REl - 0600138-88.2020.6.21.0141 - Acompanho o(a) relator(a) - Sessão: 13/06/2023 às 14:00

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Cuida-se de recurso interposto por IZALDA MARIA BARROS BOCCACIO e FELISBERTO DOS SANTOS FERREIRA, respectivamente, candidatos aos cargos de prefeito e vice-prefeito, nas eleições de 2020, no Município de Santo Antônio das Missões, contra sentença do Juízo da 141ª Zona Eleitoral, que desaprovou suas contas e determinou o recolhimento de R$ 6.594,00 ao Tesouro Nacional, em razão do recebimento de recursos de origem não identificada, bem como condenou os prestadores à multa de R$ 4.350,26, pelo extrapolamento do limite legal de autofinanciamento.

Ocorre que, após a interposição do recurso, foi certificado o falecimento da candidata IZALDA MARIA BARROS BOCCACIO (ID 28044983 e 28045483).

Consoante apontou com propriedade o douto Relator, não há solução pacífica no âmbito jurisprudencial sobre os efeitos do falecimento superveniente do prestador sobre o processo de contas ainda em tramitação, especialmente sobre a sucessão em eventuais medidas sancionatórias e recolhimentos de valores ao Tesouro Nacional.

A celeuma jurisprudencial está refletida, inclusive, em precedentes contraditórios deste Tribunal Regional Eleitoral que, já entendeu, por maioria, em caso envolvendo chapa majoritária, que o falecimento do prestador implica extinção do processo sem resolução de mérito, em razão da natureza pessoal e intransmissível das contas de campanha, bem como da impossibilidade do exercício do contraditório e da ampla defesa para legitimar a formação definitiva de eventual título condenatório:

RECURSO. ELEIÇÕES 2020. PRESTAÇÃO DE CONTAS. MAJORITÁRIA. DESAPROVAÇÃO. OMISSÃO DE DESPESAS. RECURSO DE ORIGEM NÃO IDENTIFICADA. FALECIMENTO DA PRESTADORA NO CURSO DO PROCESSO. INTRANSMISSIBILIDADE. EXTINÇÃO DO FEITO SEM RESOLUÇÃO DO MÉRITO.

1. Insurgência contra sentença que desaprovou prestação de contas relativas às eleições 2020, em virtude de omissão de despesas, as quais configuram o recebimento de recursos de origem não identificada – RONI. Determinado o recolhimento do montante ao erário.

2. Caráter intransmissível e pessoal dos interesses e efeitos advindos do julgamento de mérito das contas de campanha. Transmissibilidade apenas do dever de apresentação inicial das contas. Prestadas as contas e sobrevindo o falecimento do prestador no curso do processo, efeitos de natureza personalíssima não podem recair sobre aqueles que não concorreram para as irregularidades ou delas se beneficiaram. Nesse sentido, jurisprudência do TSE.

3. Extinção do feito sem resolução do mérito.

(TRE-RS; REl n. 0600258-54.2020.6.21.0005; Relatora (vencida): Desa. Eleitoral Kalin Cogo Rodrigues; Redator para o Acórdão: Des. Eleitoral Oyama Assis Brasil de Moraes; julgamento em 20.04.2022; DJe de 22.04.2022) Grifei.

 

Em sentido diverso, cito julgado, também por maioria, aplicando o art. 45, § 7º, da Resolução TSE n. 23.607/19, de modo a se proceder à intimação do administrador financeiro ou, não sendo possível, da respectiva direção partidária:

RECURSO. ELEIÇÕES 2020. PRESTAÇÃO DE CONTAS. CANDIDATO. ELEITO. CARGO DE VEREADOR. DESAPROVAÇÃO. SUPOSTO RECURSO DE ORIGEM NÃO IDENTIFICADA. PRELIMINARES. EXTINÇÃO DO PROCESSO EM RAZÃO DO FALECIMENTO DO PRESTADOR DE CONTAS. CITAÇÃO DOS HERDEIROS OU SUCESSORES. NULIDADE DA SENTENÇA POR CERCEAMENTO DE DEFESA. AFASTADAS. MÉRITO. RECEITAS E DESPESAS ELEITORAIS NÃO DECLARADAS. COMPROVADA A ORIGEM DOS RECURSOS UTILIZADOS PARA A QUITAÇÃO DAS DESPESAS. PATRIMÔNIO PESSOAL DO PRESTADOR. DEMONSTRADA AUSÊNCIA DE MÁ-FÉ. AFASTADA A DETERMINAÇÃO DE RECOLHIMENTO DE VALORES AO TESOURO NACIONAL. FALHA GRAVE. INVIABILIDADE DE INCIDÊNCIA DOS PRINCÍPIOS DA RAZOABILIDADE E DA PROPORCIONALIDADE. MANTIDA A DESAPROVAÇÃO DAS CONTAS. PARCIAL PROVIMENTO.

