RecCrimEleit - 0000052-76.2019.6.21.0150 - Voto Relator(a) - Sessão: 16/05/2023 às 14:00

VOTO

O recurso é adequado, tempestivo e comporta conhecimento.

O tema em apreço versa sobre alistamento eleitoral, matéria regulamentada pelos arts. 11 e 23 da Resolução TSE n.  23.659/21, que assim dispõem:

Art. 11. Os direitos políticos são adquiridos mediante o alistamento eleitoral, que é assegurado:

I - a todas as pessoas brasileiras que tenham atingido a idade mínima constitucionalmente prevista, salvo os que, pertencendo à classe dos conscritos, estejam no período de serviço militar obrigatório e dele não tenham se desincumbido; e

II - às pessoas portuguesas que tenham adquirido o gozo dos direitos políticos no Brasil, observada a legislação específica.

§ 1º A suspensão dos direitos políticos não obsta a realização das operações do Cadastro Eleitoral, inclusive o alistamento, logo após o qual deverá ser registrado o código ASE que indique o impedimento ao exercício daqueles direitos.

§ 2º A perda dos direitos políticos, decorrente da perda da nacionalidade brasileira, impede o alistamento eleitoral e as demais operações do Cadastro Eleitoral, acarretando, se for o caso, o cancelamento da inscrição já existente.

§ 3º A aquisição do gozo de direitos políticos por pessoa brasileira em Portugal não acarreta a suspensão de direitos políticos ou o cancelamento da inscrição eleitoral e não impede o alistamento eleitoral ou as demais operações do Cadastro Eleitoral.

§ 4º Será cancelada a inscrição eleitoral quando declarado extinto o gozo dos direitos políticos por pessoa portuguesa no Brasil.

§ 5º Os militares que não pertençam à classe dos conscritos são alistáveis, nos termos da Constituição.

[...]

Art. 23. Para fins de fixação do domicílio eleitoral no alistamento e na transferência, deverá ser comprovada a existência de vínculo residencial, afetivo, familiar, profissional, comunitário ou de outra natureza que justifique a escolha do município.

 

O conceito de domicílio eleitoral afigura-se mais elástico que o de domicílio civil, admitindo-se a simples demonstração de vínculos de natureza afetiva, econômica, política, social ou comunitária entre o eleitor e o município.

Nesse trilhar, destaco o seguinte julgado:

RECURSO. ALISTAMENTO ELEITORAL. IMPUGNAÇÃO. IMPROCEDÊNCIA. AFASTADA A PRELIMINAR. NULIDADE DA SENTENÇA. MÉRITO. AUSENTE PROVA DE DOMICÍLIO ELEITORAL DE FORMA CLARA E SEGURA. REALIZAÇÃO DE DILIGÊNCIAS. NÃO DEMONSTRADO O VÍNCULO COM O MUNICÍPIO. INDEFERIDO PEDIDO DE ALISTAMENTO. PROVIMENTO.

1. Insurgência contra decisão que julgou improcedente a impugnação ao pedido de operação cadastral.

2. Preliminar afastada. Nulidade da sentença por não ter sido acolhido o pedido de produção de prova oral. As provas dos autos são destinadas ao magistrado, o qual pode indeferir os pedidos que entender desnecessários para o deslinde do feito ou, mesmo, protelatórios à solução do caso, conforme preceitua o art. 370, parágrafo único, do Código de Processo Civil. Não está caracterizado o cerceamento do direito de defesa quando a produção da prova oral pretendida é indeferida em razão da sua desnecessidade diante da prova documental suficiente para o deslinde do caso.

3. Embora as razões recursais tratem de transferência de município, na verdade o recorrido postulou um requerimento de alistamento eleitoral para o qual, igualmente, se exige a comprovação de vínculo com o domicílio eleitoral pretendido, nos termos do art. 65 da Resolução TSE n. 21.538/03. As normas eleitorais aplicáveis à espécie, a doutrina e a jurisprudência assentam que o conceito de domicílio eleitoral é mais amplo do que o relativo ao domicílio civil, admitindo-se sua demonstração por meio de vínculos de natureza familiar, afetiva, econômica, política, social ou profissional entre o eleitor e o município.

