Rp - 0603730-10.2022.6.21.0000 - Voto Relator(a) - Sessão: 22/05/2023 às 14:00

VOTO

Não havendo questões preliminares a serem examinadas, passo ao exame do mérito.

Inicialmente, cumpre tecer algumas considerações doutrinárias sobre as condutas vedadas aos agentes públicos, a fim de evidenciar o bem jurídico resguardado pelo art. 73 da Lei n. 9.504/97.

Pois bem.

Na lição de José Jairo Gomes (Direito Eleitoral – 15ª ed. - São Paulo: Atlas, 2019, pág. 867), o dispositivo em questão elenca condutas que “’são proibidas aos agentes públicos, servidores ou não’, porque tendem ‘a afetar a igualdade de oportunidades entre candidatos nos pleitos eleitorais’”.

As condutas vedadas a agentes públicos são enumeradas em rol taxativo previsto nos arts. 73 a 77 da Lei das Eleições e têm por escopo evitar a utilização da máquina pública em benefício de candidatura.

São tipos fechados que, por presunção legal, tendem a afetar a isonomia entre os candidatos. A jurisprudência do Tribunal Superior Eleitoral é pacífica no sentido de que as condutas vedadas previstas no art. 73 da Lei n. 9.504/97 se aperfeiçoam com a mera prática dos atos descritos na norma, independentemente da finalidade eleitoral, na medida em que constituem ilícitos de natureza objetiva (AgR–REspe 195–81, rel. Min. Luís Roberto Barroso, DJE de 27.6.2019).

Assim, uma vez presentes os requisitos necessários à sua caracterização, a norma proibitiva é tida por violada, cabendo ao julgador aplicar as correspondentes sanções legais, nos termos da Súmula n. 62 do TSE, observando, em todo caso, os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade (TSE, AC n. 210-23/PA, Relator: MIN. HENRIQUE NEVES DA SILVA, DJe de 2.5.2016).

Em um primeiro momento, basta a adequação objetiva dos fatos à moldura legal do tipo definido na lei para o reconhecimento da conduta vedada, “independe da sua potencialidade lesiva para desequilibrar/alterar o resultado do pleito ou da demonstração concreta do dano às eleições” (TSE, Agravo de Instrumento n. 5197, Acórdão, Relator(a) Min. Tarcisio Vieira De Carvalho Neto, Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, Data 22/03/2018, Página 39).

A avaliação da gravidade das ações perpetradas é realizada em uma segunda etapa, não servindo, assim, à caracterização da própria infração, mas para a determinação da dosimetria do justo sancionamento aplicável ao caso em análise, exigindo um juízo de proporcionalidade entre a gravidade do ilícito praticado e o sancionamento previsto, que, na espécie, consiste em multa entre R$ 5.320,50 e R$ 106.410,00, cumulada ou não com a cassação do diploma dos candidatos beneficiados.

Estabelecidas essas premissas, passo à análise do fato e das questões controvertidas.

Na espécie, AVELINO RICARDO MENEGAZ, Vice-Prefeito à época dos fatos, teria praticado conduta vedada ao fazer uso do programa de rádio “Informativo Jacutinga”, serviço custeado pelo município e veiculado nas emissoras de Rádio Campinas e na Rádio Comunitária de Jacutinga, nos dias 27.8.2022 e 24.9.2022, durante o período eleitoral, em benefício dos seguintes candidatos nas Eleições Gerais de 2022: Governador do Estado - Luís Carlos Heinze (PP, nº 11); Deputados Federais - Afonso Hamm (PP, nº 1166), Covatti Filho (PP, nº 1111), Lucas Redecker (PSDB, nº 4511) e Ubiratan Sanderson (PSL, nº 2210); e Deputado Estadual - Mateus Wesp (PSDB, nº 45045).

A conduta acima descrita configuraria, em tese, violação à regra que proíbe “usar materiais ou serviços, custeados pelos Governos ou Casas Legislativas, que excedam as prerrogativas consignadas nos regimentos e normas dos órgãos que integram”, nos termos do art. 73, inc. II, da Lei n. 9.504/97.

