RecCrimEleit - 0000014-62.2013.6.21.0057 - Voto Relator(a) - Sessão: 19/06/2023 às 14:00

VOTO

O recurso é adequado, tempestivo e comporta conhecimento.

Preliminarmente, quanto à prescrição arguida, observe-se que proferida sentença condenatória, com trânsito em julgado para o Ministério Público, calcula-se a prescrição pela pena em concreto na sentença (CP, art. 110, § 1º) para cada delito individualmente, desprezando-se o acréscimo decorrente da continuidade delitiva. Assim, o marco inicial é a data do recebimento da denúncia, e o primeiro termo interruptivo é a data da prolação da sentença condenatória, consoante art. 112, inc. I, do CP.

Com relação ao corréu JOSE PROTAZIO SILVA RAMOS, reconheço a ocorrência de prescrição, pois tendo sido condenado a dois anos e um mês de reclusão, cujo prazo prescricional é de oito anos (CP, art. 109, inc. IV), reduzido pela metade por contar o apenado com mais de setenta anos (CP, art. 115), resultaria, portanto, em quatro anos. Se não, vejamos: entre a data do recebimento da denúncia ocorrida em 14.02.2013 (ID 44902417) e a data da publicação da sentença condenatória, realizada em 20.11.2019 (ID 44902497, p. 14 e ID 44902498), transcorreram seis anos, nove meses e sete dias (contados na forma do art. 10 do CP), ou seja, a declaração de prescrição é medida que se impõe.

Já no que se refere ao prazo do corréu LUCIANO CARDOSO RAMOS, não vislumbro possibilidade de decretação de prescrição, eis que condenado a dois anos e seis meses de reclusão, que se sujeita a um prazo prescricional de oito anos (CP, art. 109, inc. IV). Verifica-se, portanto, que entre a data do recebimento da denúncia em 14.02.2013 (ID 44902417) e o data da publicação da sentença condenatória ocorrida em 20.11.2019 (ID 44902497, p. 14 e ID 44902498) transcorreram menos de oito anos.

Dessa forma, reconhecida a prescrição para o corréu JOSE, passo à análise do mérito exclusivamente para o corréu Luciano.

Em maio de 2012, LUCIANO CARDOSO RAMOS foi denunciado pelo MPE (ID 44902381) em razão de ter fornecido auxílio material, por meio de declarações de residência com conteúdo falso e transporte, para que cinco pessoas residentes no Uruguai se inscrevessem fraudulentamente eleitores em Barra do Quaraí. O réu não somente orientou os pretensos eleitores a declararem que residiam há dois anos nos endereços fornecidos e a não permanecerem juntos na fila como os transportou até o Cartório Eleitoral de Uruguaiana/RS.

Sendo assim, Luciano foi preso em flagrante em frente ao Cartório Eleitoral de Uruguaiana, enquanto aguardava os mencionados eleitores a realizarem suas inscrições. A prisão foi convertida em preventiva, e o réu obteve liberdade provisória após ordem de habeas corpus concedida por esta egrégia Corte.

O pilar de sustentação da alegação recursal fixa-se no argumento de que a condenação tenha sido subsidiada, exclusivamente, em prova extrajudicial, contrariando o disposto no art. 155 do CPP.

Vejamos o que dispõe o art. 155 do Código de Processo Penal:

Art. 155. O juiz formará sua convicção pela livre apreciação da prova produzida em contraditório judicial, não podendo fundamentar sua decisão exclusivamente nos elementos informativos colhidos na investigação, ressalvadas as provas cautelares, não repetíveis e antecipadas.

 

Esse artigo consagra o princípio do livre convencimento na valoração das provas, no qual se expressa a liberdade do juiz atrelada à análise das provas produzidas em contraditório judicial, sendo-lhe vedado julgar com base exclusiva nos elementos produzidos no inquérito.

