REl - 0600295-74.2020.6.21.0072 - Voto Relator(a) - Sessão: 13/06/2023 às 14:00

VOTO

Senhora Presidente, Eminentes Colegas.

O recurso é adequado, tempestivo e comporta conhecimento.

Preliminarmente, a recorrente sustenta a nulidade da sentença recorrida, bem como da decisão exarada em sede de aclaratórios, na medida em que supostamente não enfrentada a tese defensiva, a qual aponta que houve a comprovação adequada dos gastos realizados com verbas do Fundo Especial de Financiamento de Campanha – FEFC.

Ocorre que a matéria aduzida foi enfrentada na sentença, de forma objetiva, o que deu azo à decisão que rejeitou os embargos da recorrente, motivo pelo qual a preliminar de nulidade deve ser afastada.

Segue trecho da sentença, no que importa ao caso:

 

Passo a analisar as irregularidades apontadas:

1) Após a manifestação da candidata restaram ainda gastos eleitorais com recursos do FEFEC no total de R$600, que descumpriram a previsão do Art. 38 da Resolução TSE 23.607/19, qual seja, a comprovação do CPF do destinatário na movimentação bancária.

Em sua manifestação a candidata alega que “informou” tais dados no sistema SPCE, caso em que não supre a exigência de “comprovação” destes dados junto aos extratos bancários ou outros comprovantes do CPF/CNPJ do destinatário. Sujeitando-se assim, à desaprovação das contas, bem como à devolução dos valores irregulares ao Tesouro Nacional, conforme previsto no Art. 79, §§ 1º e 2º, da resolução TSE 23.607/2019.

 

Na mesma linha, afastando a preliminar, o parecer ministerial:

 

Inicialmente, não há razão para acolhimento da preliminar de nulidade, uma vez que a decisão que apreciou os embargos, embora sintética, reportou-se à sentença, que efetivamente examinou a matéria impugnada, como se depreende do seguinte trecho:

1) Após a manifestação da candidata restaram ainda gastos eleitorais com recursos do FEFEC no total de R$ 600, que descumpriram a previsão do Art. 38 da Resolução TSE 23.607/19, qual seja, a comprovação do CPF do destinatário na movimentação bancária. Em sua manifestação a candidata alega que “informou” tais dados no sistema SPCE, caso em que não supre a exigência de “comprovação” destes dados junto aos extratos bancários ou outros comprovantes do CPF/CNPJ do destinatário. Sujeitando-se assim, à desaprovação das contas, bem como à devolução dos valores irregulares ao Tesouro Nacional, conforme previsto no Art. 79, §§ 1º e 2º, da resolução TSE 23.607/2019.

Tratando-se de mera inconformidade em relação ao mérito da sentença, sem que fosse indicada a efetiva omissão, os embargos deveriam de fato ser rejeitados. De todo modo, devolvendo a esse e. TRE-RS o exame de toda a matéria probatória, o recurso eleitoral interposto permite que as alegações da candidata sejam examinadas em profundidade, suprindo eventual lacuna da decisão do juízo de origem. Ademais, incide na espécie a previsão do art. 1.013, § 3º, IV, do CPC, o qual estabelece que, em caso de eventual nulidade por ausência de fundamentação, o tribunal deve desde logo decidir o mérito se o processo tiver condições de imediato julgamento (teoria da causa madura).

Assim, a preliminar deve ser rejeitada.

 

Nesses termos, rejeito a preliminar de nulidade da decisão.

No mérito, trata-se de recurso interposto contra sentença que desaprovou as contas de ANTÔNIA NELES PRESTES ROCHA referentes às eleições municipais de 2020, em virtude do uso irregular de valores do Fundo Especial de Financiamento de Campanha – FEFC, a qual culminou com a determinação de recolhimento do valor de R$ 600,00 (seiscentos reais) ao Tesouro Nacional.

O juízo a quo entendeu não comprovadas as despesas quitadas com recursos públicos, o que motivou sua decisão.

A matéria vem contemplada no art. 38 da Resolução TSE n. 23.607/19, o qual determina que os gastos eleitorais de natureza financeira, ressalvados os de pequeno vulto, previstos no art. 39 e o disposto no § 4º do art. 8º, só podem ser efetuados por meio de cheque nominal cruzado, transferência bancária que identifique o CPF ou CNPJ do beneficiário, débito em conta ou cartão de débito da conta bancária.

Em sua irresignação, a prestadora alega que comprovou, de forma suficiente, os dispêndios quitados com valores do FEFC mediante a apresentação de documentos e informações lançadas no sistema de prestação de contas da Justiça Eleitoral, os quais, no seu entender, gozam de presunção de veracidade.

Os documentos carreados ao feito pela recorrente cingem-se a contratos de prestação de serviços e Relatório de Despesas Efetuadas.