De início, cabe registrar que, na hipótese em tela, resta incontroverso que o programa de rádio “Informativo Jacutinga” é de responsabilidade do município, conforme demonstrado na documentação anexa à exordial, especialmente, Lei Municipal n. 2.883, de 11.5.2021, do Município de Jacutinga, bem como os relatórios de empenho e documentos referentes às contratações, nos quais constam a compra do espaço nas rádios comunitárias consistente em programas de rádio realizados aos sábados no ano de 2022 (ID 45389200).

O programa de rádio, portanto, amolda-se à previsão legal do inc. II do art. 73 da Lei 9.504/97, que veda “usar materiais ou serviços, custeados pelos Governos ou Casas Legislativas”, restando ainda ser analisado se excedidas as prerrogativas consignadas nos regimentos e nas normas dos órgãos aos quais integram.

Não há controvérsia sobre o custeio da transmissão do referido programa nas rádios, nem sobre a participação do demandado nas edições indicadas na inicial ou sobre as menções aos candidatos ao Governo do Estado, à Assembleia Legislativa e à Câmara dos Deputados. O próprio representado admite, na defesa (ID 45403283), a sua participação no citado programa de rádio, salientando que é realizado há mais de 20 anos, com fins informativos e como uma “ferramenta de prestação de contas, onde os gestores municipais esclarecem e divulgam os recursos recebidos, sua destinação e os deputados ou outros governantes que viabilizaram o(s) projeto(s)”.

Efetivamente, o representado AVELINO RICARDO MENEGAZ, Vice-Prefeito do Município de Jacutinga, participou do programa de rádio que consta na inicial, e, em transmissões realizadas em duas datas, utilizou a estrutura de comunicação custeada pela Administração Municipal em prol de determinados candidatos, em detrimento da igualdade entre os participantes do pleito, consoante exposto na sequência.

Cumpre examinar o conteúdo das declarações de AVELINO RICARDO MENEGAZ, veiculadas nas emissoras de Rádio Campinas e na Rádio Comunitária de Jacutinga, nos dias 27.8.2022 e 24.9.2022, durante o período eleitoral.

Colho excertos dos áudios juntados aos autos:

ID 45389201 – AVELINO fala na condição de Prefeito Interino em razão das férias do titular, como declara no decorrer do programa.

 

Programa Informativo Jacutinga de 27/08/2022

“Informativo Jacutinga um programa da Prefeitura Municipal de Jacutinga que vai ao ar todos os sábados neste horário. O objetivo é manter a comunidade informada sobre as iniciativas, ações, informações da administração Municipal de assuntos de interesse da comunidade Jacutingense. Fazer o melhor possível para que Jacutinga seja o melhor lugar para viver essa é a nossa missão. Bom dia

[…]


6min55

[…] com nossa equipe focada para ir na busca do recurso o prefeito Beto também sempre um trabalhador assíduo aí na questão da busca dos recursos tem essa articulação política muito forte com os deputados tanto na Esfera Estadual como Federal também fazer uma menção especial os deputados que nos ajudam né Deputado Afonso Hamm Deputado Covatinho nosso Senador Luís Carlos Heinze que já mandou muitos recursos para nós darmos sustentação as demandas dos nossos munícipes seja na área da saúde seja na área de infraestrutura na área da agricultura ou nas obras né? E sempre que possível estamos atendendo as nossas demandas ou seja nos equipamentos que foram adquiridos e já estão rodando né os veículos da educação ou nas retroescavadeiras que já chegaram uma já chegou outra chegando agora no próximo mês dessas duas retroescavadeiras novas outros equipamentos que nós já estamos pleiteando para o próximo ano que também já estamos sendo atendidos né ou recursos também de repasse para nossa instituição nosso Hospital, né? Que hospital São Judas Tadeu que sempre que possível também os nossos parlamentares estão direcionando recursos para também se sustentar [...]

