RecCrimEleit - 0000052-76.2019.6.21.0150 - Acompanho o(a) relator(a) - Sessão: 16/05/2023 às 14:00

Acompanho o em. Relator, com a vênia da divergência.

De início, saliento que esta Corte já teve oportunidade de assentar o caráter formal do crime previsto no art. 289 do CE, no julgamento do RC - Recurso Criminal nº 5966 - SANTIAGO – RS (0000059-66.2017.6.21.0044), de Relatoria do Des. Eleitoral GERSON FISCHMANN, acórdão de 16.10.2018, publicado no DEJERS - Diário de Justiça Eletrônico do TRE-RS, Tomo 191, Data 19/10/2018, Página 2:

RECURSO. CRIME ELEITORAL. ART. 289 DO CÓDIGO ELEITORAL. INSCRIÇÃO FRAUDULENTA. PROCEDÊNCIA. CONDENAÇÃO. REINCIDÊNCIA. RECONHECIDA A MATERIALIDADE E AUTORIA DO DELITO. CONFISSÃO. ATENUANTE. MANTIDO JUÍZO CONDENATÓRIO. REDUÇÃO DA PENA APLICADA. PARCIAL PROVIMENTO.

1. Condenação pela prática do crime tipificado no art. 289 do Código Eleitoral. Trata-se de delito formal, bastando para sua consumação a mera anotação falsa no registro eleitoral, independente de eventual proveito eleitoral ou do efetivo exercício irregular do voto. Comprovado o comparecimento ao cartório eleitoral com a intenção de inscrever-se como eleitor com o nome de outra pessoa, portando documento de identidade em nome de terceiro. Reconhecida a materialidade e a autoria do delito.

2. O Superior Tribunal de Justiça possui entendimento consolidado no sentido de que quando a confissão for utilizada para a formação do convencimento do julgador, o réu fará jus à atenuante prevista no art. 65, inc. III, al. "d", do Código Penal. Admitida a compensação entre a atenuante e a agravante, mesmo quando se der em razão do mesmo crime anteriormente cometido.

3. Parcial provimento do recurso, apenas para reduzir a pena aplicada, mantidas as demais determinações da sentença.

Por unanimidade, deram parcial provimento ao recurso, apenas para reduzir a pena aplicada, mantidas as demais determinações da sentença.

 

No mesmo sentido, o TSE decidiu que o crime do art. 289 do Código Eleitoral consuma-se quando o eleitor, mediante fraude, formaliza pedido de inscrição ou de transferência de domicílio, ainda que não obtenha o intento de alistar-se - o que, se ocorrer, consistirá em mero exaurimento do delito, já que o alistamento é um conjunto de atos em que a inscrição é uma de suas fases. Portanto, para a configuração do tipo em comento não é necessário tenha o agente obtido o deferimento de sua inscrição como eleitor, passando a fazer parte do corpo eleitoral de uma determinada circunscrição, dado que essa ocorrência caracteriza o término do processo de alistamento (RESPE nº 837  Decisão monocrática  SÃO GONÇALO DO AMARANTE – RN Relator(a): Min. Herman Benjamin Julgamento: 18/04/2016 Publicação: 22/04/2016).

Consta no voto do em. Ministro Relator do precedente indicado:

Também não assiste razão à recorrente ao sustentar que crime do art. 289 do Código Eleitoral não teria sido consumado em virtude de indeferimento do seu pedido de transferência de domicilio eleitoral.

O tipo penal descrito no mencionado dispositivo pune inscrição eleitoral ou transferência de domicílio realizada com uso de ardil, de meio fraudulento, apto a induzir em erro servidores e membros da Justiça Eleitoral e, com isso, obter alistamento ou mudança do local de exercício do direito de sufrágio. Cuida-se de crime que se perfaz no momento em que o eleitor, mediante fraude, formaliza pedido de registro ou alteração domiciliar, independentemente de obter seu intento, o que, se ocorrer, consistirá em exaurimento do delito. Nesse sentido, pontua a doutrina:

A ação típica pressupõe, portanto, a utilização de ardil, artifício ou outro meio malicioso tendente a causar o engodo, a mascarar a realidade, e assim permitir a realização da inscrição do eleitor, quando, na verdade, pelos meios regulares, não estava o agente a preencher todos os requisitos legais ensejados do registro no cadastro de eleitores. A fraude que se há de considerar nesses casos, ressalta Fávila Ribeiro, é aquela que consiste no `emprego de meios astuciosos, de artimanhas, atos escritos ou orais, aptos a levarem outrem a erro. Assim acontece em fazer instruir o pedido de inscrição com documento material ou intelectualmente falso, adulterando nome, idade ou local de residência, efim todo dado relevante à efetivação do alistamento-.

[...]

Por outro lado, cabe destacar que o art. 289 do Código Eleitoral, ao erigir como figura delituosa a conduta de inscrever-se, fraudulentamente, para fins eleitorais, evidentemente não exigiu como necessário, para a consumação do delito, estar completo o processo de alistamento do eleitor, pois, se assim fosse, teria o legislador se utilizado de verbo "alistar-se" para descrever o ilícito, o que não ocorreu.

É que o alistamento, consoante já ressaltado, é um conjunto de atos, sendo que a inscrição constitui uma de suas fases. Portanto, para a configuração do tipo em comento não é necessário tenha o agente obtido o deferimento de sua inscrição como eleitor, passando a fazer parte do corpo eleitoral de uma determinada circunscrição, dado que essa ocorrência caracteriza o término do processo de alistamento.

[...]

Assim, com o preenchimento, assinatura e apresentação do formulário frente à Justiça Eleitoral, eivado de fraude, consumado está totalmente o crime, não sendo necessário o seu exaurimento, que seria ocorrente quando do deferimento do pedido pelo juiz eleitoral, com a consequente expedição do título de eleitor. A conduta típica se concretiza no momento em que dolosamente são apresentados os dados fraudulentos, visando à obtenção da inscrição.

Tem-se, portanto, que o crime em consideração consuma-se, independentemente da obtenção de resultado. Trata-se de crime formal. Assim, não se apresenta necessário para a caracterização do delito que tenha o agente obtido a sua inclusão no corpo eleitoral, sendo suficiente tenha declarado dados fraudulentos de relevância para a efetivação do alistamento ou que tenha instruído o pedido de inscrição com documentos material ou intelectualmente falsos.

(GOMES, Suzana de Camargo. Crimes eleitorais. 2. ed. Re. Atual. Ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006. ps.101-109)

 

O crime é formal ou de mera conduta, pois não se exige que o alistamento se efetive. Basta o comportamento ardiloso ou fraudulento do agente ao preencher o formulário próprio e exigido e concluir o procedimento exigido para a inscrição, posto que inscrever-se é justamente isto.

(STOCO, Rui. STOCO, Leandro de Oliveira. Legislação eleitoral interpretada: doutrina e jurisprudência. 3. ed. ver., atual e ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2010. p. 762)

 

No mesmo sentido, decidiu o Ministro Henrique Neves, no Recurso Especial Eleitoral 193-12/RN, DJe de 18/8/2015, no qual consignou:

 

Porém, a conduta típica prevista no art. 289 do Código Eleitoral consuma-se no momento em que o eleitor requer, de modo fraudulento, a inscrição ou a transferência do seu domicílio eleitoral, sendo dispensável, para a consumação do crime, o exercício efetivo do sufrágio nas eleições subsequentes. Vale ressaltar que, na linha da jurisprudência desta Corte Superior, o referido delito admite a modalidade tentada, sempre que o resultado - formalização do requerimento de inscrição - não ocorrer por circunstâncias alheias à vontade do agente (...) Cuida-se, pois, de raciocínio análogo à compreensão desta Corte Superior quanto ao crime de corrupção eleitoral, que se consuma no momento em que é feita promessa ou oferta de vantagem em troca de voto, independente de eleitor destinatário aceitá-la ou de a benesse ser efetivamente entregue. Precedentes: AgR-AI 20903, Rel. Min. Gilmar Mendes, DJe de 5/3/2015; REspe 1226697, Rel. Min. Henrique Neves, DJe de 30/9/2014.

