REl - 0600693-67.2020.6.21.0089 - Voto Relator(a) - Sessão: 15/06/2023 às 09:30

VOTO

Da Admissibilidade

O recurso é adequado, tempestivo e comporta conhecimento.

 

Da preliminar de nulidade por cerceamento de defesa

O MINISTÉRIO PÚBLICO ELEITORAL ajuizou a presente ação afirmando que CLAUDICIR BAUM, alcunha "Maguila", vereador eleito pelo Partido Democrático Trabalhista (PDT) de Nova Candelária/RS, teria cometido captação ilícita de sufrágio (art. 41-A da Lei n. 9.504/97). A inicial afirmou que “a denúncia anônima, aliada à prova testemunhal e aos áudios acostados ao feito, tanto trazidos na denúncia anônima, como durante a oitiva da testemunha Vilmar, demonstram de forma clara e incontestável a compra de votos pelo representado”.

Em um dos áudios trazidos aos autos, os interlocutores travam parte do diálogo em dialeto alemão, tendo sido determinada a tradução da conversa.

Em preliminar, o recorrente afirma a ocorrência de nulidade processual por cerceamento de defesa, diante do indeferimento do pedido de reinquirição das testemunhas formulado após a juntada da tradução. Sustenta que a negativa judicial impediu a defesa de esclarecer todos os aspectos da acusação.

Adianto que não reconheço a nulidade arguida.

Na hipótese, anoto que o recorrente, em sua defesa, consignou que, “após ouvidos atentamente os áudios, fica claro que o Representado não praticou a conduta que lhe é imputada“, além de tecer considerações sobre o conteúdo da gravação, como no ponto no qual menciona que, “ouvindo-se atentamente aos áudios, percebe-se que o Representado em momento algum ofereceu dinheiro ou outra vantagem para Vilmar Schmitz ou para Eliane Sieben“ (ID 44975700).

A manifestação de defesa demonstra que o recorrente não teve qualquer dificuldade na compreensão dos diálogos, cuja tradução foi juntada posteriormente aos autos.

Na peça de defesa, foi postulada a transcrição e tradução do diálogo, “como forma de assegurar a integral compreensão dos mesmos e o amplo exercício do direito de defesa“, o que foi deferido pelo juiz eleitoral.

As provas – oitiva das testemunhas arroladas e transcrição e tradução do áudio – foram postuladas sem indicação de qualquer ordem de preferência. Nesse sentido, o pedido de reinquirição da testemunha foi indeferido pelo juízo a quo, uma vez que o “áudio foi anexado à petição inicial e o representado não requereu em nenhum momento que a tradução foi realizada antes da audiência de instrução” (ID 44975803).

Ademais, o recorrente afirma que a negativa judicial impediu a defesa de esclarecer todos os aspectos da acusação, mas em nenhum momento aponta que elementos poderiam ser aclarados em uma nova oitiva.

Assim, não havendo sequer alegação concreta sobre a nulidade ventilada e muito menos demonstração do prejuízo que teria sido experimentado pelo recorrente, não há como acolher a arguição formulada.

Nesse sentido, valho-me dos fundamentos expostos no parecer da Procuradoria Regional Eleitoral (ID 45372160), de lavra do Dr. José Osmar Pumes, que adoto como razões de decidir:

Cabe ressaltar que o indeferimento da prova, por si só, não possui aptidão para configurar nulidade processual, na medida em que constitui prerrogativa do juiz a condução da instrução do feito, podendo ser indeferidas as provas consideradas irrelevantes, impertinentes ou protelatórias. No caso, trata-se de busca da repetição de uma prova já produzida, e que seria absolutamente despicienda para o esclarecimento dos fatos em discussão.

Ademais, o recorrente não aponta quais trechos da conversa gravada, e que não foi objeto de impugnação de sua parte, demandaria, após a tradução integral, algum tipo de esclarecimento, de modo a justificar a designação de nova audiência para inquirição de testemunhas.

Nesse sentido, a argumentação trazida no recurso é incapaz de demonstrar o prejuízo real causado à defesa do recorrente, assumindo caráter meramente protelatório a pretensão probatória que subjaz à sua alegação de cerceamento de defesa.

Por outro lado, como adiante se demonstrará, o trecho do áudio que foi traduzido não é a principal prova constante dos autos, pois a parte que é falada em português deixa evidente a ocorrência de captação ilícita de sufrágio, com aptidão própria para corroborar a prova testemunhal apresentada em juízo.

Assim, a eventual reinquirição de Vilmar Schmitz não seria capaz de trazer elementos suficientes para infirmar as conclusões sobre o conteúdo das conversas registradas.

Por tais razões, deve-se afastar a alegação de nulidade.