4. A despeito da elasticidade do conceito e do amplo espectro probatório admitido pela jurisprudência, a Justiça Eleitoral deve estar atenta para a indevida transferência em massa de eleitores com fins meramente eleitoreiros, altamente prejudicial ao processo eleitoral, principalmente em se tratando de eleições municipais em pequenas localidades, sob pena de deturpação do exercício da cidadania e de esvaziamento da legitimidade do voto.

5. Diante da fragilidade e dubiedade da prova, foi realizada diligência, na forma do art. 938, § 3º, do CPC, determinando a expedição de ofício à Agência dos Correios do município para informar sobre a abrangência da entrega domiciliar de correspondência, bem como a realização de verificação in loco, por servidor da Justiça Eleitoral ou oficial de justiça, no endereço declarado. Atendidas as providências, restou confirmado que o eleitor não recebeu a citação por meio de entrega domiciliar, mas que compareceu na unidade dos Correios para a retirada da correspondência. Ainda, certificado pelo oficial de justiça que o eleitor não foi encontrado no endereço declarado.

6. Insuficiência dos documentos anexados ao pedido de alistamento eleitoral. Ausente a comprovação, de forma clara e indubitável, do vínculo com o município, resta indeferido o pedido de alistamento eleitoral.

7. Provimento.

(TRE/RS - RE - Recurso Eleitoral n 060002403.2020.621.0028 - Caseiros/RS ACÓRDÃO de 09.11.2021 - Relator DES. ELEITORAL SILVIO RONALDO SANTOS DE MORAES- Publicação: PJE - Processo Judicial Eletrônico-PJE.) (Grifei.)

 

No mesmo sentido, este Tribunal adota compreensão bastante flexível de domicílio eleitoral ao admitir provas que, apesar de não denotarem a noção estrita de residência, revelam relações das mais diversas com a localidade, tais como a demonstração de participação em campeonato esportivo e em associação recreativa local por tempo duradouro (RE n. 756, Relator: Des. Eleitoral Gerson Fischmann, Sessão: 30.8.2018) ou de residência dos sogros e cunhados no município (RE n. 2602, Relator: Des. Federal João Batista Pinto Silveira, Sessão: 14.11.2017).

Contudo, nem mesmo tal abrandamento ampara o caso em exame, haja vista a ausência de sinceridade e, quiçá, de boa-fé na motivação do pedido, como se passa a demonstrar.

Consoante informação subscrita pelo Chefe de Cartório da 150ª Zona, no dia 28.5.2019, o eleitor DIONATAN CARLOS DE OLIVIERA DA SILVA compareceu ao Cartório Eleitoral, acompanhado de um casal, a fim de solicitar alistamento eleitoral no Município de Capão da Canoa, apresentando Requerimento de Alistamento Eleitoral (RAE) com endereço falso (ID 44866837, p. 02).

Como prova de residência, o recorrido apresentou um informe de cadastro de responsabilidade por unidade consumidora de energia elétrica (ID 44866837, p. 03).

Ocorre que, durante o atendimento no Cartório Eleitoral, DIONATAN CARLOS DE OLIVIERA DA SILVA sequer soube informar ao servidor da Justiça Eleitoral seu endereço de residência, tendo retornado mais tarde ao cartório com uma solicitação de alteração de titularidade da Unidade Consumidora n. 1004908137 da Companha Estadual de Energia Elétrica, emitida às 15h36min, documento conferido na mesma data do seu Requerimento de Alistamento Eleitoral (RAE).

Diante dos indícios da falta de veracidade acerca das declarações prestadas pelo eleitor, o magistrado a quo determinou diligências, para confirmar a autenticidade do domicílio informado, conforme preceitua o art. 65, § 4º, da Resolução TSE n. 21.538/03:

Art. 65. (...).