 

12min11

[…] Passando aí dos R$ 400.000,00 mil reais sendo parte dele do Governo do Estado e parte contrapartida nossa então da retroescavadeira já mencionei já está depositado recurso para segunda retroescavadeira está chegando no próximo mês e assim fazer o pagamento também com emenda parlamentar do deputado Afonso Hann e também ambulância, né ambulância que pagamos durante a semana já recurso esse de emenda parlamentar né do Deputado Sanderson. E agora tá na empresa que faz a mudança, né? Que ela foi adquirida a Van e então está agora lá fazendo a montagem da ambulância e acredito que no mês que vem também vamos ter essa ambulância […]


18min40

[...] para esse trecho o asfaltamento então por isso que nós fazemos e concluímos essa obra. Também durante a semana tivemos aqui no nosso Gabinete o deputado federal Lucas Redecker, né também o deputado estadual Mateus Wesp junto com a comitiva né estava também a vereadora Elenir estava nosso procurador jurídico Allan a Manu também alguns integrantes da comitiva Marcelo Adona e a Lúcia e tal né para acompanhar e ver o que a gente está pleiteando porque ele também até o Mateus Wesp nos ajudou em algumas situações já e pautamos alguns assuntos importantes que naquele momento que estivemos em Porto Alegre o deputado esteve nos auxiliando para o encaminhamento de projetos de asfaltamento de Jacutinga até a divisa com Ponte Preta e a duplicação da ponte e também o asfaltamento Jacutinga Quatro Irmãos todos nós sabemos que é um trecho importante entre Jacutinga Quatro Irmãos uma obra pouco maior, né? […]


24min22

[…] Então agradeço a presença desses deputados que passaram por aqui que a gente está sempre de portas abertas independente de partido o deputado que nos ajuda a gente tá com as portas abertas porque está ajudando a comunidade e agente externa isso para a nossa população. Quando vem recursos, que o maior número do recurso já dispendidos é do Deputado Afonso Hamm, e às vezes as pessoas falam não porque tu fala tanto do Deputado porque ele manda o grande volume de recursos. Ou a questão do deputado Covattinho também. Então a gente tem que valorizar esse esses parlamentares que nos ajudam por mais que não sejam da região por vezes, mas a gente também tem essa contrapartida para com a comunidade, por isso que a gente valoriza deputados estaduais também. É nesse momento que a gente tem que falar porque nesse momento também que eles estão precisando de um apoio porque temos aí estamos aí a 35 dias da próxima eleição e com certeza a gente tem que reforçar ainda mais o quê também o governo federal mandou para o município através do nosso Presidente Jair Bolsonaro, ou seja, também desses parlamentares, então era isso que eu queria relatar para nossa população.”

 

 

ID 45389203 – AVELINO fala na condição de vice-Prefeito. O Prefeito também faz manifestação no programa, mas sem menções que possam caracterizar conduta vedada


Programa Informativo Jacutinga de 24.09.2022.

“Informativo Jacutinga um programa da Prefeitura Municipal de Jacutinga que vai ao ar todos os sábados neste horário. O objetivo é manter a comunidade informada sobre as iniciativas, ações, informações da administração Municipal de assuntos de interesse da comunidade Jacutingense. Fazer o melhor possível para que Jacutinga seja o melhor lugar para viver essa é a nossa missão. Bom dia […]