Com efeito, na fase extrajudicial não é dado ao investigado/indiciado a garantia constitucional do contraditório e da ampla defesa suficiente, de modo que no inquérito, em regra, não se colherá provas, mas somente indícios capazes de fundamentar a denúncia perpetrada pelo Ministério Público Eleitoral, contudo, insuficientes para a decretação de uma condenação.

Entretanto, não se pode olvidar que esse mesmo dispositivo legal abarca três exceções: as provas cautelares, não repetíveis e antecipadas.

No caso dos autos, destaca-se a existência de provas não repetíveis colhidas na investigação policial e, para além dessa salvaguarda, há depoimentos juramentados de três agentes policiais federais coletados em juízo confirmando os depoimentos obtidos em fase inquisitorial.

Trecho extraído da sentença IDs 44902496 e 44902497 no qual se pode verificar a convergência das narrativas em sede judicial e extrajudicial:

Todavia, o depoimento prestado em juízo pelo agente Carlos Eduardo da Silva Rosas (fls. 960-962,. plenamente convergente com seu relato prestado na face policial (fls. 12-14), colhido em contraditório judicial, confirma plenamente o que se extrai dos relatos acima citados, o que confere segurança em relação a conclusão do cometimento do fato delituoso pelos réus Jose Protázio e Luciano.

 

De modo que, em respeito ao princípio constitucional do contraditório, a prova extrajudicial pode ser utilmente oposta ao acusado na medida em que possui amparo suficiente na prova coletada durante a instrução.

Quanto à prova documental consubstanciada por requerimentos de alistamento eleitoral, comprovantes de endereço em nome de terceiro e respectivas declarações de residência referentes aos endereços declarados nos RAEs, embora tenha sido acostada aos autos na fase extrajudicial, foram objeto de contraditório na fase de instrução, nada sendo oposto quanto ao teor ou à veracidade, restando com idêntico valor probante, independente da fase em que foram apresentados.

Ainda que não se considere a prova documental acostada aos autos em fase inquisitorial, a decisão recorrida encontra lastro na prova oral colhida dos testemunhos e interrogatórios judiciais, contemplando o crivo do contraditório.

Como pode ser observado em trecho da sentença, a prova documental entabulada em fase extrajudicial foi confirmada por meio da prova oral colhida em sede judicial:

Convergindo com o relatado pelos cinco eleitores, destaca-se o testemunho de JORGE TESCHE, feito em audiência do dia 04.9.2017. fls. 896/897 “os uruguaios disseram residir no Uruguay quando inquiridos" (...) "quando perguntei a Carla, Nelson e Sabrina quem tinha trazido eles da Barra para Uruguaiana eles apontaram para Luciano que se encontrava em frente ao Cartório”.

 

Frise-se que inexiste óbice à condenação baseada apenas em prova testemunhal desde que não haja dúvida quanto à parcialidade das testemunhas.

No ponto, observo não constar nos autos eventual nulidade diante da parcialidade das testemunhas. Ademais, os testemunhos e depoimentos judiciais das autoridades policiais não são depoimentos indiretos de pessoas que não assistiram aos fatos, haja vista que a prisão foi em flagrante delito. As testemunhas relataram os fatos em juízo diretamente, ou seja, a partir do que efetivamente perceberam acontecer, momento em que as partes e o juiz têm a oportunidade de inquirir a testemunha e buscar expor ao magistrado eventuais inconsistências de seu relato, garantida no art. 212 do CPP.

No caso em tela, ao contrário do arguido em recurso, verifico que a condenação de Luciano não se encontra fundamentada unicamente nas provas produzidas na fase inquisitorial, tais como: auto de prisão em flagrante (ID 44902382 – pp. 02-04); depoimentos extrajudiciais (ID 44902382 – pp. 05-06, ID 44902383 – pp. 01-12, ID 44902390, pp. 24-25, ID 44902391, pp. 10-13 e 17-18, ID 44902392, pp. 15-16); e Requerimentos de Alistamento Eleitoral – RAEs acompanhados de comprovantes de endereço em nome de terceiros e das respectivas declarações de residência nos endereços dos comprovantes (ID 44902385, ID 44902386, pp. 01-12). Mas, sobretudo, nas provas orais colhidas em juízo, por meio de testemunhos (ID 44902467, ID 44902468 e ID 44902481 – pp. 08-10) e interrogatórios (IDs 44902503, 44902504, 44902505, 44902506, 44902507, 44902508, 44902509), os quais inclusive confirmaram a prova documental e os depoimentos extrajudiciais.

