REl - 0600995-82.2020.6.21.0029 - Voto Relator(a) - Sessão: 05/06/2023 às 14:00

VOTO

Os recursos são adequados, tempestivos e comportam conhecimento.

Intervenção de Terceiro

O Movimento Democrático Brasileiro – MDB de Lajeado/RS e Waldir Blau (primeiro suplente ao cargo de vereador pelo MDB) apresentaram requerimento para intervenção no processo na qualidade de assistentes do Ministério Público Eleitoral (ID 44978318 – 0600995-82.2020.6.21.0029 - AIJE).

Quanto ao ponto, Rodrigo Lopez Zilio, em sua obra Direito Eleitoral (2022 – p. 701/702), refere que:

O TSE firmou orientação no sentido de que “a dogmática processual preconiza que a admissão do assistente reclama a demonstração, in concreto, de seu interesse jurídico na lide, por meio de elementos concretos (i.e., demonstração específica e individualizada das consequências de eventual alteração do quociente eleitoral ou o fato de o pronunciamento judicial potencialmente pode atingir a esfera jurídica de postulante etc)”, de modo que, o requerimento de habilitação de assistência não pode ancorar-se em alegações genéricas e abstratas, nomeadamente com espeque em conjecturas e ilações (e.g. histórico de expressivas votações em pleitos anteriores). (REspe nº 14057/PE - j.11.05.2017 – Dje 22.05.2017). (Grifo nosso)

Não há demonstração nos autos de interesse jurídico específico na discussão da causa para justificar a inclusão da agremiação e do primeiro suplente ao cargo de vereador como assistentes.

Não desconheço entendimento do TSE o qual assentou que “em ações eleitorais que visam impugnar pedido de registro de candidatura ou que objetivam a cassação de registro, mandato ou diploma, admite-se a intervenção de candidato (primeiro suplente ao cargo proporcional), apenas na condição de assistente simples” (AgR-AI n. 6338/GO – j.21.09.2017 – Dje 10.11.2017).

Contudo, no presente caso, por se tratar de fraude à cota de gênero (ilícito eleitoral), o juízo de procedência das ações eleitorais tem como consectário a cassação dos diplomas já concedidos e, por via de consequência, a retotalização dos votos, com novo cálculo do quociente eleitoral e partidário.

Assim, indefiro o pedido dos requerentes, pois apontam apenas hipóteses abstratas, que dependem da retotalização dos votos para verificação do interesse jurídico do partido e do suplente.

 

Nulidade da Sentença

Adriano Rosa dos Santos e Daniel Paulo Fontana alegam nulidade da sentença por falta de fundamentação, ao argumento de que a magistrada não analisou ou valorou as provas das defesas dos investigados.

Sem razão.

Valho-me dos argumentos trazidos pela Procuradoria Regional Eleitoral em seu parecer (ID 45135372), para considerar que a sentença está fundamentada, na medida em que enfrentou todas as teses defensivas:

A sentença, ainda que de forma sintética, analisou as alegações apresentadas pelas partes, afastando as teses articuladas pelas defesas, motivo pelo qual não há falar em nulidade por ausência de fundamentação. É assente, ademais, que a apreensão dos fatos pelo julgador diversa da deduzida pela defesa não se confunde com carência de fundamentação.

 

Note-se que a fundamentação concisa não se confunde com falta de fundamentação. Ademais, a discordância das razões de decidir não implica nulidade do julgado.

 

Ilegitimidade Passiva

Elisângela de Farias aduziu ilegitimidade passiva para figurar nas ações eleitorais, sob o argumento de ter sido vítima e não autora da fraude, referindo que não autorizou o partido a inscrevê-la como candidata à vereança e que, ainda que tivesse entregue alguma documentação preenchida a pedido do PSB, pensava que a inscrição se referisse à filiação ao partido.

A matéria confunde-se com o mérito e nele será examinada.

 

Juntada de Documentos em Grau Recursal

O documento juntado aos autos em sede recursal pela recorrente Carolina Simão Gasparotto e outros consiste em ata notarial de transcrição de mensagens de texto e áudio transmitidas por meio do aplicativo de mensagens WhatsApp. “Ocorre, todavia, que cópia desse mesmo documento já se encontra acostada (AIJE n. 0600995-82.2020.6.21.0029, ID 44977907, fls. 1-8)”, conforme informa a Procuradoria Regional Eleitoral em seu parecer (ID 45135372 e 45175575).

Assim, como o documento já foi anexado aos autos na fase de instrução, ausente irregularidade na juntada do documento.

 

Mérito

Trata-se de recursos interpostos contra sentença proferida, em conjunto, nas ações eleitorais 0600995-82.2020.6.21.0029 (Ação de Investigação Judicial Eleitoral) e 0601005-29.2020.6.21.0029 (Ação de Impugnação de Mandato Eletivo) visando ao reconhecimento da prática de fraude à cota de gênero, com a finalidade de preenchimento do percentual de 30% da cota feminina, para o deferimento do registro da chapa proporcional apresentada pelo PSB de Lajeado/RS.

Inicialmente, consigno que foram ajuizadas duas ações eleitorais pelo Ministério Público Eleitoral (Ação de Impugnação de Mandato Eletivo – AIME e Ação de Investigação Judicial Eleitoral – AIJE) versando sobre o mesmo fato, fraude à cota de gênero, circunstância absolutamente regular e em consonância com os princípios e a sistemática do processo eleitoral.

Na hipótese, ambas as demandas (AIME e AIJE) têm o intuito de tutelar o mesmo bem jurídico – a normalidade e a legitimidade do pleito – e foram reunidas para julgamento conjunto nos termos do art. 96-B da Lei n. 9.504/97.

Com essas considerações, passo à análise dos recursos eleitorais e adianto que não merecem provimento.

A questão controvertida nos autos encontra moldura fática hábil à caracterização de fraude em relação às candidaturas de Elisângela de Farias e Dilce Fátima Fernandes no pleito proporcional, com o objetivo de burlar a cota de gênero.

Senão vejamos.