§ 4º Subsistindo dúvida quanto à idoneidade do comprovante de domicílio apresentado ou ocorrendo a impossibilidade de apresentação de documento que indique o domicílio do eleitor, declarando este, sob as penas da lei, que tem domicílio no município, o juiz eleitoral decidirá de plano ou determinará as providências necessárias à obtenção da prova, inclusive por meio de verificação in loco.

 

Em cumprimento à ordem, a serventia cartorária tentou, por meio do serviço de Correios, entregar sem êxito carta registrada (AR/MP) no endereço indicado (ID 44866838, p. 02), bem como diligenciou in loco, igualmente sem êxito, na tentativa de encontrar o recorrido (ID 44866838, p. 04).

Agrega-se a tais fatos o testemunho judicial do Chefe de Cartório de Capão de Canoa, Guilherme Baroni Becker, constando as seguintes observações (ID 44866864, p. 02):

Recorda que o acusado compareceu ao cartório eleitoral, acompanhado de um casal, para fazer a inscrição do primeiro título de eleitor. Como não tinha comprovante de residência, não soube precisar onde morava, foi informado que não poderia ser feito o título, tendo o denunciado saído com o referido casal, retornando mais tarde com uma conta de luz que havia sido transferida para o nome dele no mesmo dia. Diante do fato, houve a negativa de entrega do título e colocado o pedido em diligência para análise do Juízo Eleitoral da época, Dr. Leandro da Rosa Ferreira, havendo determinação do Magistrado de endereçar carta registrada para o eleitor, para comparecimento em cartório, para o endereço informado pelo acusado. O correio não conseguiu entregar a correspondência, havendo ainda diligência complementar pelo servidor, ora depoente. Foi até o local, endereço informado pelo acusado na conta de luz. Chegando ao local localizou um galpão de madeira, aparentemente habitado, do que certificou. O Juiz eleitoral na época, diante da diligência, indeferiu o pedido de inscrição eleitoral. Foi informado ao Ministério Público acerca da situação. Pelo Ministério Público: Disse que ninguém conhecia o Dionatan na região próxima ao local que seria sua residência. No mercado próximo, ninguém conhecia também o acusado. Recorda que o acusado praticamente não se manifestou no cartório eleitoral, sendo que o casal que estava acompanhando era quem falava pelo acusado. Durante as diligências receberam ligações no cartório perguntando sobre a inscrição do título de Dionatan, acreditando o depoente que seria o casal que efetuava as ligações.

 

O recorrido argumenta, em síntese, que “o fato de o acusado ter alguma espécie de domicílio em cidade diversa de onde requereu seu alistamento eleitoral, por si só, não indica nem comprova o dolo do agente de fraudar o cadastro eleitoral. Domicílio eleitoral, segundo a jurisprudência do TSE, é o lugar onde o interessado tem vínculos políticos, sociais, patrimoniais e de negócios”. Alega, ainda, que não há comprovação da conduta criminosa na exordial, afirmando que “os fatos narrados na denúncia sequer constituem um crime, por tratar-se de um crime material e não formal”, justificando que “o núcleo do tipo do art. 289, do CE, consiste em 'inscrever-se o eleitor fraudulentamente' e não em 'apresentar documentos com o a finalidade de inscrição fraudulenta'” (ID 44866849, p.03).

Sobreveio sentença absolutória, concluindo pela não configuração do crime do art. 289 do CE, por entender tratar-se de crime “não formal”, acolhendo os argumentos do requerente. Assim, por não restar efetivada a inscrição eleitoral nem “a finalidade eleitoral espúria”, afastou-se a configuração do crime, conduzindo à conduta atípica, nos termos do art. 17 do CP e art. 386, inc. III, do CPP.

Ao examinar os autos, tenho que assiste razão ao recorrente.

No crime previsto no art. 289 do Código Eleitoral, “inscrever-se, fraudulentamente, o eleitor”, o bem jurídico a ser protegido é a higidez do cadastro eleitoral, excluindo dados de inscrição que não estejam conforme a veracidade das situações.

