RecCrimEleit - 0000052-76.2019.6.21.0150 - Divirjo do(a) relator(a) - Sessão: 16/05/2023 às 14:00

VOTO DIVERGENTE

des. eleitoral caetano cuervo lo pumo

Trata-se de recurso interposto pelo MINISTÉRIO PÚBLICO ELEITORAL contra a sentença do Juízo da 150ª Zona Eleitoral que, com fundamento no art. 17 do CP (crime impossível) c/c o art. 386, inc. III, do CPP, “não constituir o fato infração penal”, julgou improcedente a denúncia oferecida contra DIONATAN CARLOS DE OLIVEIRA DA SILVA, pela prática do crime tipificado no art. 289 do Código Eleitoral, envolvendo suposta inscrição fraudulenta de eleitor.

O eminente Relator, Des. Federal Luís Alberto D'Azevedo Aurvalle assentou que o crime de inscrição fraudulenta trata-se de delito formal, que se consuma quando a pessoa que pretenda se inscrever como eleitora insere dados falsos no RAE, firmando-o, e que tal teria ocorrido no caso vertente, porquanto DIONATAN CARLOS DE OLIVEIRA DA SILVA teria agido intencionalmente no sentido de fraudar dado relevante à sua qualificação pessoal – nomeadamente, seu domicílio – a fim de assegurar condição que lhe habilitasse ao alistamento eleitoral em Capão da Canoa

Entretanto, após revisar meticulosamente os autos, rogando respeitosas vênias ao ilustre Relator, formei a convicção de que não restou comprovada a materialidade do crime.

Passo ao voto.

Assim dispõe o art. 289 do Código Eleitoral:

Art. 289. Inscrever-se fraudulentamente eleitor:

Pena – reclusão até 5 anos e pagamento de 5 a 15 dias-multa.

 

Na espécie, DIONATAN CARLOS DE OLIVEIRA DA SILVA, no dia 28.5.2019, contando 20 anos de idade, compareceu ao Cartório Eleitoral da 150ª Zona, visando a se alistar.

Para tanto, apresentou carteira de trabalho e documento emitido pela empresa de distribuição de energia elétrica (CEEE), do qual se lê (ID 44866837, fl. 3):

Ao Senhor(a)

DIONATAN CARLOS DE OLIVEIRA DA SILVA

Rua Das Sempre-Vivas, 3749, PRAIA CAPAO NOVO, CAPAO DA CANOA, RIO GRANDE DO SUL.

Prezado(a) Cliente

Em resposta a sua solicitação, registrada em 28/05/2019, sob protocolo nº 201941560832444, na Unidade Consumidora 1004908137, situada no endereço: Rua das Sempre-Vivas, 3749 Ap 00001, informamos que a primeira ligação ocorreu em 19/03/2019. Consta em nossos cadastros sob responsabilidade de DIONATAN CARLOS DE OLIVEIRA DA SILVA a partir de 28/05/2019 até a presente data.

Permanecendo à disposição, subscrevemo-nos.

Atenciosamente,

CEEE Distribuição

 

Foi então preenchido por servidora do Cartório o respectivo Requerimento de Alistamento Eleitoral (RAE), em que foram lançados os dados do requerente, no qual não consta a assinatura da servidora do Cartório e nem a assinatura do próprio alistando (ID 44866837, fl. 2).

Ao final do formulário, foi exarado o seguinte despacho pela autoridade judicial:

Ante a fragilidade do comprovante de residência apresentado por Dionatan Carlos de Oliveira da Silva, em anexo, DETERMINO, a fim de verificar se o requerente efetivamente reside no endereço informado, o envio de carta com aviso de recebimento – AR e mão própria – MP, solicitando o comparecimento do mesmo ao Cartório Eleitoral.

Comparecendo o requerente em virtude do recebimento da carta enviada, proceda-se na sua entrega do título de eleitor ao mesmo, com liberação do RAE para processamento.

Caso infrutífera a diligência, retornem conclusos.

Capão da Canoa, 29 de maio de 2019.

(a) LEANDRO DA ROSA FERREIRA,

Juiz Eleitoral.

 

Remetida carta ao requerente, não foi a mesma entregue ao destinatário, sendo constatado pelo Juízo, em consulta à página dos Correios na internet, que tal ocorreu porque “o carteiro não foi atendido, em duas oportunidades” (ID 44866838, fl. 2).

