REl - 0600021-53.2023.6.21.0057 - Voto Relator(a) - Sessão: 17/05/2023 às 09:30

VOTO

Inicialmente, consigno que a recorrente interpôs o presente recurso sem se  fazer representar por procurador habilitado. Em que pese não tenha sido alegada nos autos a falta de representação em juízo por advogado constituído, entendo que, por se tratar de matéria de ordem pública, a ausência deste pressuposto processual deve ser enfrentada de ofício.

Com efeito, a regra geral é a de que os recursos interpostos perante os Tribunais devem ser subscritos por advogado devidamente habilitado e com instrumento de mandato nos autos.

Todavia, muito embora tenha a peça recursal sido subscrita pela própria mesária, por se tratar de matéria eminentemente administrativa, este Tribunal tem atenuado o rigor da norma, tornando dispensável a representação legal, conforme precedente desta Corte, que restou assim ementado:

RECURSO ELEITORAL. NOMEAÇÃO DE MESA RECEPTORA. ELEIÇÕES 2018. PRELIMINAR. AUSÊNCIA DE ADVOGADO. PUNIÇÃO ADMINISTRATIVA. ADMISSIBILIDADE. MÉRITO. MESÁRIO FALTOSO. MULTA. JUNTADA DE DOCUMENTOS COM O RECURSO. AUSENTE JUSTO MOTIVO. DEMONSTRADA A HIPOSSUFICIÊNCIA ECONÔMICA DA ELEITORA. DETERMINADA A REDUÇÃO DA MULTA. PARCIAL PROVIMENTO. 
1. Preliminar. Legitimidade para interpor o recurso sem procurador constituído nos autos. Conhecimento do apelo. Flexibilização do rigor da norma por se tratar de punição aplicada em matéria eminentemente administrativa. Superada a ausência de advogado constituído, a fim de facilitar o acesso ao Poder Judiciário.
2. Devidamente convocada para prestar serviço eleitoral como Presidente de seção, deixou de comparecer aos trabalhos eleitorais no dia em que ocorreu o primeiro turno do pleito, sem a apresentação de qualquer justificativa para a ausência no prazo de 30 dias. Diante da inércia da eleitora, o juízo a quo aplicou-lhe a multa.
3. Notificada, a recorrente manifestou-se, argumentando que deixou de atender à convocação eleitoral porque no dia do pleito trabalhara como freelancer, com o objetivo de pagar as despesas de aluguel, instruindo o recurso com cópias de sua CTPS, bem como a de seu marido, também desempregado. As justificativas prestadas não afastam a aplicação do art. 124 do Código Eleitoral, em face dos princípios que regem a Justiça Eleitoral, com a preponderância do interesse público sobre o particular. Entretanto, os documentos demonstram a atual hipossuficiência econômica da eleitora, circunstância que enseja a redução do valor da multa aplicada.
4. Parcial provimento.
(TRE-RS - RE: 533 NOVO HAMBURGO - RS, Relator: GUSTAVO ALBERTO GASTAL DIEFENTHÄLER, Data de Julgamento: 02/07/2019, Data de Publicação: DEJERS - Diário de Justiça Eletrônico do TRE-RS, Tomo 122, Data 05/07/2019, Página 4) (Grifo nosso)

Destaco, ainda, que o princípio da indispensabilidade do advogado não é absoluto, a exemplo da capacidade postulatória para qualquer pessoa impetrar ordem de habeas corpus.

Assim, é legítima a outorga, em situações excepcionais e legalmente previstas, do jus postulandi a qualquer pessoa, em atenção a outros princípios constitucionais, como, no caso, o direito de defesa.
                  Ressalto que não se trata aqui de desprestigiar a nobre função do advogado, declarada pelo texto constitucional como função essencial à Justiça, mas sim de atender à celeridade que deve nortear a prestação jurisdicional, a qual deve ser tempestiva e capaz de manter a lisura, a transparência e a universalidade do processo eleitoral.

Isso posto, o recurso é regular, tempestivo e comporta conhecimento. 

No mérito, a eleitora JOANNIE SARAIVA GOMES BRAZEIRO, devidamente convocada para prestar serviço eleitoral como mesária (Secretária), deixou de comparecer à seção eleitoral no segundo turno das eleições gerais de 2022, não tendo apresentado justificativa para a ausência no prazo de 30 (trinta) dias, previsto no art. 124 do Código Eleitoral. Transcrevo:

