AI - 0603719-78.2022.6.21.0000 - Voto Relator(a) - Sessão: 16/05/2023 às 14:00

VOTO

O recurso é adequado, tempestivo e comporta conhecimento.

No mérito, a empresa GOOGLE BRASIL INTERNET LTDA insurge-se contra a decisão que rejeitou a impugnação ao cumprimento de sentença por ela apresentada, na qual alegou excesso de execução, sob o argumento de que a atualização do débito relativo às astreintes aplicadas deve ter por marco o dia 04.3.2022, quando publicada a decisão do TSE nos autos do Recurso Especial Eleitoral n. 0000043-16.2018.6.21.0000, em que ocorreu o redimensionamento da condenação.

Assim, a empresa agravante assevera que, nos termos do art. 525, § 1º, inc. V, do CPC, há um excesso de execução na quantia de R$ 864.304,71 e que realizou o pagamento da guia do montante reputado incontroverso, no valor de R$ 1.125.995,55, considerando a incidência da correção monetária desde a data do redimensionamento da multa pelo TSE.

De seu turno, a decisão recorrida entendeu que a atualização monetária deve ocorrer desde a prolação da decisão que fixou as astreintes, no valor de R$ 20.000,00 por dia de descumprimento da ordem judicial, ou seja, 04.9.2012, bem como que nem a decisão posterior deste Tribunal, que diminuiu o valor diário para R$ 10.000,00, e nem a decisão do TSE, que modificou apenas o termo final de incidência da sanção, possuem o condão de modificar o momento de início de incidência da atualização monetária.

Transcrevo, por clareza, o interior teor da decisão agravada:

Vistos.

A demandada Google Brasil Internet Ltda. apresentou impugnação ao pedido de cumprimento de sentença formulado pela União. Para tanto, informou ter realizado o pagamento de parcela que entende incontroversa, no montante de R$ 1.125.995,55 (um milhão, cento e vinte e cinco mil reais, novecentos e noventa e cinco reais e cinquenta e cinco centavos), e sustentou a existência de excesso de execução, nos termos do art. 525, § 1º, V, do Código de Processo Civil, na medida em que atualizado o crédito, pelo exequente, desde agosto e setembro de 2012, e não a partir de 04 de março de 2022, quando publicada decisão proferida pelo Egrégio Superior Tribunal Eleitoral no bojo do REsp nº 0000043-16.2018.6.21.0000. Em apertada síntese, alega que o termo inicial da correção monetária do crédito exequendo deve ser fixado no último marco apontado, que diz coincidir com o arbitramento ou redimensionamento da multa cobrada, conforme precedentes que invocou. Apresentou seguro garantia no importe no importe de R$1.123.596,12 (um milhão, cento e vinte e três mil, quinhentos e noventa e seis reais e doze centavos), conforme admite o artigo 835, § 3º do Código de Processo Civil, para acautelar o valor controvertido, de R$ 864.304,71, (oitocentos e sessenta e quatro mil trezentos e quatro reais e setenta e um centavos), entendido como excesso de execução, com acréscimo de 30%. Postulou, assim, a atribuição de efeito suspensivo à impugnação apresentada e, no mérito, o seu acolhimento, a fim do reconhecimento do aventado excesso de execução (ID 107929648).

Recebida a impugnação, foi determinada vista à parte impugnada (ID 107930769).

A União apresentou resposta à impugnação. Sustentou que, nos cálculos que instruíram o pedido de cumprimento de sentença formulado nos presentes autos, já foi tomada como termo inicial da correção monetária da multa cobrada (astreinte) a data de seu arbitramento, em consonância com entendimento jurisprudencial que mencionou. Argumentou que, no julgamento do recurso especial eleitoral interposto pela impugnante, não houve arbitramento ou redimensionamento da multa que ora está em fase de cumprimento, mas apenas modificação do termo final de sua incidência, mantidos o seu valor e o seu termo inicial. Acrescentou que, no julgamento de agravo de instrumento no âmbito do Tribunal Regional Eleitoral, constou, do voto do relator, expressa referência à correção monetária do débito dever ser realizada com base no IPCA-E, a partir da data do arbitramento da multa, cujo valor não teria sofrido alteração até a data do trânsito em julgado da decisão proferida no seio do recurso especial eleitoral manejado, em 02/05/2022. Pediu, assim, o indeferimento do pedido de concessão de efeito suspensivo à impugnação e, quanto ao mérito desta, o julgamento de sua improcedência. Em caráter subsidiário, pugnou por extensão do prazo de vigência do seguro garantia apresentado para o período total de 05 (cinco) anos (ID 109268771). 