A reserva de gênero decorre essencialmente do princípio da igualdade, nos termos consolidados pelo STF (ADC 41, Relator: ROBERTO BARROSO, Tribunal Pleno, julgado em 08/06/2017, PROCESSO ELETRÔNICO Dje-180 DIVULG 16-08-2017 PUBLIC 17-08-2017):

A igualdade constitui um direito fundamental e integra o conteúdo essencial da ideia de democracia. Da dignidade humana resulta que todas as pessoas são fins em si mesmas, possuem o mesmo valor e merecem, por essa razão, igual respeito e consideração. A igualdade veda a hierarquização dos indivíduos e as desequiparações infundadas, mas impõe a neutralização das injustiças históricas, econômicas e sociais, bem como o respeito à diferença. No mundo contemporâneo, a igualdade se expressa particularmente em três dimensões: a igualdade formal, que funciona como proteção contra a existência de privilégios e tratamentos discriminatórios; a igualdade material, que corresponde às demandas por redistribuição de poder, riqueza e bem-estar social; e a igualdade como reconhecimento, significando o respeito devido às minorias, sua identidade e suas diferenças, sejam raciais, religiosas, sexuais ou quaisquer outras. A igualdade efetiva requer igualdade perante a lei, redistribuição e reconhecimento

 

A cota de gênero é uma ferramenta de discriminação positiva para contornar o problema da sub-representação das mulheres nas casas legiferantes. Por meio da reserva de gênero, busca-se a correção da hegemonia masculina nas posições de tomada de decisão e o estabelecimento de uma distribuição mais adequada e equilibrada das representações de homens e mulheres nas esferas de poder.

A previsão legal está na Lei das Eleições, Lei n. 9.504/97:

Art. 10. Cada partido poderá registrar candidatos para a Câmara dos Deputados, a Câmara Legislativa, as Assembleias Legislativas e as Câmaras Municipais no total de até 100% (cem por cento) do número de lugares a preencher mais 1 (um).

[...]

§ 3º Do número de vagas resultante das regras previstas neste artigo, cada partido ou coligação preencherá o mínimo de 30% (trinta por cento) e o máximo de 70% (setenta por cento) para candidaturas de cada sexo.

 

Por meio de imposição legal, buscou-se ampliar a participação feminina no processo político-eleitoral, estabelecendo percentual mínimo de registro de candidaturas femininas em cada pleito. Assim, o § 3º do art. 10 da Lei n. 9.504/97 dispõe que cada partido preencherá o mínimo de 30% e o máximo de 70% para candidaturas de cada gênero. Porém, foi somente a partir da redação dada pela Lei n. 12.034/09 – “minirreforma eleitoral” – que essa disposição passa a ser aplicada tendo em vista o número de candidaturas “efetivamente” requeridas pelo partido, a fim de garantir ao gênero minoritário a participação na vida política do país.

Nas eleições 2020, o TSE, na tentativa de inibir a burla à cota de gênero, inovou ao fazer constar na própria Resolução n. 23.609/19 que a inobservância à cota de gênero seria causa suficiente para o indeferimento do Demonstrativo de Regularidade de Atos Partidários (DRAP), caso a irregularidade não fosse sanada no curso do processo (§ 6º do art. 17).

Ocorre que essas situações dizem respeito ao momento do registro das candidaturas, tendo como consequência o indeferimento do DRAP, caso não observado o percentual estipulado. Contudo, o que se observa é que a fraude tem ocorrido em momento posterior ao regular registro e julgamento das candidaturas, quando já aperfeiçoada a formalidade da porcentagem mínima de gênero exigida para deferimento do DRAP.

No transcurso do processo eleitoral, emergem as “candidaturas laranjas”, evidenciadas por comportamentos contrários ao de quem se propõe a disputar um cargo eletivo, como: “desistência” ou “abandono” da candidatura no curso do processo eleitoral, ou mesmo realização de atos de campanha em favor de outros candidatos.

Ressalte-se que é direito de qualquer candidato renunciar “formalmente” à sua candidatura (art.13 da Lei n. 9.504/97), circunstância em que a cota deve ser restabelecida. Mas, e quando essa renúncia é “informal”, quando há apenas uma “desistência” ou “abandono” dos atos de campanha, ou, ainda, quando a renúncia mesmo formal se efetua em momento que impossibilite ao partido a substituição e a manutenção da cota? Em ambos os casos, havendo infração à cota de gênero, o partido deve ser chamado à responsabilidade, pois é seu ônus manter o percentual legal. Primeiro, porque o partido é responsável por incentivar as políticas de participação feminina interna corporis. Segundo, porque o partido é responsável pela oferta de nomes aptos a concorrer, bem como pelo comportamento ativo e passivo dos candidatos no curso do processo.

Em 2019, por ocasião do julgamento do Recurso Especial Eleitoral n. 19392, Relatoria do Min. Jorge Mussi, Publicação, DJE - Diário da justiça eletrônica, Tomo 193, Data 04.10.2019, Página 105/107, o TSE apreciou caso paradigmático sobre o tema, oriundo do Município de Valença do Piauí/PI, eleição proporcional de 2016, no qual foram definidos alguns parâmetros à caracterização da fraude: a) pedir votos para outro candidato que dispute o mesmo cargo pelo qual a candidata concorra; b) ausência da realização de gastos eleitorais; c) votação ínfima (geralmente a candidata não possui sequer o próprio voto); d) nulidade que contamina todos os votos obtidos pela coligação ou partido.

Colaciono a ementa do acórdão:

RECURSOS ESPECIAIS. ELEIÇÕES 2016. VEREADORES. PREFEITO. VICE-PREFEITO. AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO JUDICIAL ELEITORAL (AIJE). ART. 22 DA LC 64/90. FRAUDE. COTA DE GÊNERO. ART. 10, § 3º, DA LEI 9.504/97.

1. O TRE/PI, na linha da sentença, reconheceu fraude na quota de gênero de 30% quanto às candidaturas das coligações Compromisso com Valença I e II ao cargo de vereador nas Eleições 2016, fixando as seguintes sanções: a) cassação dos registros das cinco candidatas que incorreram no ilícito, além de sua inelegibilidade por oito anos; b) cassação dos demais candidatos registrados por ambas as chapas, na qualidade de beneficiários.

2. Ambas as partes recorreram. A coligação autora pugna pela inelegibilidade de todos os candidatos e por se estender a perda dos registros aos vencedores do pleito majoritário, ao passo que os candidatos pugnam pelo afastamento da fraude e, alternativamente, por se preservarem os registros de quem não anuiu com o ilícito.

PRELIMINAR. LITISCONSÓRCIO PASSIVO NECESSÁRIO. DIRIGENTES PARTIDÁRIOS. SÚMULA 24/TSE. REJEIÇÃO.

3. O TRE/PI assentou inexistir prova de que os presidentes das agremiações tinham conhecimento da fraude, tampouco que anuíram ou atuaram de modo direto ou implícito para sua consecução, sendo incabível citá-los para integrar a lide como litisconsortes passivos necessários. Concluir de forma diversa esbarra no óbice da Súmula 24/TSE.