O art. 42, caput, do Código Eleitoral estabelece que o alistamento se faz mediante duas etapas, quais sejam: qualificação e inscrição do eleitor. A qualificação constitui-se na comprovação do preenchimento de requisitos para determinado ato, e a inscrição é o procedimento de alistar alguém ou se alistar. Nesse escopo, o ato de qualificação é praticado pelo eleitor, enquanto a inscrição é ato do juiz eleitoral que, verificadas as condições de qualificação, defere o pedido, determinando a inclusão do requerente na listagem geral de eleitores.

O doutrinador Rodrigo López Zilio (Direito Eleitoral, 2022, p. 175) assim se manifesta em sua obra:

Por conseguinte, o alistamento é composto por dois atos correlacionados: em primeiro lugar, o eleitor qualifica-se – apresentando seus dados de identificação pessoal – perante a Zona Eleitoral em que possui domicílio e, na sequência, há a efetuação da inscrição do eleitor – com a sua respectiva admissão no cadastro.

 

O crime de inscrição fraudulenta infere-se justamente no primeiro ato preparatório do alistamento, ou seja, no momento da qualificação do requerente. Com efeito, é na coleta dos dados de identificação que a pessoa que pretenda se alistar como eleitor pode cometer o crime, falseando algum dos dados que o torne apto à inscrição, porque o tipo penal é justamente a obtenção da condição de eleitor mediante fraude.

Ademais, a configuração do crime eleitoral do art. 289 do CE está condicionada à ocorrência de duas circunstâncias. Primeira, que a inscrição seja requerida de modo fraudulento, ou seja, a ação criminosa deve desenvolver-se por meio de artifício ou ardil que induza em erro a serventia cartorária, possibilitando-se lesar o juízo de aferição sobre o controle do cadastro eleitoral. Destaco que o crime em comento não carece de dolo específico, sendo suficiente o dolo genérico para sua concretização. Segunda, que os dados informados equivocadamente à Justiça Eleitoral, para fins de assegurar a inscrição, possuam relevância para afetar a tutela de proteção dos serviços da Justiça Eleitoral. Nesse diapasão, a doutrina considera os dados fornecidos fraudulentamente à Justiça Eleitoral, relativos à identidade, como relevantes para configurar o crime eleitoral entabulado no art. 289 do CE, porque podem gerar inscrições múltiplas, ou à qualificação do eleitor, pois os referentes ao domicílio eleitoral podem possibilitar voto em zona indevida.

No caso dos autos, restou comprovado falso o endereço no Município de Capão da Canoa informado pelo pretenso eleitor. Ou seja, o requerente agiu intencionalmente no sentido de fraudar dado relevante de sua qualificação pessoal, especificamente o domicílio eleitoral, a fim de assegurar condição que o habilitasse à inscrição na referida localidade.

Para a averiguação do momento da consumação do crime, importa verificar se o crime é formal ou material.

O doutrinador Joel J. Cândido nos ensina que o crime de inscrição fraudulenta se classifica como crime formal, in verbis:

Trata-se, ainda, de crime formal. Mesmo sem dano consuma-se o crime do mesmo modo, no momento da assinatura, pelo eleitor, do RAE fraudado. Pouco importa se ele recebeu, ou não, o título eleitoral decorrente do alistamento que fraudou, ou, se o recebeu, se esse documento foi, ou não usado.

(Cândido, Joel J. Direito Eleitoral Brasileiro, 12ªed. Revista, atualizada e ampliada - Bauru, SP: EDIPRO, 2006, p. 291.)

 

É no mesmo sentido o entendimento de Rodrigo López Zilio (Direito Eleitoral, 2022, p. 922):

O crime do art. 289 do Código Eleitoral se consuma com o requerimento de inscrição ou transferência realizado de modo fraudulento, ou seja, basta a apresentação de dados fraudulentos para subsidiar um pedido de inscrição eleitoral. O deferimento da inscrição ou transferência e a expedição do título de eleitor consistem em exaurimento do tipo penal.

