PC-PP - 0600142-63.2020.6.21.0000 - Voto Relator(a) - Sessão: 17/05/2023 às 09:30

VOTO

Eminentes Colegas.

O Diretório Estadual do PARTIDO DOS TRABALHADORES apresenta contas relativas ao exercício financeiro do ano de 2019, disciplinado, quanto ao mérito, pela Resolução TSE n. 23.546/17.

Em parecer conclusivo, a unidade técnica apontou irregularidades remanescentes relativas à (1) aplicação do Fundo Partidário, pois não houve comprovação dos gastos da efetiva prestação do serviço ou da sua vinculação às atividades partidárias; (2) aplicação do Fundo Partidário, irregularidade quanto à constituição de Fundo de Caixa e ocorrência de pagamentos acima do valor máximo permitido; (3) utilização de verbas oriundas de fontes vedadas; (4) utilização de verbas de origem não identificada; e (5) ausência da aplicação mínima de 5% do Fundo Partidário em programas de difusão da participação política das mulheres. Esta última irregularidade foi identificada, originalmente, pela Procuradoria Regional Eleitoral.

Foi oportunizado prazo para apresentação de defesa ao partido prestador de contas.

Passo, portanto, à análise das irregularidades identificadas.

1. Ausência de comprovação com gastos do Fundo Partidário

A utilização das verbas do Fundo Partidário, oriundas do orçamento geral da União, está vinculada ao rol taxativo disposto no art. 44 da Lei n. 9.096/95, visando à manutenção de sedes, serviços, programas, qualificação e consultorias necessárias ao partido, de forma a privilegiar a promoção do debate de ideias, da defesa de valores e das bandeiras dos partidos, não podendo ser desvirtuado para diferentes aplicações.

Quanto à comprovação dos gastos eleitorais, a Resolução TSE n. 23.546/17, que rege a presente prestação de contas, assim dispõe:

Art. 18. A comprovação dos gastos deve ser realizada por meio de documento fiscal idôneo, sem emendas ou rasuras, devendo dele constar a data de emissão, a descrição detalhada, o valor da operação e a identificação do emitente e do destinatário ou dos contraentes pelo nome ou razão social, CPF ou CNPJ e endereço.

§ 1º Além do documento fiscal idôneo a que se refere o caput deste artigo, a Justiça Eleitoral pode admitir, para fins de comprovação de gasto, qualquer meio idôneo de prova, inclusive outros documentos, tais como:

I - contrato;

II - comprovante de entrega de material ou da prestação efetiva do serviço;

III - comprovante bancário de pagamento; ou

IV - Guia de Recolhimento do FGTS e de Informações da Previdência Social (GFIP).

(…)

Art. 29. O processo de prestação de contas partidárias tem caráter jurisdicional e se inicia com a apresentação, ao órgão da Justiça Eleitoral competente, das seguintes peças elaboradas pelo Sistema de Prestação de Contas Anual da Justiça Eleitoral: (…)

VI - documentos fiscais que comprovem a efetivação dos gastos realizados com recursos oriundos do Fundo Partidário, sem prejuízo da realização de diligências para apresentação de comprovantes relacionados aos demais gastos;

(…)

O exame das contas apontou a realização de gastos com recursos do Fundo Partidário por meio das contas bancárias de números 11300056 e 2352887, ambas da agência 10 do Banco do Brasil, nas quais foi verificada a aplicação irregular das verbas públicas em razão da ausência de comprovação de despesas, de beneficiários, da efetiva prestação do serviço ou da sua vinculação às atividades partidárias, conforme Tabela I do parecer conclusivo, a qual reproduzo em partes, de acordo com as peculiaridades das falhas, para melhor análise, pois o elemento comprobatório é composto por 58 itens. Trago, inicialmente, onze ocorrências:

A falha em comento afronta o art. 35, § 2º, da Resolução TSE n. 23.546/17, o qual estabelece que a regularidade na distribuição e aplicação dos recursos oriundos do Fundo Partidário “abrange, além do cumprimento das normas previstas no art. 2º, a efetiva execução do serviço ou a aquisição de bens e a sua vinculação às atividades partidárias”.

A título de razões defensivas, a agremiação informa não ter logrado êxito “em localizar os documentos necessários à comprovação da relação dos serviços prestados para o partido", em gastos endereçados a Nereu Daniel H. Zanella, Henri Marcelo S. Figueiredo, Ana Paula Vidal Ribeiro, Clarinda R. Vicenti Ferraz, e não apresenta óbice quanto à glosa realizada”. 