Na sequência, cumprindo determinação do magistrado, o servidor do Cartório se dirigiu ao endereço e certificou que não havia ninguém no local, onde encontrou um “pequeno galpão de madeira, cercado por telas e com um veículo estacionado no pátio” (ID 44866838, fl. 4), sendo, então, indeferido o requerimento pelo Juiz Eleitoral (ID 44866838, fl. 7, e ID 44866839, fls. 1-2).

Após, encaminhada cópia do expediente ao Ministério Público Eleitoral, houve o oferecimento da denúncia (ID 44866836).

Pois bem.

Destaco que a conduta tipificada como crime é inscrever-se eleitor mediante fraude.

No caso, tenho que não houve concretização do requerimento de inscrição eleitoral e nem tampouco fraude comprovada.

Primeiramente, ressalto que há controvérsia na doutrina e na jurisprudência sobre ser o crime em tela material, quando há necessidade de um resultado, ou formal, quando se prescinde de resultado naturalístico para sua consumação.

Deveras, a Corte Superior já agasalhou essa concepção, porquanto admitiu o cometimento de inscrição fraudulenta na modalidade tentada, prevista no art. 14, inc. II, do Código Penal, pressupondo ser o crime de natureza material. Veja-se:

Ação penal. Denúncia. Recebimento.

1. Na linha da jurisprudência deste Tribunal, a certidão emitida por Oficial de Justiça - atinente à diligência de verificação da veracidade ou não da residência declarada para fins de transferência de domicílio eleitoral - deve, ao menos, ser considerada como indício para efeito de oferecimento de denúncia, sendo que no curso da ação penal, sob as garantias do contraditório, poderão ser produzidas as provas que, afinal, confirmem ou não o indício apontado. Este Tribunal já entendeu haver justa causa para o prosseguimento da persecução criminal nessa hipótese, conforme decidido no RHC nº 196/PB, rel. Min. Sepúlveda Pertence, DJ de 6.5.1993.

2. No que tange ao argumento relativo à atipicidade da conduta, por se considerar que o tipo do art. 289 do Código Eleitoral atingiria apenas a inscrição originária e não contemplaria a hipótese de transferência de domicílio, a jurisprudência desta Corte Superior, há muito, admite a incidência do mencionado tipo penal também nos atos de transferência do alistamento, pois "a inscrição eleitoral é gênero do qual a transferência é espécie" (AG nº 11.301, rel. desig. Min. Carlos Velloso, DJ de 7.10.94), donde “o pedido fraudulento de transferência compreende-se no tipo do art. 289, CE” (RHC nº 200, rel. Min. Torquato Jardim). Nesse sentido também: RESPE nº 15177, rel. Min. Maurício Corrêa, DJ de 22.5.1998.

3. Este Tribunal admite o cometimento de inscrição fraudulenta na modalidade de transferência fraudulenta tentada (RHC nº 27/SP, rel. Min. Eduardo Alckmin, DJ de 19.11.1999), razão pela qual o fato de a transferência não se ter concretizado não configura justa causa para o trancamento da ação penal, cabendo ao julgador, se for o caso, desclassificar o delito no momento próprio. Precedentes: Acórdãos nº 13.224, relator Ministro Torquato Jardim, e nº 24, de 2.9.99, rel. Ministro Edson Vidigal.

4. Em relação à fragilidade probatória decorrente de necessidade de oitiva da denunciada no inquérito policial, já se decidiu que o oferecimento de denúncia não está condicionado à existência de inquérito prévio, razão pela qual não se mostra juridicamente possível condicionar o oferecimento da denúncia à prévia oitiva da ré perante a autoridade policial. Precedentes STJ e STF.

5. A aferição do dolo específico da conduta da ré é questão que deve situar-se no âmbito da instrução probatória, por não comportar segura ou precisa análise na fase processual de recebimento da denúncia, que é de formulação de um simples juízo de delibação.

6. A denúncia só deve ser rejeitada quando a atipicidade é patente e pode ser verificada sem a necessidade de produção de outras provas. Havendo um substrato mínimo de prova, que, no presente caso, se verifica da certidão de Oficial de Justiça, a ação penal deve ser aberta, possibilitando as fases de instrução.

Recurso especial provido a fim de receber a denúncia.