 

Menciono que o diálogo em questão é travado entre Claudir Gutjah, o cabo eleitoral, e Vilmar Luiz Schmitz, o eleitor, e nele se combina que haveria uma visita do candidato à residência do suposto corrompido, a demonstrar que as tratativas realizadas nessa ocasião não são determinantes para a efetiva ocorrência ou não da captação ilícita de sufrágio.

Logo, ausente qualquer nulidade que implique cerceamento de defesa, a preliminar deve ser rejeitada.

DESTACO

Da validade da prova

Ainda que não discutido em primeira instância e não submetida a questão a este Tribunal mediante recurso, a Procuradoria Regional Eleitoral suscita a necessidade de examinar a validade de gravação ambiental feita por um dos interlocutores sem o conhecimento dos demais, caso dos autos. O Parquet Eleitoral pontua que o Tribunal Superior Eleitoral admite, em regra, a “licitude da gravação ambiental realizada por um dos interlocutores sem o consentimento dos demais e sem autorização judicial, em ambiente público ou privado, ficando as excepcionalidades, capazes de desautorizar a utilização do conteúdo da gravação, submetidas à apreciação do julgador no caso concreto” (Recurso Especial Eleitoral n. 195, Acórdão, Relator Min. Og Fernandes, Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, Tomo 115, Data 12/06/2020), embora o pacote “anticrime” (Lei n. 13.964/19) tenha regulamentado a interceptação de comunicações, definindo que a captação ambiental deve ser efetuada por autorização judicial mediante requerimento do Ministério Público ou da autoridade policial.

Sobre a questão da gravação clandestina, esta Corte alterou seu posicionamento para reconhecer a ilicitude da gravação ambiental realizada por um dos interlocutores, ou por terceiro presente à conversa, sem o conhecimento dos demais e sem autorização judicial prévia, para as eleições de 2020, a partir do julgamento do Recurso Eleitoral nº 060024527, de relatoria do Des. CAETANO CUERVO LO PUMO (Publicação:  DJE - Diário de Justiça Eletrônico, Tomo 260, Data 09/12/2022).

Na hipótese, o acervo probatório é composto por dois áudios, um gravado em ambiente externo e, outro, dentro da casa de eleitores. Considerando que a questão da validade das captações não foi discutida em primeira instância e sequer invocada em razões recursais, tenho que descabe seu conhecimento de oficio por este Tribunal, sob pena de supressão de instância. Nesse sentido já se manifestou este TRE examinando especificamente a questão da licitude da gravação ambiental, verbis:

RECURSO. ELEIÇÕES 2020. AÇÃO DE IMPUGNAÇÃO DE MANDATO ELETIVO - AIME. PROCEDENTE. VEREADOR ELEITO. PRELIMINARES AFASTADAS. ILICITUDE DA GRAVAÇÃO AMBIENTAL. INTEMPESTIVIDADE DO ROL DE TESTEMUNHAS. IMPOSSIBILIDADE JURÍDICA DO PEDIDO. ILICITUDE DE PROVA. MÉRITO. DOAÇÃO DE REFEIÇÕES EM ANO ELEITORAL. PROMESSA DE MANUTENÇÃO DE EMPREGO EM TROCA DE APOIO ELEITORAL. MANUTENÇÃO DA SENTENÇA QUANTO AO SEGUNDO FATO. MANTIDA A CASSAÇÃO DO DIPLOMA. PARCIAL PROVIMENTO.

1. Insurgência contra sentença que julgou procedente Ação de Impugnação de Mandato Eletivo - AIME para cassar o mandato de ocupante do cargo de vereador, reconhecendo os ilícitos de doação de alimentos e promessa de manutenção de emprego em troca de votos.

2. Matéria preliminar afastada. 2.1. Ilicitude da gravação ambiental e intempestividade do rol de testemunhas. Não se declara a nulidade de ato processual sem a demonstração de efetivo prejuízo, na forma prescrita pelo art. 219 do Código Eleitoral. Manifesta inovação, na peça recursal, de matérias que, independentemente de sua natureza jurídica (pública ou privada), restam preclusas, nos termos da reiterada jurisprudência do TSE. [...]

4. Determinada a cassação do diploma, restando nulos para todos os fins os votos atribuídos ao recorrente, devendo ser realizado o recálculo dos quocientes eleitoral e partidário, por força do disposto no art. 198, inc. II, al. "b", da Resolução TSE n. 23.611/19.

5. Parcial provimento.

(Recurso Eleitoral n. 060070722, Acórdão, Relator(a) Des. DES. FEDERAL LUÍS ALBERTO D`AZEVEDO AURVALLE, Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, Data 26/09/2022)

 

Assim, os áudios juntados aos autos devem ser considerados prova válida e admissível, que deixou de ser impugnada quando havia possibilidade para tanto.