Contudo, aduz ter comprovado a regularidade dos gastos em relação aos prestadores Nádia Regina Bossoni de Moura, Simone de Moraes de Quadros e Ana Paula Rosa dos Santos.

Verifico, nos IDs 44864116, 44864117, 44864118, 44989399 e 44989398, a juntada de declarações intituladas “relatórios de atividades” assinados por pretensos prestadores de serviços, sem reconhecimento de firma, documentos que nitidamente não se mostram como meio idôneo de prova, porque a produção se deu de forma unilateral – e portanto inaceitável, conforme pacífica jurisprudência dos tribunais eleitorais.

Desse modo, da mesma forma que o parecer técnico, concluo não restarem comprovados os gastos apontados nos itens 1 a 11 da Tabela I.

Por seu turno, os itens 12 a 18 versam sobre os beneficiários das operações financeiras apresentadas nos extratos bancários, estando, nos itens 12 a 16, ausente a indicação de contraparte e, nos itens 17 e 18, constando contrapartes diversas daquelas indicadas nos documentos apresentados para a comprovação dos gastos:

O partido prestador aponta documentos, com o fim de comprovar os gastos anotados sob os números 12 a 16, consistentes em passagens aéreas (44864121, 44864123, 44864125 e 44864127) e recibo de pagamento a autônomo (44864128).

Quanto aos apontamentos 17 e 18, observo que o prestador apresentou cheques preenchidos de forma nominal, porém não cruzados, o primeiro no valor de R$ 7.850,00 e o segundo de R$ 8.530,00, acompanhados de nota fiscal (IDs 44864130 e 44864131).

No ponto, friso que as passagens aéreas e o recibo de pagamento são inábeis a comprovar a regularidade do gasto e sua vinculação à atividade político-partidária, pois não satisfazem as exigências previstas no art. 18, caput e § 1º, e no art. 29, inc. VI, c/c o art. 35, § 2º, todos da Resolução TSE n. 23.546/17. Igualmente, com relação às despesas dos itens 17 e 18, as cártulas apresentadas, ainda que acompanhadas de notas fiscais com valores coincidentes, não foram devidamente cruzadas de modo a permitir o rastreamento da verba pública utilizada para os pagamentos.

Igualmente, os itens que seguem sob os números 19 a 41 revelam o pagamento de gastos por meio de cheques não cruzados e, até mesmo, de diversas despesas mediante um só cheque também não cruzado:

Destaco que os argumentos do prestador, indicando quais as despesas teriam sido pagas, são demasiado frágeis para comprovar a triangulação entre o prestador das contas, o beneficiário e a instituição financeira, prejudicando a individualização das despesas, bem como a análise das contas. Trata-se, dito de outro modo, de mera declaração, carente da fidedignidade exigida a todos os prestadores de contas, sobretudo daqueles que percebem recursos de origem pública. É inadmissível que uma agremiação pretenda apenas narrar o caminho dos valores envolvidos.

E, aqui, destaco o parecer da Procuradoria Regional Eleitoral, por irretocável:

A comprovação dos gastos efetuados com recursos públicos, sobretudo na seara eleitoral, não é via de mão única, de modo que se exige a demonstração da regularidade do pagamento realizado e da efetiva prestação dos serviços, assim como a pertinência desta com as atividades partidárias, conforme estabelecido na referida resolução em atenção aos princípios constitucionais aplicáveis.

Com efeito, se, por um lado, o art. 18, caput e § 1º, da Resolução-TSE 23.546/17, estabelece que a comprovação dos gastos pode ser feita por meio de documento fiscal ou qualquer outro meio idôneo de prova, por outro, os meios de pagamento elencados no art. 18, § 4º, com a ressalva ali constante (“Os gastos partidários devem ser pagos mediante a emissão de cheque nominativo cruzado ou por transação bancária que identifique o CPF ou CNPJ do beneficiário, ressalvado o disposto no art. 19.”), são os únicos que permitem identificar exatamente a pessoa, física ou jurídica, que recebeu o valor, constituindo, assim, um mínimo necessário para efeito de comprovação do real destinatário dos recursos e, por consequência, da veracidade do gasto correspondente.