(REspe n. 287477, Acórdão, Relator Min. Henrique Neves da Silva, Publicação: RJTSE - Revista de jurisprudência do TSE, Volume 24, Tomo 3, Data 22.8.2013, p. 410). Grifei.

 

Em acórdão mais recente, o TSE, sem fixar posição, apenas referiu ambas teorias, decidindo que, independentemente da adoção de uma ou outra ao caso que se examinava, o delito não teria se aperfeiçoado:

ELEIÇÕES 2008. AGRAVO REGIMENTAL. AGRAVO. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO PENAL. CRIME DE INSCRIÇÃO ELEITORAL FRAUDULENTA. CONFIGURAÇÃO. TRANSFERÊNCIA ELEITORAL. COMPROVANTE DE DOMICÍLIO DE TERCEIRO. EFETIVA RESIDÊNCIA NA CIRCUNSCRIÇÃO. CONDUTA ATÍPICA. DESPROVIMENTO.

1. O bem jurídico protegido pelo crime previsto no art. 289 do CE é a higidez do cadastro eleitoral, que será violada na transferência fraudulenta de eleitores, sem qualquer vínculo com o município para o qual se requer a mudança.

2. O TRE/RJ, soberano na delimitação do arcabouço fático-probatório da controvérsia, assentou que o eleitor, de fato, residia no Município de Saquarema, somente apresentando atestado de domicílio de terceiro.

3.  Acaso fosse adotada a teoria do crime material, não haveria falar em consumação do delito, uma vez que não houve o efetivo deferimento da transferência do título eleitoral. Da mesma forma, se fosse adotada a ótica da corrente formalista, também não se poderia falar em finalização do tipo penal, já que o réu efetivamente tinha domicílio eleitoral no município para o qual pretendeu a transferência do título de eleitor.

4. A tutela penal, como ultima ratio do sistema jurídico, deve ser acionada para condutas que busquem fraudar o núcleo essencial das normas que estruturam o direito eleitoral.

5. Agravo regimental ao qual se nega provimento.

(Agravo de Instrumento n. 1392, Acórdão, Relatora Min. Luciana Lóssio, Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, Tomo 40, Data 24.2.2017, pp. 59-60) Grifei.

 

A doutrina que exige a ocorrência efetiva do resultado inscrição eleitoral, sem o qual não se poderia cogitar na consumação do crime fundamenta-se na expressão contida no núcleo do tipo do art. 289 do CE, consistente em “inscrever-se o eleitor fraudulentamente” e não “apresentar documentos” ou “requerer inscrição”.

Com tal concepção, colaciono a abalizada doutrina de José Jairo Gomes:

A consumação do delito se dá com a efetivação do alistamento do agente. Esse resultado “exterior” à conduta do agente revela que a fraude empregada foi apta a ludibriar os servidores da Justiça Eleitoral encarregados do serviço de alistamento. Daí não ser necessário para a consumação que o título eleitoral tenha sido efetivamente expedido, pois isso já significa exaurimento do delito.

É possível, portanto, a tentativa, que ocorre se o agente realizar todo o iter criminis e, apesar disso, a transferência não se concretizar por circunstâncias alheias à sua vontade. Assim, pois, “mesmo que transferência não tenha sido levada efeito, teor do Código Penal, Art. 14, II, tentativa também passível de punição” (TSE – RHC nº 24/SP – DJ 24-9-1999, p. 106).

Não obstante, cumpre registrar o entendimento segundo o qual o crime em apreço possui natureza formal, consumando-se com o mero “comparecimento do eleitor à Justiça Eleitoral para requerer o respectivo alistamento” (TSE – RHC nº 060057294/PE – DJe, t. 239, 4-12-2018) ou “com o simples requerimento de transferência” (TRE/MG – RC nº 14228 – DJEMG, t. 126, 11-7-2019; TRE/MG – RC nº 2015 – DJEMG, t. 39, 5-3-2019; TRE/SP – RC nº 12.555 – DJESP 19-9-2013). À luz dessa corrente, não é possível o conatus. Resulta evidente, porém, o equívoco dessa interpretação. É que o núcleo do tipo de injusto em exame é “inscrever”, e não comparecer à Justiça Eleitoral para inscrever-se. O “comparecimento” do eleitor ao Cartório Eleitoral ou a apresentação de “simples requerimento” são etapas da realização do delito insuficientes para a consumação, podendo, porém, configurar a tentativa.