Não havendo mais questões preliminares a enfrentar, passo à análise do recurso.

 

Do Mérito

A representação por captação ilícita de sufrágio, cujo recurso se examina, foi proposta com base nos elementos colhidos pelo Ministério Público Eleitoral de 1ª Instância após o recebimento de denúncia noticiando a ocorrência do ilícito.

A inicial imputa ao recorrente a conduta descrita no art. 41-A da Lei n. 9.504/97, verbis:

Art. 41-A. Ressalvado o disposto no art. 26 e seus incisos, constitui captação de sufrágio, vedada por esta Lei, o candidato doar, oferecer, prometer, ou entregar, ao eleitor, com o fim de obter-lhe o voto, bem ou vantagem pessoal de qualquer natureza, inclusive emprego ou função pública, desde o registro da candidatura até o dia da eleição, inclusive, sob pena de multa de mil a cinqüenta mil Ufir, e cassação do registro ou do diploma, observado o procedimento previsto no art. 22 da Lei Complementar no 64, de 18 de maio de 1990.

§ 1º Para a caracterização da conduta ilícita, é desnecessário o pedido explícito de votos, bastando a evidência do dolo, consistente no especial fim de agir.

 

De acordo com a jurisprudência do Tribunal Superior Eleitoral, a captação ilícita de sufrágio somente se aperfeiçoa quando alguma das ações típicas elencadas no art. 41-A da Lei n. 9.504/97 (doar, oferecer, prometer ou entregar bem ou vantagem pessoal de qualquer natureza a eleitor, ou, ainda, praticar violência ou grave ameaça ao eleitor), cometidas durante o período eleitoral, estiver, intrinsecamente, associada ao objetivo específico de agir do agente, consubstanciado na obtenção do voto do eleitor (GOMES, José Jairo. Direito Eleitoral. 12ª ed. São Paulo: Atlas, p. 725), sendo que a ausência de prova de qualquer uma dessas elementares conduz, inevitavelmente, ao juízo de improcedência da demanda (TSE, AI n. 00018668420126130282/MG, Relator Ministro Gilmar Ferreira Mendes, DJE de 02.02.2017, pp. 394-395).

Paralelamente, o Tribunal Superior Eleitoral sedimentou que "a compra de um único voto é suficiente para configurar captação ilícita de sufrágio, pois o bem jurídico tutelado pelo art. 41–A da Lei n. 9.504/97 é a livre vontade do eleitor, sendo desnecessário aferir eventual desequilíbrio da disputa (REspe n. 462–65/SP, Rel. Min. Rosa Weber, acórdão de 19.3.2019), e que a captação ilícita de sufrágio é “circunstância que por si só basta para a procedência dos pedidos, independentemente do impacto na disputa" (AgR–REspe n. 189–61/PE, rel. designado Min. Tarcisio Vieira de Carvalho Neto, julgado em 26.5.2020, DJe de 10.8.2020).

Na hipótese, a sentença recorrida (ID 44975809) entendeu provada oferta de bem ao eleitor Vilmar Luiz Schmitz, com o fim de obter seu voto e o de sua esposa Eliane Marcieli Sieben, feita por Claudir Gutjahr, cabo eleitoral de CLAUDICIR BAUM (Maguila), com o conhecimento do recorrente, no período compreendido entre o registro da candidatura até o dia da eleição. Colho da referida decisão:

Importante consignar que, “para a caracterização da captação ilícita de sufrágio, é irrelevante aferir a potencialidade da conduta a partir do número de votos efetivamente cooptados” (Ac de 25.2.2016 no AgR-REspe nº 49956, rel Min. Henrique Neves da Silva; no mesmo sentido o Ac de 4.12.2007 no REspe nº 27737, rel. Min. José Delgado.), pois bem protegido, conforme ensinamento do Min. Nelson Jobim, é a vontade do eleitor, e não o resultado da eleição (cf. Recurso Especial n. 19.553, Bacuri/MA, de 21/03/2002, Rel. Min. Sepúlveda Pertence).

Ademais, não se exige que o ato se concretize, bastando a mera promessa para a tipificação no art. 41-A, da Lei n. 9.504/97. Desnecessária, portanto, a apresentação das cédulas que teriam sido entregues pelo representado, como argumento por este em suas alegações finais.

No caso dos autos, após a análise das provas produzidas, concluo pela procedência da representação.

