PC-PP - 0600142-63.2020.6.21.0000 - Acompanho parcialmente o(a) relator(a) - Sessão: 17/05/2023 às 09:30

VOTO-VISTA

Senhor Presidente.

Eminentes Colegas.

 

Após atenta análise dos autos e reflexão sobre os judiciosos votos prolatados ao longo do presente julgamento, peço vênias ao Relator para alinhar-me à posição de parcial divergência apresentada pelo ilustre Desembargador Federal Luís Alberto D'Azevedo Aurvalle, à exceção do entendimento exposto quanto ao pagamento de despesas com utilização de um único cheque, pois nesse ponto entendo acertado o raciocínio do Desembargador Eleitoral Caetano Cuervo Lo Pumo no sentido do afastamento do dever de recolhimento ao erário.

O Desembargador Federal Luís Alberto D'Azevedo Aurvalle aderiu em parte à divergência lançada pelo Desembargador Eleitoral Caetano Cuervo Lo Pumo, mas votou pela manutenção das irregularidades referentes aos itens 19 a 41 e 50 a 59 da Tabela I, relativas ao pagamento de despesas com recursos do Fundo Partidário mediante utilização de um único cheque e com apresentação de documentos fiscais em nome de terceiros.

Sobre os itens 50 a 59 (R$ 3.952,24), o Desembargador Eleitoral Caetano Cuervo Lo Pumo concluiu que os pagamentos realizados pelo partido a terceiros com apresentação de documentos fiscais que não estão emitidos em nome da legenda se trata, na verdade, de ressarcimento de gastos efetuados por dirigentes e funcionários do partido, prática atualmente regulamentada pelo art. 44-A, parágrafo único, da Lei n. 9.096/95, incluído pela Lei n. 13.877, de 27 de setembro de 2019.

Além disso, considerou que o ressarcimento de despesas já encontrava amparo na legislação eleitoral pelo art. 44, incs. I e VII, da Lei n. 9.096/95.

Todavia, o art. 44, incs. I e VII, da Lei n. 9.096/95 não permitia o pagamento de despesas com recursos públicos do Fundo Partidário a partir da emissão de documentos fiscais lançados em nome de terceiros, medida que somente foi trazida à legislação eleitoral em 27.9.2019, a partir do parágrafo único do art. 44-A da Lei n. 9.096/95, que legitima a realização de estornos ou ressarcimentos.

Desse modo, conforme concluiu o Desembargador Federal Luís Alberto D'Azevedo Aurvalle, a validação da realização dos ressarcimentos efetuados antes da permissão legal representa aplicação retroativa de regra de direito material nas contas em apreço, questão que inclusive já foi enfrentada de forma específica e rejeitada por este Tribunal:

PRESTAÇÃO DE CONTAS. PARTIDO POLÍTICO. COMISSÃO PROVISÓRIA ESTADUAL. EXERCÍCIO 2019. GASTOS IRREGULARES COM RECURSOS DO FUNDO PARTIDÁRIO. VIOLAÇÃO AO DISPOSTO NO ART. 18, § 4º, DA RESOLUÇÃO TSE N. 23.546/2017. RECEBIMENTO DE RECURSOS PROVENIENTES DE FONTE VEDADA. CONTRIBUIÇÃO PARTIDÁRIA DE PESSOAS FÍSICAS EXERCENTES DE FUNÇÃO OU CARGO PÚBLICO DE LIVRE NOMEAÇÃO OU EXONERAÇÃO. MONTANTE DE IRREGULARIDADES RAZOÁVEL E PROPORCIONAL AO JUÍZO DE APROVAÇÃO COM RESSALVAS. MANTIDO O DEVER DE RECOLHIMENTO DO VALOR INDEVIDAMENTE RECEBIDO AO TESOURO NACIONAL. AFASTADAS A APLICAÇÃO DE MULTA E A SUSPENSÃO DAS QUOTAS DO FUNDO PARTIDÁRIO. APROVAÇÃO COM RESSALVAS. (…) 2. Apresentados os documentos fiscais que identificam os gastos, porém, os pagamentos foram feitos a pessoa distinta daquela indicada na nota fiscal, a título de ressarcimento. A Resolução TSE 23.546/2017 determina que os pagamentos devem ser efetuados diretamente aos fornecedores, com “a emissão de cheque nominativo cruzado ou por transação bancária que identifique o CPF ou CNPJ do beneficiário”. A Lei 13.877, de 27 de setembro de 2019, alterou a Lei 9.096/95, ao acrescentar o art. 44-A e o seu respectivo parágrafo único. A inovação normativa autoriza o ressarcimento de despesas cuja documentação apresentada permita o rastreamento da efetiva utilização da verba pública. No caso, as despesas foram contraídas em datas anteriores a publicação da lei. Ademais, mesmo que os gastos fossem feitos após a alteração da lei, as despesas em análise são incompatíveis com a modalidade de ressarcimento autorizada pela Lei 13.877/19. (…) 6. Aprovação com ressalvas.