24min

[…] Estamos no momento crucial, o momento que estamos a poucos dias da eleição, 9 dias aí para podermos escolher os nossos os nossos deputados, Senador Governo do estado e Presidente da República e é um voto importante para o futuro do nosso país. A gente sabe o quanto foi importante as ações que nosso Presidente fez em relação a pandemia o quanto foi importante os recursos oriundos do Governo Federal para o enfrentamento a pandemia naquele momento. Nunca na história tivemos tantos recursos para os municípios falando na Esfera Federal, né? Todos os municípios da Federação e a questão de conseguir fazer essas estruturações dos municípios que sempre que as administrações que passaram por aqui tiveram dificuldades financeiras para fechar o caixa no final do ano ou não consegui concluir algumas obras ou alguns pleitos que vinham solicitando não aconteciam e nos pleitos dessa administração, colher também frutos da administração Beto e Salete. Estamos fazendo toda tudo que a gente pensou no nosso plano de governo Inicial fazendo e conduzindo para que até o final do mandato a gente possa entregar todas essas obras e todos esses planejamentos que a gente tem da nossa equipe. Então é bom frisar também que temos que avaliar também tudo isso estamos vivendo um bom momento econômico sabemos que no mundo inteiro passa por dificuldades muito maiores que as nossas até na Europa né países muito mais desenvolvidos que o nosso estão passando por dificuldades de abastecimento de alimentos e o nosso país é rico em produzir alimento o agro hoje é muito forte a gente hoje alimenta 1 bilhão de pessoas nós temos hoje pouco mais de 200 milhões de pessoas no país, mas a gente ainda alimenta quatro vezes, além da nossa população nunca faltando alimento nas gôndolas dos mercados e o nosso país está entre os primeiros no mundo, né? Em relação ao crescimento econômico tão crescendo muito mais do que país até o próprio Estados Unidos, né que está vivendo aí a inflação recessão e outras situações e a equipe do governo federal conduzindo muito bem a relação econômica do nosso país abaixando ai até os combustíveis, quem sabe que o nosso combustível é o mais barato do mundo hoje e temos que botar isso pensar nisso, né? O quanto é dificultoso fazer e tomar essas decisões, mas o presidente está fazendo isso com muita com muito trabalho é muito esforço e muita convicção no seu no seu trabalho governamental e a questão dos deputados né? Não podia ser diferente com para conosco temos alguns deputados que nos ajudam contribuem, vou dar aí o exemplo do Deputado Afonso Hamm contribuindo aí com mais de 3 milhões seja no repasse para o hospital ou seja para a UBS ou também na infraestrutura ou seja na questão de maquinário ou veículos escolares contribuindo e muito para o nosso município e sinalizando também mais recursos para o próximo ano. Então temos que dar essa valorização. Temos também outros pares aí o Covati que nos ajuda entre outros deputados que a gente sabe que a comunidade tem que saber que nos ajudam para podermos escolher o melhor caminho para eles continuarem nos ajudando e dando essas condições para os nossos municípios aqui da região não só de Jacutinga crescerem ainda mais em todas as áreas. Seja na infraestrutura seja na saúde, na educação. Na parte social na agricultura, né? Que é o nosso carro-chefe não só no município de Jacutinga como no país. Então façam as suas escolhas vão até a urna depositar o seu voto porque só assim o cidadão consegue depois cobrar do seu político do seu voto que depositou ali para sim fazer a sua parte, então estamos aqui também como administração Municipal fazendo a nossa parte fazendo nosso trabalho conduzindo com muita seriedade e vamos assim continuar.

[…]” (Grifei.)

 

Os áudios juntados com a inicial têm em torno de 30 minutos cada. Nos dois programas destacados, o representado menciona nominalmente candidatos em campanha nas Eleições Gerais de 2022, que sejam: Afonso Hamm (Deputado Federal), Covatti Filho (Deputado Federal), Luís Carlos Heinze (Governador do Estado), Ubiratan Sanderson (Deputado Federal), Lucas Redecker (Deputado Federal) e Mateus Wesp (Deputado Estadual). É feita referência, ainda, ao candidato à Presidência da República, sendo que essa última conduta não será avaliada nestes autos.

Os candidatos que teriam sido beneficiados com o suposto ilícito não integram a presente relação processual porque o Ministério Público Eleitoral, tendo investigado denúncia recebida, não apurou provas do prévio conhecimento desses quanto ao uso do serviço público em benefício de suas candidaturas.