O informante Vilmar Luiz Schmitz, ouvido nesta qualidade por supostamente apoiar a campanha do adversário do representado, relatou, em juízo, que estava na cidade de Nova Candelária, com sua mulher, Eliane Sieben, sendo que Gutjahr fez sinal para seu carro parar, oportunidade em que indagou se eles tinham candidato para vereador, porque teriam uma proposta para fazer. Este ofereceu 400 reais pelo voto do casal antes da eleição e mais 400 depois da eleição, além de uma festa em balneário (que não ocorreu). Falou que viriam numa terça-feira à noite em sua casa. O depoente, conversando com a esposa, chegou a conclusão de que não era certo vender o voto. Gutjahr veio um dia antes das eleições a fim de ver os títulos dos eleitores, no que o depoente disse que não sabe onde sua mulher havia guardado o título. Até este momento nem sabia quem era Maguila. Tinham a intenção de fazer a denúncia, mas ficaram com medo.

Procuraram um advogado e deixaram o áudio guardado, até terem certeza do que fazer, com receio de que fizessem algo ao seu filho em retaliação. Posteriormente Gutjahr trouxe o dinheiro até sua casa. O filho de Maguila, dias após, apareceu na cancha de bocha na Localidade de Linha 12, a fim de fazer “folia”, tanto que lhe agrediu com um tapa na mão, em razão de o depoente ter gravado os áudios. Este fazia sinal em direção ao carro como se tivesse arma ou faca no interior, a fim de ameaçar o depoente. Em relação à negociação, referiu que foram três contatos ao total. Disse que gravou os áudios porque a intenção já era de denunciar, pois o achou desonesto. No dia da entrega do dinheiro, jogaram cartas com Maguila, ficando juntos por cerca de uma hora e meia. Apenas seu pai presenciou as conversas na sua residência. Não gravou todo o encontro porque acabou a bateria do seu celular. Maguila, especificamente, nunca chegou a pedir para ver os títulos de eleitor. Quem entregou o dinheiro foi o Gutjahr, na presença do Maguila.

A testemunha Eliane Marcieli Sieben referiu que, em um dia de semana, estava junto com seu marido, Vilmar, quando Gutjahr fez sinal para que parassem o carro. Este disse que estava fazendo campanha para Maguila, sendo que daria 200 reais por voto. Em uma noite, em sua casa, jogaram baralho, acompanhados de Maguila, sendo que começaram a negociar os votos. Se ele se elegesse, iria fazer uma janta ou almoço, e daria mais 200 reais para cada voto. Ou seja, 200 reais antecipadamente e mais 200 reais se fosse eleito. Gutjahr pediu para ver os títulos de eleitor, sendo que seu marido mostrou o dele, e a depoente não encontrou o seu – inclusive a depoente vota em Horizontina. Disse que não entendeu toda a conversa, pois esta foi, em parte, em alemão. No dia em que o dinheiro foi entregue, à noite, estavam seus sogros, o marido e os filhos. Gutjahr entregou o dinheiro para seu marido, sendo que este estava lhe devendo uma quantia, já que o primeiro é agiota. A parte de seu marido, 200 reais, seria para quitar a dívida com Gutjahr, dando este quitação, entregando-lhe a nota promissória. Após as eleições, não receberam mais nada. Disse possuir temor que lhe fizessem algo de ruim, principalmente aos seus filhos. Referiu que gravaram os áudios com o intuito de denunciar, mas que estes posteriormente vazaram quando seu marido mandou consertar o telefone. Posteriormente, o filho de Maguila teria feito ameaças em virtude dos áudios gravados, intentando puxar briga com seu marido.

O informante Claudir Gutjahr, ouvido nesta qualidade por ser amigo de Maguila, aduziu que já emprestou dinheiro para Schmitz em outra oportunidade, para que este construísse sua casa. Aduziu que, na noite em questão, Schmitz teria pedido para que trouxesse Maguila até sua residência, mas que em nenhum momento foram feitas negociações acerca de compra e venda de votos. Disse não ter entregue nenhum dinheiro a Schmitz, apenas a letra. Na ocasião, apenas jogaram cartas e comeram cachorro quente, sendo que foi Schmitz quem pediu dinheiro. Disse que teria entregue a letra, mas que não estava condicionado ao voto em Maguila, sendo que ele poderia votar em quem quiser. Referiu que, na ocasião, a esposa de Schmitz inclusive teria dito que votaria em “Carlinho”. A nota promissória seria no valor de mil reais, sendo que Schmitz ainda estaria devendo a última parcela de duzentos reais. Disse que Maguila não teve nenhuma participação nas negociações entre o depoente e Schmitz. Enfatizou que não recebeu nenhum valor de Maguila a título de ser cabo eleitoral. Asseverou que não frequenta a cancha de bocha, sendo que nada sabe acerca de supostas ameaças que o filho de Maguila teria feito em relação a Vilmar Schmitz.