1. Insurgência contra sentença que desaprovou as contas referentes às eleições municipais de 2020, com fundamento no art. 74, inc. III, da Resolução TSE n. 23.607/19, e determinou o recolhimento da quantia irregular ao Tesouro Nacional.

2. Preliminares. 2.1. Afastada a preliminar de extinção do processo em razão do falecimento do prestador de contas. Pela regra do § 9º do art. 48 da Resolução TSE n. 23.553/17, a coisa julgada poderá se formar após o falecimento, caso o recurso pendente de julgamento seja desprovido. Improcedente o argumento de que a penalidade ultrapassaria a pessoa do prestador, transmitindo-se aos seus sucessores, pois a obrigação de devolução dos valores recebidos à margem da legislação eleitoral incidiria, não sobre o patrimônio dos sucessores, mas sobre o acervo hereditário, como dívida da herança. O falecimento não inviabiliza o exercício do contraditório, visto que o prestador teve acesso e exerceu o direito ao duplo grau de jurisdição, ao interpor o recurso e expor os argumentos para reforma da sentença. Ademais, com a determinação de intimação do administrador financeiro, poderá aduzir e prosseguir no feito, sem prejuízo à ampla defesa ou contraditório. 2.2. Afastada a preliminar de citação dos herdeiros ou sucessores. Na hipótese, trata-se de providência sem utilidade efetiva, pois o encaminhamento do voto é pelo provimento do recurso, a fim de considerar saneadas as irregularidades e afastar a determinação de recolhimento de valores. Uma vez confirmado o resultado do julgamento nessa linha, o chamamento de possíveis sucessores patrimoniais resultaria inócuo, apenas trazendo ônus desnecessário às partes e à própria Justiça Eleitoral, em diligências e identificação, localização e comunicação sem resultado prático sobre o deslinde do feito. [...]

5. Parcial provimento.

(TRE-RS; REl n. 0600326-35.2020.6.21.0124; Relator: Des. Eleitoral Francisco José Moesch; julgamento em 31.03.2022; DJe de 18.04.2022) Grifei.

 

Destaco que, no último caso acima indicado, houve o afastamento da necessidade de citação de eventuais sucessores e herdeiros ante a ausência de valores passíveis de recolhimento ao Tesouro Nacional.

O tema é igualmente controverso no âmbito da Corte Superior Eleitoral, a qual, em casos envolvendo contas eleitorais de 2018, ora proclamou que, após o falecimento do candidato, deve ingressar no feito o administrador financeiro ou o partido político, ora decidiu pela extinção do processo sem julgamento de mérito, consoante as seguintes ementas:

ELEIÇÕES 2018. AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL ELEITORAL. PRESTAÇÃO DE CONTAS DE CAMPANHA. DEPUTADO FEDERAL. APROVAÇÃO COM RESSALVAS NA ORIGEM. PROVIMENTO PARCIAL. AFASTAMENTO DA DETERMINAÇÃO DO RECOLHIMENTO DE VALORES A TÍTULO DE SOBRAS DE CAMPANHA.

SÍNTESE DO CASO

1. O Tribunal de origem aprovou com ressalvas as contas prestadas pelo candidato, referentes à campanha eleitoral de 2018, quando concorreu ao cargo de deputado federal.

[...].

7. O art. 48, § 9º, VI, da Res.–TSE 23.553 é categórico quanto à transferência da responsabilidade pela prestação de contas ao administrador financeiro ou, na sua ausência, à respectiva direção partidária no caso de falecimento de candidato que tenha realizado campanha eleitoral.

CONCLUSÃO

Agravo regimental a que se nega provimento.

(Agravo Regimental n. 060352457060352457, Acórdão, Relator: Min. Sergio Silveira Banhos, Publicação:  DJE - Diário de Justiça Eletrônico, Tomo 17, Data 03/02/2021) Grifei.

