RecCrimEleit - 0600585-49.2020.6.21.0150 - Voto Relator(a) - Sessão: 17/05/2023 às 09:30

VOTO

Da Admissibilidade

O recurso é regular, tempestivo e comporta conhecimento.

 

Do Mérito

Inicialmente, sublinho que não há prescrição a ser reconhecida.

Na hipótese, unicamente foi aplicada penalidade de multa ao acusado, logo o prazo de prescrição ocorre em dois anos, nos termos do art. 114, inc. I, do Código Penal.

Verifica-se que, entre o recebimento da denúncia, em 23.02.2021 (ID 44959714) e a publicação da sentença condenatória recorrível, no dia 15.3.2022 (ID 44959784), e entre esse marco e a presente data, não houve o transcurso de um biênio, de sorte que é cabal a ausência de prescrição.

Prosseguindo-se na análise, a denúncia imputa ao réu o seguinte fato (ID 44959708):

No dia oito de novembro de 2020, com início em horário que não se pôde precisar e pelo menos até as 19h54min do dia 10/11/2020, o denunciado, ALBANO LUIS ROTH, injuriou Celso Bassani Barbosa, candidato ao cargo de Prefeito Municipal no pleito eleitoral de 2020, visando a fins de propaganda eleitoral, ofendendo-lhe a dignidade ou o decoro.

Na oportunidade, o denunciado, candidato ao cargo de Vereador no pleito eleitoral de 2020 por partido político diverso do da vítima, injuriou Celso Bassani Barbosa, publicando e mantendo publicados em sua página na rede social Facebook, https://www.facebook.com/albano.roth, meio que facilitou a divulgação da ofensa, os seguintes comentários ofensivos à dignidade ou ao decoro da vítima: “o Covarde do Celsinho”, “fui exonerado por esse covarde e sabia que nao podia faze-la pois era injusta e criminosa, provei na justiça o que esses bandidos tinham feito comigo”, “monstro covarde”, “mau carater e facista”, "bandido" e "marginal" (ID 63338397), fatos que constituem o crime de injúria eleitoral.

Assim agindo, o denunciado, ALBANO LUIS ROTH, incorreu nas sanções do art. 326 do Código Eleitoral (Lei n.º 4.737/65), incidente a causa de aumento do art. 327, III, do mesmo Diploma, pelo que o Ministério Público contra ele oferece a presente denúncia, requerendo a sua citação para o oferecimento de defesa, eis que não aceita a proposta de transação penal ofertada, e o regular prosseguimento da ação, com a oitiva das pessoas abaixo arroladas, preenchidas as demais formalidades legais, até final julgamento e condenação.

 

Com efeito, o réu foi condenado como incurso nas penas do art. 326, c/c o art. 327, inc. III, do Código Eleitoral, que assim dispõem:

Art. 326. Injuriar alguém, na propaganda eleitoral, ou visando a fins de propaganda, ofendendo-lhe a dignidade ou o decoro:

Pena – detenção até seis meses, ou pagamento de 30 a 60 dias-multa.

§ 1º O juiz pode deixar de aplicar a pena:

I – se o ofendido, de forma reprovável, provocou diretamente a injúria;

II – no caso de retorsão imediata, que consista em outra injúria.

(…)

 

Art. 327. As penas cominadas nos artigos 324, 325 e 326, aumentam-se de um terço, se qualquer dos crimes é cometido:

(…)

III – na presença de várias pessoas, ou por meio que facilite a divulgação da ofensa.

 

A injúria eleitoral corresponde à injúria prevista no art. 140 do Código Penal, mas com a elementar “na propaganda eleitoral, ou visando a fins de propaganda”.

Conforme José Jairo Gomes, o tipo penal eleitoral em questão “tem por objeto a tutela da honra subjetiva, bem jurídico igualmente integrante da personalidade e do rol de direitos que a protegem, os chamados direitos de personalidade” e “também se visa resguardar a veracidade da propaganda eleitoral, compreendida como a correspondência do sentido da comunicação com a verdade histórica, localizada no espaço e no tempo. E, ainda, o direito político fundamental dos eleitores de serem informados corretamente sobre os candidatos a fim de que possam formular juízos conscientes e seguros a respeito deles” (GOMES, José Jairo. Crimes eleitorais e processo penal eleitoral. 4. ed. São Paulo: Atlas, 2020, p. 142-143).