O informante Carlos Alberto Dick, ouvido nesta qualidade por ser filiado ao PT e amigo de Maguila, disse que foi coordenador de campanha na última eleição. Afirmou não saber nada acerca do fato. Conhece Vilmar Schmitz, mas não de forma muito próxima, sabendo apenas que ele aparece em muitos materiais de campanha da chapa opositora. Asseverou que Vilmar teria, por conseguinte, interesse no resultado da eleição. Disse conhecer Maguila, sendo que foram colegas no legislativo, de forma que nunca ouviu nada que desabonasse sua conduta. Consignou que este sempre legislou em prol da comunidade, sendo uma pessoa de boa índole.

A testemunha Elenir Stadler, filiada ao PP, disse não ter conhecimento sobre o fato objeto do processo. Asseverou conhecer Maguila há muitos anos, porquanto era concursada do município de Nova Candelária, conquanto ele era vereador, conhecendo-o pela atuação na Câmara de Vereadores. No mais, abonou a conduta de Maguila, enfatizando que nunca ouviu comentários de que este comprasse votos.

O informante Rogério Jair Hendges Schwarzer, ouvido nesta qualidade por ser amigo e vizinho de Maguila, disse que nada sabe sobre o fato específico a este imputado. Acerca da conduta deste, disse nunca ter ouvido que comprava votos.

Carlos Alberto Dick, Elenir Stadler e Rogério Jair Hendges Schwarzer nada souberam relatar especificamente sobre a imputação feita ao representado, mas somente abonaram a conduta deste, tendo, o primeiro, ainda referido que o eleitor Vilmar teria interesse político no julgamento do feito.

Em razão da alegada parcialidade de Vilmar, este foi ouvido na condição de informante.

Todavia, apesar dessa condição, tenho que seu relato, somado ao da testemunha Eliane Marcieli Sieben e da gravação efetuada, comprovam a oferta de bem a Vilmar, com o fim de obter-lhe seu voto e o de sua esposa Eliane, feita por Gutjahr com o conhecimento do representado, no período compreendido entre o registro da candidatura até o dia da eleição.

Na espécie, o bem oferecido, prometido e entregue foi dinheiro, especificamente R$200,00 por voto antes da eleição e R$200,00 após, além de uma festa em um balneário.

O dinheiro foi entregue na data anterior à eleição por Gutjahr, que verificou os títulos de eleitor do casal e entregou a quantia, após abater parte de dívida que Vilmar possuía consigo. O representado estava no local, jogando cartas, do que se conclui que tinha conhecimento da negociação feita.

O relato do informante e da testemunha condiz com a gravação por aquele efetuado, cujo diálogo segue:

O senhor fala: Nós iremos agendar uma visita para amanhã à noite. Você tem o título” por aí deitado”, daí o Maguila passa aqui, a gente entrega o dinheiro, onde Você vai estar amanhã à noite.

- Estou em casa.

Senhor: E tua esposa?

-Rapaz: Também.

Senhor: Pega todos os títulos eleitorais, de todos. Quando ele vem entrega para ele ( mostra)/ falam onde estão os títulos. Daí amanhã a noite vai ser bem rápido, preciso sempre fazer isso à noite.

- Meu está aqui.

Preciso ver se o título da Eliane não está na bolsa da mãe. Por que a mãe não está em casa. Ela tinha uns papel.

Rapaz fala com a Eliane: teu título de eleitor está na bolsa da minha mãe. E o meu... é este. Este é meu título eleitoral.

O rapaz continua dizendo minha identidade também não está aqui.

O senhor diz: Daí amanhã à noite vai ser mais rápido. Eu preciso sempre passar à noite...

Senhor diz: * Você vota em Arrasá. Seção 16. Da tua mulher vejo amanhã, não podemos demorar muito, melhor. Então escuta guri, diga para tua mulher é uma coisa séria e certa. Vamos dar 400 Reais agora e depois mais 400 Reais e mais uma festa com cerveja de graça, depois da eleições, 14 dias.

O rapaz: mas o Maguila vai vir junto?

Senhor: eu e ele. Daí já vou adiantando vou mais em uma pessoa ali em cima já conferi.

Senhor: Vou em mais uma pessoa nós estamos anotando... esses dias aconteceu um caso com um cara lá em São Miguel que ele pagou os 400, mas depois descobriu que a mulher votava em outra cidade, olhamos o título e eles devolveram o dinheiro. Tem muitos que fazem assim.

Senhor: mesma coisa se teu pai tinha indicado e se teu pai tinha falhado, daí teu pai (ele não completa frase. E o rapaz interrompe: Mas tá certo!

Senhor: Onde teus pais votam? Eles já tem candidato?