 

Portanto, trata-se de crime formal, e sua consumação ocorre quando o eleitor insere os dados falsos no requerimento de alistamento eleitoral (RAE), firmando sua assinatura.

O momento posterior, em que o juiz defere o pedido e ordena a expedição do título eleitoral, não tem o condão de alterar a caracterização do delito, visto que esses atos tão somente constituem o exaurimento do tipo penal, de modo que, para a tipicidade do crime de inscrição fraudulenta, desimporta se o título obtido mediante ardil foi expedido, entregue ao requerente ou mesmo se foi utilizado.

Nesse sentido, o TSE: “por se tratar de crime comissivo, o delito descrito no art. 289 do Código Eleitoral se consuma com o comparecimento do eleitor à Justiça Eleitoral para requerer o respectivo alistamento” (RHC n. 060057294/PE -j. 20.11.2018 – Dje 04.12.2018).

Ao ensejo, reproduzo ementa de recente julgado desta Corte a respeito de idêntico contexto fático, em que mantida a decisão do Juízo Eleitoral que indeferiu a transferência eleitoral da sra. Elaine Neris, de Palmares do Sul para Boa Vista das Missões:

RECURSO. REQUERIMENTO DE TRANSFERÊNCIA DE DOMICILIO ELEITORAL. INDEFERIMENTO. PROVA DE DOMICÍLIO FRÁGIL E DUVIDOSA. NÃO DEMONSTRADO O VÍNCULO COM O MUNICÍPIO PRETENDIDO. CIRCUNSTÂNCIAS INDICATIVAS DE TRANSFERÊNCIA FRAUDULENTA. DESPROVIMENTO.

Insurgência contra decisão que indeferiu requerimento de transferência de domicílio eleitoral, por ausência de prova idônea do vínculo residencial com a localidade.

A troca de domicílio eleitoral está regulamentada pelos arts. 18 e 65 da Resolução TSE n. 21.538/03. De acordo com a doutrina e jurisprudência, o domicílio eleitoral representa um conceito mais elástico do que o domicílio civil, admitindo-se a simples demonstração de vínculos de natureza afetiva, econômica, política, social ou comunitária entre o eleitor e o município. Neste sentido, faculta-se ao cidadão a escolha de qual local funcionará como sede para o seu exercício do voto, consoante dicção do parágrafo único do art. 42 do Código Eleitoral.

Cumpre ao requerente demonstrar, por meios convincentes, seu vínculo com o município do qual pretende ser eleitor. Este Tribunal adota uma compreensão bastante flexível de domicílio eleitoral ao admitir provas que, apesar de não denotarem a noção estrita de residência, revelam relações das mais diversas com a localidade, tais como a demonstração de participação em campeonato esportivo e em associação recreativa local por tempo duradouro.

Na hipótese, a prova de domicílio apresenta-se frágil e duvidosa, não servindo, por si só, para o deferimento da transferência eleitoral. Nenhuma das diversas situações passíveis de configurar o domicílio eleitoral foi minimamente demonstrada nos autos, não sendo suficiente a mera alegação da parte quanto aos vínculos profissionais ou familiares, para superar a precariedade da prova apresentada.

Ineficácia do contrato de locação para os efeitos buscados. Diligências in loco determinadas pelo magistrado a quo. Confirmação de que a eleitora permanece com domicílio no município de origem. Elementos do instrumento contratual e do contexto do pedido de transferência a impor fundado descrédito sobre comprovante de residência. Circunstâncias indicativas de transferência fraudulenta.

Provimento negado.

(TRE-RS, RE n. 0600019-66.2020.6.21.0032, Rel. Des. Eleitoral Silvio Ronaldo Santos de Moraes, julgado em 04.5.2020.)

 

Dessarte, tenho que o ilustre magistrado a quo incorreu em error in judicando ao concluir pela impossibilidade de consumação do crime do art. 289 do CE.