No caso dos autos, é incontroverso que, durante o período de campanha para as eleições municipais de 2020, em Xangri-lá, ALBANO LUIS ROTH, então candidato a vereador, realizou, no dia 08.11.2020, postagem em seu perfil pessoal do Facebook, que permaneceu acessível até 10.11.2020, contendo ofensas a Celso Bassani Barbosa – postulante ao cargo de prefeito, que findou por se sagrar eleito –, proferidas sob o pretexto de atender a pedidos de explicação sobre a causa da desavença entre ambos.

Transcrevo, a seguir, o teor da postagem (ID 44959689):

Bom dia Cidade de Xangri-la. Venho recebendo inumeros pedidos de Amigos e moradores para que diga, o que houve comigo e o Covarde do Celsinho. Nao e so caso de eleiçao ou sigla Paritdaria, e para a Populaçao saber, pois a dignidade de um Pai de Familia, um cidadao, um servidor Publico perseguido por fazer o correto, sou deficiente visual com visao mulecular, queimei dando aula de tiro no exercito, fui exonerado por esse covarde e ele sabia que nao podia faze-la pois era injusta e criminosa, provei na justiça o que esses bandidos tinham feito comigo, tiveram que me readmitir, fui humiliado fio parar no SPC CERASA, fui quase despejado da onde morava, tive que trancar minha universidade, quase perdi a quarda de meu filho , e ate hoje tenho um prejuizo em meu salario de quase $ 870,00 mensais, e a justiça vem mostrando a todos quem e esse, monstro covarde, tudo que relatei esta no processo numero AMM n- 70041536632 acordao de 25 de maio de 2011, e o segundo acordao AMM n- 70043414648 de 29 de junho de 2011, tjrs e isso pessoal mau carater e facista.

 

Mais adiante, houve a publicação por terceiro do comentário “Quem fala o que quer ouve o que não quer”, ao que o réu redarguiu:

tu es ordinaria para nao dizer outra coisa, , colocando minha família, falei a verdade e tu quem e sua …………….. defendendo um bandido, deves ser pior que ele, quem defende um marginal o que deves ser……………..

 

Essa é a singela moldura fática delineada nos presentes autos.

Em audiência, Celso Bassani Barbosa declarou que não teve acesso ao Facebook durante a campanha eleitoral e que tomou conhecimento da postagem do ora recorrente por pessoas que lhe apresentaram print. Afirmou que a publicação lhe causou mal-estar, por considerá-la injusta, aduzindo que se sentiu muito ofendido, inclusive vindo a sofrer dano emocional. Relatou também que houve outros opositores que lhe ofenderam, tendo sido instaurado processo contra dois deles, os quais, entretanto, aceitaram acordo. Afirmou ainda que acredita não ter sofrido prejuízo político (ID 44959768).

No interrogatório, o réu admitiu ter publicado as expressões ofensivas e explicou que isso foi motivado porque a vítima afirmou, durante debate eleitoral ao qual estava presente, que nunca havia perseguido servidores, manifestação essa que fez sentir-se agredido e provocado, porquanto ele próprio teria sofrido perseguição de Celso Bassani Barbosa, o qual inclusive teria lhe exonerado do cargo público que ocupava no Município de Xangri-lá, em 2010 (ID 44959769).

Primeiramente, assinalo que, conquanto o acusado não tenha dirigido a postagem diretamente à vítima, com a qual não possuía relacionamento no Facebook, vez que, na rede social, não ostentavam a condição de “amigos”, tal circunstância não tem o condão de afastar a caracterização de injúria, pois seu teor foi efetivamente levado à ciência de Celso Barbosa por terceiros.

Outrossim, mostra-se impertinente a tentativa do acusado de demonstrar que são verdadeiras suas afirmações, visto que, para a configuração da injúria, não há relevância em a manifestação do agente encerrar conceitos verazes, precisos, bastando que seja capaz de abalar a dignidade (respeitabilidade) ou o decoro (correção moral) de alguém, ou seja, a honra subjetiva da pessoa.

De outra banda, não se pode ignorar que as pessoas públicas têm naturalmente suas vidas mais expostas, de modo que, no que se refere a notícias e críticas carregadas de palavras severas e depreciativas, mas pertinentes à atuação profissional, exercidas nos limites toleráveis do jogo político, prevalece o interesse público sobre o interesse privado, com o fim de se evitar o tolhimento do debate de ideias, na linha da jurisprudência do STF (Inq 3.546, Rel. Min. Rosa Weber, Primeira Turma, julgado em 15.9.2015; e Inq 2.431, Rel. Min. Cezar Peluso, Plenário, julgado em 21.6.2007).