Portanto, tenho que deve ser mantido o juízo condenatório.

Contudo, em relação à dosimetria da pena, há adequações a serem feitas.

Foram considerados 5 crimes cometidos por LUCIANO CARDOSO RAMOS em continuidade delitiva, com o aumento de 1/3 sobre a pena de 2 anos e 6 meses de reclusão, culminando na pena integral de 3 anos e 4 meses de reclusão (ID 44902497, p. 12).

Todavia, na hipótese do crime em relação ao eleitor Nelson Lidio Ocampo Filho, é possível verificar que compareceu para uma mera “revisão" (ID 44902386, fl. 9), ou seja, já era eleitor de Barra do Quaraí. Ainda, consoante se evidencia do título eleitoral acostado aos autos (ID 44902386, fl. 13), o referido eleitor já estava inscrito eleitor em Barra do Quaraí, no mínimo, desde 29.05.2003. Desse modo, sem efetiva nova “inscrição” ou “transferência” de circunscrição, não há a caracterização do crime do art. 289 do Código Eleitoral.

Dessarte, há de ser reduzido o quantitativo de delitos a serem considerados para 4 crimes cometidos em continuidade delitiva, sendo que o acréscimo deve ser reduzido a ¼ sobre a pena de 2 anos e 6 meses de reclusão, devendo a pena ser fixada em 3 anos, 1 mês e 15 dias.

Também a pena de multa merece adequação, pois a regra do art. 72 do Código Penal, que prevê o somatório das multas, não pode ser aplicada aos crimes continuados, mas apenas às hipóteses de concurso de crimes (STJ - AgRg no AREsp n. 2.027.717/SP, relatora: Ministra Laurita Vaz, Sexta Turma, julgado em 14/6/2022, DJe de 21/6/2022).

Considerando o aumento pela continuidade delitiva em 1/4, a pena de multa consolida-se no total de 12 dias-multa, ou seja, 10 dias-multa acrescidos de 1/4 e desprezada da fração, mantidos os demais termos da sentença quanto ao ponto.

Por derradeiro, consigno que a sentença substituiu a pena privativa de liberdade por duas restritivas de direitos, sendo uma de prestação de serviços à comunidade ou a entidades públicas, com a mesma duração, e outra de prestação pecuniária consistente no pagamento em dinheiro à entidade pública ou privada, a ser definida pelo juízo da execução, do valor de 5 salários-mínimos nacionais (considerando 5 crimes em continuidade delitiva).

Tendo em vista o redimensionamento da pena restritiva de liberdade para o reconhecimento de 4 crimes em continuidade delitiva, razoável e proporcional a redução ao montante de 4 salários-mínimos.

ANTE O EXPOSTO, VOTO pelo provimento parcial do recurso para declarar a prescrição em relação ao corréu JOSE PROTAZIO SILVA RAMOS e reduzir a pena privativa de liberdade de LUCIANO CARDOSO RAMOS para 3 anos, 1 mês e 15 dias de reclusão, 12 (doze) dias-multa, arbitrados em 1/20 (um vigésimo) do salário-mínimo vigente à época dos fatos, e substituir a pena privativa de liberdade por duas restritivas de direitos, sendo uma de prestação de serviços à comunidade ou a entidades públicas, com a mesma duração da pena substituída, em local a ser definido pelo juízo da execução, e outra de prestação pecuniária, consistente no pagamento em dinheiro à entidade pública ou privada com destinação social, a ser definida pelo juízo da execução, do valor de 4 (quatro) salários- mínimos nacionais, mantidas as demais determinações da sentença.