PC-PP - 0600142-63.2020.6.21.0000 - Divirjo em Parte com o(a) Relator(a) - Sessão: 17/05/2023 às 09:30

VOTO-VISTA

Pedi vista dos autos para melhor examinar a matéria quanto à comprovação dos gastos com o Fundo Partidário.

Com efeito, as contas do Diretório Estadual do Partido dos Trabalhadores, relativas ao exercício de 2019, foram desaprovadas em razão de cinco tópicos: (1) aplicação do Fundo Partidário – sem comprovação dos gastos, dos beneficiários, da efetiva prestação do serviço ou da sua vinculação às atividades partidárias; (2) aplicação do Fundo Partidário – constituição de Fundo de Caixa e pagamentos acima do valor máximo permitido; (3) utilização de verbas de fontes vedadas; (4) utilização de recursos de origem não identificada; (5) ausência da aplicação mínima de 5% do Fundo Partidário para programas de difusão da participação política das mulheres.

Adianto que acompanho o eminente Relator em relação aos itens 2 a 5 e divirjo, em parte, no que diz respeito ao tópico 1.

Com efeito, o exame das contas apontou a realização de gastos com verbas do Fundo Partidário por meio das contas bancárias 11300056 e 2352887, ambas da agência 10 do Banco do Brasil, nos quais verificou a aplicação irregular das verbas públicas em razão da ausência de comprovação de despesas, de beneficiários, da efetiva prestação do serviço ou da sua vinculação às atividades partidárias, conforme tabela I, composta de 59 itens, do parecer conclusivo.

A exemplo do procedimento adotado pelo eminente Relator, passo a analisar separadamente os itens da tabela I do parecer conclusivo.

 

A falha em comento, segundo o parecer conclusivo (ID 45000984), afronta o art. 35, § 2º, da Resolução TSE n. 23.546/17, o qual estabelece como requisito para a regularidade na distribuição e aplicação dos recursos oriundos do Fundo Partidário a efetiva execução do serviço ou a aquisição de bens e a sua vinculação às atividades partidárias.

Entretanto, foram juntados vários documentos nos IDs 44864116, 44864117, 44864118, 44989399 e 44989398, nos quais há declarações sob o título de relatórios de atividades assinados por prestadores de serviços.

Especificamente em relação aos itens 1 a 11, na mesma linha de argumentação lançada no voto-vista do eminente Des. Eleitoral Caetano Cuervo Lo Pumo, como o apontamento envolve tão somente a discriminação das atividades prestadas pela pessoa física e sua vinculação à existência partidária, estabelecida em relação de trabalho em que dispensada a emissão de nota fiscal, tendo havido a devida expedição de RPA e os recolhimentos previdenciárias devidos, tenho por admitir os documentos como idôneos a comprovar a vinculação à atividade partidária.

Aliás, em recente julgado de minha Relatoria também foi admitida essa comprovação:

PRESTAÇÃO DE CONTAS. PARTIDO POLÍTICO. DIRETÓRIO ESTADUAL. EXERCÍCIO FINANCEIRO DE 2018. IRREGULARIDADES ATINENTES AO USO INDEVIDO DE RECURSOS DO FUNDO PARTIDÁRIO. RECEBIMENTO DE DOAÇÕES ORIUNDAS DE FONTES VEDADAS. BAIXO PERCENTUAL. INCIDÊNCIA DOS PRINCÍPIOS DA PROPORCIONALIDADE E DA RAZOABILIDADE. RECOLHIMENTO AO TESOURO NACIONAL. APROVAÇÃO COM RESSALVAS.

1. Prestação de contas de agremiação, relativa ao exercício financeiro de 2018, regida pela Lei n. 9.096/95 e Resolução TSE n. 23.546/17, e, no âmbito processual, pela Resolução TSE n. 23.604/19.

2. Ausência de comprovação de gastos utilizando recursos do Fundo Partidário, contrariando a prescrição dos arts. 18, 29, inc. VI, e 35, § 2º, da Resolução TSE n. 23.546/17. Demonstrada, de forma suplementar e específica, a realização dos serviços prestados. Profissionais que já foram contratados diversas vezes pelo partido, inclusive em outros períodos e em outras prestações de contas, oportunidade em que os pagamentos foram tidos como regulares. Suficientes os esclarecimentos prestados pelo partido, a fim de considerar regulares as despesas e contratações.