Entrementes, na hipótese vertente ressai nítido que as declarações do acusado, ainda que a respeito de homem público e expressas em época de campanha eleitoral, foram proferidas em tom que excedeu o debate de ideias, desgarrando para o ataque pessoal à dignidade da vítima.

Não houve meras críticas à pretérita gestão de Celso Barbosa à testa do Executivo Municipal, o que se teria como natural na arena eleitoral. Houve, sim, uma sucessão de ofensas pessoais à vítima, sem relação direta com fatos envolvendo a demissão do acusado do serviço público e os processos judiciais em desfavor de Celso Barbosa, tais como “covarde”, “bandido”, “monstro” e “fascista”.

Ora, o direito à livre expressão não se reveste de caráter absoluto, de forma que os abusos, quando praticados, legitimarão, sempre “a posteriori”, a reação estatal, expondo aqueles que os praticaram a sanções jurídicas, inclusive de natureza penal, pois a ninguém é dado ofender a dignidade e o decoro de outrem.

Trago à baila acórdão do STF confirmando esse entendimento:

RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO (LEI Nº 12.322/2010) – EMBARGOS DE DECLARAÇÃO RECEBIDOS COMO RECURSO DE AGRAVO – QUEIXA-CRIME – CONDENAÇÃO PENAL IMPOSTA A JORNALISTA – DELITO DE INJÚRIA (CP, ART. 140) – RECONHECIMENTO, NO CASO, PELO COLÉGIO RECURSAL, DA OCORRÊNCIA DE ABUSO NO EXERCÍCIO DA LIBERDADE DE OPINIÃO – DECISÃO DO COLÉGIO RECURAL QUE SE APOIOU, PARA TANTO, EM ELEMENTOS DE PROVA (INCLUSIVE NO QUE CONCERNE À AUTORIA DO FATO DEITUOSO) PRODUZIDOS NO PROCESSO PENAL DE CONHECIMENTO – PRETENDIDA REVISÃO DO ACÓRDÃO RECORRIDO DEPENDENTE DE EXAME DE MATÉRIA FÁTICO-PROBATÓRIA, INSUSCETÍVEL DE ANÁLISE EM RECURSO EXTRAORDINÁRIO (SÚMULA 279/STF) – RECURSO DE AGRAVO IMPROVIDO.

– O direito à livre manifestação do pensamento, embora reconhecido e assegurado em sede constitucional, não se reveste de caráter absoluto nem ilimitado, expondo-se, por isso mesmo, às restrições que emergem do próprio texto da Constituição, destacando-se, entre essas, aquela que consagra a intangibilidade do patrimônio moral de terceiros, que compreende a preservação do direito à honra e o respeito à integridade da reputação pessoal.

– A Constituição da República não protege nem ampara opiniões, escritos ou palavras cuja exteriorização ou divulgação configure hipótese de ilicitude penal, tal como sucede nas situações que caracterizem crimes contra a honra (calúnia, difamação e/ou injúria), pois a liberdade de expressão não traduz franquia constitucional que autorize o exercício abusivo desse direito fundamental. Doutrina. Precedentes.

– O Supremo Tribunal Federal, ao julgar o apelo extremo, deve fazê-lo com estrita observância do conjunto probatório e da situação fática, tais como reconhecidos, soberanamente (RTJ 152/612 – RTJ 153/1019 – RTJ 158/693, v.g.), inclusive quanto à autoria do fato delituoso, pelo órgão judiciário “a quo”, a significar que o quadro fático-probatório pautará, delimitando-a, a atividade jurisdicional da Corte Suprema em sede recursal extraordinária. Precedentes. Súmula 279/STF.

(STF, ARE 891647 ED, Relator Min. Celso de Mello, Segunda Turma, julgado em 15.9.2015.) (Grifei.)