(GOMES, José Jairo. Direito Eleitoral. 18. ed. Atlas: 2022. E-book. Grifei)

 

Na hipótese em tela, contudo, entendo que não é possível a punição do denunciado sequer a título de tentativa, uma vez que o requerimento de inscrição eleitoral apresentado não tem aptidão para a produção de efeitos jurídicos mínimos ante a ausência de assinatura da atendente e do requerente.

Registra-se que o fato ocorreu em 28.05.2019, ou seja, antes da crise sanitária decorrente da pandemia de Covid-19, contexto que poderia justificar a dispensa das assinaturas, mas que assolou o Brasil somente a partir de fevereiro de 2020.

Assim, não há esclarecimentos sobre os motivos pelos quais as assinaturas não foram colhidas, sendo certo que o requerente possuía condições de subscrever o formulário, pois consta a sua condição de alfabetizado no formulário e a CTPS que instruiu o pedido está por ele assinada (ID 44866837, fls. 4).

Trata-se, enfim, de omissão que, por si só, seria suficiente para inviabilizar o acolhimento do pedido de alistamento, tornando o requerimento oferecido absolutamente inadequado para afetar a higidez do cadastro eleitoral.

Cabe ressaltar que o documento comprobatório do vínculo com o Município não retrata uma conta de luz de terceiro ou ajuste particular de aluguel ou cessão de imóvel, tais como habitualmente se vislumbra no crime em questão.

No caso em exame, a instrução do requerimento de alistamento é feita com um pedido de transferência de titularidade de conta de energia elétrica para o próprio requerente, ou seja, houve verdadeira assunção da responsabilidade financeiro de determinada unidade consumidora de energia, não havendo discussão sobre a autenticidade desse documento.

O TSE já decidiu que “o conceito de domicílio no Direito Eleitoral é mais elástico do que no Direito Civil e satisfaz-se com a demonstração de vínculo político, social ou afetivo” (TSE - AgR-AI: 7286 PB, Relatora: Min. FÁTIMA NANCY ANDRIGHI, Data de Julgamento: 05/02/2013, Data de Publicação: DJE de 14/03/2013). Assim, a simples responsabilidade financeira com o serviço de energia elétrica caracterizaria o vínculo com o Munícipio para fins de alistamento eleitoral, independentemente do lugar onde o eleitor fixou a sua residência com ânimo definitivo.

Igualmente, não há comprovação de que aquela titularidade de conta de energia elétrica restou, logo em seguida, cancelada ou modificada, ou, de qualquer modo, não persistiu por tempo minimamente razoável.

O que está em questão, na verdade, é a presunção de que tal mudança de titularidade teria sido oportunística, realizada exclusivamente a fim de possibilitar o alistamento, e que o denunciado teria informado à Justiça Eleitoral, mediante ardil, um vínculo para fins eleitorais que não existiria de fato.

Ocorre que é justamente essa supostamente declaração à Justiça Eleitoral que padece do indispensável aperfeiçoamento, tendo em vista que não foi assinada nem pela servidora que a teria presenciado e nem pelo próprio denunciado.

Ora, vê-se que inexiste requerimento de alistamento válido, o que seguramente se revela imprescindível para a configuração da infração penal.

Note-se que, ao tempo dos fatos, vigia a Resolução TSE n. 21.538/03, que regulamentava, dentre outras matérias, o alistamento e serviços eleitorais mediante processamento eletrônico de dados.

Aquele diploma normativo regulava o procedimento de inscrição perante esta Justiça, merecendo destaque os arts. 9º, 10 e 11, cuja redação reproduzo parcialmente a seguir:

Art. 9º No cartório eleitoral ou no posto de alistamento, o atendente da Justiça Eleitoral preencherá o RAE ou digitará as informações no sistema de acordo com os dados constantes do documento apresentado pelo eleitor, complementados com suas informações pessoais, de conformidade com as exigências do processamento de dados, destas instruções e das orientações específicas.

§ 1º O RAE deverá ser preenchido ou digitado e impresso na presença do requerente.

[...].

§ 4º A assinatura do requerimento ou a aposição da impressão digital do polegar será feita na presença do atendente da Justiça Eleitoral, que deverá atestar, de imediato, a satisfação dessa exigência.

 

[...].