Conforme bem observado pela douta Procuradoria Eleitoral (ID 45003713):

A consumação ocorreu no momento em que o pretenso eleitor apresentou o RAE à Justiça Eleitoral.

Insta observar que o documento que consta no ID 44866837, p. 02, não se encontra assinado. Aparentemente foi inserido no sistema da Justiça Eleitoral mediante o comparecimento pessoal do requerente ao Cartório Eleitoral e a apresentação de identificação (Carteira de Trabalho – ID 44866837, p. 04) e comprovante de endereço (informação da CEEE – ID 44866837, p. 03). Trata se, portanto, de RAE válido e capaz de produzir efeitos jurídicos.

Aliás, o simples fato de o servidor da Justiça Eleitoral ter procedido à checagem do endereço fraudulentamente declarado indica que o meio empregado pelo agente foi eficaz, tanto que desencadeou a ação da Justiça Eleitoral para confirmação do endereço.

Assim, considerando estarem perfeitamente comprovadas a autoria e a materialidade do fato e não subsistir o motivo indicado na sentença para absolvição (impropriedade absoluta do meio empregado), impõem-se a reforma da sentença, para o fim de que DIONATAN CARLOS DE OLIVEIRA DA SILVA seja condenado pela prática do crime do art. 289 do Código Eleitoral.
 

Portanto, concluo, na esteira da Procuradoria Regional Eleitoral, que demonstradas a autoria e a materialidade pelo Requerimento de Alistamento Eleitoral – RAE (ID 44866837, p. 02), pelo informe de cadastro de responsabilidade por unidade consumidora de energia elétrica (ID 44866837, p. 03), pela tentativa sem êxito de entrega de carta registrada no endereço indicado (ID 44866838, p. 02), pela diligência sem êxito do Cartório Eleitoral de tentar encontrar o recorrido no endereço indicado (ID 44866838, p. 04), assim como pelo testemunho judicial do Chefe do Cartório Eleitoral de Capão da Canoa (ID 44866864, p. 02).

Ante o exposto, VOTO pelo provimento do recurso, ao efeito de condenar DIONATAN CARLOS DE OLIVEIRA DA SILVA pelo crime do art. 289 do Código Eleitoral.

Passo à dosimetria da pena.

O art. 289 do Código Eleitoral assim dispõe:

Art. 289. Inscrever-se fraudulentamente eleitor:

Pena - Reclusão até cinco anos e pagamento de cinco a 15 dias-multa.

 

Como está prevista pena de reclusão, a pena mínima é de 1 ano, diante do que dispõe o art. 284 do Código Eleitoral:

Art. 284. Sempre que este Código não indicar o grau mínimo, entende-se que será ele de quinze dias para a pena de detenção e de um ano para a de reclusão.

 

Assim, procedo ao cálculo das penas privativas de liberdade pelo sistema trifásico, nos moldes do art. 68 do Código Eleitoral.

Inicialmente, as circunstâncias judiciais do art. 59 do Código Penal:

Art. 59 - O juiz, atendendo à culpabilidade, aos antecedentes, à conduta social, à personalidade do agente, aos motivos, às circunstâncias e consequências do crime, bem como ao comportamento da vítima, estabelecerá, conforme seja necessário e suficiente para reprovação e prevenção do crime:

 

A culpabilidade, entendida como grau de reprovabilidade da conduta, mostrou-se normal ao tipo penal.

Os antecedentes criminais não militam em desfavor do réu, visto que nada consta a respeito de condenações anteriores com trânsito em julgado. A conduta social do acusado não foi desabonada nos autos. Quanto à personalidade do acusado, nada há no processo que permita sua análise, pelo que a tenho como favorável. Os motivos, circunstâncias e consequências do crime não destoam do tipo penal. Por fim, não há que se falar em comportamento da vítima, uma vez que se trata de delito em face da coletividade.

Diante do exposto, considerando as circunstâncias judiciais, fixo a pena-base em 1 ano de reclusão e, inexistindo circunstâncias atenuantes e agravantes, bem como causas de aumento e diminuição, torno a pena definitiva em 1 ano de reclusão.