3. Uso indevido do Fundo Partidário para pagamento de multas, juros e encargos, afrontando a disposição do art. 17, § 2º, da Resolução TSE n. 23.546/17. Falha que restou admitida pelo prestador. Determinação de recolhimento ao Tesouro Nacional do valor impugnado.

4. Despesas efetuadas com verbas do Fundo Partidário, a título de “ressarcimento”, em relação às quais não houve a adequada comprovação dos pagamentos por documento idôneo e/ou da realização do gasto no desempenho de atividades partidárias, justificadas com relatórios com o detalhamento, a motivação do dispêndio e sua vinculação às atividades político–partidárias. Falha parcialmente sanada, em face da efetiva comprovação de alguns dos pagamentos, remanescendo apenas apontamento em que não houve a adequada comprovação dos gastos por documento idôneo e/ou da realização da despesa no desempenho de atividades partidárias.

[...].

6. Aprovação com ressalvas. Recolhimento ao Tesouro Nacional.

(TRE-RS - PC-PP: 06002572120196210000 PORTO ALEGRE - RS, Relator: Des. Luis Alberto Dazevedo Aurvalle, Data de Julgamento: 11.11.2022, Data de Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, Tomo 225, Data 17.11.2022.)

 

Desse modo, considerando demonstrada a regularidade das contratações, o valor dos gastos dos itens 1 a 11, no total de R$ 31.132,00, deve ser excluído do montante a ser recolhido ao Erário.

Em relação aos itens 12 a 16 está ausente a indicação de contraparte e nos itens 17 e 18 há contrapartes diversas daquelas indicadas nos documentos apresentados para comprovação dos gastos.

 

Quanto aos documentos apresentados para comprovação dos gastos constantes nos itens 12 a 16 (passagens aéreas e o recibo de pagamento), os pagamentos foram debitados mediante a compensação de cheques, em relação aos quais estão ausentes a identificação da contraparte e da conta bancária creditada, violando o art. 18, § 4º, da Resolução TSE n. 23.546/17, pelo qual os gastos devam ser feitos com a emissão de cheque nominativo cruzado ou por transação bancária que identifique o CPF ou CNPJ do beneficiário.

Já no que diz respeito aos itens 17 e 18, em que há divergência entre os contratados e os beneficiários dos pagamentos nos extratos bancários, observa-se que foram endossados aos beneficiários identificados nos extratos bancários (IDs 44864130 e 44864131), matéria que este Tribunal enfrentou e na qual considerou possível o endosso dos cheques emitidos para pagamentos de fornecedores (TRE-RS; Rel 0600285-77.2020.6.21.0024, Relator: Des. Eleitoral Silvio Ronaldo Santos de Moraes, julgado em 06.7.2021.).

Dessa forma, tenho por considerar regulares os gastos relativos aos itens 17 e 18, no montante total de R$ 16.380,00 (R$ 7.850,00 + R$ 8.530,00), que deve ser excluído do valor a ser recolhido ao Erário.

Os itens que seguem sob os números 19 a 41 revelam o pagamento de gastos por meio de cheques não cruzados, e, até mesmo, de diversas despesas mediante um só cheque, igualmente, não cruzado:

 

Em relação ao pagamento de várias despesas com uma cártula só, a jurisprudência do TSE é uníssona no sentido de rejeitar essa forma de comprovação dos gastos:

EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. CONVERSÃO EM AGRAVO INTERNO. RECURSO ESPECIAL. PRESTAÇÃO DE CONTAS. PARTIDO POLÍTICO. EXERCÍCIO FINANCEIRO DE 2014. CONTAS DESAPROVADAS. PAGAMENTO COM CHEQUE ÚNICO. VALOR DA FALHA INEXISTENTE NO ARESTO A QUO. PROPORCIONALIDADE E RAZOABILIDADE. SÚMULA 24/TSE. NEGATIVA DE PROVIMENTO.

1. Embargos opostos contra decisum monocrático e com pretensão infringente são recebidos como agravo interno. Precedentes.

2. No decisum monocrático, reformou–se em parte aresto do TRE/PA para, mantendo desaprovadas as contas do diretório regional do partido agravante relativa ao exercício financeiro de 2014, autorizar a incidência da EC 117/22 e reduzir a suspensão de cotas do Fundo Partidário para um mês.