 

Art. 10. Antes de submeter o pedido a despacho do juiz eleitoral, o atendente providenciará o preenchimento ou a digitação no sistema dos espaços que lhe são reservados no RAE.

Parágrafo único. Para efeito de preenchimento do requerimento ou de digitação no sistema, será mantida em cada zona eleitoral relação de atendentes, identificados pelo número do título eleitoral, habilitados a praticar os atos reservados ao cartório.

 

Art. 11. Atribuído número de inscrição, o atendente, após assinar o formulário, destacará o protocolo de solicitação, numerado de idêntica forma, e o entregará ao requerente, caso a emissão do título não seja imediata.

 

No caso sub examine, foram colhidos os dados do requerente, mas não sua assinatura no RAE, condição sine qua non para que pudesse ser validamente submetido ao Juiz Eleitoral, na forma dos arts. 9º, § 4º, e 10, supramencionados.

Aliás, também não foi firmado o formulário pela atendente do Cartório, nem tampouco pelo Juiz Eleitoral. De fato, aparentemente nem sequer foi gerado o protocolo da solicitação, que deveria ter sido entregue ao requerente.

Nesse panorama, o RAE pelo qual teria sido solicitada a inscrição era meio absolutamente ineficaz para a consumação da alegada prática delituosa, revelando-se, portanto, impunível a tentativa, nos termos do art. 17 do Código Penal.

O RAE, por não conter firma do requerente, há de ser considerado inexistente, não podendo ser chamado de documento, o que redunda na atipicidade da conduta.

Cito, a respeito, jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, do TSE e do STJ, que considera que a ausência de assinatura em documento juridicamente relevante caracteriza o ato como inexistente:

DIREITO PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. PETIÇÃO INICIAL SEM ASSINATURA. DECISÃO MONOCRÁTICA DO RELATOR. SUPERAÇÃO DAS ALEGAÇÕES. LIBERDADE PROVISÓRIA NO CRIME DE TRÁFICO DE ENTORPECENTES. IMPOSSIBILIDADE. NÃO CONHECIMENTO.

1. Há obstáculos intransponíveis ao conhecimento do habeas corpus: a) a ausência de assinatura da impetrante na petição inicial deste writ, a caracterizar ato inexistente; b) a orientação contida na Súmula n° 691, do STF, eis que se trata de impetração de habeas corpus contra decisão monocrática que indeferiu pedido de liminar requerida em outro writ anteriormente aforado perante o STJ.

2. Ainda que se admita a impetração do habeas corpus pelo próprio paciente e por pessoa que não possua capacidade postulatória em juízo, no caso concreto não se observa a assinatura da impetrante na petição inicial, a caracterizar ato inexistente e, por isso, insuscetível de propiciar qualquer apreciação acerca do mérito.

3. Houve mera decisão monocrática do relator do STJ no sentido do indeferimento do pedido de liminar, incidindo o óbice representado pela orientação acolhida na Súmula 691, desta Corte.

4. Esta Corte tem adotado orientação segundo a qual há proibição legal para a concessão da liberdade provisória em favor dos sujeitos ativos do crime de tráfico ilícito de drogas (art. 44, da Lei n 11.343/06), o que, por si só, é fundamento para o indeferimento do requerimento de liberdade provisória.

5. HC não conhecido.

(STF, HC 90937, Segunda Turma, Relatora Min. Ellen Gracie, julgado em 02.9.2008). Grifei.

 

Embargos de declaração no agravo regimental. Acolhimento com efeitos modificativos. Ocorrência de erro material. Falta de identidade entre o acórdão embargado e a matéria de fundo tratada neste feito. Petição de agravo de instrumento. Ausência de assinatura da procuradora. Recurso inexistente. Precedentes.

1. Ocorrência de erro material ante a evidente falta de identidade entre o que foi decidido no acórdão embargado e a matéria de fundo tratada nos presentes autos.

2. A jurisprudência deste Supremo Tribunal Federal firmou entendimento no sentido de considerar inexistente o recurso sem a assinatura do advogado.

3. Embargos de declaração acolhidos, com efeitos modificativos, para não conhecer do agravo de instrumento.

(STF, AI 573.009 AGR-ED/MS, Primeira Turma, Relator Dias Toffoli, julgado em 21.8.2012). Grifei.

 

REGISTRO DE CANDIDATURA.