(TRE-RS - PC: 06001417820206210000 PORTO ALEGRE - RS, Relator: Des. GERSON FISCHMANN, Data de Julgamento: 20/06/2022, Data de Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, Data: 22/06/2022.)

 

Ressalto que o TSE tem diversos precedentes envolvendo a incidência dos princípios da irretroatividade e do tempus regit actum nos processos de prestação de contas (TSE - REspEl: 00000359220166210005 ALEGRETE - RS 000003592, Relator: Min. Benedito Gonçalves, Data de Julgamento: 07/04/2022, Data de Publicação: DJE - Diário da justiça eletrônica, Tomo 66).

Além disso, já assentou o STF que não se adota a regra penal quanto à aplicação da lei mais benéfica nos processos de contas partidárias:

ELEITORAL. PRESTAÇÃO DE CONTAS PARTIDÁRIAS DO EXERCÍCIO DE 2009. AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO EXTRAORDINÁRIO. RETROATIVIDADE DA NORMA MAIS BENÉFICA (LEI 13.165/2015) NA IMPOSIÇÃO DE MULTA POR CONTAS REJEITADAS. IMPOSSIBILIDADE. INTERPRETAÇÃO DAS REGRAS DE APLICAÇÃO DA NORMA CONSTANTES NA LEI DE INTRODUÇÃO ÀS NORMAS DO DIREITO BRASILEIRO. AUSÊNCIA DE VIOLAÇÃO DIRETA AO TEXTO CONSTITUCIONAL. OFENSA REFLEXA. AGRAVO REGIMENTAL IMPROVIDO. I O processo de análise de contas partidárias está contido no conjunto da jurisdição cível, na qual impera o princípio do tempus regit actum. Ou seja, na análise de um fato determinado, deve ser aplicada a lei vigente à sua época. II - O caráter jurisdicional do julgamento da prestação de contas não atrai, por si só, princípios específicos do Direito Penal para a aplicação das sanções, tais como o da retroatividade da lei penal mais benéfica. III - Questão que se interpreta com base na Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (Decreto-Lei 4.657/1942), sendo esta a norma que trata da aplicação e da vigência das leis, uma vez que não há violação frontal e direta a nenhum princípio constitucional, notadamente ao princípio da não retroatividade da lei penal (art. 5º, XL, da CF/1988). IV - Eventual violação ao texto constitucional, que no presente caso entendo inexistente, se daria de forma meramente reflexa, circunstância que torna inviável o recurso extraordinário. V - Agravo regimental a que se nega provimento.

(STF - AgR ARE: 1019161 SP - SÃO PAULO, Relator: Min. RICARDO LEWANDOWSKI, Data de Julgamento: 02/05/2017, Segunda Turma)

 

Com esses fundamentos, acompanho o Desembargador Federal Luís Alberto D'Azevedo Aurvalle também nesse ponto, mantendo as falhas no total de R$ 3.952,24.

Entretanto, tenho que assiste razão ao Desembargador Eleitoral Caetano Cuervo Lo Pumo quanto à possibilidade de reduzir, em parte, o dever de recolhimento ao Tesouro Nacional em relação aos itens 19 a 23, 25 a 27, 29, 33, 34 e 37 a 41 do Tópico 1, no total de R$ 173.029,93, que cuidam de falha no tocante ao pagamento de gastos com utilização de um único cheque, com recursos do Fundo Partidário.

Isso porque, da análise dos autos, observo que a questão difere daquelas tratadas nos precedentes do TSE que entenderam pela irregularidade no pagamento de várias despesas com uma cártula só, dado que no AREspEl n. 0000063-07.2015.6.14.0000, da relatoria do Min. Benedito Gonçalves, a falha foi mantida pelo TSE porque no acórdão inexistia menção ao valor das despesas quitadas com cheque único, e no RESPE n. 0600269-20.2019.6.00.0000, da relatoria do Min. Tarcisio Vieira de Carvalho Neto, o cheque foi emitido em favor de terceiro.

Na hipótese em tela, todos os valores estão identificados, e os gastos estão discriminados, há documentos complementares e idôneos das despesas e, acima de tudo, houve o preenchimento nominal do cheque em favor do próprio órgão partidário.

Conforme consta do minucioso voto do Desembargador Eleitoral Caetano Cuervo Lo Pumo, a partir dos “espelhos” de impressão dos cheques verifica-se que houve o preenchimento nominal em favor do próprio órgão partidário, razão pela qual, nos casos em que as operações estão comprovadas por notas fiscais e títulos ou boletos, acompanhados de seus respectivos comprovantes bancários de pagamentos, foi mantida a falha, mas afastada a imposição de recolhimento ao erário.

Esse entendimento afigura-se razoável, pois a documentação e as operações bancárias, indicadas com data e hora nas acuradas tabelas contidas no voto do Desembargador Eleitoral Caetano Cuervo Lo Pumo, permitem concluir, com confiabilidade e segurança, ter havido correta aplicação dos recursos do Fundo Partidário.