Tais dados fecham o círculo da análise das despesas, mediante a utilização de informações disponibilizadas por terceiro alheio à relação entre credor e devedor e, portanto, dotado da necessária isenção e confiabilidade para atestar os exatos origem e destino dos valores. Isso porque somente o registro correto e fidedigno das informações pela instituição financeira permite o rastreamento, para que se possa apontar, por posterior análise de sistema a sistema, eventuais inconformidades.

Dessa forma, apenas a indicação de pagamento pelos meios indicados na Resolução-TSE 23.546/17 não é suficiente, por si só, para atestar a realidade do gasto informado, no sentido de o valor haver sido efetivamente empregado em um serviço ou produto para atividade partidária. Por isso, faz-se necessário necessário trazer uma confirmação, chancelada pelo terceiro com quem o partido contratou, acerca dos elementos da relação existente; por outra via, a tão só confirmação do terceiro, mediante recibo, contrato ou nota fiscal, também é insuficiente, pois não há registro passível de rastreamento de que foi tal pessoa quem efetivamente recebeu o referido valor. Logo, somente a triangularização entre prestador de contas, instituição financeira e terceiro contratado, com dados provenientes de diversas fontes, torna possível, nos termos da resolução em tela, a aferição da regularidade na aplicação de recursos públicos, o que foi demonstrado em relação às irregularidades apontadas pela Unidade Técnica. É o caso dos gastos “12” a “16” da referida Tabela I do Parecer Conclusivo, na medida em que os documentos apresentados – e-tickets de voos e o recibo de pagamento a autônomo – são insuficientes para o registro contábil das despesas indicadas, seja por haver lacunas na adequada identificação dos serviços, seja por inexistir a devida vinculação da despesa à atividade partidária. Em razão disso, os gastos foram considerados irregulares por “Ausência de documentação/ou não consta valor comprobatório dos gastos”.

Assim, confirmo como irregulares os itens 19 a 41 da Tabela I.

Ainda na mesma tabela, itens 43 a 59, a análise técnica indica a formação de fundo de caixa em valor superior ao permitido, ou com documentos em nome de terceiros que não o partido:

Na mesma senda dos itens anteriores, restam sem comprovação quanto ao beneficiário dos pagamentos, evidenciando irregular forma de quitação, pelo que deve ser mantido o apontamento.

Observo que as irregularidades somadas na Tabela I alcançam o montante de R$ 294.417,62 (duzentos e noventa e quatro mil, quatrocentos e dezessete reais e sessenta e dois centavos), merecendo determinação de recolhimento ao erário, na forma do art. 59, § 2º, da Resolução TSE n. 23.546/17.

2. Irregularidades nos gastos realizados por intermédio do Fundo de Caixa formado com recursos do Fundo Partidário

A Resolução citada assim disciplina a matéria em seu art. 19:

Art. 19. Para efetuar pagamento de gastos de pequeno vulto, o órgão partidário, de qualquer esfera, pode constituir reserva em dinheiro (Fundo de Caixa) que observe o saldo máximo de R$5.000,00 (cinco mil reais), desde que os recursos destinados à respectiva reserva transitem previamente por conta bancária específica do partido e, no ano, não ultrapasse 2% (dois por cento) dos gastos lançados no exercício anterior.

§ 1º O saldo do Fundo de Caixa pode ser recomposto mensalmente, com a complementação de seu limite, de acordo com os valores despendidos no mês anterior.

§ 2º O saque dos valores destinados ao Fundo de Caixa deve ser realizado da conta bancária específica do partido, mediante a emissão de cheque nominativo em favor do próprio órgão partidário.

§ 3º Consideram-se de pequeno vulto os gastos cujos valores individuais não ultrapassem o limite de R$ 400,00 (quatrocentos reais), vedado, em qualquer caso, o fracionamento desses gastos.

§ 4º A utilização dos recursos do Fundo de Caixa não dispensa a comprovação dos gastos nos termos do art. 18.

§ 5º O percentual e os valores previstos neste artigo podem ser revistos, anualmente, mediante portaria do Presidente do TSE.

O conjunto de falhas está apontado na Tabela II do parecer conclusivo, que reproduzo:

Aqui, a primeira irregularidade apontada versa sobre a extrapolação do limite determinado na legislação de regência, pois o partido constituiu Fundo de Caixa acima de R$ 5.000,00, atingindo o saldo de R$ 13.613,12 em 15.3.2019.