TEM-SE POR INEXISTENTE REQUERIMENTO NÃO ASSINADO.

(TSE, Recurso Especial Eleitoral n. 14683, Relator Min. Eduardo Ribeiro, Publicação: PSESS - Publicado em Sessão, Data 14.11.1996)

 

Ação penal (trancamento). Justa causa (ausência). Falsidade ideológica (atipicidade).

1. É possível a concessão de habeas corpus para a extinção de ação penal sempre que se constatar ou imputação de fato atípico, ou inexistência de qualquer elemento que demonstre a autoria do delito, ou extinção da punibilidade.

2. Na espécie, não há justa causa para a ação penal com base no art. 299 do Cód. Penal. A denúncia fundada na divulgação de comunicados em folhas de papel sem assinatura não é suficiente para caracterizar o crime de falsidade ideológica.

3. Ensina Fragoso, em suas "Lições", que "documento é todo escrito devido a um autor determinado, contendo exposição de fatos ou declaração de vontade, dotado de significação ou relevância jurídica". Assim, escrito anônimo não é documento, porque constitui a mais clara manifestação da vontade de não documentar.

4. Ora, a fé pública não há de sofrer perigo quando falta ao documento requisito necessário à configuração do próprio falso; o fato, evidentemente, não constitui crime.

5. Habeas corpus concedido.

(STJ, HC n. 67.519/MG, relator Ministro Nilson Naves, Sexta Turma, julgado em 1º.10.2009, DJe de 08.02.2010), Grifei.

 

ADMINISTRATIVO - LICITAÇÃO - PROPOSTA FINANCEIRA - AUSÊNCIA DE ASSINATURA - INVALIDADE.

A proposta financeira é o documento mais importante da licitação, por representar o compromisso em realizar os pagamentos. Estando ela sem assinatura, não possui valor probante, sendo inexistente.

Segurança denegada.

(STJ, MS n. 6.105/DF, Relator Ministro Garcia Vieira, Primeira Seção, julgado em 25.8.1999, DJ de 18.10.1999, p. 197). Grifei.

 

ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. AGRAVO DE INSTRUMENTO INTERPOSTO NA ORIGEM. AUSÊNCIA DE PEÇA OBRIGATÓRIA. NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL. INEXISTÊNCIA. CÓPIA DA DECISÃO AGRAVADA SEM ASSINATURA DO JUIZ PROLATOR. DEFICIÊNCIA DE FORMAÇÃO. PRECEDENTES DO STJ. AGRAVO INTERNO IMPROVIDO.

(...)

IV. O acórdão recorrido foi proferido em consonância com a jurisprudência desta Corte, segundo a qual o Agravo de Instrumento, previsto no art. 525 do CPC/73, pressupõe a juntada das peças obrigatórias, previstas no inciso I do mencionado dispositivo legal, de modo que a ausência de tais peças obsta o conhecimento do Agravo.

No caso, constou, do aresto recorrido, que a decisão agravada encontra-se apócrifa, fato que equivale à ausência de documento de juntada obrigatória, não se admitindo a juntada tardia de peças obrigatórias, nem a conversão do julgamento em diligência ou a abertura de prazo, para sanar a irregularidade. Nesse sentido: STJ, AgRg no AREsp 805.454/RS, Rel. Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, TERCEIRA TURMA, DJe de 03/02/2016; AgRg no AREsp 572.877/RJ, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, DJe de 01/07/2015; AgRg no AREsp 369.557/SC, Rel. Ministro JOÃO OTÁVIO DE NORONHA, TERCEIRA TURMA, DJe de 07/04/2014; AgRg no AREsp 370.063/SC, Rel. Ministro SIDNEI BENETI, TERCEIRA TURMA, DJe de 18/11/2013; AgRg no AREsp 48.612/RS, Rel. Ministro HUMBERTO MARTINS, SEGUNDA TURMA, DJe de 19/10/2012.

V. Agravo interno improvido.

(STJ, AgInt no REsp n. 1.583.443/SC, Relatora Ministra Assusete Magalhães, Segunda Turma, julgado em 16.02.2017, DJe de 08.3.2017). Grifei.

 

Nessa toada, o RAE sem a assinatura ou a aposição de digital do requerente é meio absolutamente incapaz de ensejar o alistamento eleitoral, sendo, portanto, inidôneo para oferecer risco ao bem jurídico tutelado pelo tipo penal previsto no art. 289 do CE.

