REl - 0600693-67.2020.6.21.0089 - Divirjo em Parte com o(a) Relator(a) - Sessão: 15/06/2023 às 09:30

DECLARAÇÃO DE VOTO

des. eleitoral caetano cuervo lo pumo

Sobre a questão da prova e do mérito da ação, acompanho integramente o judicioso voto da Desembargadora Vanderlei Teresinha Tremeia Kubiak, a fim de reconhecer que CLAUDICIR BAUM incorreu na prática de captação ilícita de sufrágio durante a campanha de 2020, atraindo as sanções previstas no art. 41-A, caput, da Lei n. 9.504/97, quais sejam, a multa e a cassação do diploma.

Em relação à questão envolvendo a aplicação da inelegibilidade prevista no art. 1º, inc. I, al. “d”, da Lei Complementar n. 64/90, por ser medida incompatível com a condenação em tela, entendo que está caracterizado o error in judicando, ou seja, o descompasso entre a decisão o direito material aplicável, motivo pelo qual acompanho o voto divergente lançado pelo Desembargador Federal Rogério Favreto.

Como cediço, a causa de inelegibilidade prevista na referida alínea “constitui efeito secundário da procedência do pedido que reconhece a captação ilícita de sufrágio, não podendo ser declarada expressamente na sentença ou acórdão condenatórios em representação por captação ilícita de sufrágio” (TSE - AI: 60569 / PR, Relator: LUIZ FUX, Data de Julgamento: 13/09/2016, Data de Publicação: DJE de 07/11/2016).

Por essa razão, entendo que a ausência de impugnação expressa e específica sobre a sanção equivocadamente aplicada não impede o seu conhecimento pelo Tribunal, inclusive porque o pedido de reforma está implicitamente contido na pretensão de improcedência da demanda, que abrange, em menor ou maior extensão, o afastamento parcial ou total das penalidades impostas na sentença.

Na verdade, tal inelegibilidade será aferida em futuro e eventual pedido de registro de candidatura, do que se pode cogitar até mesmo em usurpação da competência atribuída aos juízos perante os quais tramitarão tais requerimentos, inclusive dos Tribunais Regionais e do TSE a depender do cargo eletivo em disputa.

Não posso deixar de registra que a própria decisão recorrida, ao mencionar a inelegibilidade, o fez com base na Lei Complementa n. 64/90, trazendo, inclusive, certa dúvida quanto à sua efetiva aplicação no caso em tela que, entendo, precisa ser sanada no presente feito, na forma proposta pelo Desembargador Federal Rogério Favreto.

Por fim, registro que, em caso de trânsito em julgado da sentença, o tema da inelegibilidade poderia ser tratado em futura AIRC e o error in judicando, em tese, poderia até mesmo ser enfrentado, motivo pelo qual corrigi-lo agora gera importante segurança jurídica.

Dessa maneira, é impositivo o afastamento da parte do comando sentencial que refere a inelegibilidade ao recorrente.

Em relação ao recálculo dos quocientes eleitoral e partidário, entendo que seja matéria de maior complexidade e discussão, de modo que não fica autorizada a modificação da sentença sem a devida interposição de recurso por parte do Ministério Público Eleitoral, estando preclusa a decisão de primeiro grau.

No caso concreto, não houve mero erro material ou procedimental no lançamento da sentença, pois a opção da magistrada monocrática expressamente fundamentou seu entendimento com julgado deste Tribunal pelo qual, “conforme o art. 175, § 4º, do Código Eleitoral, quando a decisão de cancelamento de registro ocorrer após a realização da eleição, os votos serão direcionados para a agremiação partidária pela qual tiver sido feito o registro do candidato” (Recurso Eleitoral n. 59902, ACÓRDÃO de 29/08/2018, Relator: DES. ELEITORAL GERSON FISCHMANN, Publicação: DEJERS - Diário de Justiça Eletrônico do TRE-RS, Tomo 159, Data 31/08/2018, Página 3).

Ocorre que até o advento da Resolução TSE n. 23.611/2019, o TSE interpretava conjugadamente os arts. 175, § 4º e arts. 175, § 4º, e 222 do Código Eleitoral, posicionando-se no sentido de que “os votos anuláveis pertencem à legenda pela qual eleitos os parlamentares eventualmente cassados, a teor do art. 175, §§ 3º e 4º do Código Eleitoral, uma vez proferida a decisão pela Justiça Eleitoral, no caso concreto, após a realização do pleito” (RO n. 537003/MG, Relatora: Ministra Rosa Weber, julgamento: 21.08.2018, DJe de 27.09.2018).