Da análise do conteúdo da fala de AVELINO RICARDO MENEGAZ, extrai-se que o agente público destacou, nos programas de rádio, a proximidade da realização do pleito – em uma ocasião menciona faltarem 35 dias e, em outra, 09 dias para a eleição. Também indicou nominalmente aqueles candidatos que teriam enviado recursos para o Município de Jacutinga, destacando equipamentos públicos, como escavadeira, ambulância e veículos adquiridos com a ajuda dos parlamentares. Mencionou obras realizadas e entidades, como o hospital, que teriam sido beneficiados com a “contrapartida” desses candidatos para a comunidade.

O representado, em certo momento, reforça a importância do nome de Afonso Hamm, ao admitir que “fala tanto” do deputado, destacando montantes que teriam sido repassados ao município, como também pelo “Deputado Covattinho”.

Os nomes dos candidatos são exaltados por contribuírem com a comunidade, ao passo que AVELINO faz menção expressa à eleição que se aproxima para dizer que chegou a hora em que os munícipes deveriam “valorizar esses parlamentares que nos ajudam”. Também é perceptível a insinuação de que as contribuições serão mantidas no caso de reeleição dos parlamentares, no trecho que faz referência à sinalização de “mais recursos para o próximo ano”.

O requerido ainda menciona que “é nesse momento [campanha eleitoral] que a gente tem que falar porque nesse momento também que eles estão precisando de um apoio”. Afirma que a comunidade tem de valorizar determinados candidatos porque seria o “melhor caminho” e para “eles continuarem nos ajudando”.

Ainda que, em determinado momento, o agente público agradeça a presença de todos os deputados que passaram pela cidade, declarando que “a gente está sempre de portas abertas, independente de partido”, é evidente que a menção a nomes certos e determinados favorece as candidaturas daqueles que foram exaltados.

Possivelmente com a influência dessas manifestações, Afonso Hamm foi o candidato mais votado ao cargo de deputado federal em Jacutinga, Covatti foi o terceiro, Sanderson, o 12º, e Redecker, o 16º. Concorrendo a Governador, Luís Carlos Heinze foi o terceiro mais votado e Mateus Wesp, postulante ao cargo de deputado estadual, o 9º em votação (https://resultados.tre-rs.jus.br/eleicoes/2022/546/RS87190.html).

Ainda que se admita, fora do período eleitoral, falas em que são mencionadas emendas parlamentares destinadas ao município por diversos agentes políticos, independente de partido, como prática usual na localidade, durante o período de campanha não é admissível que, com recursos da Administração, se custeie programa de rádio utilizado para exaltar nominalmente candidatos que disputam o pleito.

Ainda que o eleitorado de Jacutinga não seja consistente a ponto de desequilibrar a disputa estadual, nestes autos não se examina as consequências sobre a perspectiva dos candidatos (que não são parte da demanda), mas sim dos reflexos sobre a comunidade com a percepção de que a máquina pública possa estar sendo utilizada em campanha eleitoral em favor de certos candidatos com afronta aos princípios da moralidade e da impessoalidade.

Embora o representado, em sua defesa, tenha sustentado que os citados agentes políticos não integravam o partido que compõe a base do governo municipal, bem como que seus nomes foram mencionados no sentido de informar a população acerca dos recursos que foram recebidos por intermédio deles, e de que não houve pedido explícito de voto, afere-se, pelo conteúdo das veiculações transcritas, que as manifestações do representado extrapolaram a finalidade de informação e constituíram campanha política custeada com recursos da Administração Municipal. A conduta está revestida de gravidade a ponto de influenciar a vontade livre do eleitor.

O programa de rádio “Informativo Jacutinga”, de responsabilidade do Município de Jacutinga, tem como objetivo institucional o desenvolvimento da comunidade local, com a divulgação de programas e ações de caráter educativo, informativo e de orientação social. E, portanto, sendo esse o foco do programa, se dele o representado fez uso com objetivo de campanha política e no período eleitoral, nos termos do art. 73, inc. II, da Lei n. 9.504/97, excedeu as prerrogativas consignadas nos regimentos e nas normas da Administração Municipal.