3. Consoante o entendimento desta Corte Superior, a aplicação dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade condiciona–se em regra à presença cumulativa de três requisitos: (a) falhas que não comprometam a higidez do balanço; (b) valor da irregularidade inexpressivo em termos absolutos e percentuais; (c) ausência de má–fé.

4. No caso dos autos, não é possível aplicar os referidos postulados, pois uma das máculas que motivaram a rejeição das contas foi o pagamento de várias despesas com cheque único, inexistindo menção, contudo, na moldura fática do aresto a quo, os respectivos valores.

5. Não há similitude fática entre o caso dos autos e o REspEl 2649–36/PR, Rel. Min. Henrique Neves, DJE de 14.11.2013, citado a título de dissídio pretoriano. Isso porque, no paradigma, assentou–se a existência de "elementos suficientes para comprovação das despesas", circunstância inexistente na moldura fática do aresto do TRE/PA.

6. Agravo interno a que se nega provimento.

(TSE - AREspEl: 00000630720156140000 BELÉM - PA 6307, Relator: Min. Benedito Gonçalves, Data de Julgamento: 10.11.2022, Data de Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, Tomo 235) (grifo nosso)

 

ELEIÇÕES 2018. AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL. PROVIMENTO. PRESTAÇÃO DE CONTAS. DEPUTADO ESTADUAL. GASTOS ELEITORAIS. PAGAMENTOS A PRESTADORES DE SERVIÇO POR PESSOA INTERPOSTA. EMISSÃO DE CHEQUE ÚNICO. OFENSA AO ART. 40 DA RESOLUÇÃO TSE N. 23.553/17. IRREGULARIDADE GRAVE. DESAPROVAÇÃO. PRINCÍPIOS DA PROPORCIONALIDADE E DA RAZOABILIDADE. NÃO INCIDÊNCIA. DESPROVIMENTO.

1. O Tribunal de origem, por maioria, aprovou as contas de campanha da candidata ao cargo de deputado estadual por entender que o pagamento de despesas com pessoal, por meio de cheques emitidos em favor de interposta pessoa, com o respectivo repasse de valores aos beneficiários contratados, seria vício meramente formal.

2. Referido entendimento vai de encontro ao que fora assentado por esta Corte Superior no julgamento do AgR–REspe nº 0600349–81/MA, Rel. Min. Jorge Mussi, em 21.11.2019, também referente ao pleito de 2018, no qual se concluiu que a emissão de cheque único em favor de terceiro para o pagamento de militantes e panfleteiros viola a exigência prevista expressamente na Resolução TSE n. 23.553/17 e traz insegurança para a atuação desta Justiça especializada, podendo prejudicar a própria fiscalização da movimentação financeira de campanha.

3. A aplicação dos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade para a aprovação das contas mostra–se inviável na espécie, diante do alto valor apontado como irregular, seja em termos absolutos (R$ 96.946,91 – noventa e seis mil, novecentos e quarenta e seis reais e noventa e um centavos) ou percentuais (43,67%).

4. Agravo regimental a que se nega provimento.

(TSE - RESPE: 06002692020196000000 SÃO LUÍS - MA 060026920, Relator: Min. Tarcisio Vieira De Carvalho Neto, Data de Julgamento: 20.02.2020, Data de Publicação: DJE - Diário da justiça eletrônica, Tomo 54) (grifo nosso)

 

Dessarte, confirma-se a irregularidade dos itens 19 a 41 da tabela I.

Ainda na mesma tabela, itens 43 a 59, a análise técnica indica a formação de fundo de caixa em valor superior ao permitido ou com documentos em nome de terceiros, e não do partido:

 

Verifico que nos mesmos termos dos itens anteriores, restam sem comprovação quanto ao beneficiário dos pagamentos, evidenciando irregular forma de quitação, devendo ser mantido o apontamento.

Por derradeiro, consigno que no voto-vista apresentado pelo eminente Desembargador Eleitoral Caetano Cuervo Lo Pumo, há menção de aplicação retroativa da Lei n. 13.877/19, que alterou a Lei n. 9.096/95, art. 44-A, a qual permite explicitamente o ressarcimento de despesas, de modo que as irregularidades dos itens 50 a 59 poderiam ser consideradas regulares.

Sem razão.

