a prestação pecuniária substitutiva também ser reduzida para o montante de 4 (quatro) salários mínimos.

 

ANTE O EXPOSTO, acompanho integralmente o judicioso voto do douto Relator.