Outra falha anotada foi o pagamento de valores superiores a R$ 400,00 a partir do Fundo de Caixa, contrariando expressa disposição legal. Verifico na Tabela II pagamento de até R$ 6.500,00, vencendo em muito o limite prescrito de R$ 400,00.

Além dessas irregularidades, é possível assinalar depósitos de valores na conta bancária do Fundo Partidário com a identificação do próprio partido como depositário, o que configura recurso de origem não identificada, no valor de R$ 1.887,94, pois sugere uma impossível "retroalimentação" financeira. Ora, se houve ingresso de valores na esfera financeira da agremiação, por óbvio tais quantias dela não advieram.

O partido, em manifestação ao parecer conclusivo, declarou reconhecer as irregularidades apontadas (ID 44864114 – Págs. 28 e 29), devendo ser mantidas as anotações.

Destaco que o recurso de origem não identificada, na quantia de R$ 1.887,94, está sujeito a recolhimento ao Tesouro Nacional, na forma do art. 14 da Resolução TSE n. 23.546/17.

3. Recebimento de verbas consideradas como de fonte vedada

Foi verificado crédito nos extratos bancários da conta-corrente n. 605150409, Banrisul, Agência 839, no valor de R$ 100,00, na data de 18.12.2019, de contribuinte não filiada ao partido político em exame, Fabiola Zeni Papini, CPF 902.248.090-00, Assessora VI da Assembleia Legislativa, conforme diligência a órgão público (ID 44167233).

Portanto, trata-se de pessoa física que exerceu função de livre nomeação e exoneração no exercício de 2019, circunstância que se enquadra na vedação prevista no art. 31, inc. V, da Lei n. 9.096/95.

O partido reconhece a falha, logo deve ser mantida a anotação, sendo a quantia irregular (R$ 100,00) sujeita a recolhimento ao Tesouro Nacional na forma do art. 14 da Resolução TSE n. 23.546/17.

4. Recebimento de verbas de origem não identificada

A análise técnica, a partir do exame dos extratos bancários eletrônicos disponibilizados pelo TSE, constatou o ingresso de recursos de origem não identificada, visto que o próprio diretório estadual do partido foi declarado como doador do montante de R$ 6.321,48.

A prática afronta o art. 5º, inc. IV, da Resolução TSE n. 23.546/17, o qual inclui entre as receitas dos partidos políticos as “doações de pessoas físicas e de outras agremiações partidárias, destinadas ao financiamento de campanhas eleitorais e das despesas ordinárias do partido, com a identificação do doador originário”.

O prestador alega que “versa a glosa sobre a prática de valores remanescentes dos pagamentos que foram devolvidos a conta corrente da agremiação”, não tendo óbice ao apontado.

Assim, permanece a irregularidade de R$ 6.321,48, valor sujeito a recolhimento ao Tesouro Nacional, na forma do art. 14 da Resolução TSE n. 23.546/17.

5. Ausência de aplicação mínima de recursos do Fundo Partidário para incentivo à participação política da mulher

O parecer conclusivo aponta irregularidade que diz respeito à falta de aplicação mínima de 5% (cinco por cento) do total de recursos do Fundo Partidário recebidos pelo partido na criação e manutenção de programas de promoção e difusão da participação política das mulheres, nestes termos:

“Item 5 Irregularidade: Ausência da aplicação mínima de 5% do FP mulheres Base legal: inc. V, art. 44 da Lei 9.096/1995

O partido não demonstrou integralmente a aplicação mínima de 5% de recursos do Fundo Partidário na criação e manutenção de programas de promoção e difusão da participação política das mulheres, imposta pelo inciso V do artigo 44 da Lei 9.096/1995. Conforme segue:

a) Considerando o recebimento de R$ 1.676.476,34 do Fundo Partidário no exercício de 2019, deveria ter sido destinado, no mínimo, R$ 83.823,82 (5% do total de recursos do Fundo Partidário recebidos no exercício financeiro).

Verifica-se que foi reservado na conta 235288, agência 10 do Banco do Brasil (Fundo Partidário – Mulher) o valor de R$ 81.948,81, assim o partido deixou de aplicar o valor de R$ 1.875,01 (R$ 83.823,82 – R$ 81.948,81).