A Lei n. 13.877/19 é de 27.9.2019, incidindo, portanto, apenas em relação a despesas realizadas após essa data, sendo que TODOS os ressarcimentos ocorreram antes dessa data.

Nesse sentido a reiterada jurisprudência do TSE, que não admite a aplicação retroativa da lei para alcançar eventos anteriores à sua vigência:

ELEIÇÕES 2010. AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. REPRESENTAÇÃO. DOAÇÃO ACIMA DO LIMITE LEGAL. PESSOA JURÍDICA. PROCEDÊNCIA NA ORIGEM. ACÓRDÃO REGIONAL. AUSÊNCIA DE OMISSÃO. CABIMENTO DA MULTA DO ART. 81, § 2º, DA LEI N. 9.504/97. REVOGAÇÃO PELA LEI N. 13.165/15. IRRETROATIVIDADE. TEMPUS REGIT ACTUM. ACÓRDÃO RECORRIDO EM CONFORMIDADE COM A JURISPRUDÊNCIA DO TSE.

1. Trata–se de representação ajuizada pelo MPE para impugnar doação realizada por pessoa jurídica, referente ao pleito de 2010, em valor acima do limite legal.

2. O TRE/MS verificou excesso no valor de R$ 36.054,77 e, por conseguinte, aplicou multa correspondente a cinco vezes esse valor, nos termos do art. 81, § 2º, da Lei das Eleições.

3. Não há ofensa ao art. 275 do CE se as questões levantadas nos embargos foram enfrentadas pelo Tribunal de origem, embora de forma contrária ao interesse da parte embargante. Precedente.

4. O acórdão regional está em conformidade com a jurisprudência desta Corte Superior, no sentido de que: "A Lei n. 13.165/15, apesar de ter revogado o art. 81 da Lei n. 9.504/97 para extinguir as sanções de doação eleitoral irregular promovida por pessoa jurídica – já que o financiamento de campanha passou a ser exclusivamente por recursos públicos ou contribuições de pessoas físicas –, não pode ter aplicação retroativa para alcançar o momento em que o vício da doação eleitoral irregular foi praticado, em consonância com o princípio do tempus regit actum" (AgR–REspe nº 43–18/RJ, rel. Min. Og Fernandes, julgado em 20.02.2020, DJe de 24.4.2020.).

5. Negado provimento ao agravo em recurso especial.

(AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL ELEITORAL nº 20806, Acórdão, Relator(a) Min. Mauro Campbell Marques, Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, Tomo 171, Data 02.9.2022.) (grifo nosso)

 

Ante o exposto, no que diz respeito ao tópico 1 (aplicação do Fundo Partidário – sem comprovação dos gastos, dos beneficiários, da efetiva prestação do serviço ou da sua vinculação às atividades partidárias), tenho por sanadas as irregularidades dos itens 1 a 11, no total de R$ 31.132,00, e itens 17 e 18, no total de R$ 16.380,00 (R$ 7.850,00 + R$ 8.530,00), que devem ser excluídos do montante a ser recolhido ao Erário (R$ 294.417,62).

Dessa forma, em relação ao tópico 1, o total a ser recolhido ao Erário é de R$ 246.905,62 (R$ 294.417,62 - R$ 31.132,00 - R$ 16.380,00).

Quanto ao mais (multa e transferência do saldo remanescente para conta bancária destinada ao programa de promoção e difusão da participação política das mulheres nas eleições subsequentes), acompanho integralmente o Relator.

Diante do exposto, VOTO pela desaprovação das contas do exercício financeiro de 2019 do DIRETÓRIO ESTADUAL DO PARTIDO DOS TRABALHADORES, com as seguintes determinações:

a) o recolhimento do valor de R$ 255.215,04 (R$ 246.905,62 + R$ 8.209,42 + R$ 100,00) ao Tesouro Nacional, com fulcro no art. 59, § 2º, c/c art. 14, ambos da Resolução TSE n. 23.546/17;

b) o pagamento de multa de 5% sobre o montante irregular, perfazendo a quantia de R$ 12.760,75, com fundamento no art. 37 da Lei n. 9.096/95 e art. 49 da Resolução TSE n. 23.546/17; e

c) a transferência do saldo remanescente de R$ 4.875,01 para a conta bancária destinada ao programa de promoção e difusão da participação política das mulheres nas eleições subsequentes.