Rapaz: Eles estão planejando. Eu não consegui tempo de passar lá.

Senhor: Escuta amanhã à noite eles estão em casa.

Rapaz:- Sim

Senhor: Então vamos conversar, mas isto fica aqui entre nós, não fica comentando.

Senhor: Essa compra de votos não deve ser feita, não comenta, mas todo mundo faz.

Rapaz: eu abertamente estou fazendo campanha para o Mário. Não para vereador, estou indo atrás de voto para o Mário ,... não compro voto , não tenho dinheiro. Eu sou honesto em dizer.

No meio da conversa o senhor diz: Mas se é para o vereador já tá bom!

Senhor: Então amanhã a noite eu desconto 200....e o resto fim do mês. Tu quer fim do mês ou amanhã?

Rapaz: Pode descontar? Mas traz a letra.

Senhor: Mas se tu precisa não tem pressa.

Senhor diz: O Maguila me ligou ontem, tem pessoas, fiz um negócio de Itaqui , São

Borja.... Eles vem votar. Gasolina e mais 100 Reais.

Senhor diz: Tudo certo amanhã vai ser bem rápido. Se teus pais já tem ... prefeito para quem quiser, mas sele não tem vereador, ele diz seja honesto.

Senhor: Mas tu fala para o teu pai ficar quieto, Mas par prefeito pode votar quem quiser, mas

O rapaz : talvez eles vão dar um voto para o Marquinhos por que ele é um cara cabeça

Senhor diz: Beleza, mas é melhor ser honesto.

Senhor: Agora preciso ir amanhã eu volto a gente fecha e vê tudo. Tua mulher vota aqui no salão?

Rapaz: ela é na Schweinfest eu errei a seção queria fazer na mesma.

Senhor até amanhã

A conversa travada entre Gutjahr e Vilmar é clara por si só. Mas destaco, mesmo assim, os seguintes trechos.

Gutjahr diz:" Nós iremos agendar uma visita para amanhã à noite. Você tem o título... daí o Maguila passa aqui, a gente entrega o dinheiro...".

Posteriormente, ele diz: "então escuta guri, diga para tua mulher é uma coisa séria e certa. Vamos dar 400 Reais agora e depois mais 400 Reais e mais uma festa com cerveja de graça, depois da eleições, 14 dias [sic]". Indagado se Maguila compareceria, Gutjahr diz: "eu e ele. Daí já vou adiantando vou mais em uma pessoa ali em cima já conferi".

E continua, depois: "Essa compra de votos não deve ser feita, não comenta, mas todo mundo faz".

Desnecessário realizar maiores considerações. Houve a promessa de pagamento de dinheiro, em espécie e por meio de abatimento de dívida, aos eleitores Vilmar e sua esposa, com o fim de obter-lhes os votos em favor do candidato Maguila, ora representado. Este tinha plena ciência da captação ilícita de voto, pois foi com Gutjahr até onde Vilmar e sua família estavam, quando ele, Gutjahr, faria o pagamento da primeira parte do valor, o que ocorreu na véspera das eleições.

Inclusive, pelo que se depreende do relato de Gutjahr, no mesmo dia (véspera das eleições) ele iria com Maguila encontrar outra pessoa para com o mesmo objetivo ("vou adiantando, vou mais em uma pessoa...").

A versão dada pelo representado, a saber, de que Vilmar e sua esposa buscam prejudicá-lo, pois são seus inimigos, e que os áudios foram manipulados objetivando a realização de uma vingança política, resta totalmente isolada nos autos, além de inexistir um mínimo de prova para convencer o juízo de tais teses.

De outra banda, tenho que destituído de credibilidade o depoimento prestado por Claudir Gutjahr, pois tem interesse comprovado no feito, uma vez que diretamente envolvido nos fatos que ensejaram a representação. A conduta do informante visa, evidentemente, favorecer o representado.

Denota-se com clarividência que o representado procurou obter votos de maneira ilícita, utilizando-se de terceira pessoa (Gutjahr) para tanto.

Face ao exposto, julgo PROCEDENTE a representação proposta pelo Ministério Público Eleitoral do Estado do Rio Grande do Sul em face de Claudicir Baum, alcunha "Maguila", Vereador eleito pelo Partido Democrático Trabalhista (PDT) de Nova Candelária/RS, brasileiro, casado, natural de Boa Vista do Buricá/RS, filho de Carlos Alberto Baum e Lourdes Lenhart Baum, RG sob o nº 8055597201, CPF nº 712.862.840/15, residente em Linha Fátima, 334, no Município de Nova Candelária/RS.