Art. 124. O membro da mesa receptora que não comparecer no local, em dia e hora determinados para a realização de eleição, sem justa causa apresentada ao juiz eleitoral até 30 (trinta) dias após, incorrerá na multa de 50% (cinquenta por cento) a 1 (um) salário-mínimo vigente na zona eleitoral cobrada mediante selo federal inutilizado no requerimento em que for solicitado o arbitramento ou através de executivo fiscal.
§ 1º Se o arbitramento e pagamento da multa não for requerido pelo mesário faltoso, a multa será arbitrada e cobrada na forma prevista no artigo 367.
§ 2º Se o faltoso for servidor público ou autárquico, a pena será de suspensão até 15 (quinze) dias.
§ 3º As penas previstas neste artigo serão aplicadas em dobro se a mesa receptora deixar de funcionar por culpa dos faltosos.
§ 4º Será também aplicada em dobro observado o disposto nos §§ 1º e 2º, a pena ao membro da mesa que abandonar os trabalhos no decurso da votação sem justa causa apresentada ao juiz até 3 (três) dias após a ocorrência. 

 

Diante da inércia da eleitora no prazo concedido para oferta de justificativa, o juízo a quo aplicou multa no valor de R$ 351,40 (ID 45451639).

Notificada, a eleitora apresentou manifestação, argumentando estar desempregada e não possuir renda para arcar com a multa que lhe fora imposta. Ademais,  instruiu o pedido com a cópia do cartão Bolsa Família a fim de comprovar que percebe benefício do governo federal, o qual transfere renda às famílias extremamente pobres (ID 45451645).

Com efeito, a eleitora deixou de comparecer aos trabalhos eleitorais no dia da eleição, sendo reprovável, igualmente, a falta de justificativa tempestiva para a ausência. 

E as justificativas prestadas pela recorrente, apesar de respeitáveis, não deixam de fazer incidir sobre o caso o art. 124 do Código Eleitoral.

De fato, conquanto não seja aqui presumível a má-fé, os motivos  elencados não se coadunam com os princípios que regem a Justiça Eleitoral, em especial com a preponderância do interesse público sobre o particular. 

Ausente a apresentação de justa causa ao devido tempo, pois deve prevalecer a aplicação de multa em razão do descumprimento da norma eleitoral, e até como medida pedagógica, de modo a evitar a reiteração da conduta omissiva. 

Entrementes, ao meu sentir, as circunstâncias do caso sob exame demandam que a multa seja afastada.

Por um lado, impende ressaltar que se mostra reprovável que alguns cidadãos se furtem de contribuírem efetivamente à realização das eleições, pedra angular da democracia.

Como cediço, esta instituição não tem meios de empreender, sozinha, todo o processo eleitoral, tornando-se indispensável a colaboração ativa da população, da mesma forma como ocorre nos demais países democráticos. Contudo, existem circunstâncias e incompreensões sobre a forma de convocação eleitoral para essa colaboração, em especial de pessoas menos instruídas ou informadas, o que também merece ser considerado.

De outra banda, porém, a Justiça Eleitoral, para se desincumbir dessa elevada tarefa, está jungida aos preceitos constantes no ordenamento jurídico, inclusive aquele que, plasmado no art. 367, § 3º, do CE, impõe a isenção do pagamento da multa aos que comprovarem seu estado de pobreza.

Deveras, o TSE, ao regulamentar o tema, fixou, no art. 129, § 2º, c/c art. 127, § 3º, da Resolução n. 23.659/21, que a pessoa que declarar ser pobre, sob as penas da lei, perante qualquer juízo eleitoral, ficará isenta do pagamento da multa por deixar de se apresentar aos trabalhos eleitorais para os quais tenha sido convocada.

Logo, não se pode negar a existência de normas, estabelecidas no Código Eleitoral e nos diplomas regulamentares do TSE, que preveem hipótese de isenção do pagamento de multa.

Aqui, faz-se mister não olvidar que, ao apreciar casos em que se denote falta cometida por administrado, consistente em deixar de atender à convocação para trabalhar nas eleições, atividade que, como dito, se revela absolutamente imprescindível à consecução da missão institucional da Justiça Eleitoral, este ramo do Judiciário há de se manter imparcial e equidistante, decidindo estritamente de acordo com o direito posto.

Assim, considerando que JOANNIE SARAIVA GOMES BRAZEIRO declara não possuir condições financeiras para arcar com o pagamento da multa, inclusive estando inferido o seu estado de vulnerabilidade socioeconômica, visto que é beneficiária de programa de governo destinado a pessoas que se encontrem em situação de extrema pobreza, deve a multa ser afastada, com fundamento nos arts. 129, § 2º, c/c 127, § 3º, ambos da Resolução TSE n. 23.659/21, levantando-se, via de consequência, a restrição de mesária faltosa no cadastro eleitoral.