TEMA DE FUNDO. FRAUDE. COTA DE GÊNERO. ART. 10, § 3º, DA LEI 9.504/97. ROBUSTEZ. GRAVIDADE. AFRONTA. GARANTIA FUNDAMENTAL. ISONOMIA. HOMENS E MULHERES. ART. 5º, I, DA CF/88.

4. A fraude na cota de gênero de candidaturas representa afronta à isonomia entre homens e mulheres que o legislador pretendeu assegurar no art. 10, § 3º, da Lei 9.504/97 - a partir dos ditames constitucionais relativos à igualdade, ao pluralismo político, à cidadania e à dignidade da pessoa humana - e a prova de sua ocorrência deve ser robusta e levar em conta a soma das circunstâncias fáticas do caso, o que se demonstrou na espécie.

5. A extrema semelhança dos registros nas contas de campanha de cinco candidatas - tipos de despesa, valores, data de emissão das notas e até mesmo a sequência numérica destas - denota claros indícios de maquiagem contábil. A essa circunstância, de caráter indiciário, somam-se diversos elementos específicos.

6. A fraude em duas candidaturas da Coligação Compromisso com Valença I e em três da Coligação Compromisso com Valença II revela-se, ademais, da seguinte forma: a) Ivaltânia Nogueira e Maria Eugênia de Sousa disputaram o mesmo cargo, pela mesma coligação, com familiares próximos (esposo e filho), sem nenhuma notícia de animosidade política entre eles, sem que elas realizassem despesas com material de propaganda e com ambas atuando em prol da campanha daqueles, obtendo cada uma apenas um voto; b) Maria Neide da Silva sequer compareceu às urnas e não realizou gastos com publicidade; c) Magally da Silva votou e ainda assim não recebeu votos, e, além disso, apesar de alegar ter sido acometida por enfermidade, registrou gastos - inclusive com recursos próprios - em data posterior; d) Geórgia Lima, com apenas dois votos, é reincidente em disputar cargo eletivo apenas para preencher a cota e usufruir licença remunerada do serviço público.

7. Modificar as premissas fáticas assentadas pelo TRE/PI demandaria reexame de fatos e provas (Súmula 24/TSE).

CASSAÇÃO. TOTALIDADE DAS CANDIDATURAS DAS DUAS COLIGAÇÕES. LEGISLAÇÃO. DOUTRINA. JURISPRUDÊNCIA.

8. Caracterizada a fraude e, por conseguinte, comprometida a disputa, não se requer, para fim de perda de diploma de todos os candidatos beneficiários que compuseram as coligações, prova inconteste de sua participação ou anuência, aspecto subjetivo que se revela imprescindível apenas para impor a eles inelegibilidade para eleições futuras. Precedentes.

9. Indeferir apenas as candidaturas fraudulentas e as menos votadas (feito o recálculo da cota), preservando-se as que obtiveram maior número de votos, ensejaria inadmissível brecha para o registro de "laranjas", com verdadeiro incentivo a se "correr o risco", por inexistir efeito prático desfavorável.

10. O registro das candidaturas fraudulentas possibilitou maior número de homens na disputa, cuja soma de votos, por sua vez, contabilizou-se para as respectivas alianças, culminando em quociente partidário favorável a elas (art. 107 do Código Eleitoral), que puderam então registrar e eleger mais candidatos.

11. O círculo vicioso não se afasta com a glosa apenas parcial, pois a negativa dos registros após a data do pleito implica o aproveitamento dos votos em favor das legendas (art. 175, §§ 3º e 4º, do Código Eleitoral), evidenciando-se, mais uma vez, o inquestionável benefício auferido com a fraude.

12. A adoção de critérios diversos ocasionaria casuísmo incompatível com o regime democrático.

13. Embora o objetivo prático do art. 10, § 3º, da Lei 9.504/97 seja incentivar a presença feminina na política, a cota de 30% é de gênero. Manter o registro apenas das candidatas também afrontaria a norma, em sentido contrário ao que usualmente ocorre.

INELEGIBILIDADE. NATUREZA PERSONALÍSSIMA. PARCIAL PROVIMENTO.

14. Inelegibilidade constitui sanção personalíssima que incide apenas perante quem cometeu, participou ou anuiu com a prática ilícita, e não ao mero beneficiário. Precedentes.

15. Embora incabível aplicá-la indistintamente a todos os candidatos, constata-se a anuência de Leonardo Nogueira (filho de Ivaltânia Nogueira) e de Antônio Gomes da Rocha (esposo de Maria Eugênia de Sousa), os quais, repita-se, disputaram o mesmo pleito pela mesma coligação, sem notícia de animosidade familiar ou política, e com ambas atuando na candidatura daqueles em detrimento das suas.

CASSAÇÃO. DIPLOMAS. PREFEITA E VICE-PREFEITO. AUSÊNCIA. REPERCUSSÃO. SÚMULA 24/TSE.

16. Não se vislumbra de que forma a fraude nas candidaturas proporcionais teria comprometido a higidez do pleito majoritário, direta ou indiretamente, ou mesmo de que seria de responsabilidade dos candidatos aos cargos de prefeito e vice-prefeito. Conclusão diversa esbarra na Súmula 24/TSE.

CONCLUSÃO. MANUTENÇÃO. PERDA. REGISTROS. VEREADORES. EXTENSÃO. INELEGIBILIDADE. IMPROCEDÊNCIA. CHAPA MAJORITÁRIA.

17. Recursos especiais dos candidatos ao cargo de vereador pelas coligações Compromisso com Valença I e II desprovidos, mantendo-se cassados os seus registros, e recurso da Coligação Nossa União É com o Povo parcialmente provido para impor inelegibilidade a Leonardo Nogueira e Antônio Gomes da Rocha, subsistindo a improcedência quanto aos vencedores do pleito majoritário, revogando-se a liminar e executando-se o aresto logo após a publicação (precedentes).

(Recurso Especial Eleitoral nº 19392, Acórdão, Relator(a) Min. Jorge Mussi, Publicação: DJE - Diário da justiça eletrônica, Tomo 193, Data 04/10/2019, Página 105/107)

 

Após o caso de Valença do Piauí, o TSE examinou diversas situações envolvendo fraude à cota de gênero, fixando balizas à configuração do ilícito.

Trago à colação julgado oriundo desta Corte, no qual o TSE definiu a moldura fática caracterizadora da fraude.