Em verdade, a circunstância afasta a tipicidade da conduta, pois não há se falar em ato de inscrição eleitoral sem a existência de requerimento válido.

Cabe trazer à colação, por peculiaridades transponíveis ao caso em análise, aresto do TSE que, em sede de habeas corpus, concedeu a ordem, para trancar ação pela prática do crime de falsidade ideológica eleitoral (art. 350 do CE), ao entendimento de ser atípica a conduta de apresentar à Justiça Eleitoral declarações não assinadas, destoantes de outra assinada, única a ser considerada:

Habeas corpus. Trancamento de ação penal. Declaração de bens apócrifa apresentada à Justiça Eleitoral. Atipicidade de conduta.

- Reconhecida a atipicidade da conduta praticada pelo paciente, impõe-se a concessão da ordem para trancamento da ação penal.

Ordem concedida.

(Habeas Corpus n. 569, Acórdão, Relator Min. Caputo Bastos, Relator designado Min. Marcelo Ribeiro, Publicação: DJ - Diário de justiça, Volume 1, Data 14.8.2007, p. 185). Grifei.

 

Na mesma linha, este Tribunal Regional, em julgamento de caso bastante similar, assentou que a ausência de RAE assinado pelo acusado impede a comprovação da prática do crime previsto no art. 289 do Código Eleitoral:

RECURSO CRIMINAL. IMPROCEDÊNCIA DA DENÚNCIA. ART. 289 DO CÓDIGO ELEITORAL. INSCRIÇÃO ELEITORAL FRAUDULENTA. NÃO COMPROVADA. AUSÊNCIA DE MATERIALIDADE DELITIVA. DESPROVIMENTO. Alegada inscrição eleitoral fraudulenta, mediante apresentação de declaração de residência ideologicamente falsa. Ausência, nos autos, do Requerimento de Alistamento Eleitoral assinado pelo eleitor, restando prejudicada a materialidade delitiva e impossibilitada a aferição da consumação do crime. Provimento negado.

(TRE-RS - RC: 7926 OSÓRIO - RS, Relator: DRA. DEBORAH COLETTO ASSUMPÇÃO DE MORAES, Data de Julgamento: 18/10/2017, Data de Publicação: DEJERS - Diário de Justiça Eletrônico do TRE-RS, Tomo 189, Data 20/10/2017, Página 10) Grifei.

 

Portanto, a ausência de RAE assinado constitui óbice à configuração do delito de inscrição fraudulenta, impondo-se a absolvição do acusado, nos termos do art. 386, inc. III, do CPP, devendo ser mantida a bem-lançada sentença absolutória.

Não fosse isso, inexistir alistamento eleitoral, também não restou comprovada a existência de fraude, que é o outro elemento necessário à caracterização da infração penal.

As diligências adotadas no âmbito do Juízo zonal e do Ministério Público Eleitoral não lograram evidenciar que o documento apresentado pelo acusado, para comprovar endereço, continha vício, sendo tais transferências de titularidade bastante comuns em relações locatícias, ainda que de curta duração.

Ora, a CEEE declarou que constava em seu cadastro, desde a data de sua emissão do documento, que o acusado era o responsável pela unidade consumidora situada no endereço que consta no RAE, mas nenhuma prova houve no sentido de infirmar essa declaração, de atacá-la, por ser documentalmente ou ideologicamente falsa.

O fato de o galpão que se constitui na Unidade Consumidora 1004908137 perante a empresa de energia elétrica eventualmente ser inabitado não conduz à conclusão de inocorrência de vínculo de DIONATAN com o município de Capão de Canoa.

Pelo que se observa dos autos, não houve qualquer medida tomada para averiguar junto à CEEE se houve, ao longo do tempo, mudança do responsável pela unidade consumidora, nem tampouco para descobrir a identidade do proprietário do imóvel e inquiri-lo para saber se o bem foi locado – em caso de se tratar de pessoa diversa do acusado –, assim como buscar saber a quem pertence o veículo lá estacionado. Ou seja, nenhuma providência voltada para elucidar as circunstâncias foi empreendida, salvo a de, em vão, encontrar o acusado.