O partido se manifestou (ID 44864114 – Pág. 31): “O prestador não tem óbice ao apontamento.”

b) Dos gastos efetuados com recursos do Fundo Partidário na criação e manutenção de programas de promoção e difusão da participação política das mulheres, o partido apresentou documentação no valor de R$ 54.742,07. Após a manifestação do partido e aplicados os procedimentos técnicos de exame foram observados gastos efetuados em desacordo com o art. 18 e art. 22 todos da Resolução TSE 23.546/2017, no valor de R$ 3.000,00, demonstrados a seguir:

Quanto aos itens 5.b.2 a 5.b.5 do Exame da Prestação de Contas, a agremiação apresentou comprovação de que o recurso foi utilizado na criação e manutenção de programas de promoção e difusão da participação política das mulheres (ID 44864320), esta unidade técnica entende, s.m.j., sanado o apontamento.

Restou, portanto, não comprovada a correta aplicação do valor de R$ 4.875,01 (R$ 1.875,01 (a) + R$ 3.000,00 (b)). Conforme o texto do art. 22, § 1º, da Resolução TSE 23.546/2017, aplicada no mérito ao exercício de 2019, temos que:

Art. 22. Os órgãos partidários devem destinar, em cada esfera, no mínimo, 5% (cinco por cento) do total de recursos do Fundo Partidário recebidos no exercício financeiro para a criação ou manutenção de programas de promoção e difusão da participação política das mulheres, a serem realizados de acordo com as orientações e de responsabilidade do órgão nacional do partido político.

Todavia, sobre a falha na aplicação mínima de 5% do Fundo Partidário para programas de participação política das mulheres nota-se o advento da Emenda Constitucional 117, de 5 de abril de 2022, a qual estabelece, em seus artigos 2º e 3º:

Art. 2º Aos partidos políticos que não tenham utilizado os recursos destinados aos programas de promoção e difusão da participação política das mulheres ou cujos valores destinados a essa finalidade não tenham sido reconhecidos pela Justiça Eleitoral é assegurada a utilização desses valores nas eleições subsequentes, vedada a condenação pela Justiça Eleitoral nos processos de prestação de contas de exercícios financeiros anteriores que ainda não tenham transitado em julgado até a data de promulgação desta Emenda Constitucional.

Art. 3º Não serão aplicadas sanções de qualquer natureza, inclusive de devolução de valores, multa ou suspensão do fundo partidário, aos partidos que não preencheram a cota mínima de recursos ou que não destinaram os valores mínimos em razão de sexo e raça em eleições ocorridas antes da promulgação desta Emenda Constitucional.

No caso em tela, o partido não destinou recursos do Fundo Partidário no valor de R$ 4.875,01 para a criação ou manutenção de programas de promoção e difusão da participação política das mulheres cota de gênero. Em face da EC n. 117, essa quantia não está sujeita, s.m.j., a recolhimento ao Tesouro Nacional, restando afastado o disposto no artigo 79, § 1º, da Resolução TSE n. 23.607/19. Todavia, conforme já decidido por este Tribunal, aqui deve ser adotado o raciocínio já consolidado de que o conteúdo da EC n. 117 não afasta o dever da Justiça Eleitoral de aferir a regularidade do uso das verbas públicas.

 

Com efeito, verifica-se que, recebidos R$ 1.676.476,34 do Fundo Partidário no exercício de 2019, competia ao partido destinar, no mínimo, R$ 83.823,82 na criação e manutenção de programas de promoção e difusão da participação política das mulheres.

Contudo, a grei partidária logrou comprovar o repasse do valor de R$ 81.948,81, recaindo a falha sobre a quantia de R$ 1.875,01.

Ainda, no que toca aos gastos relativos ao presente tópico, o prestador apresentou documentação que alcançou montante de R$ 54.742,07, dentre os quais R$ 3.000,00 não restaram comprovados como despesa efetiva. O prestador manifesta-se no sentido de não ter óbice quanto à anotação.

Nessa linha, acolho o parecer descritivo do órgão técnico e entendo configuradas as falhas quanto à aplicação dos recursos do Fundo Partidário em práticas de incentivo à participação feminina na política, e destaco o registro feito no parecer conclusivo em razão do prescrito na Emenda Constitucional n. 117, de que a quantia não encaminhada aos programas referidos “em eleições ocorridas antes da promulgação desta Emenda Constitucional” não está sujeita ao recolhimento ao Tesouro Nacional, restando afastado o disposto no art. 79, § 1º, da Resolução TSE n. 23.607/19.