Na prática, aqui seria o Estado alcançando com uma mão os recursos do benefício social do BOLSA FAMÍLIA e, com outra mão, tomando parte desse valor por aplicação de multa eleitoral. Nessa situação, tenho que deve prevalecer a proteção social da recorrente, porque mesmo que a multa seja reduzida irá acarretar prejuízos à manutenção básica e alimentar de sua família, mormente porque a infração eleitoral foi desprovida de má-fé e decorrente de desinformação, tanto compareceu nos autos com plausível justificativa para sua falha cidadã, o que merece ser prestigiado, juntamente com as condições socioeconômicas da recorrente.

Para ilustrar, trago à colação precedentes deste Tribunal, bem como de outros Regionais, que entenderam pelo afastamento de multa a mesário faltoso, em virtude de seu estado de pobreza:


Recurso. Mesário faltoso. Aplicação de multa, no juízo originário, diante da ausência aos trabalhos eleitorais no segundo turno das eleições de 2010.Superada a preliminar de incapacidade postulatória, frente ao caráter eminentemente administrativo da matéria. Aplicabilidade do artigo 367, § 3º, do Código Eleitoral para afastar a penalidade pecuniária, em razão do comprovado estado de pobreza do recorrente. Provimento.
(TRE-RS, Recurso Eleitoral n. 193, Acórdão, Relator Des. Eleitoral Eduardo Kothe Werlang, Publicação:  DEJERS - Diário de Justiça Eletrônico do TRE-RS, Tomo  121, Data 14.7.2011, p. 3). (grifo nosso)

 

Recurso. Mesário faltoso. Decisão que condenou eleitor ao pagamento de multa administrativa, com fundamento no artigo 124 do Código Eleitoral. Devidamente comprovado o estado de pobreza do recorrente, permitindo o afastamento da sanção pecuniária. Provimento.
(TRE-RS, Recurso Eleitoral n. 98, Acórdão, Relatora Des. Federal Marga Inge Barth Tessler, Publicação: DEJERS - Diário de Justiça Eletrônico do TRE-RS, Tomo  72, Data 11.5.2010, p. 2). (grifo nosso)

 

RECURSO ELEITORAL. NÃO COMPARECIMENTO DE MESÁRIA CONVOCADA. SEGUNDO TURNO DAS ELEIÇÕES DE 2010. AUSÊNCIA INJUSTIFICADA. MULTA DEVIDA. ESTADO DE POBREZA COMPROVADO.
I.   O serviço eleitoral é prioritário, e não pode o eleitor esquivar-se dele, sem comprovada e consistente justificativa.
II.  Ausência de provas capazes de justificar o não comparecimento da recorrente, o que impõe a fixação de multa. 
III. O estado de pobreza da recorrente, entretanto, foi comprovado, o que assegura a isenção prevista no § 3º, do artigo 367, do Código Eleitoral.
IV.  Recurso provido para isentar a recorrente do pagamento de multa.
(TRE-RJ, RECURSO ELEITORAL - CLASSE RE nº 4288, Acórdão, Relatora Des. Ana Tereza Basilio, Publicação: DJERJ - Diário da Justiça Eletrônico do TRE-RJ, Tomo 189, Data 02.12.2011, pp. 23/25).  (grifo nosso)

 

RECURSO ELEITORAL - CONVOCAÇÃO - 1ª SECRETÁRIA - NÃO ATENDIMENTO - SENTENÇA - APLICAÇÃO DE MULTA - SANÇÃO ADMINISTRATIVA - PROCESSO ADMINISTRATIVO - AUSÊNCIA - AMPLA DEFESA - AUSÊNCIA - NULIDADE DA SENTENÇA - RECURSO – EFEITO TRANSLATIVO - MÉRITO ANALISADO. PRECEDENTE DO TRE.
1. A eleitora, nomeada primeira secretária, não compareceu à seção eleitoral, embora tenha se feito substituir.
2. A multa aplicada sem a instauração do devido processo administrativo, com o necessário exercício da ampla defesa, faz com que a sentença seja eivada de nulidade. Inteligência do § 3º da Res. 176/2000.
3. A análise do mérito torna-se possível tendo em vista o efeito translativo atribuído aos recursos cíveis.
4. A declaração de pobreza é motivo de isenção da multa aplicada. Interpretação do art. 367, § 3º do Código Eleitoral.
5. Inexistência de prejuízo ao processo eleitoral, a substituição foi efetivada e o substituto participou integralmente dos serviços eleitorais. Provimento do Recurso. Precedentes do TRE.
(TRE-CE, Recurso Eleitoral n. 13220, Acórdão, Relator Des. AUGUSTINO LIMA CHAVES, Publicação: DJ - Diário de justiça, Tomo 54, Data: 22.3.2006, pp. 161/62). (grifo nosso)
 

Ante o exposto, VOTO pelo provimento do recurso, para afastar a penalidade imposta a  JOANNIE SARAIVA GOMES BRAZEIRO, bem como determinar ao juízo da origem que promova o devido levantamento da restrição de mesária faltosa junto ao cadastro eleitoral.