A multa vai estabelecida no mínimo de 5 dias-multa, à razão de 1/30 do salário mínimo mensal por dia-multa, vigente ao tempo do fato, que deverá ser corrigida pelo IGP-M quando do efetivo pagamento.

O regime é o aberto, nos termos do art. 33, § 2º, al. "c", do CP.

Presentes os requisitos do art. 44 do CP, cabível a substituição da pena privativa de liberdade por duas restritivas de direitos, consistentes em prestação de serviços à comunidade pelo período da pena e prestação pecuniária à entidade pública ou privada com destinação social no valor de 1 salário mínimo, valor este que arbitro diante da ausência de elementos que possam elevar essa quantia.

Caberá ao juízo das execuções criminais regulamentar o cumprimento da prestação de serviços à comunidade, bem como indicar a entidade para a qual deverá ser direcionado o pagamento da prestação pecuniária substitutiva.

O condenado poderá aguardar o trânsito em julgado em liberdade.

Após o trânsito, lance-se o nome do recorrido no rol dos culpados, atualize-se a conta da multa e anote-se a condenação nos registros eleitorais.

Por último, consigno que não há falar em reconhecimento da prescrição pela pena aplicada antes de transitar em julgado a condenação.

Explico.

Em tese, caso tornada definitiva a pena privativa de liberdade em 01 ano de reclusão e 5 dias-multa à razão de 1/30 do salário mínimo mensal por dia-multa, vigente ao tempo do fato, estaria consumada a prescrição pela pena em concreto.

Com efeito, considerando a pena aplicada de 01 ano de reclusão, a prescrição seria em 04 anos. Como a denúncia foi recebida em 08.10.2019 (ID 44866842), e a decisão condenatória proferida em 04.04.2023, sendo o agente menor de 21 anos na data do fato (ID 44866837), o que determina a contagem do prazo prescricional pela metade (02 anos), transcorrido o lapso temporal desde a data do recebimento da denúncia, consoante o art. 109, inc. V, art. 110, § 1º, e art. 115, todos do Código Penal.

Entretanto, como não houve o trânsito em julgado da condenação à acusação, requisito inarredável para o reconhecimento da prescrição pela pena em concreto, consoante dispõe o art. 110, § 1º, do Código Penal, tenho não ser possível, neste momento, a aplicação da prescrição em perspectiva, nos termos da Súmula n. 438/STJ, verbis:

É inadmissível a extinção da punibilidade pela prescrição da pretensão punitiva com fundamento em pena hipotética, independentemente da existência ou sorte do processo penal.

 

Também este é o entendimento do STF:

COMPETÊNCIA – PRERROGATIVA DE FORO – CESSAÇÃO DE MANDATO – AGRAVO REGIMENTAL. Estando o agravo regimental voltado a infirmar ato de integrante do Supremo, a este incumbe o julgamento, mostrando-se neutra a cessação do mandato gerador da prerrogativa de foro. RECURSO – ARQUIVAMENTO DE INQUÉRITO – PRESCRIÇÃO VIRTUAL – DECLINAÇÃO DA COMPETÊNCIA – JULGAMENTO. Surgindo a prerrogativa de o investigado ter o inquérito em curso no Supremo, cumpre ao Juízo, defrontando-se com recurso em sentido estrito, remeter os autos ao Tribunal competente, atuando este sob o ângulo da revisão do que decidido. PRESCRIÇÃO EM PERSPECTIVA. Inexiste norma legal que, interpretada e aplicada, viabilize assentar a prescrição da pretensão punitiva considerada possível sentença condenatória.

(Inq 3574 AgR, Relator(a): Min. MARCO AURÉLIO, Primeira Turma, julgado em 02/06/2015, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-114 DIVULG 15-06-2015 PUBLIC 16-06-2015.)

 

Ante o exposto, portanto, VOTO pelo PROVIMENTO do recurso, nos termos da fundamentação.