A título de desfecho, no ponto, refiro que o parecer conclusivo constatou a existência de dívidas com emissão e contratações desde 31.01.2018, no valor total de R$ 7.309.625,43 (sete milhões, trezentos e nove mil, seiscentos e vinte e cinco reais e quarenta e três centavos), constantes no Demonstrativo de Obrigações a Pagar.

Quanto a estas, tenho por legitimar judicialmente a diligência da unidade técnica, que  “observará nos próximos exercícios as atualizações dos valores, apresentação dos comprovantes de parcelamentos e/ou renegociação com os fornecedores, as baixas dos pagamentos com os respectivos comprovantes de quitação, demonstrando a origem do recurso utilizado para a sua quitação, bem como o registro do respectivo recebimento de recursos para tal, uma vez que todo e qualquer recurso financeiro utilizado para o pagamento de despesas deverá transitar por conta bancária, ter sua origem identificada e respeitar os limites legais”.

6. Cominações Legais

Em resumo, verificadas irregularidades graves, que comprometem a lisura da contabilidade, a desaprovação é medida que se impõe, com base no art. 46, inc. III, al. ‘a’, da Resolução TSE n. 23.546/17.

7. Efeitos legais e dosimetria

7.1. Constatada a aplicação irregular de verbas oriundas do Fundo Partidário, impõe-se a devolução ao Tesouro Nacional da quantia de R$ 294.417,62 (duzentos e noventa e quatro mil, quatrocentos e dezessete reais e sessenta e dois centavos);

7.2. Presente o recebimento e a utilização de recursos de origem não identificada, impõe-se a determinação de recolhimento ao Tesouro Nacional da quantia de R$ 8.209,42 (oito mil, duzentos e nove reais e quarenta e dois centavos), decorrente da soma de R$ 1.887,94 e R$ R$ 6.321,48, nos termos do art. 59, § 2º, da Resolução TSE n. 23.546/17;

7.3. Presente o recebimento e a utilização de recursos de fonte vedada, impõe-se a determinação de recolhimento ao Tesouro Nacional da quantia de R$ 100,00 (cem reais), nos termos do art. 59, § 2º, da Resolução TSE n. 23.546/17;

7.4. O valor total dos itens 7.1, 7.2 e 7.3 alcança R$ 302.727,04 (trezentos e dois mil, setecentos e vinte e sete reais e quatro centavos), resultante da soma de R$ 294.417,62, R$ 8.209,42 e R$ 100,00, e, considerando que o valor representa 13,17% do total de recursos do Fundo Partidário movimentados no exercício, R$ 2.297.279,98, entendo como proporcional e razoável fixar a multa prevista pelo art. 49, caput, da Resolução TSE n. 23.546/17 (art. 37 da Lei n. 9.096/95) no patamar de 5% (cinco por cento), ou seja, equivalente a R$ 15.136, 35 (quinze mil, cento e trinta e seis reais e trinta e cinco centavos);

7.5. A penalidade de suspensão do repasse de quotas do Fundo Partidário representa consequência específica do recebimento de recursos de fonte vedada, devendo incidir cumulativamente, nos termos do art. 36, inc. II, da Lei n. 9.096/95, regulamentado pelo art. 47, inc. I, da Resolução TSE n. 23.546/17. No entanto, também em vista dos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, entendo por afastar a sanção, em razão de o valor da irregularidade ser de apenas R$ 100,00, ou seja, 0,0000435% dos recursos recebidos no exercício financeiro de 2019.

Diante do exposto, VOTO pela desaprovação das contas do exercício financeiro de 2019 do DIRETÓRIO ESTADUAL DO PARTIDO DOS TRABALHADORES e, nos termos da fundamentação, determino:

a) o recolhimento do valor de R$ 302.727,04 (R$ 294.417,62 + R$ 8.209,42+ R$ 100,00) ao Tesouro Nacional, com fulcro no art. 59, § 2º, c/c art. 14, ambos da Resolução TSE 23.546/17;

b) o pagamento de multa de 5% sobre o montante irregular, perfazendo a quantia de R$ 15.136,35, com fundamento no art. 37 da Lei n. 9.096/95 e art. 49 da Resolução TSE n. 23.546/17; e

c) a transferência do saldo remanescente de R$ 4.875,01 para a conta bancária destinada ao programa de promoção e difusão da participação política das mulheres nas eleições subsequentes.