Cuida-se do RespEL n. 851, originário de Imbé, julgado em 04.8.2020, no qual, por maioria de votos (4 a 3), foi reconhecida a fraude diante do seguinte contexto fático:

a) as candidatas Simoni Schwartzhupt de Oliveira e Dóris Lúcia Costamilan Lopes obtiveram, cada, um único voto na eleição para o cargo de vereador em 2016;

b) ambas fizeram campanha ostensiva para outro candidato, Fabrício Rebech, não havendo uma única publicação, em seus perfis na rede social Facebook, que noticiasse serem elas candidatas no pleito de 2016;

c) Dóris Lúcia Costamilan Lopes nem sequer abriu conta para sua campanha e Simoni Schwartzhupt de Oliveira, apesar de promover a abertura de conta, não realizou movimentação alguma;

d) não houve desistência das candidaturas, tampouco justificativa minimamente plausível que justificasse o abandono;

e) apesar de a candidata Simoni Schwartzhupt de Oliveira fazer menção à publicidade providenciada pelo partido, não foi juntado aos autos um único santinho ou material que contivesse propaganda em seu favor.

 

Ao analisar a matéria fática, restou assentado no voto-vista do Ministro Og Fernandes:

[…]

A similaridade do caso em análise com o precedente é evidente.

No leading case formado no caso de Valença do Piauí/PI, também havia candidatas que obtiveram um único voto e que, além de não terem feito campanha em seu favor, optaram por fazer atos de campanha para outros candidatos.

Em ambos os casos também, não houve desistência formal das candidaturas ou explicação plausível que justificasse o seu abandono oficial.

Na verdade, o caso dos autos traz hipótese menos complexa da ocorrida no REspe nº 193-92. Isso porque, no caso de Valença do Piauí/PI, após a propositura das ações eleitorais para apurar a fraude, foi feita prestação de contas retificadora para comprovar que as candidatas haviam realizado gastos eleitorais.

A fraude das candidatas no caso em análise, contudo, não chegou a esse nível de sofisticação.

Conforme transcrevi do acórdão regional, Dóris Lúcia Costamilan Lopes não abriu conta bancária e Simoni Schwartzhupt de Oliveira, apesar de ter aberto conta, não realizou movimentação alguma.

Assinalo, finalmente, que a tese que prevaleceu por apertada maioria no Tribunal Regional Eleitoral do Rio Grande do Sul, o qual entendeu pela inexistência de fraude, funda-se em argumento que enfraquece a política estabelecida pelo legislador quando deu nova redação ao art. 10, § 3º, da Lei nº 9.504/1997.

Disse o relator na origem que a ação devia ser julgada improcedente devido a ter ficado comprovado nos autos que “as candidatas de fato eram engajadas na política”.

A nova redação do § 3º tem por finalidade o engajamento feminino na política não apenas pela participação no pleito como apoiadoras, mas efetivamente como candidatas.

Não se deseja a mera participação formal, mas a efetiva, por meio de candidaturas minimamente viáveis de pessoas interessadas em disputar uma vaga.

Constato, em suma, que ficou comprovada a fraude ao art. 10, § 3º, da Lei nº 9.504/1997, devido à apresentação de duas candidaturas femininas, de Simoni Schwartzhupt de Oliveira e de Dóris Lúcia Costamilan Lopes, que não tinham intenção alguma de disputar o pleito ao cargo de vereador pelo Município de Imbé/RS nas eleições de 2016.

Por todas essas razões, divirjo do eminente relator e voto no sentido de prover o agravo interno para, da mesma forma, dar integral provimento ao recurso especial, decretando a nulidade de (PTB/PDT/PROS), porquanto auferidos a partir todos os votos recebidos pela Coligação Unidos por Imbé de fraude ao disposto no art. 10, § 3º, da Lei nº 9.504/1997, cassando, consequentemente, todos os diplomas eventualmente obtidos pela coligação.

 

Reproduzo a ementa do julgado no TSE:

ELEIÇÕES 2016. AGRAVO INTERNO. RECURSO ESPECIAL. AIME. FRAUDE. ART. 10, § 3º, DA LEI Nº 9.504/1997. QUADRO FÁTICO DELINEADO PELO ACÓRDÃO REGIONAL. POSSIBILIDADE DE REENQUADRAMENTO JURÍDICO. RECONHECIDA A FRAUDE À COTA DE GÊNERO. NULIDADE DOS VOTOS. PROVIDOS O AGRAVO INTERNO E O RECURSO ESPECIAL.

1. Os fatos existentes no voto–vencido devem ser considerados sempre que não contradigam os descritos no voto–vencedor. Art. 941, § 3º, do CPC/2015. 2. À luz do REspe n° 193–92/PI, de relatoria do Ministro Jorge Mussi, fica comprovada a existência de candidaturas fictícias sempre que identificado, de maneira induvidosa, o completo desinteresse na disputa eleitoral.

3. Agravo interno provido para, da mesma forma, dar integral provimento ao recurso especial, decretando–se a nulidade de todos os votos recebidos pela Coligação Unidos por Imbé, porquanto auferidos a partir de fraude ao disposto no art. 10, § 3º, da Lei nº 9.504/1997.

(RECURSO ESPECIAL ELEITORAL nº 851, Acórdão, Relator(a) Min. Sérgio Banhos, Relator(a) designado(a) Min. Og Fernandes, Publicação: DJE - Diário da justiça eletrônica, Tomo 217, Data 28/10/2020) (Grifo nosso)

 

Nesse caso, destaque ao que consignado no voto do Ministro Alexandre de Moraes:

Eu diria, com todo respeito ao que foi dito anteriormente, que, nesse caso só há uma diferença em relação ao caso anterior: elas tiveram um voto. Elas lembraram, pelo menos, de votar em si mesmas. Porque o resto é absolutamente idêntico: não houve um gasto eleitoral, não fizeram campanha. Talvez – e aqui o Ministro Og bem salientou – aqui tenha sido mais acintoso, mas os elementos são idênticos. Uma delas, nesse caso, era namorada de um candidato a vereador e fez campanha para o seu namorado. O que eu disse anteriormente: a prática faz com que se chame as suas irmãs, mães, filhas, namoradas. A outra pediu, via rede, votos para outro candidato.

Ora, mais do que isso para constatar fraude, nós estamos quase sumulando que há necessidade da confissão dupla, do partido e da candidata laranja. Porque não é possível tamanha coincidência, dois casos semelhantes, quase idênticos demonstrando exatamente que se não houver uma atitude firme da Justiça Eleitoral, infelizmente, essa cota de gênero jamais será respeitada. E também trago a experiência de quem já participou da política, com todo o respeito ao Ministro Sérgio Banhos, não há a mínima possibilidade de um partido implantar no outro uma mulher como candidata laranja, somente para prejudicar esse partido. Com todo o respeito ao que foi dito, quem conhece a realidade sabe que isso é absolutamente impossível. Primeiro, porque cada partido tem a sua cota de laranjas e, segundo, sempre há a necessidade da apresentação, abono de fichas.