Em consequência, condeno o representado a pagar multa no valor de R$5.320,50, ex vi do disposto no art. 109 da Resolução n. 23.610, de 18 de dezembro de 2019, do TSE, tendo em vista a prática de captação ilícita de sufrágio nas eleições municipais de 2020. Saliento que a multa foi fixada nesse valor tendo em vista a comprovação da promessa de bem, em troca de voto, de dois eleitores, bem como de sua capacidade financeira.

Ainda, considerando que já houve a diplomação do representado, que exerce, atualmente, o cargo de Vereador no município de Nova Candelária/RS, determino a cassação do diploma do representado.

Como efeito da procedência da representação, declaro nulo os votos recebidos pelo representado (art. 222 c/c art. 237 do Código Eleitoral), que, entretanto, deverão ser atribuídos à legenda partidária:

[…]

 

Adianto que a sentença não merece reparos.

Para além da criteriosa análise da prova realizada pela juíza eleitoral de piso, acrescento que, no exame dos autos, verifiquei que a ocorrência do ilícito está confirmada pelas gravações de áudio e nos depoimentos colhidos na instrução processual, não havendo como se falar em prova isolada ou singular.

A inicial descreve que, no dia 02.11.2020, Vilmar e Eliane foram, inicialmente, abordados por Claudir Gutjahr, cabo eleitoral de CLAUDICIR BAUM, que propôs ir até a casa dos eleitores para negociar a compra de votos. Ciente da pretensão de Claudir Gutjahr, Vilmar teria decidido gravar a conversa (áudio ID 44975692). O primeiro diálogo ocorrido entre Vilmar e Claudir foi travado parte em alemão e parte em português, estando seu conteúdo transcrito na sentença acima reproduzida.

Uma segunda gravação foi realizada na ocasião em que o candidato e o cabo eleitoral teriam comparecido a casa de Vilmar e Eliane e realizado o pagamento, em 03.11.2020 (ID 44975693).

O candidato não nega a participação no segundo diálogo gravado e não questiona seu conteúdo ou eventual trucagem.

Nessa conversa em que se distinguem as vozes de três homens e uma mulher no áudio juntado aos autos, é perceptível que se negocia voto por 400 reais. Pode ser ouvida a seguinte colocação “se tu quer aceitar, daí tu pega isso aqui e depois de eleito tu pega de novo assim. Eles também”, indicando que o diálogo envolve a campanha eleitoral. É feita a pergunta “por dois voto?”, com referência ao valor que estaria sendo repassado, que é respondida “não, só pra um, porque se tua mulher quer vota pro [inaudível]...”.

Ainda que a sobreposição das vozes dificulte a identificação exata do emissor de cada fala, percebe-se que um dos presentes naquela ocasião, entre eles o candidato, questiona sobre o valor que está sendo repassado ao eleitor – este seria menor do que o negociado –, e então Vilmar afirma que “ele me deu 400”, sendo que R$ 200,00 teria sido alcançado em espécie e R$ 200,00 em troca de uma nota promissória, visto que o casal (Vilmar e Eliane) esclarece ser devedor de Claudir, o cabo eleitoral que intermediou a transação e organizava os pagamentos em nome de CLAUDICIR.

O conhecimento, a participação e a anuência do candidato com a negociação podem ser constatados pela seguinte afirmação: “e como eu digo, se precisar um dia de uma mão, se eu me eleger, independente disso aqui, vou trabalhar pra todo mundo”. E ao final da gravação, Vilmar identifica o candidato ao mencionar seu apelido, ao dizer “Maguila, me dá uma força”.

Os dados dos autos demonstram estarem presentes no caso em análise todos os elementos que configuram a captação ilícita de sufrágio: (a) prática de qualquer das condutas previstas no art. 41–A, na espécie, oferecer ou entregar; (b) dolo específico de obter o voto do eleitor; (c) ocorrência dos fatos entre a data do registro de candidatura e a eleição; (d) participação, direta ou indireta, do candidato beneficiado, concordância ou conhecimento dos fatos que caracterizam o ilícito, nos termos da jurisprudência do Tribunal Superior Eleitoral (Recurso Ordinário Eleitoral n. 433, Acórdão, Relator Min. Benedito Gonçalves, Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, Tomo 85, Data 09/05/2023).

O candidato, em seu recurso, sustenta que a sentença deve ser reformada em razão da ausência de comprovação física da entrega do dinheiro (materialidade).

Não há como acolher a tese, visto que, como bem mencionado na sentença, a mera promessa ou oferta de bem ou vantagem ao eleitor em troca de seu voto já é suficiente para enquadramento no art. 41-A da Lei n. 9.504/97, não sendo necessário que o ato se concretize, pelo que a apresentação das cédulas utilizadas para o pagamento do voto do eleitor é desnecessária.