Diante das conclusões retrorreferidas, aqui há de ser trazida novamente a doutrina de José Jairo Gomes (Direito Eleitoral – 15ª ed. - São Paulo: Atlas, 2019, pág. 869), que bem expõe que “o que se impõe para a perfeição da conduta vedada é que, além de ser típico e subsumir-se a seu respectivo conceito legal, o evento considerado tenha aptidão para lesionar o bem jurídico protegido, no caso, a igualdade na disputa, e não propriamente as eleições como um todo ou os seus resultados”.

Na espécie, o programa de rádio não foi realizado e utilizado pelos demais candidatos ao pleito para campanha eleitoral, daí que surge a quebra na isonomia e igualdade, bem jurídico protegido pelas condutas vedadas. A menção genérica sobre a Administração estar aberta a todos os parlamentares, independente de partido, não é suficiente para reequilibrar as condições de disputa em relação àqueles que não tiveram seu nome mencionado ou exaltado nos programas de rádio no período eleitoral.

Desse modo, entendo que, embora AVELINO RICARDO MENEGAZ sustente que não houve pedido explícito de votos, resta incontroverso que ocorreu pedido de apoio, no período eleitoral, a candidatos nominados, o que afetou a igualdade de oportunidades, por intermédio da utilização do programa de rádio “Informativo Jacutinga”, serviço custeado pelo município e veiculado nas emissoras de Rádio Campinas e na Rádio Comunitária de Jacutinga, isto é, como anteriormente dito, usando da estrutura de comunicação governamental em prol de determinados candidatos, em detrimento da igualdade entre os participantes do pleito.

Reconheço, portanto, a prática da conduta vedada descrita no art. 73, inc. II, da Lei n. 9.504/97.

Observo que este Tribunal Regional Eleitoral já reconheceu a ilicitude de condutas semelhantes em ocasiões anteriores. Menciono, ilustrativamente, caracterização da vedação descrita no art. 73, inc. II, da Lei das Eleições, pela veiculação de programa em rádio, no horário destinado à prefeitura, em que o prefeito e candidato à reeleição prestou contas da sua gestão no intuito de promover a imagem pessoal e a gestão em benefício da candidatura no pleito vindouro (Recurso Eleitoral nº 060047333, Relator(a) Des. AMADEO HENRIQUE RAMELLA BUTTELLI, Acórdão de 06/04/2021, Publicação: PJE - Processo Judicial Eletrônico-PJE); uso de pronunciamentos na Câmara de Vereadores que desbordou da atividade parlamentar e configurou propaganda de campanha com uso de todo aparato para gravação e transmissão no perfil da Câmara de Vereadores do município (Recurso Eleitoral nº 060030823, Acórdão, Relator(a) Des. GUSTAVO ALBERTO GASTAL DIEFENTHÄLER, Acórdão de 25/02/2021, Publicação: PJE - Processo Judicial Eletrônico-PJE); e publicação de vídeo em favor de candidato a prefeito no perfil institucional de escola municipal no Facebook (Recurso Eleitoral nº 060036062, Relator(a) Des. AMADEO HENRIQUE RAMELLA BUTTELLI, Acórdão de 10/02/2021, Publicação: PJE - Processo Judicial Eletrônico-PJE).

Ainda, anoto que a jurisprudência do Tribunal Superior Eleitoral identifica tal vedação como cláusula aberta que visa sancionar condutas que impliquem desvio de finalidade no emprego de recursos públicos para fins eleitoreiros e que, em determinadas situações, como na proximidade da data do pleito, o benefício para o candidato é inequívoco. Vejamos:

AGRAVO INTERNO. RECURSO ESPECIAL. ELEIÇÕES 2020. PREFEITO. REPRESENTAÇÃO. CONDUTA VEDADA. ART. 73, II, DA LEI 9.504/97. PUBLICIDADE INSTITUCIONAL. PROMOÇÃO PESSOAL. PERÍODO ANTERIOR AO REGISTRO. EXCESSO. PRERROGATIVAS. PRESTAÇÃO. SERVIÇO PÚBLICO. CONFIGURAÇÃO. REEXAME DE FATOS E PROVAS. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULA 24/TSE. MULTA. ART. 73, § 8º, DA LEI 9.504/97. BENEFÍCIO. NEGATIVA DE PROVIMENTO.