Compulsando o DivulgaCand (Divulgação de Candidaturas e Contas Eleitorais), pude aferir que, no dia 23.10.2020, consta um saque eletrônico, no valor de R$ 600,00 (seiscentos reais), sem identificação do beneficiário   (https://divulgacandcontas.tse.jus.br/divulga/#/candidato/2020/2030402020/89630/210000741208/extratos. Acesso em 08.3.2022). Ou seja, a transação foi realizada em descompasso com a norma eleitoral do art. 38 supracitado.

Depreende-se, no caso em tela, ausente o liame necessário entre a despesa informada e o constante no extrato eletrônico, restando não demonstrada, de forma segura, a destinação dos recursos com os quais os compromissos foram supostamente adimplidos, ficando, como dito alhures, evidente a desobediência aos meios estabelecidos para pagamento das despesas eleitorais.

Nesse trilhar, por pertinente, transcrevo excerto do parecer da Procuradoria Regional Eleitoral:

Cumpre ressaltar que os meios de pagamento previstos no art. 38 da Resolução TSE nº 23.607/2019 são os únicos que permitem identificar exatamente a pessoa, física ou jurídica, que recebeu o valor depositado na conta de campanha, constituindo, assim, um mínimo necessário para efeito de comprovação do real destinatário dos recursos e, por consequência, da veracidade do gasto correspondente.

Tais dados fecham o círculo da análise das despesas, mediante a utilização de informações disponibilizadas por terceiro alheio à relação entre credor e devedor e, portanto, dotado da necessária isenção e confiabilidade para atestar os exatos origem e destino dos valores. Isso porque somente o registro correto e fidedigno das informações pela instituição financeira permite o posterior rastreamento, para que se possa apontar, por posterior análise de sistema a sistema, eventuais inconformidades.

Assim, se por um lado o pagamento pelos meios indicados pelo art. 38 da Resolução TSE nº 23.607/19 não é suficiente, por si só, para atestar a realidade do gasto de campanha informado, ou seja, de que o valor foi efetivamente empregado em um serviço ou produto para a campanha eleitoral, sendo, pois, necessário trazer uma confirmação, chancelada pelo terceiro com quem o candidato contratou, acerca dos elementos da relação existente; por outra via a tão só confirmação do terceiro por recibo, contrato ou nota fiscal também é insuficiente, pois não há registro rastreável de que foi tal pessoa quem efetivamente recebeu o referido valor.

É somente a triangularização entre prestador de contas, instituição financeira e terceiro contratado, com dados provenientes de diversas fontes, que permite, nos termos da Resolução TSE nº 23.607/2019, o efetivo controle dos gastos de campanha a partir do confronto dos dados pertinentes. Saliente-se que tal necessidade de controle avulta em importância quando, como no caso, se trata de aplicação de recursos públicos.

Ademais, a obrigação de que os recursos públicos recebidos pelos candidatos sejam gastos mediante forma de pagamento que permite a rastreabilidade do numerário até a conta do destinatário (crédito em conta) assegura que outros controles públicos possam ser exercidos, como é o caso da Receita Federal e do COAF.

Finalmente, ao ser realizado o saque do numerário em espécie pela candidata, resta prejudicado o sistema instituído pela Justiça Eleitoral para conferir transparência e publicidade às receitas e gastos de campanha, uma vez que impossibilitada a alimentação do sistema Divulgacandcontas com a informação sobre o beneficiário, inviabilizando o controle por parte da sociedade.

A realização de gastos com recursos do FEFC mediante a utilização de forma de pagamento vedada importa em utilização indevida de recursos públicos, ensejando o recolhimento ao Tesouro Nacional nos termos do art. 79, § 1º, da Resolução TSE 23.607/2019.

 

Todavia, ainda que mantida a glosa quanto ao montante a ser ressarcido ao erário, de R$ 600,00 (seiscentos reais), o recurso deve ser parcialmente provido, diante do módico valor envolvido.

Não obstante a malversação da verba pública, o entendimento consolidado nesta Corte dispõe que, não ultrapassado o parâmetro de R$ 1.064,10 (um mil, sessenta e quatro reais e dez centavos) ou 10% do total auferido em campanha, as contas podem ser aprovadas com ressalvas, mitigando o juízo alcançado na origem, mediante aplicação dos postulados da razoabilidade e da proporcionalidade.

Diante do exposto, VOTO para dar parcial provimento ao recurso de ANTÔNIA NELES PRESTES ROCHA, para aprovar com ressalvas suas contas relativas ao pleito de 2020, mantida a determinação de recolhimento de R$ 600,00 (seiscentos reais) ao Tesouro Nacional.

É como voto, senhora Presidente.