Com vista da resposta apresentada, a impugnante reiterou os termos da impugnação (ID 110088404).

Vieram os autos conclusos.

É o breve relatório.

 

D E C I D O.

 

De início, verifico que a controvérsia estabelecida entre as partes é eminentemente de direito, sendo viável a pronta apreciação da impugnação apresentada.

A divergência existente entre impugnante e impugnada diz respeito à data em que ocorrido o arbitramento e, sendo o caso, havido o possível redimensionamento da multa cobrada. Tais pontos são definidores, na linha de precedentes jurisprudenciais que invocam, do termo inicial da incidência da correção monetária sobre o valor arbitrado ou eventualmente redimensionado. O impugnante sustenta ter havido redimensionamento da multa por ocasião do julgamento do recurso especial eleitoral cuja decisão foi publicada em 04/03/2022; e a União alega ter sido fixada, em decisão interlocutória, sanção diária de R$ 5.000,00, incidente de 31/08/2012 a 03/09/2012, a qual, em sentença proferida em 04/09/2012, foi majorada para R$ 20.000,00, com termo final em 19/12/2012, e, em sede de julgamento de agravo de instrumento, reduzida para R$ 10.000,00 e alterado seu termo final para 21/08/2014. Segundo a União, o acórdão do julgamento do REsp nº 0000043-16.2018.6.21.0000, pelo Egrégio Tribunal Superior Eleitoral, publicado em 04/03/2022, modificou apenas o termo final da incidência da sanção, restabelecendo-o em 19/12/2012. 

Pois bem. 

Como é cediço, as funções primordiais da correção monetária são a restauração e a preservação do valor econômico de dado bem em razão de sua depreciação no curso do tempo. Não se presta à remuneração nem à punição do devedor de obrigação de pagamento de quantia certa.

No caso da cobrança de astreinte, a correção monetária deve tomar em conta a própria finalidade daquela medida. E isso porque a estipulação de multa cominatória é voltada a compelir o devedor ao cumprimento de dada obrigação ou determinação, pelo que a definição de seu valor encontra relevância no momento de seu arbitramento e, sendo o caso, de seu redimensionamento.

Dito isso, vejo que, no caso em apreço, consoante já referido, não resta dúvidas de que incidente a multa em questão, à razão diária, no valor de R$ 5.000,00 no período de 31/08/2012 a 03/09/2012 e no montante de R$ 10.000,00 entre 04/09/2012 e 19/12/2012, com tais quantias merecendo atualização pelo IPCA-E (índice definido nos autos, em decisão já transitada em julgado). Tais pontos são, no presente estágio processual, indiscutíveis, já cobertos pelo manto da coisa julgada.

Certo que não se debate no presente momento - e nenhum outro foi alterada - a multa diária de R$ 5.000,00, devida no interregno de 31/08/2012 a 03/09/2012, de modo que pertinente a sua atualização a partir de suas respectivas datas de incidência, sob pena de desvirtuação de sua própria finalidade, conforme acima assinalado. Tal ponto é de simples definição, até porque não debatido especificamente nos autos.

Quanto ao lapso de 04/09/2012 e 19/12/2012, merece destaque que, embora majorada a multa diária para R$ 20.000,00 em sede de sentença, a sua redução, pela instância recursal ordinária, para R$ 10.000,00 por dia não tem o condão de, na espécie, modificar o termo inicial de atualização, que também deve ser diária e a contar de suas respectivas datas de incidência. O Tribunal Regional Eleitoral deste Estado não agravou a reprimenda, mas, ao contrário, diminuiu o seu valor, pelo que, na extensão em que mantida a sentença (R$ 10.000,00 diários), a atualização monetária deve operar-se desde sua prolação, em 04/09/2012, também observado o caráter diário da multa. Aliás, no voto condutor do julgamento do recurso de agravo de instrumento interposto, ao se tratar do fator de atualização monetária, constou expressamente que "o valor do débito deve ser corrigido monetariamente pelo IPCA-E a partir da data do arbitramento da multa" (ID 98881764, fl. 41, correspondente à fl. 863 do autos digitalizados), de modo a ficar arredada mínima dúvida que pudesse remanescer sobre o momento a partir do qual devida a preservação da expressão econômica da sanção.