 

Registro que o Tribunal Superior Eleitoral, em recente decisão, reputou atingida a dignidade de candidato que, em três comícios de campanha, fora chamado de “bandido”, “ladrão” e “estelionatário”, verbis:

AGRAVO INTERNO. RECURSO ESPECIAL. ELEIÇÕES 2016. VEREADOR. AÇÃO PENAL. CRIME. CALÚNIA, DIFAMAÇÃO E INJÚRIA. ARTS. 324, 325 E 326 DO CÓDIGO ELEITORAL. DOLO ESPECÍFICO. PRESENÇA. OFENSA. HONRA. IMAGEM. IMPUTAÇÃO. FALSA. FATO DEFINIDO COMO CRIME. CONTEXTO. PROPAGANDA ELEITORAL. CONFIGURAÇÃO. NEGATIVA DE PROVIMENTO.

1. Agravo interno interposto por vereador de Cuité/PB eleito em 2016 contra decisum em que se manteve aresto unânime do TRE/PB quanto à condenação pela prática dos crimes de calúnia, difamação e injúria na propaganda eleitoral (arts. 324, 325 e 326 do Código Eleitoral), com pena de um ano e 15 dias de detenção e pagamento de 23 dias–multa, substituindo–se a pena privativa de liberdade por restritivas de direito consistentes em prestação pecuniária e multa.

2. A moldura fática do aresto de origem revela inequívoca prática dos ilícitos, pois, durante três comícios de campanha realizados nos dias 15, 17 e 19/9/2016, na presença de inúmeras pessoas, o agravante feriu a dignidade de adversário político que concorria ao cargo de prefeito, chamando–o de bandido, ladrão e estelionatário, bem como lhe imputou falsamente fatos definidos como crime ao se referir à participação em suposto roubo de carga de margarina, a uso de carro roubado, a ameaça e agressão a pessoas e à falsificação de procurações.

3. Inviável acolher a alegação do agravante de que agiu sob violenta emoção devido a ultraje à sua honra perpetrado pelo irmão da vítima no dia anterior. Segundo o TRE/PB: a) inexiste prova dos autos da suposta provação; b) ela não partiu do ofendido, mas de seus familiares; c) não há contemporaneidade entre o alegado ataque e a conduta abusiva ocorrida nos comícios de campanha.

4. De outra parte, descabe afastar a prática ilícita com base na alegada imunidade parlamentar do agravante, que, ao tempo dos fatos, ocupava o cargo de vereador, visto que essa garantia constitucional abarca apenas os fatos cometidos em razão do mandato, e não aqueles relacionados à campanha eleitoral. Art. 29, VIII, da CF/88 e precedentes do c. Superior Tribunal de Justiça sobre o tema.

5. Quanto ao crime de calúnia, inexistem provas acerca da veracidade dos fatos. No ponto, consoante se extrai do aresto a quo, o próprio agravante admitiu em seu interrogatório que tinha ciência, desde 2006, que o adversário fora absolvido da imputação de envolvimento com roubo de carga de margarina. Ademais, mesmo sabendo que a ação penal ajuizada para apurar o cometimento dos crimes de ameaça e de extorsão ainda estava em curso e sem qualquer condenação, atribuiu ao ofendido a efetiva prática das condutas ilícitas.

(...).

(RespEl n. 7.633, Acórdão, Relator Min. Luis Felipe Salomão, Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, Tomo 176, Data 24.9.2021.) (Grifei.)

 

Na mesma senda, este Tribunal Regional Eleitoral, apreciando processo-crime que cuidava de veiculação em rede social de postagem com os dizeres "ALBA, ÉS O MAIOR SAFADO, ORDINÁRIO E CORRUPTO QUE CONHEÇO. ESTÁ DEMITIDO!", considerou caracterizada a injúria eleitoral, consoante ementa abaixo reproduzida:

RECURSO CRIMINAL. AÇÃO PENAL. ART. 325 c/c 327, INC. III, DO CÓDIGO ELEITORAL. CRIME DE DIFAMAÇÃO ELEITORAL. CONDENAÇÃO. EMENDATIO LIBELLI. DESCLASSIFICAÇÃO DO DELITO. RECAPITULAÇÃO PARA O CRIME DE INJÚRIA ELEITORAL. ART. 326 DO CÓDIGO ELEITORAL. PRELIMINARES REJEITADAS. MÉRITO. POSTAGENS NA REDE SOCIAL FACEBOOK. UTILIZAÇÃO DE PALAVRAS OFENSIVAS AO CANDIDATO SEM EMPREGÁ-LAS EM NENHUM CONTEXTO CRÍTICO. RECONHECIDA A CARACTERIZAÇÃO DO CRIME DE INJÚRIA ELEITORAL. READEQUAÇÃO DA PENA. PARCIAL PROVIMENTO.