 

Superada essa questão, no caso concreto, não tenho dúvida da tipicidade do fato, mesmo que o réu não tenha firmado o Requerimento, na medida em que, em que pese à ausência de assinatura, o procedimento teve trâmite, com diligências efetuadas pelo Cartório Eleitoral, por determinação do Juiz, tendentes a verificar a idoneidade das declarações prestadas pelo acusado, relativas ao seu domicílio. Portanto, o Requerimento era eficaz e poderia ter atingido a sua finalidade (alistamento eleitoral).

Outrossim, não há dúvida da autoria, que, aliás, não é negada pela defesa.

Ora, é inequívoco que o réu compareceu ao cartório eleitoral e requereu a inscrição eleitoral, apresentando documentos, tendo, ainda, retornado ao cartório com uma solicitação de alteração de titularidade da Unidade Consumidora, da Companha Estadual de Energia Elétrica, documento emitido na mesma data do seu Requerimento de Alistamento Eleitoral (RAE).

No ponto, cabe salientar o depoimento do Chefe de Cartório de Capão de Canoa, Guilherme Baroni Becker (ID 44866864, p. 02):

Recorda que o acusado compareceu ao cartório eleitoral, acompanhado de um casal, para fazer a inscrição do primeiro título de eleitor. Como não tinha comprovante de residência, não soube precisar onde morava, foi informado que não poderia ser feito o título, tendo o denunciado saído com o referido casal, retornando mais tarde com uma conta de luz que havia sido transferida para o nome dele no mesmo dia. Diante do fato, houve a negativa de entrega do título e colocado o pedido em diligência para análise do Juízo Eleitoral da época, Dr. Leandro da Rosa Ferreira, havendo determinação do Magistrado de endereçar carta registrada para o eleitor, para comparecimento em cartório, para o endereço informado pelo acusado. O correio não conseguiu entregar a correspondência, havendo ainda diligência complementar pelo servidor, ora depoente. Foi até o local, endereço informado pelo acusado na conta de luz. Chegando ao local localizou um galpão de madeira, aparentemente habitado, do que certificou. O Juiz eleitoral na época, diante da diligência, indeferiu o pedido de inscrição eleitoral. Foi informado ao Ministério Público acerca da situação. Pelo Ministério Público: Disse que ninguém conhecia o Dionatan na região próxima ao local que seria sua residência. No mercado próximo, ninguém conhecia também o acusado. Recorda que o acusado praticamente não se manifestou no cartório eleitoral, sendo que o casal que estava acompanhando era quem falava pelo acusado. Durante as diligências receberam ligações no cartório perguntando sobre a inscrição do título de Dionatan, acreditando o depoente que seria o casal que efetuava as ligações.

 

Aliás, poder-se-ia cogitar, inclusive, na prática do crime previsto no art. 290 do CE (induzir alguém a se inscrever eleitor com infração de qualquer dispositivo deste Código) por parte do casal que acompanhava o acusado, tendo em vista o depoimento do Chefe de Cartório, que mencionou que o acusado praticamente não se manifestou no cartório eleitoral, sendo que o casal que estava acompanhando era quem falava pelo acusado. Durante as diligências receberam ligações no cartório perguntando sobre a inscrição do título de Dionatan, acreditando o depoente que seria o casal que efetuava as ligações.

A fraude, da mesma forma, está demonstrada pelo contexto da prova, bem analisado pelo em. Relator.

Cabe salientar, tão-somente, que no documento 44866841, fl. 22-5, consta que o acusado fora recolhido à Penitenciária Modulada de Osório (preso em flagrante em virtude de tráfico de drogas) no dia 06-07-2019, em data posterior às diligências efetuadas pelo Cartório Eleitoral (10-06-20190). Assim, a prisão – posterior - não pode servir de justificativa para o fato de o réu não ter sido encontrado no domicílio por ele declarado à Justiça Eleitoral.

Ante o exposto, renovada a vênia aos votos divergentes, acompanho o em. Relator.