Segundo o disposto no art. 48, § 1º, da Resolução TSE n. 23.538/03, surgindo indícios de ilícito penal, deve ser o processo encaminhado a polícia, para instauração de inquérito policial:

DA HIPÓTESE DE ILÍCITO PENAL

Art. 48. Decidida a duplicidade ou pluralidade e tomadas as providências de praxe, se duas ou mais inscrições em cada grupo forem atribuídas a um mesmo eleitor, excetuados os casos de evidente falha dos serviços eleitorais, os autos deverão ser remetidos ao Ministério Público Eleitoral.

§ 1º Manifestando-se o Ministério Público pela existência de indício de ilícito penal eleitoral a ser apurado, o processo deverá ser remetido, pela autoridade judiciária competente, à Polícia Federal para instauração de inquérito policial.

 

Não se está a dizer que é imprescindível a instauração desse procedimento investigatório, mas na hipótese dos autos, em que inclusive correu o processo à revelia do réu, essa providência era essencial, já que não há quaisquer provas que indiquem que o houve fraude no alistamento, mormente considerando-se que, como cediço, o domicílio eleitoral é mais amplo do que o relativo ao domicílio civil, admitindo-se sua demonstração por meio de vínculos de natureza familiar, afetiva, econômica, política, social ou profissional entre o eleitor e o município.

Ademais, insta consignar que o réu contava com vinte anos de idade, já passada a idade máxima para realizar o alistamento, de modo que a obtenção da cidadania, que se constitui como um dos pilares de nosso Estado Democrático de Direito, deve ser prestigiada, sobretudo pela Justiça Eleitoral, até mesmo em detrimento de regulamentos que imponham formalidades que, em determinados casos, podem opor dificuldades à pessoa.

Veja-se que o atual estatuto que disciplina o alistamento eleitoral, Resolução TSE n. 23.659/21, em seu art. 42, ao detalhar os campos do formulário RAE, dispõe em seu § 3º que se exigirá comprovação documental do vínculo informado para a finalidade de fixação de domicílio eleitoral, ressalvadas situações como de pessoa em situação de rua, sem moradia fixa e pertencimento a comunidades indígenas ou quilombolas, litteris:

Art. 42. Os campos do formulário RAE serão detalhados em ato da Corregedoria-Geral Eleitoral e serão orientados à concretização do princípio da dignidade da pessoa humana, do direito à autodeclaração e das finalidades de adequada identificação da pessoa eleitora e de coleta de informações necessárias para o aperfeiçoamento e a especialização dos serviços eleitorais, devendo ser previstos, necessariamente:

(...).

X - domicílio eleitoral, para identificação de município ou do Distrito Federal como localidade onde a pessoa, comprovado um dos vínculos a que se refere o art. 23 desta Resolução, exercerá o direito ao voto;

XI - endereço de residência ou de contato, que não necessariamente corresponderá ao do domicílio eleitoral, podendo o preenchimento do campo ser dispensado em caso de informação de tratar-se de pessoa em situação de rua ou sem moradia fixa;

(...).

§ 3º Será exigida comprovação documental do vínculo informado para a finalidade de fixação do domicílio eleitoral, ressalvadas as situações de:

a) pertencimento a comunidades indígenas ou quilombolas;

b) pessoa em situação de rua; ou

c) indicação do domicílio dentre endereços previamente cadastrados em decorrência de cruzamento de dados realizado nos termos do caput e do § 2º do art. 9º desta Resolução.

 

Não se pode ignorar que a ausência de definição sobre a profissão do requerente e o fato de ter sido, recentemente, preso em Município próximo ao local dos fatos, por suposta incursão em outro crime, dentre outros elementos, tal como a condição de revel, autorizam a pressupor uma situação de vulnerabilidade social que poderia tornar extremamente difícil a comprovação de domicílio eleitoral permanente e estável, aumentando ainda mais o quadro de marginalização de quem sequer alcançou o alistamento inicial.

Dessa maneira, embora as providências adotadas pelo Cartório e pelo Juiz Eleitoral sejam adequadas e justifiquem o indeferimento do pedido na seara administrativa, tenho que inexiste prova suficiente da existência de fraude a embasar um decreto condenatório na instância criminal, na qual a comprovação de todos os elementos do tipo deve ocorrer para além de qualquer dúvida razoável.

 

ANTE O EXPOSTO, respeitosamente, divirjo do eminente Relator para VOTAR pelo desprovimento do recurso.