1. Prefaciais rejeitadas.

1.1. Da nulidade da sentença por ausência de enfrentamento de teses defensivas. Apontado o não enfrentamento das teses de “impossibilidade de tipificação formal do delito” e de “inexpressividade da lesão jurídica do ato”. Questões suficientemente enfrentadas na sentença.

1.2. Da inépcia da denúncia. Exordial acusatória a qual explicita a conduta com todas as suas circunstâncias, a permitir o efetivo exercício do contraditório e da ampla defesa.

2. Postagens ofensivas a candidato na rede social Facebook. O Tribunal Superior Eleitoral, em pedidos de direito de resposta, tem admitido o emprego de expressões ácidas e contundentes, mas dentro de um contexto crítico e sem direcioná-las à pessoa do candidato. É pacífico o entendimento de que a liberdade de expressão não é direito absoluto, conforme inúmeros precedentes do Supremo Tribunal Federal, e não o deve ser também em matéria eleitoral. No caso dos autos, o acusado, de forma objetiva, dirigiu palavras ofensivas ao candidato, sem empregá-las em nenhum contexto crítico, sem qualquer referência à eventual incompetência ou alusão a eventual fato supostamente criminoso que pudesse ter prejudicado os projetos da prefeitura durante a gestão do ofendido.

3. A Justiça Eleitoral tem papel fundamental de regulação das eleições e das condutas dos candidatos e partidos. Acusações gratuitas e ofensivas, desapegadas do teor crítico a respeito da atuação do homem público, não revelam nenhum benefício que contribua para o debate e esclarecimento do eleitorado.

4. Readequação da pena devido à recapitulação do crime para injúria eleitoral.

5. Parcial provimento do recurso.

(TRE-RS, RC n. 128-17.2017.6.21.0071, Relator originário: Des. Federal Carlos Eduardo Thompson Flores Lenz, Redator para o acórdão: Des. Eleitoral Gerson Fischmann, julgado em 06.8.2019.) (Grifei.)

 

Dessa maneira, mostra-se indene de dúvida que restaram preenchidos os elementos do tipo objetivo do delito de injúria eleitoral.

Noutro vértice, cumpre enfatizar que, para a conformação da injúria, não se prescinde do dolo específico, implícito no tipo, que é o elemento anímico, consistente na vontade deliberada e positiva de o agente vulnerar a honra de outrem.

No caso sub examine, tenho que o teor da publicação em rede social, levada a efeito durante o período eleitoral e com expressa menção ao pleito, sob o enganoso pretexto de explicar a raiz da desavença com a vítima, revela a clara intenção do acusado de atingir a dignidade e o decoro de seu desafeto político, atribuindo-lhe as pechas de covarde, monstro, mau caráter e fascista.

Portanto, desponta o animus injuriandi do agente, não havendo que se cogitar à espécie de mero animus narrandi ou de animus criticandi.

De outra banda, tenho que a aplicação do perdão judicial, previsto no art. 326, § 1º, do Código Eleitoral, é inviável no presente caso, porquanto não houve ato da vítima que tenha, de forma reprovável, provocado diretamente a injúria, nem tampouco a agressão se tratou de retorsão imediata.

Acerca do tema, José Jairo Gomes explica (ibidem, p. 150):

O inciso I, § 1º do art. 324 (sic) cuida da hipótese de provocação direta e reprovável da injúria pela vítima. Aqui, o agente é irritado, importunado, incomodado pela vítima, que age de maneira injusta, censurável. O comportamento da vítima exaspera o agente, levando-o a reagir com o maltrato de sua dignidade ou de seu decoro, o emprego do advérbio diretamente denota que a provocação de ver direta, isto é, na presença das duas partes, no calor dos acontecimentos.

Por sua vez, o inciso II trata da retorsão imediata, que consista em outra injúria. Retorquir significa revidar, retrucar, contestar, contrapor. Ao ser injuriado, o agente revida de imediato, malferindo a honra de seu ofensor. Aqui, à ofensa proferida por uma pessoa, segue-se a resposta igualmente ofensiva.

 

O que teria provocado a reação do acusado foi sua exoneração de cargo público, ocorrida muitos anos antes. Entretanto, ainda que o ato pudesse ser considerado ilegal, seguramente não se ajustaria a “forma reprovável”, inclusive porque os atos administrativos gozam de presunção de legitimidade, ademais de não haver contemporaneidade entre as condutas.

