PCE - 0602044-80.2022.6.21.0000 - Voto Relator(a) - Sessão: 17/05/2023 às 09:30

VOTO

ABRAO NUNES MARTINS, candidato não eleito ao cargo de deputado federal, apresenta prestação de contas relativa às eleições gerais de 2022.

Após exame inicial da contabilidade e apresentação de contas retificadoras, a Secretaria de Auditoria Interna desta Corte concluiu remanescer irregularidade referente à comprovação de gasto no valor de R$ 1.000,00, realizado por meio de cheque sacado da conta onde transitaram recursos do Fundo Especial de Financiamento de Campanha - FEFC.

De fato.

Observo, do extrato bancário disponível no DivulgaCand, a inexistência de contraparte beneficiada com o desconto do cheque em tela, a indicar o preenchimento dos títulos de modo não nominal cruzado, como determina a Resolução TSE n. 23.607/19:

Art. 38. Os gastos eleitorais de natureza financeira, ressalvados os de pequeno vulto previstos no art. 39 e o disposto no § 4º do art. 8º, ambos desta Resolução, só podem ser efetuados por meio de:

I - cheque nominal cruzado;

II - transferência bancária que identifique o CPF ou CNPJ da beneficiária ou do beneficiário;

III - débito em conta; (Redação dada pela Resolução nº 23.665/2021)

IV - cartão de débito da conta bancária; ou (Redação dada pela Resolução nº 23.665/2021)

V - PIX, somente se a chave utilizada for o CPF ou o CNPJ. Incluído pela Resolução nº 23.665/2021)

 

A falha poderia ter sido suprida por cópia dos cheques emitidos pelo prestador, devidamente cruzados e nominais, o que não ocorreu.

Ao contrário. A fim de elucidar a questão, o prestador apresentou imagem da folha do cheque n. 850001, conta n. 36.979-9, agência n. 2027 do Banco do Brasil, no valor da irregularidade apontada, porém sem que constem o nome do beneficiário e cruzamento.

Como referido, o extrato bancário não apresenta contraparte beneficiada com o desconto do cheque, inviabilizando a vinculação entre o pagamento e o recebimento do recurso pelo efetivo fornecedor, que seria, alegadamente, André Ricardo Nunes Martins, em relação ao qual foram juntados a carteira nacional de habilitação - CNH e um contrato de prestação de serviços.

Além disso, o contrato de despesa de militância registra vagamente como objeto “a prestação de serviços assistente para a campanha” e é firmado no valor de R$ 3.800,00, em dissonância, portanto, com o valor de R$ 1.000,00.

Dessa forma, julgo que os documentos apresentados não são suficientes para comprovar o destino da verba pública utilizada. Essa é a posição adotada por esta Corte, que reproduzo, exemplificativamente, no julgado de relatoria da Desa. VANDERLEI TERESINHA TREMEIA KUBIAK:

RECURSO. ELEIÇÕES 2020. PRESTAÇÃO DE CONTAS. VEREADOR. DESAPROVAÇÃO. AUSENTE COMPROVAÇÃO DE PAGAMENTO DE DESPESAS REALIZADAS COM RECURSOS DO FUNDO ESPECIAL DE FINANCIAMENTO DE CAMPANHA – FEFC. CHEQUES SACADOS DIRETAMENTE NO CAIXA.

ERRO MATERIAL NA SENTENÇA. VALOR MÓDICO. MANTIDO O DEVER DE RECOLHIMENTO DA QUANTIA AO TESOURO NACIONAL. APROVAÇÃO COM RESSALVAS. PARCIAL PROVIMENTO.

1. Insurgência contra sentença que julgou desaprovadas as contas de campanha de candidato ao cargo de vereador, relativas às eleições de 2020, em virtude da aplicação irregular de verbas oriundas do Fundo Especial de Financiamento de Campanha – FEFC. Determinado recolhimento ao Tesouro Nacional.

2. O art. 38 da Resolução TSE n. 23.607/19 dispõe sobre o pagamento de despesas de campanha eleitoral. A norma em apreço possui caráter objetivo e exige, sem exceções, que o cheque manejado para pagamento de despesa eleitoral seja não apenas nominal, mas também cruzado. A exigência de cruzamento do título busca impor que o seu pagamento ocorra mediante crédito em conta bancária, de modo a permitir a rastreabilidade das movimentações financeiras de campanha, conferindo maior confiabilidade às informações inseridas na escrituração, sobretudo demonstrar que os prestadores de serviço informados nos registros contábeis foram efetivamente os beneficiários dos créditos.

3. Ausente comprovação de pagamentos de despesas eleitorais realizadas com recursos do Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC). Identificados cheques sacados diretamente no caixa, sem registro da contraparte favorecida na operação. Incontroverso que as cártulas foram emitidas sem o necessário cruzamento e que os valores foram sacados diretamente na “boca do caixa”, ou seja, sem o trânsito para a conta bancária do fornecedor declarado.

4. A apresentação de contrato, declaração ou recibo firmado pelos supostos beneficiários do adimplemento declarando que o valor lhes foi repassado, não supre a necessidade de que o lastro do pagamento seja registrado na própria operação bancária de crédito, conforme a diretriz jurisprudencial deste Tribunal Regional. Caracterizada a irregularidade quanto à forma de pagamento dos gastos realizados com recursos do FEFC.

5. Erro material na decisão do juízo de primeiro grau. No entanto, incabível nova retificação do montante a ser recolhido, seja porque houve debate específico sobre sua fixação e o Ministério Público em primeira instância anuiu com a tese levantada nos embargos de declaração, seja porque a majoração acabaria por prejudicar o único recorrente.

6. A irregularidade representa 9,68% dos recursos arrecadados pelo candidato. Considerando a ínfima dimensão percentual das falhas, bem como o valor nominal diminuto, viável a aplicação do princípio da razoabilidade para aprovar as contas com ressalvas, pois trata-se de valor módico e inferior ao parâmetro de R$ 1.064,10, tido como modesto pela legislação de regência e utilizado por este Tribunal para admitir tal juízo.

7. Parcial provimento. Aprovação com ressalvas. Mantida a determinação de recolhimento ao Tesouro Nacional.

(Recurso Eleitoral nº 060052083, Acórdão, Relator(a) Des. DRA. VANDERLEI TERESINHA TREMEIA KUBIAK, Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, Data: 26/09/2022)

 

Saliento, ademais, que, em condições como as presentes nestes autos, a despesa realizada com verbas do FEFC caracteriza utilização indevida de recursos públicos, e o valor de R$ 1.000,00 deve ser recolhido ao erário.

Por fim, destaco que se trata de única irregularidade, cujo valor, R$ 1.000,00, representa 3,8% do total de recursos declarados pelo prestador (R$ 26.226,65), permitindo, na linha de entendimento pacificado deste Tribunal, o juízo de aprovação com ressalvas, mediante a aplicação dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade.

Diante do exposto, VOTO pela aprovação com ressalvas das contas de ABRAO NUNES MARTINS, candidato ao cargo de deputado federal, com o recolhimento do valor de R$ 1.000,00 ao Tesouro Nacional, nos termos da fundamentação.