 

ELEIÇÕES 2018. AGRAVO REGIMENTAL EM AGRAVO DE INSTRUMENTO. PRESTAÇÃO DE CONTAS. CANDIDATO. DEPUTADO FEDERAL. APROVAÇÃO COM RESSALVAS. DISCUSSÃO DA SANÇÃO DE DEVOLUÇÃO DE VALORES. MORTE DO PRESTADOR DE CONTAS. EXTINÇÃO DO FEITO, SEM RESOLUÇÃO DE MÉRITO. MANUTENÇÃO DA DECISÃO VERGASTADA. AGRAVO DESPROVIDO.

1. No caso, após prestar regularmente as contas de campanha relativas às eleições de 2018 e ter sido sancionado com a devolução de valores ao Tesouro Nacional e à esfera partidária pelo aresto regional, o candidato deste recorreu ao TSE quanto à restituição de valores. Contudo, essa sanção de restituição ainda estava em discussão, quando sobreveio a morte do prestador das contas.

2. A restituição de valores constitui obrigação dotada de valor econômico, não se revelando possível a transmissão aos sucessores ou herdeiros do de cujus, porquanto a sanção não se perfectibilizou.

3. Se impõe, assim, a extinção do processo, sem resolução de mérito.

4. Os argumentos expostos pelo agravante não são suficientes para afastar a conclusão da decisão agravada, cujos fundamentos devem ser mantidos.

5. Agravo regimental a que se nega provimento.

(Agravo de Instrumento nº 060796181, Acórdão, Relator: Min. Edson Fachin, Publicação: DJE - Diário da justiça eletrônica, Tomo 232, Data 16.12.2021) Grifei.

 

Registro, ainda, recente decisão monocrática no agravo em recurso especial n. 060753484/SP, de 04.04.2023, da lavra do Min. Ricardo Lewandowski, publicada no DJE de 11.04.2023, a qual, fundamentando-se no precedente antes mencionado da relatoria do Min. Sérgio Banhos, indica que, “após o falecimento do candidato a responsabilidade pela prestação de contas é do partido político na hipótese de não ter sido indicado administrador financeiro”, em hipótes em que o falecimento ocorreu quando o recurso aguardava inclusão em pauta no Tribunal Regional.

Entendo que, na linha do voto do eminente Des. Federal Aurvalle, este último posicionamento é a solução mais adequada ao caso concreto.

Conforme dispõe o § 7º do art. 45 da Resolução TSE n. 23.607/19, “se a candidata ou o candidato falecer, a obrigação de prestar contas, na forma desta Resolução, referente ao período em que realizou campanha, será de responsabilidade de sua administradora financeira ou seu administrador financeiro ou, na sua ausência, no que for possível, da respectiva direção partidária”.

Percebe-se, de pronto, que a legitimidade para o polo passivo do processo de contas de campanha não é exclusiva dos candidatos e candidatas.

Ademais, a responsabilidade solidária do candidato e do administrador financeiro de campanha é prevista nos arts. 20 e 21 da Lei n. 9.504/97, in verbis:

Art. 20.  O candidato a cargo eletivo fará, diretamente ou por intermédio de pessoa por ele designada, a administração financeira de sua campanha usando recursos repassados pelo partido, inclusive os relativos à cota do Fundo Partidário, recursos próprios ou doações de pessoas físicas, na forma estabelecida nesta Lei. (Redação dada pela Lei nº 13.165, de 2015)

 

Art. 21. O candidato é solidariamente responsável com a pessoa indicada na forma do art. 20 desta Lei pela veracidade das informações financeiras e contábeis de sua campanha, devendo ambos assinar a respectiva prestação de contas. (Redação dada pela Lei nº 11.300, de 2006)

 

Tais normas seriam vazias de eficácia ou resultado prático se não estivessem abrangidas as hipóteses de prosseguimento pelo administrador financeiro do processo de contas da prestadora falecida, inclusive, legitimando-se para sujeição a eventuais responsabilizações subjetivas por atos ilícitos em que tenha comprovada a sua participação.

Ademais, tratando-se de prestação de contas relativa ao pleito majoritário, envolvendo titular e vice, o chamamento do administrador financeiro não afasta a responsabilidade do candidato ou candidatada sobrevivente que integrou a chapa.

Nos termos do art. 45, § 3º, da Resolução TSE n. 23.607/19, a prestação de contas do titular abrange a do seu vice, que, certamente, se valeu das verbas e da movimentação financeira em prol da sua candidatura em virtude da indivisibilidade e da unicidade da chapa em disputas majoritárias.