O que nós temos hoje nos mais de cinco mil municípios brasileiros, é uma industrialização de candidaturas laranjas de mulheres. E isso simplesmente é a negativa do que se pretende – e o nosso presidente, o eminente Ministro Luís Roberto Barroso bem salientou no caso anterior –, da ampliação da participação da mulher. Se num caso 75% das candidaturas eram laranjas, nesse outro caso 33%, se não tem nenhum apoio, não conseguem nem provar que fizeram campanha, nós nunca teremos a possibilidade de equiparação, pelo menos mínima de chances das candidaturas de mulheres.

E, volto a dizer, com o absoluto respeito às posições em contrário, mas cada decisão da Justiça Eleitoral, principalmente dessa Corte, que sinaliza que há necessidade, como eu disse, de uma confissão dupla, isso acaba incentivado as candidaturas laranjas.

Aqui, não tenho também nenhuma dúvida, como bem salientou o eminente Ministro Og Fernandes, que houve fraude, clara fraude das candidatas. Vejam, uma delas, que era namorada de um candidato que foi vereador eleito, disse que não lembrava nem do número com o qual concorreu. Nem do número lembrava. A outra, dizendo “não, nós trabalhamos muito, pelo partido e pelo vereador”. E diz “outro vereador”. Mais do que isso, para constatar a fraude, realmente, é exigir-se confissão dupla, confissão dela, confissão das candidatas e dos partidos.

(Grifo nosso)

 

Pois bem, com base nessas diretivas jurisprudenciais, passo a analisar o caso em tela.

Em relação a Dilce Fátima Fernandes, adianto que me filio aos argumentos da sentença, discordando da manifestação do Procurador Regional Eleitoral, eis que considero robustas as provas apresentadas sobre a existência de fraude.

Aliás, ao cotejar os nomes dos recorrentes em ambos os feitos, verifiquei que Dilce Fátima Fernandes não apresentou recurso, de modo ser vedada a apreciação da matéria nesse grau de jurisdição.

De qualquer sorte, consigno que a sentença evidencia que o partido, por meio de seu candidato à eleição majoritária, Daniel Paulo Fontana, agiu premeditadamente com relação à candidatura ficta de Dilce, conforme trecho que transcrevo (ID 44977956):

Referiu que Daniel lhe disse que seu nome era somente para “fechar quota” e que Daniel foi até sua residência e lhe coagiu e pressionou a assinar documentos, sugerindo que aquilo seria uma “troca” e ela, depoente, afetada pela pandemia, quase sem trabalho, assinou vários documentos. Referiu ainda que Daniel lhe disse que não precisava fazer campanha, que só queria mesmo o nome da depoente e que inclusive lhe disse que se achavam outra pessoa, trocaria o nome dela (…)

 

Destaco que Dilce afirmou enfaticamente que nunca teve interesse em disputar a eleição, mas que, mesmo assim, houve a sua filiação ao partido, o registro de sua candidatura e o recebimento de material de campanha, sem ter solicitado.

Em seu depoimento, Dilce relata que não participou de atos partidários, de convenção de partido e que nunca esteve na Rua Bento Rosa. Disse não ter apresentado prestação de contas, não ter movimentado qualquer recurso, não ter recebido “um centavo qualquer, que não movimentou um centavo e que não recebeu talão de cheques”. Declarou que não tinha Facebook e que quem o criou foi Rodrigo Conte, mas que nunca se manifestou politicamente.

Os relatos acima expostos demonstram todos os contornos de uma candidatura fictícia. Ademais, somam-se a eles os elementos fáticos que seguem:

a) A candidata realizou votação insignificante uma vez que obteve um (01) voto, conforme consta no sítio eletrônico do TSE https://resultados.tre-rs.jus.br/eleicoes/2020/426/RS87297.html. Para além disso, Dilce informou em depoimento que sequer votou em si mesma;

b) Verificou-se apenas movimentação de recursos em valor estimável, no total de R$ 782,80 (setecentos e oitenta e dois reais e oitenta centavos), sendo R$ 460,00 (quatrocentos e sessenta reais) recebidos do candidato a prefeito Daniel Paulo Fontana, referente a “colinhas” e “santinhos”, e o valor de R$ 322,80 recebidos do Diretório Estadual do Partido Socialista Brasileiro - PSB, referente a “perfurites” (adesivos) e “colinhas”;

Observa-se, ainda, que a candidata realizou a abertura da conta de campanha para recebimento de FEFC, no dia 30.9.2020, no Banco do Estado do Rio Grande do Sul S.A, Ag. 906, c/c 618962303, porém, restou sem movimentação alguma, conforme se verifica em consulta ao DivulgaCandContas https://divulgacandcontas.tse.jus.br/divulga/#/candidato/2020/2030402020/87297/210000930544 e na Prestação de Contas da candidata, n. 0600922-13.2020.6.21.0029.

c) quanto aos atos de campanha, Dilce retirou o material no comitê do partido e promoveu alguns atos de campanha. Porém, informou que destruiu o material recebido e desistiu de prosseguir porque se sentia constrangida e pressionada.

De igual modo, tenho que a participação e responsabilidade de Daniel Paulo Fontana está perfeitamente demonstrada em relação à candidatura fictícia de Dilce, devendo ser mantida sua condenação.

No ponto, transcrevo o que constou na sentença na AIJE 0600995-82.2020.6.21.0029 sobre a conduta de Daniel (ID 44977956):

[…]