A despeito de atualmente prevalecer a dicção do art. 198, inc. II, al. “b”, da Resolução TSE n. 23.611/19, no sentido de que os votos atribuídos ao candidato cassado em ação autônomo por ilícitos eleitorais, após o pleito, devem ser anulados para todos os fins, com o recálculo dos quocientes eleitoral e partidário, há ávido debate doutrinário sobre o tema.

Tais controvérsias envolvem, até mesmo, o confronto da decisão de invalidação dos votos com o devido processo legal material e formal, sendo inequívoco que, quanto ao ponto, o prejuízo recai direta e concretamente sobre à agremiação, que, aqui, sequer participou do processo, já tendo o TSE decidido que “o parlamentar cassado não possui interesse de agir na interposição de recurso especial para atacar acórdão regional no ponto em que determinou o recálculo do quociente eleitoral e partidário” (TSE - RESPE: 000027008/RS, Relatora: Min. Luciana Lóssio, julgamento: 21/06/2016, DJE de 09/08/2016, Página 22).

Demonstrando as controvérsias atuais que agasalham a opção sentencial, colho manifestações expostas em debate sobre o tema promovido pela Abradep, já sob a vigência da Resolução TSE n. 23.611/19:

Como presumir anulados votos que são constitucionalmente partidários sem a defesa do mesmo na ação que os anula, sobretudo num sistema eleitoral que utiliza o critério do quociente partidário e das maiores médias para a distribuição de cadeiras nos parlamentos? Essa circunstância de anulabilidade superveniente dos votos proporcionais, ainda que por conduta individual do candidato, exige que se considere o partido político como litisconsorte passivo necessário de qualquer demanda que envolva a possibilidade de cassação de registro, diploma ou mandato com anulação integral dos votos do candidato e do partido? (Guilherme Gonçalves)

 

O sistema proporcional brasileiro indica que o voto é, prima facie, partidário, logo, não dá para aplicar presunção absoluta de culpa aos partidos. (Rodolfo Viana)

 

[...].

 

Para se privar alguém de um bem é preciso ter causa justa, e ainda assim isso só poderia ocorrer dentro de um processo legal. Trata-se de garantia que a Constituição assegura a todos; são os maiores bens que conquistamos como coletividade. Um candidato praticar ilícito e ser responsabilizado por sua conduta está certo, mas isso não implica que automática e necessariamente o seu e outros partidos também devam ser responsabilizados. É preciso olhar o sistema jurídico-constitucional. Anular votos dados livremente a um partido (que é pessoa jurídica) (1) sem causa a ele diretamente vinculada e (2) sem lhe permitir se defender em um processo legal justo afigura-se algo inusitado. Sem contar que, com a reconfiguração dos resultados, a composição dos órgãos legislativos e a correlação de forças políticas no meio da legislatura pode eventualmente acarretar forte instabilidade institucional e crise de governabilidade. Vale lembrar que a Justiça Eleitoral e o processo eleitoral foram concebidos justamente para proporcionar estabilidade ao sistema, e não o contrário. (José Jairo Gomes)

 

(ACADEMIA BRASILEIRA DE DIREITO ELEITORAL E POLÍTICO - ABRADEP. Nulidade dos votos pelo artigo 222 e retotalização. Brasília, 22 e 23 de

setembro de 2020. Whatsapp. Abradep debate nº 3. Disponível em: https://abradep.org/wp-content/uploads/2021/04/Abradep-debate-no-3-acessivel.pdf) Grifei.

 

Logo, a solução lançada na sentença acerca da validade dos votos para a legenda é expressa e fundamentada, bem como encontra ressonância em interpretação defensável, embora minoritária, de dispositivos do Código Eleitoral e, mesmo, sobre as consequências da falta da participação do partido político no processo.

Nesse caso, diferente da questão anterior, caso a sentença de primeiro grau fizesse coisa julgada, por eventual ausência de recurso, a decisão quanto aos votos permanecerem na legenda seria imediatamente cumprida e não haveria qualquer medida jurídica capaz de alterá-la, notadamente porque, como dito, foi suficientemente fundamentada e traz relevante tese jurídica (mesmo que em eventual dissonância com o pensamento majoritário atual).

Desse modo, a reforma da decisão exigiria a impugnação específica pelo Ministério Público Eleitoral na via recursal própria, com razões fáticas e jurídicas em sentido contrário, o que não ocorreu, operando-se a preclusão.

 

ANTE O EXPOSTO, acompanho a divergência parcial trazida pelo Desembargador Federal Rogério Favreto, mas divirjo em maior extensão para, em acréscimo, manter a validade dos votos atribuídos para legenda partidária nos termos da sentença.