Do mesmo modo, os sucessores do prestador de contas falecido no curso do processo estão legitimados a integrar a demanda, pois sujeitos a responderem por ônus patrimoniais decorrentes do julgamento das contas, em especial possível restituição ao erário, sempre nos limites do valor da herança.

Embora seja certo que a legislação eleitoral não contenha norma específica para tratar da sucessão do de cujus pelo seu espólio ou por seus herdeiros, a admissibilidade da medida decorre de normas gerais dispersas pelo sistema, a teor do art. 5º, inc. XLV, da CF/88; do art. 943 do CC; do art. 110 do CPC:

CF:

Art. 5º. (...).

XLV - nenhuma pena passará da pessoa do condenado, podendo a obrigação de reparar o dano e a decretação do perdimento de bens ser, nos termos da lei, estendidas aos sucessores e contra eles executadas, até o limite do valor do patrimônio transferido;

 

CC:

Art. 943. O direito de exigir reparação e a obrigação de prestá-la transmitem-se com a herança.

 

CPC:

Art. 110. Ocorrendo a morte de qualquer das partes, dar-se-á a sucessão pelo seu espólio ou pelos seus sucessores, observado o disposto no art. 313, §§ 1º e 2º.

 

Cabe destacar, ainda, que um dos consectários legais previstos no processo de contas eleitorais é o recolhimento das verbas malversadas e de recursos de fonte vedada ou de origem não identificada ao Tesouro Nacional, medida com nítido caráter reparatório e impeditivo do enriquecimento ilícito.

No caso concreto, o órgão técnico não apontou falhas envolvendo verbas públicas, porém relatou o possível uso de recursos de origem não identificada.

Quanto ao ponto, a jurisprudência consolidou-se no sentido de que a devolução de recursos de origem não identificada ao Tesouro Nacional não configura sanção, mas medida que visa impedir o uso de verbas de fonte ilícita pelos candidatos, “resguardando a legitimidade e a moralidade do processo eleitoral, bem como a igualdade de chances entre os cidadãos que disputam o pleito” (TSE - REspEl: 000006972, Relator: Min. Sergio Silveira Banhos, Data de Julgamento: 03.02.2022), ou seja, restaura-se a condição original, coibindo qualquer proveito advindo do aporte ilícito de recursos.

Nesse contexto, também na sistemática das ações de improbidade administrativa a legislação prevê a possibilidade de sucessão do réu falecido no curso da ação, para consequências com os mesmos objetivos referidos, nos limites do valor da herança e excluídas apenas as sanções de caráter personalíssimo, in verbis:

Lei n. 8.429/1992:

Art. 8º O sucessor ou o herdeiro daquele que causar dano ao erário ou que se enriquecer ilicitamente estão sujeitos apenas à obrigação de repará-lo até o limite do valor da herança ou do patrimônio transferido. (Redação dada pela Lei nº 14.230, de 2021)

 

O mesmo é adotado no âmbito dos procedimentos afetos aos Tribunais de Contas, que estendem aos sucessores a responsabilidade pela reparação do dano eventualmente causado, na medida do patrimônio recebido, conforme se verifica no art. 5º, inc. VIII, da Lei n. 8.449/92:

Lei n. 8.449/92:

Art. 5° A jurisdição do Tribunal abrange:

[...].

VIII - os sucessores dos administradores e responsáveis a que se refere este artigo, até o limite do valor do patrimônio transferido, nos termos do inciso XLV do art. 5° da Constituição Federal;

 

Tal conjunto de normas, em última análise, nada mais estabelece do que a conjugação do princípio da extensão da responsabilidade patrimonial aos sucessores com o princípio da personalidade ou intranscendência da pena, também aplicáveis direta e imediatamente ao processo de contas eleitorais.

Ressalto que, caso verificadas dificuldades concretas de os sucessores processuais exercerem o contraditório e a defesa, pode o Tribunal mitigar os ônus probatórios a eles atribuídos ou a própria extensão da responsabilidade, bem como, em casos específicos, inclusive, extinguir o processo por falta de pressuposto para o desenvolvimento válido do devido processo legal.

Entretanto, tais questões devem ser suscitadas no curso da instrução e apreciadas por ocasião do julgamento de mérito, não constituindo obstáculos antecedentes à integração do administrador financeiro e dos sucessores da candidata falecida e ao prosseguimento do processo.

 

ANTE O EXPOSTO, acompanho o voto proferido pelo eminente Relator em relação à preliminar de chamamento ao processo do administrador financeiro e dos sucessores da candidata falecida, seguindo-se o julgamento com o exame de mérito.