1. No decisum monocrático, mantiveram–se sentença e aresto unânime do TRE/RJ, com multa no patamar mínimo de R$ 5.320,50 em desfavor do agravante, reeleito Prefeito de Rio das Ostras/RJ em 2020, diante de publicidade institucional contendo promoção pessoal em data anterior ao início da campanha, conduta que foi enquadrada no art. 73, II, da Lei 9.504/97.

2. Consoante o art. 73, II, da Lei 9.504/97, é vedado aos agentes públicos "usar materiais ou serviços, custeados pelos Governos ou Casas Legislativas, que excedam as prerrogativas consignadas nos regimentos e normas dos órgãos que integram". Trata–se de cláusula aberta que visa sancionar condutas que impliquem desvio de finalidade no emprego de recursos públicos para fins eleitoreiros (doutrina).

3. No caso, extrai–se da moldura fática do aresto do TRE/RJ que em 18/7/2020 – antes dos três meses que antecederam o pleito de 15/11/2020 – a Prefeitura de Rio das Ostras/RJ veiculou publicidade institucional no Jornal O Dia promovendo a pessoa do agravante, à época pré–candidato a se reeleger, com vinculação direta às suas realizações no mandato, em passagens tais como "focada nas ações em todo Município, a gestão capitaneada pelo prefeito Marcelino Borba, vem fazendo trabalho de manutenção e reparos em todas as localidades".

4. Concluir no sentido da suposta ausência de patrocínio público demandaria reexame de fatos e provas, inviável em sede extraordinária, nos termos da Súmula 24/TSE. Ademais, nas razões recursais não se apontou ofensa a dispositivo de lei ou dissídio pretoriano quanto à suposta falta de fundamentação pelo TRE/RJ envolvendo o custeio com recursos do erário, sendo incabível conhecer da matéria nesta seara.

5. Caracterizado o ilícito do art. 73, II, da Lei 9.504/97, é irrelevante o argumento de que o fato deveria ser enquadrado no art. 73, VI, b – que, aliás, possui requisito temporal distinto – ou que no máximo corresponderia ao art. 74 do referido diploma.

6. A condenação fundou–se não apenas no prévio conhecimento, mas também no art. 73, § 8º, da Lei 9.504/97, segundo o qual a multa se aplica "aos partidos, coligações e candidatos que delas se beneficiarem". Veiculada a publicidade faltando menos de um mês para o marco final do registro de candidatura, e tendo o agravante se lançado à reeleição, o benefício é inequívoco.

7. "O reconhecimento da conduta vedada implica aplicação de multa independentemente de autorização ou anuência do beneficiário com a prática do ato (art. 73, §§ 4º e 8º, da Lei 9.504/1997). Precedentes" (AgR–RO–El 0603705–69/GO, Rel. Min. Alexandre de Moraes, DJE de 20/10/2021).

8. Agravo interno a que se nega provimento.

(RECURSO ESPECIAL ELEITORAL nº 060010183, Acórdão, Relator(a) Min. Benedito Gonçalves, Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, Tomo 72, Data 25/04/2022)

 

Sendo assim, configurada a prática da conduta vedada prevista no art. 73, inc. II, da Lei n. 9.504/97, necessário fixar as sanções cabíveis.

Nesse sentido, o art. 73, em seus §§ 4º e 6º, dispõe:

Art. 73. São proibidas aos agentes públicos, servidores ou não, as seguintes condutas tendentes a afetar a igualdade de oportunidades entre candidatos nos pleitos eleitorais:

[…]

II - usar materiais ou serviços, custeados pelos Governos ou Casas Legislativas, que excedam as prerrogativas consignadas nos regimentos e normas dos órgãos que integram;

[...]