Igualmente, não há que se falar em retorsão imediata quando tomada a manifestação do então candidato Celso, em debate político, afirmando que nunca perseguiu servidores públicos, pois o ato não consistiu em injúria ou provocação direta ao acusado e nem houve imediatidade na resposta ofensiva em rede social.

Por derradeiro, incumbe examinar a aplicação da pena.

O réu foi condenado ao pagamento de 30 dias-multa, pena-base situada no mínimo legal, com o acréscimo de 1/3, com fulcro no art. 327, inc. III, do Código Eleitoral, tendo em vista ter sido cometido o delito por meio que facilitou a divulgação da ofensa – no caso, rede social Facebook –, resultando na aplicação da sanção de 40 dias-multa, à razão de 1/30 do salário-mínimo vigente ao tempo do fato.

Destarte, inexiste espaço para abrandamento das sanções penais, que restaram bem aplicadas na sentença.

O magistrado a quo também fixou, em favor da vítima, o valor mínimo de 3 (três) salários-mínimos nacionais para a reparação dos danos decorrentes da infração penal, com fundamento no art. 387, inc. IV, do CPP.

De seu turno, o recorrente alega que não houve explicitação de quais foram os prejuízos sofridos pela vítima, bem como que o ofendido se sagrou vitorioso no pleito, elegendo-se prefeito, não sofrendo, portanto, nenhum dano com as afirmações produzidas pelo acusado.

No presente caso, foi formulado pedido expresso de reparação de danos experimentados pela vítima na denúncia e o montante indenizatório constou adequadamente arbitrado na sentença, em valor compatível com os padrões estabelecidos na jurisprudência e com as situações patrimonias do ofensor e do ofendido, conforme extraídos do Sistema de Divulgação de Candidaturas para as Eleições de 2020 (https://divulgacandcontas.tse.jus.br/divulga/#/municipios/2020/2030402020/88145/candidatos).

Além disso, a jurisprudência tem se firmado no sentido de que o dano moral proveniente da injúria é in re ipsa, ou seja, é suficiente a demonstração da ocorrência do ato danoso, prescindindo-se da mensuração da extensão do abalo sofrido para a fixação de reparação mínima.

Entretanto, a Procuradoria Regional Eleitoral, em seu parecer, manifestou-se pela exclusão expressa da reparação mínima dos danos sofridos pela vítima. Assim, entendo que deve a Corte acatar tal posicionamento, considerando a posição do titular da ação penal, motivo pelo qual adoto como fundamento o teor do parecer, in verbis:

Por outro lado, entendemos como imprópria a fixação, pela sentença, de valor mínimo para reparação dos danos causados pelo crime (no caso, três salários-mínimos).

O art. 387, inc. IV, do CPP prevê que o juiz, ao proferir sentença condenatória, fixará valor mínimo para reparação dos danos causados pela infração, considerando os prejuízos sofridos pelo ofendido.

No crime de injúria com finalidade eleitoral (CE, art. 326), diferentemente do crime de injúria comum (CP, art. 140), o sujeito passivo é a sociedade. O ofendido figura, apenas, como vítima secundária.

Logo, parece-nos imprópria a fixação de valor mínimo para reparação dos prejuízos que teriam, a nosso ver, sido suportados preponderantemente pelo corpo eleitoral de Xangri-lá e apenas secundariamente pelo candidato a Prefeito.

Sucessivamente, caso se entenda como apropriada a fixação de valor mínimo para reparação de danos causados à vítima secundária do crime, cumpre assinalar não ter havido, no caso concreto, discussão sobre a extensão desses prejuízos a fim de justificar a imposição de três salários-mínimos.

Com efeito, não se tem notícia do tempo exato que a publicação permaneceu no ar, do número de visualizações, curtidas ou compartilhamentos que recebeu. Nem foi feito um comparativo desses números com a quantidade de eleitores de Xangri-lá. Ademais, a sentença limita-se a impor três salários-mínimos sem explicitar as razões para tanto.

Logo, eventual valor da indenização deve ser discutido no âmbito cível, não cabendo, ao menos neste caso específico, a fixação do valor mínimo conforme feito na sentença.”

 

Logo, na hipótese, há de ser afastada a fixação da verba reparatória à vítima.

 

ANTE O EXPOSTO, VOTO pelo parcial provimento do recurso, tão somente para afastar a fixação de valor mínimo para a reparação dos danos, nos termos da fundamentação.