Por sua vez, Dilce Fátima Fernandes foi incisiva ao afirmar que nunca foi sua a intenção de candidatar-se e que fora pressionada, coagida e usada por Daniel Fontana na perfectibilização de sua candidatura. Referiu, então, que era manicure e depiladora e, como tal, atendia as filhas de Daniel Fontana a domicílio, ocasião em que Daniel se aproximou e lhe inquiriu se portava seu título de eleitor. A depoente apontou de forma positiva e, a pedido, lhe entregou o título. Disse que Daniel Fontana pegou o celular e depois de manuseá-lo, devolveu o título à depoente e disse “ pronto, agora você está filiada ao meu partido.” A depoente perguntou “como assim? Que partido?” ao que Daniel respondeu “a um outro partido novo que está chegando aí”. Referiu que sempre se mostrou contra a qualquer tipo de política e depois disso começou a insistência, a pressão para que se candidatasse. Referiu, que embora todas negativas, Daniel disse “ eu preciso de ti agora e chegou a tua vez de me ajudar.” Referiu que Daniel lhe disse que seu nome era somente para “fechar quota” e que Daniel foi até sua residência e lhe coagiu e pressionou a assinar documentos, sugerindo que aquilo seria uma “troca” e ela, depoente, afetada pela pandemia, quase sem trabalho, assinou vários documentos. Referiu ainda que Daniel lhe disse que não precisava fazer campanha, que só queria mesmo o nome da depoente e que inclusive lhe disse que se achavam outra pessoa, trocaria o nome dela, depoente. Asseverou que não participou de atos de partido, de convenção de partido, e que nunca esteve na Rua Bento Rosa. Referiu também que recebeu por três vezes material de campanha – na última vez 15.000 santinhos – sem qualquer solicitação. Disse não ter apresentado prestação de contas, não ter movimentado qualquer dinheiro, disse não ter recebido um centavo qualquer, que não movimentou um centavo e que não recebeu talão de cheques. Referiu que Daniel Fontana a usou pois sabia que ela – depoente – não queria se candidatar. Explicitou, ainda, que somente deixou a situação rolar até depois das eleições porque ela não tinha a informação de que poderia desistir a qualquer momento. Que sequer tinha Facebook, e quem o criou foi Rodrigo Conte mas que nunca se manifestou ali politicamente. Tinha até vergonha. Nunca teve a intenção de se candidatar. Sinalizou como barbárie e terrível a situação na qual foi colocada.
                   

Dessa forma, tenho por manter integralmente a sentença em relação à participação de Daniel Paulo Fontana na perpetração do ilícito de fraude.

Passo à análise da moldura fática do presente feito em relação à candidata Elisângela de Farias.

Elisângela aduz em seu depoimento que Adriano, seu cunhado e também candidato a vereador, eleito pelo PSB, disse que ela seria a única mulher filiada no partido e que, se ela não se filiasse, ele “cairia fora”. Afirma que “foi uma força” que ela deu pra ele. Ainda, ele disse que o nome dela não apareceria em lugar nenhum. Relata que não sabia que era para concorrer, pensava ser um pré-cadastro, entretanto, levou toda a documentação, tirou a foto e retirou o material de campanha.

Na apreciação dos fatos, verifica-se:

a) Quanto ao resultado da votação: a candidata obteve zero votos, conforme consta no sítio eletrônico do TSE https://resultados.tre-rs.jus.br/eleicoes/2020/426/RS87297.html, ou seja, sequer votou em si própria (ID 45055653);

b) Quanto à movimentação financeira, a candidata movimentou recursos estimáveis no valor total de R$ 560,00 (quinhentos e sessenta reais), recebidos do candidato a prefeito Daniel Paulo Fontana, referente a “colinhas” e “santinhos”, conforme se verifica em consulta ao DivulgaCandContas https://divulgacandcontas.tse.jus.br/divulga/#/candidato/2020/2030402020/87297/210001273213/integra/receitas e na Prestação de Contas da candidata, n. 0600998-37.2020.6.21.0029. Destaco que a candidata sequer abriu conta bancária para campanha eleitoral. Ademais, os documentos referentes ao seu Registro de Candidatura foram encaminhados sem sua assinatura, bem como a Prestação de Contas apresentada não foi acompanhada de instrumento de mandato a advogado;

c) Quanto aos atos de campanha: Elisângela não promoveu atos de campanha por meio dos panfletos (“santinhos”) recebidos. Aliás, afirma em seu depoimento que recebeu o material de campanha 09 (nove) dias antes da eleição e que sua mãe foi retirar o material no Comitê e foi orientada por Adriano a “botar fogo” nos santinhos (ID 45055651).

 

Diante desse cenário, considero a existência de prova da fraude suscitada, tendo em conta que ambas as candidatas afirmaram não terem vontade de se candidatar nas eleições e a realidade fática demonstrar que, efetivamente, obtiveram votação zerada ou apenas um voto, além da ausência de campanha, inclusive com indicação de destruição dos materiais recebidos. Ainda, Elisângela sequer realizou a abertura da conta de campanha e Dilce teve a conta aberta, porém, sem movimentação financeira alguma.

Consoante se verifica do exame dos fatos e provas produzidas nos presentes autos, as candidatas mantiveram-se inertes durante todo o processo eleitoral, comportando-se como se não disputassem a eleição.

Ressalto que os motivos pelos quais ambas as candidatas colaboraram para a fraude, seja porque Elisângela “não quis negar um pedido do cunhado”, “dar uma força” ou porque, conforme narrado por Dilce, “estava sem trabalho por causa da pandemia”, e foi “pressionada e coagida por Daniel”, não são motivos bastantes para afastar a legitimidade de ambas para figurarem no polo passivo das ações, pois o cerne da controvérsia é a comprovação de que as candidaturas eram fictícias, tendo sido lançadas apenas para preencher o requisito formal do registro, a fim de resguardar a participação dos demais candidatos do partido (todos do sexo masculino) no certame eleitoral.

Assim, cumpre examinar os motivos pelos quais as candidatas foram convidadas a participar do pleito – Elisângela, pelo seu cunhado também candidato a vereador (Adriano Rosa dos Santos), e Dilce, pelo candidato a prefeito (Daniel Fontana). Destaco que tanto Adriano como Daniel tinham consciência da necessidade de atingir a cota de 30% de candidaturas femininas a fim de viabilizar as candidaturas proporcionais, pois Adriano diz a Elisângela que ela era a única mulher filiada ao partido e que, se ela não se filiasse, “ele cairia fora”, ou seja, não concorreria. De outra parte, Daniel declara a Dilce que seu nome era somente para “fechar quota”. Ou seja, trata-se de uma ação premeditada com o objetivo de (má-fé ou dolo) burlar a regra de proporcionalidade mínima entre homens e mulheres que o legislador estabeleceu no art. 10, § 3º, da Lei n. 9.504/97.

Note-se que a fraude à cota de gênero se configura justamente no cenário dos presentes autos de lançamento de candidaturas de mulheres que, na realidade, não disputaram efetivamente o pleito. Os nomes dessas candidatas foram incluídos apenas para atender à necessidade de preenchimento do percentual mínimo legal, em evidente burla à regra legal. Não se pode olvidar que a finalidade da cota é de se constituir como meio de incentivo à promoção da participação feminina para que se alcance uma realidade mais igualitária e se atinja a redução da desigualdade de gênero da esfera pública política, com a consequente promoção de um ambiente eleitoral e político mais diversificado e democrático.