§ 4º O descumprimento do disposto neste artigo acarretará a suspensão imediata da conduta vedada, quando for o caso, e sujeitará os responsáveis a multa no valor de cinco a cem mil UFIR.

§ 5º Nos casos de descumprimento do disposto nos incisos do caput e no § 10, sem prejuízo do disposto no § 4º, o candidato beneficiado, agente público ou não, ficará sujeito à cassação do registro ou do diploma.

§ 6º As multas de que trata este artigo serão duplicadas a cada reincidência.

[…]

§ 8º Aplicam-se as sanções do § 4º aos agentes públicos responsáveis pelas condutas vedadas e aos partidos, coligações e candidatos que delas se beneficiarem.

Sendo a multa a sanção aplicável ao agente público que praticou a conduta, para a estipulação do quantum é necessária a ponderação dos elementos constantes nos autos, à luz dos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade.

Na hipótese, se está diante de 02 (duas) condutas praticadas, respectivamente, dia 27.8.2022 e dia 24.9.2022, antes das eleições, com aptidão suficiente a repercutir na campanha eleitoral, visto ser programa de rádio, veiculado pela Prefeitura de Jacutinga há cerca de 20 anos, com substancial e consolidada penetração na população de eleitores atingidos pelas mensagens veiculadas, caracterizando circunstâncias que autorizam a elevação da multa além do patamar do mínimo legal.

Assim, havendo elementos nos autos que justificam a majoração da multa, tenho que sua fixação deve ser imposta acima do mínimo legal, conforme jurisprudência do TSE:

ELEIÇÕES 2018. AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ORDINÁRIO ELEITORAL. VEREADOR. AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO JUDICIAL ELEITORAL. ABUSO DE PODER POLÍTICO E ECONÔMICO. ART. 73, I e II, DA LEI 9.504/1997. USO DE SERVIÇOS, EQUIPAMENTOS E MATERIAL PARA PRODUÇÃO DE MATERIAL GRÁFICO DE CAMPANHA. COMPROVAÇÃO. MULTA. DESPROVIMENTO.1. O Representado, na condição de vereador, valeu–se de bens móveis e de materiais e serviços da Câmara Municipal de Goiânia com finalidade tipicamente eleitoral, correspondente à impressão de material publicitário intitulado de ""Kajuru, diferente de todos, pré–candidato ao Senado, propostas por Goiás e pelo Brasil". A hipótese se subsume objetivamente aos tipos previstos no art. 73, I e II, da Lei 9.504/1997.2. O reconhecimento da conduta vedada implica aplicação de multa independentemente de autorização ou anuência do beneficiário com a prática do ato (art. 73, §§ 4º e 8º, da Lei 9.504/1997). Precedentes.3. O caso é de gravidade inconteste, especialmente pelo número expressivo de informes impressos, bem como o dimensionamento da repercussão em um cenário de eleições federais, mormente para o cargo de Senador. Tais circunstâncias exigem a aplicação da multa acima do mínimo legal, em observância aos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade. 4. Agravo Regimental desprovido.

(RECURSO ORDINÁRIO ELEITORAL nº 060370569, Acórdão, Relator(a) Min. Alexandre de Moraes, Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, Tomo 193, Data 20/10/2021.) (Grifei.)

 

Logo considerando as circunstâncias fáticas da conduta (reiteração) e a capacidade de repercussão do fato no município, como forma de reprimir o ato praticado, tenho por adequada a fixação da multa em R$ 20.000,00 (vinte mil reais).

 

Dispositivo

DIANTE DO EXPOSTO, voto por julgar procedente a representação, nos termos do art. 487, inc. I, do Código de Processo Civil, para reconhecer a prática da conduta vedada prevista no art. 73, inc. II, da Lei n. 9.504/97, e condenar AVELINO RICARDO MENEGAZ ao pagamento de multa no valor de R$ 20.000,00 (vinte mil reais).