Veja-se que, consoante jurisprudência do TSE, “a Justiça Eleitoral pode admitir, para comprovação do gasto, além da nota fiscal, quaisquer meios idôneos de prova, tais como contratos, comprovantes de entrega de material ou serviço e comprovantes bancários de pagamento” (PC n. 0601826–13, rel. Min. Sérgio Banhos, DJE de 11.5.2022).

Nas contas em análise o Desembargador Eleitoral Caetano Cuervo Lo Pumo realizou o confronto entre cada cheque emitido e os comprovantes bancários de pagamentos de títulos, verificou que possuíam as mesmas datas, e percebeu que os boletos bancários foram apresentados para pagamento no mesmo momento ao caixa do banco.

O procedimento é irregular, a falha merece ser mantida, mas considerando não ter havido malversação do recurso, entendo ser desproporcional a determinação de recolhimento do valor ao erário quanto aos gastos indicados pelo Desembargador Eleitoral Caetano Cuervo Lo Pumo nesse ponto.

Portanto, diante das peculiaridades específicas do caso concreto, especialmente em virtude da prova juntada aos autos, aliada às tabelas contendo data e hora das operações bancárias, acompanho o entendimento de que, muito embora não tenha havido a estrita observância do disposto no art. 18, § 4º, da Resolução do TSE n. 23.546/17, não há dúvida de que os recursos foram sacados pelo próprio partido e imediatamente utilizados para a quitação dos boletos bancários indicados no voto divergente apresentado pelo Desembargador Caetano Cuervo Lo Pumo.

Destarte, embora eu acompanhe o voto de parcial divergência apresentado pelo Desembargador Federal Luís Alberto D'Azevedo Aurvalle, no sentido de manter as falhas dos itens 50 a 59 (R$ 3.952,24) e considerar sanadas as irregularidades dos itens 1 a 11 (R$ 31.132,00) e itens 17 e 18 (R$ 7.850,00 + R$ 8.530,00 = R$ 16.380,00), também considero correto o entendimento do Desembargador Caetano Cuervo Lo Pumo por manter o apontamento de falha, mas afastar o dever de recolhimento ao Tesouro Nacional em relação aos itens 19 a 23, 25 a 27, 29, 33, 34 e 37 a 41, no total de R$ 173.029,93.

Assim, em relação ao Tópico 1, acompanho o Desembargador Federal Luís Alberto D'Azevedo Aurvalle quanto ao total das falhas alcançar o patamar de R$ 246.905,62, mas considero que o valor a ser recolhido ao Tesouro Nacional é de R$ 73.875,69, porque a irregularidade de R$ 173.029,93 não prejudicou a escorreita aplicação dos recursos do Fundo Partidário (R$ 294.417,62 - R$ 31.132,00 - R$ 16.380,00 - R$ 173.029,93 = R$ 73.875,69).

Nos demais pontos, acompanho o Desembargador Federal Luís Alberto D'Azevedo Aurvalle.

Do Julgamento das Contas

O total das irregularidades constatadas alcança a quantia de R$ 279.556,05 (Tópico 1: R$ 262.419,38 + R$ 3.952,24 + Tópico 2: R$ 1.887,94 + Tópico 3: R$ 100,00 + Tópico 4: R$ 6.321,48 + tópico 5: R$ 4.875,01), que representa 12,16% do total arrecadado (R$ 2.297.279,98), impondo a desaprovação das contas.

A sanção de multa de 5% sobre o montante irregular, à razão de R$ 13.977,80, conforme art. 37 da Lei n. 9.096/95 e art. 49 da Resolução TSE n. 23.546/17, afigura-se adequada, razoável e proporcional às falhas constantes nas contas, especialmente diante da expressividade das irregularidades verificadas.

Diante do exposto, VOTO pela desaprovação das contas do exercício financeiro de 2019 do DIRETÓRIO ESTADUAL DO PARTIDO DOS TRABALHADORES, e determino ao partido:

a) o recolhimento ao Tesouro Nacional dos valores de R$ 73.875,69 (irregularidade no uso do Fundo Partidário), R$ 8.209,42 (recursos de origem não identificada), e de R$ 100,00 (fonte vedada), no total de R$ 82.185.11, acrescido de multa de 5% sobre o montante das irregularidades, à razão de R$ 13.977,80;

b) a transferência do saldo remanescente de R$ 4.875,01 para a conta bancária destinada ao programa de promoção e difusão da participação política das mulheres nas eleições subsequentes;

c) a incidência de atualização monetária e os juros de mora a partir do termo final do prazo para prestação de contas, conforme art. 39, inc. IV, da Resolução TSE n. 23.709/22;

d) autorizo o desconto de futuros repasses do Fundo Partidário na hipótese do § 1º do art. 41 da Resolução TSE n. 23.709/22.

É o voto.