Mister assinalar que a moralidade eleitoral exige um padrão ético-moral mais elevado por parte de instituições partidárias. O próprio art. 14, § 9º, da CF/88 visa proteger “a lisura do processo para a escolha dos representantes do povo”, exigindo que os atores eleitorais demonstrem boa conduta, como possíveis lideranças políticas. Desse modo, a fraude e o desvio de finalidade servem ao interesse específico dos participantes das disputas eleitorais e não ao interesse superior da coletividade em realizar eleições limpas.

De outra sorte, o partido não demonstrou que tenha efetivamente auxiliado e incentivado as candidaturas femininas, não há prova de ações interna corporis, nem de qualquer meio de incentivo às candidaturas com o objetivo de realmente terem chance de vitória no pleito. Aliás, a sub-representação feminina na política pode ser observada desde a dificuldade de acesso aos cargos de direção partidária, passando pelo acesso ao financiamento de campanha, mesmo com recursos públicos, culminando em obstáculos na obtenção de tempo de propaganda eleitoral no rádio e na TV. Assim, verificada a ausência de atos condizentes com quem deseja concorrer ao pleito, era responsabilidade do partido político auxiliar no que fosse necessário na condução dos atos de campanha ou formalizar a desistência das candidaturas, a fim de substituí-las por quem efetivamente almejasse concorrer.

Desse modo, merece reprimenda as condutas dolosas das organizações partidárias que, de forma livre e consciente, incluem em suas fileiras de candidatos mulheres sem interesse em concorrer ao pleito eleitoral, com a finalidade única de atender, formalmente, à exigência legal de percentual de gênero.

À vista disso, o reconhecimento da fraude implica desconstituição da decisão anterior que deferiu o Demonstrativo de Regularidade dos Atos Partidários – DRAP, com a consequente cassação dos diplomas de todos os que participaram da fraude ou dela se beneficiaram, de forma direta ou indireta, conforme posicionamento da Corte Superior:

RECURSOS ESPECIAIS. ELEIÇÕES 2016. VEREADORES. PREFEITO. VICE-PREFEITO. AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO JUDICIAL ELEITORAL (AIJE). ART. 22 DA LC 64/90. FRAUDE. COTA DE GÊNERO. ART. 10, § 3º, DA LEI 9.504/97. (…) CASSAÇÃO. TOTALIDADE DAS CANDIDATURAS DAS DUAS COLIGAÇÕES. LEGISLAÇÃO. DOUTRINA. JURISPRUDÊNCIA.

[…]

8. Caracterizada a fraude e, por conseguinte, comprometida a disputa, não se requer, para fim de perda de diploma de todos os candidatos beneficiários que compuseram as coligações, prova inconteste de sua participação ou anuência, aspecto subjetivo que se revela imprescindível apenas para impor a eles inelegibilidade para eleições futuras. Precedentes.

9. Indeferir apenas as candidaturas fraudulentas e as menos votadas (feito o recálculo da cota), preservando-se as que obtiveram maior número de votos, ensejaria inadmissível brecha para o registro de “laranjas”, com verdadeiro incentivo a se “correr o risco”, por inexistir efeito prático desfavorável.

10. O registro das candidaturas fraudulentas possibilitou maior número de homens na disputa, cuja soma de votos, por sua vez, contabilizou-se para as respectivas alianças, culminando em quociente partidário favorável a elas (art. 107 do Código Eleitoral), que puderam então registrar e eleger mais candidatos.

11. O círculo vicioso não se afasta com a glosa apenas parcial, pois a negativa dos registros após a data do pleito implica o aproveitamento dos votos em favor das legendas (art. 175, §§ 3º e 4º, do Código Eleitoral), evidenciando-se, mais uma vez, o inquestionável benefício auferido com a fraude.

12. A adoção de critérios diversos ocasionaria casuísmo incompatível com o regime democrático.

13. Embora o objetivo prático do art. 10, § 3º, da Lei 9.504/97 seja incentivar a presença feminina na política, a cota de 30% é de gênero. Manter o registro apenas das candidatas também afrontaria a norma, em sentido contrário ao que usualmente ocorre.

(Recurso Especial Eleitoral nº 19392, Acórdão, Relator(a) Min. Jorge Mussi, Publicação: DJE – Diário da justiça eletrônica, Tomo 193, Data 04/10/2019, Página 105/107)

 

Diversamente do que ocorre em relação à incidência da sanção de cassação de diplomas/registros da totalidade das candidaturas que formam a chapa proporcional (candidatos eleitos, suplentes e candidatos não eleitos de ambos os sexos), que decorre automaticamente do reconhecimento da ocorrência de fraude à cota de gênero, a inelegibilidade decorrente da procedência de uma Ação de Investigação Judicial Eleitoral é de natureza personalíssima, incidente apenas em relação a quem cometeu, participou ou anuiu com a prática ilícita, e não ao mero beneficiário.

Assim, a inelegibilidade para as eleições a se realizarem nos 8 (oito) anos subsequentes à eleição em que se verificou deve se restringir aos candidatos ADRIANO ROSA DOS SANTOS e ELISÂNGELA DE FARIAS, ambos candidatos à vereança que, agindo em conluio, registraram a candidatura fictícia de ELISÂNGELA perante a Justiça Eleitoral, assim como a DANIEL PAULO FONTANA e DILCE FÁTIMA FERNANDES, conforme demonstrado acima.

Da mesma forma, também encontra-se sujeito à sanção de inelegibilidade o investigado RODRIGO CONTE, por haver sido demonstrado que, na condição de presidente da legenda no Município de Lajeado/RS, participou ou pelo menos anuiu com a prática da ilicitude.

Em relação ao tema, cumpre observar que a contadora da agremiação política, testemunha Ana Paula Rother Camargo, em seu depoimento prestado em juízo, afirmou que reportou ao comitê de campanha a situação acerca da ausência da coleta da assinatura de ELISANGELA, na documentação relativa ao registro de candidatura e prestação de contas. De outro modo, RODRIGO CONTE, nas mensagens de WhatAssp acostadas aos autos, trata diretamente com ELISANGELA acerca de questões alusivas ao encaminhamento do registro de candidatura desta.

Sendo assim, encontra-se bem demonstrada a responsabilidade subjetiva do investigado RODRIGO CONTE, motivo pelo qual incide na inelegibilidade cominada na legislação de regência.

Em relação aos demais recorrentes, merece parcial provimento o recurso para afastar a sanção de inelegibilidade.

Por fim, cabe examinar a aplicação do prazo de inelegibilidade aos investigados por 3 (três) anos, e não 8 (oito) anos (ID 44977995 – AIJE).