O recorrente também refere a existência de contradição insuperável nas declarações de Eliane, uma vez que esta teria afirmado que votaria em outro candidato a vereador e, mesmo assim, alega ter recebido dinheiro. Nesse ponto, ainda que haja controvérsia ou contradição em relação às declarações de Eliane, pois esta seria eleitora de outra localidade, a destinação do voto da eleitora perde importância, pois a negociação para a entrega do voto de Vilmar é suficiente para caracterização do ilícito.

O recorrente ainda afirma que Vilmar e Eliane são seus inimigos e que se trata de vingança política. Ocorre que, na mesma peça (ID 44975817), o candidato também declara que, na ocasião da gravação do segundo áudio, compareceu na “casa de Vilmar Schmitz e Eliane Sieben jogaram cartas, foi servido cachorro quente e foi conversado sobre a possibilidade dos mesmos votarem no Recorrente” e que, “nesta ocasião, o Representado e as testemunhas conversaram sobre vários temas, que não constam das gravações, jogaram cartas e as testemunhas ofereceram janta (cachorro quente), tendo permanecido na casa por mais de uma hora”.

O próprio contexto narrado pelo candidato contradiz sua tese, de forma que a argumentação não tem aptidão para modificação da decisão.

O recurso ainda sustenta que os áudios teriam sido manipulados ou que foram apresentados apenas trechos selecionados, nos quais “as testemunhas buscaram de todas as formas falar sobre dinheiro, sempre tratando com Gutien (com quem têm débitos), sem qualquer participação do Representado, que estava no local para fazer campanha política”, o que não é condizente com o conteúdo do segundo áudio.

Embora a gravação seja, de fato, curta, esta, além dos testemunhos colhidos em juízo, demonstra a negociação da compra de votos, tratativas claras e evidentes acerca do pagamento e dos valores e, no mínimo, a ciência e anuência do candidato com o que ali se passava, mesmo que a execução fosse majoritariamente conduzida pelo cabo eleitoral.

Ainda, anoto que não foi arguida, durante a instrução, qualquer tipo de irregularidade quanto ao conteúdo da gravação ou requerida perícia para verificar eventual alteração do conteúdo do áudio.

A sentença, portanto, merece ser mantida.

Finalmente, anoto que a Procuradoria Regional Eleitoral afirmou em seu parecer que a sentença incorreu em erro material ao determinar a nulidade dos votos e, não obstante, estabelecer que esses devem ser atribuídos à legenda partidária. Invocando precedente do Tribunal Superior Eleitoral, o Ministério Público Eleitoral argumentou que deve ser imposto o recálculo dos quocientes eleitoral e partidário, por força do disposto no art. 198, inc. II, al. “b”, da Resolução TSE n. 23.671/19, por terem natureza cogente. O parecer ainda acrescentou que sequer haveria reformatio in pejus, uma vez que, julgada procedente a representação e cassado o diploma do representado, a destinação dada aos votos por ele obtidos em nada alterará a sua situação jurídica pessoal.

No ponto, assiste razão ao Parquet Eleitoral.

Esta Corte já reconheceu a preponderância do art. 222 do Código Eleitoral, dispositivo que embasa a sentença recorrida, fixando que “inexiste fundamento jurídico plausível para que sejam considerados, na competição eleitoral, os votos destinados ao candidato condenado, sob pena de reprovável benefício indevido. Reconhecidos os ilícitos perpetrados, devem ser considerados nulos os votos”, devendo ser determinado o recálculo do quociente eleitoral (Recurso Eleitoral n. 060059792, Acórdão, Relator Des. Gustavo Alberto Gastal Diefenthäler, julgado em 17.03.2021, Publicação: PJE - Processo Judicial Eletrônico-PJE).

Da mesma forma, também entendendo pela possibilidade de reenquadramento jurídico nas hipóteses de ausência de prejuízo ao recorrente, menciono o julgamento realizado nos autos do Recurso Eleitoral nº 060052897 (Relator: Des. Eleitoral Francisco José Moesch, Relator para o acórdão Des. Eleitoral Gerson Fischmann. Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, Data 28/03/2022).

Deve, portanto, ser determinado o recálculo dos quocientes eleitoral e partidário.

 

Dispositivo

DIANTE DO EXPOSTO, voto por afastar a preliminar de nulidade e, no mérito, por negar provimento ao recurso, determinando ao Juízo da 89ª Zona Eleitoral que proceda ao recálculo do quociente eleitoral e partidário.

Publicado o acórdão, comunique-se à respectiva Zona Eleitoral para cumprimento, registro das sanções nos sistemas pertinentes e recálculo dos quocientes eleitoral e partidário, nos termos da fundamentação.