DANIEL PAULO FONTANA opôs embargos declaratórios na AIJE 0600995-82.2020.6.21.0029, suscitando contradição na sentença, pois na fundamentação constou prazo de três anos de inelegibilidade e no dispositivo oito anos. Os aclaratórios foram acolhidos para impor a sanção de inelegibilidade de todos os requeridos nas eleições a se realizarem nos três anos subsequentes à eleição municipal de 2020, na forma do art. 96-B da Lei n. 9.504/97.

Trata-se de evidente error in judicando, pois o prazo de 3 anos foi revogado pela LC n. 135/10, sendo de rigor sua adequação ao prazo de 8 anos previsto no art. 22, inc. XIV, da LC n. 64/90.

Além isso, como muito bem ressaltado pelo digno Procurador Regional Eleitoral, “é assente que não compete ao juiz, na dosimetria das penas pela prática de abuso de poder, fixar o quantum do prazo da inelegibilidade, uma vez que tal juízo de proporcionalidade já foi feito pelo legislador, ao estipular que o abuso de poder, para sua configuração, exige a demonstração da gravidade das circunstâncias, a teor do art. 22, inc. XVI, da LC n. 64/90.”

Dessarte, é possível o conhecimento de ofício, sem que se possa imputar reformatio in pejus, nos termos do quanto decidido pelo TSE:

ELEIÇÕES 2016. AGRAVO INTERNO EM RECURSO ESPECIAL. PRESTAÇÃO DE CONTAS DE CANDIDATO. DESAPROVAÇÃO. IRREGULARIDADES QUE REPRESENTAM 85,61% DOS RECURSOS ARRECADADOS. MALFERIMENTO DA CONFIABILIDADE E DA TRANSPARÊNCIA. REEXAME. RECURSOS DE ORIGEM NÃO IDENTIFICADA. RETIFICAÇÃO, PELA CORTE REGIONAL, DOS VALORES A SEREM RECOLHIDOS AO TESOURO NACIONAL. INEXATIDÃO NUMÉRICA. ERRO MATERIAL. CORREÇÃO DE OFÍCIO. POSSIBILIDADE. PRECEDENTES DO STF E DO STJ. NEGADO PROVIMENTO AO AGRAVO INTERNO.

1. As contas do recorrente relativas à sua campanha eleitoral de 2016 foram desaprovadas pelo Juízo de primeiro grau em razão de diversas irregularidades, que representam 85,61% dos recursos arrecadados, tendo a Corte regional assentado que o conjunto das falhas malferiu a lisura, a confiabilidade e a transparência das contas. Entender de forma diversa demandaria o revolvimento do conjunto fático–probatório dos autos, providência vedada pelo Enunciado nº 24 da Súmula do TSE.

2 Entre as irregularidades, constatou–se o recebimento de recursos sem identificação da origem. Ao confirmar a sentença de desaprovação, o TRE/RS, de ofício, majorou o recolhimento ao erário dos valores de origem não identificada recebidos pelo prestador de contas.

3. Na hipótese, não há falar em reformatio in pejus, na medida em que a retificação da quantia a ser recolhida ao erário não pode ser considerada inovação sancionadora, haja vista que o Juízo de primeiro grau efetivamente determinou o recolhimento de valores ao Tesouro Nacional, contudo em montante menor do que o reconhecido como de origem não identificada, o que motivou o TRE/RS a, de ofício, impor a complementação, a fim de se chegar ao montante total previamente reconhecido na sentença como de origem não identificada, nos termos da resolução regente.

4. O erro material não se sujeita à preclusão e a sua correção – a qualquer tempo, inclusive de ofício – não configura ofensa aos princípios da não surpresa e da segurança jurídica ou afronta à coisa julgada, razão pela qual não há falar em reformatio in pejus quando a alteração do julgado se limita a retificar erro material evidenciado entre as razões de decidir e o dispositivo da decisão. Precedentes do STF e do STJ.

5. No caso, tendo sido especificada, na sentença, a penalidade de devolução de recursos de origem não identificada, pode o Tribunal regional – de ofício – corrigir o valor a ser devolvido quando se tratar de inexatidão numérica que denota evidente desacordo entre as razões de decidir do julgador e o dispositivo da decisão.6. Deve ser mantida a decisão agravada, ante a inexistência de argumentos aptos a modificá–la.7. Negado provimento ao agravo interno.

(RECURSO ESPECIAL ELEITORAL nº 40257, Acórdão, Relator(a) Min. Mauro Campbell Marques, Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, Tomo 235, Data 16/11/2020, Página 0) (Grifo nosso)

 

Assim, reconheço o erro material do julgado no que diz respeito ao prazo da sanção de inelegibilidade pela prática de abuso de poder, para que conste, corretamente, como sendo de 8 anos o prazo da incidência da sanção, a contar das eleições de 2020.

Diante do exposto, VOTO nos seguintes termos:

a) manter a sentença que reconheceu a prática da fraude à cota de gênero, nas eleições para o cargo de vereador do PSB de Lajeado, pleito de 2020, declarando nulos os votos conferidos às candidatas e candidatos que disputaram as eleições proporcionais pelo Partido Socialista Brasileiro – PSB de Lajeado;

b) corrigir error in judicando da sentença para fazer constar prazo de inelegibilidade de 8 anos, a contar das eleições de 2020, em relação a: ADRIANO ROSA DOS SANTOS, ELISÂNGELA DE FARIAS, DANIEL PAULO FONTANA e DILCE FÁTIMA FERNANDES;

c) negar provimento ao recurso de DANIEL PAULO FONTANA;

d) afastar a inelegibilidade dos seguintes recorrentes: CAROLINA SIMÃO GASPAROTTO, DELMAR BORN, JACI DA ROCHA, MARINO LUIZ BARCE, VERA LUCIA FLECK DUARTE SOARES, GILSONE ANTONIO SIMIONATO SARTORI, DARCI DEITOS, GUILHERME MEYER, LUIS RODRIGO STURMER, ELISABETE ZENI KOPP, JEFERSON DE SOUZA KLAUCK, JOEL DA SILVA, VANDERLEI SOARES, VANDOIR BASTOS PINNA, JOANIR JACO SEIDEL, LURDES DA SILVA, PEDRO DOVILIO WEBER e BRUNA HAACK.

Determino a cassação dos diplomas expedidos (titulares e suplentes), devendo ser realizado o recálculo dos quocientes eleitoral e partidário, por força do disposto no art. 198, inc. II, al. "b", da Resolução TSE n. 23.611/19, que foi objeto inclusive de confirmação pelo TSE no RO 603900-65.2018.6.05.0000, Rel. Min. Sergio Silveira Banhos, DJE de 26.11.2020.

Comunique-se, após a publicação do acórdão, esta decisão à respectiva Zona Eleitoral para cumprimento.