De maneira diverso da sustentada pelo impugnante, não há como ser tomado o julgamento do REsp nº 0000043-16.2018.6.21.0000 como momento definidor do início de incidência da atualização monetária da multa cominatória. O Tribunal Superior, no julgamento de tal recurso, modificou apenas o termo final de incidência da sanção que fora alterado no julgamento do recurso de agravo de instrumento, restabelecendo, nesse aspecto, a decisão de primeiro grau. Não afetados o termo inicial de aplicação da astreinte nem o seu valor diário, de sorte a não se poder tomar aquela decisão como vetor a influenciar o elemento econômico da punição que persistiu firme. Dito de outro modo, não debatido em instância extraordinária o montante da sanção em si, mas apenas o momento até o qual devida a sua incidência - o que, por evidente, reflete no valor total do débito, mas não em seus parâmetros unitários - nem, por conseguinte, na inevitável preservação de sua dimensão ao longo do tempo.

Dessa forma, não há como se agasalhar a pretensão da parte devedora no sentido das multas aplicadas serem atualizadas monetariamente apenas a contar 04/03/2022, isto é, mais de nove anos após a sua definição, sobretudo quando expressamente referido, em grau recursal, por ocasião da definição do índice a ser empregado na correção, o seu termo inicial de aplicação.

O direito de ação e os consectários meios de impugnação são próprios ao devido processo legal. Isso é inegável. Na mesma linha, irrefutável que as partes, na via processual, devem comportar-se de acordo com a boa-fé e cooperar entre si para que se obtenha, em tempo razoável, decisão de mérito justa e efetiva (arts. 5º a 7º do Código de Processo Civil).

No caso em análise, porém, a pretensão da parte impugnante - de aplicação de correção monetária apenas a contar de mais de nove anos após a incidência das multas, com claros critérios postos em decisões judiciais também há longa data lavradas e não questionadas em tais pontos - atenta contra não apenas a razoabilidade da questão em si, mas, especialmente, contra a efetivação daquelas decisões, dado o manejo de defesa em face de fato processual já judicialmente definido, em prejuízo à garantia da também razoável duração do processo. Aliás, a própria origem da dívida principal (decorrente de descumprimento de decisões judiciais) revela o reiterado desprezo, pela parte impugnada, dos mecanismos constituídos de imposição da ordem jurídica. Trata-se de conduta imbuída de má-fé processual, por incursão no disposto no art. 80, I e VI, do Código de Processo Civil, dado o abuso do exercício das garantias ao contraditório e à ampla defesa, ainda que se esteja a falar de demanda com elevada expressão econômica.

Via de consequência, de sorte a reprimir conduta processualmente reprovável, aplico à parte impugnante, com fulcro no art.  81 do Código de Processo Civil, multa por litigância de má-fé no importe equivalente a 5% sobre o valor controvertido de R$ 864.304,71 (oitocentos e sessenta e quatro mil trezentos e quatro reais e setenta e um centavos) em junho de 2022. Justifico a fixação da reprimenda em seu patamar intermediário de 5%, tendo em conta o juízo estar assegurado, nada obstante o caráter teratológico de se pretender ignorar o reflexo do decurso de diversos anos sobre o real valor de quantia diária igualmente há muito definida, sem embargo, ainda, do notório elevado poder econômico da impugnante.

A nova sanção aplicada, em favor da União, também deverá ser atualizada pelo IPCA-E desde junho de 2022, última atualização apresentada nestes autos, e acrescida de juros de mora de 1% ao mês, a contar de escoado o prazo a ser concedido à parte devedora para pagamento da dívida ora debatida.

Ante o exposto, julgo improcedente a impugnação apresentada pela Google Brasil Internet Ltda. nos presentes autos; de ofício, aplico à impugnante Google Brasil Internet Ltda. multa por litigância de má-fé no valor equivalente a 5% sobre o montante controvertido de R$ 864.304,71 (oitocentos e sessenta e quatro mil trezentos e quatro reais e setenta e um centavos) em junho de 2022, ser atualizada pelo IPCA-E desde tal data e acrescida de juros de mora de 1% ao mês. 

Publique-se.

Registre-se.

Intimem-se, sendo a credora para que se manifeste sobre prosseguimento do cumprimento da sentença.

 

Dil. legais.

Alvorada-RS, 08 de novembro de 2022.

Marcos Henrique Reichelt,

Juiz Eleitoral da 74ª ZE.

 

Pois bem.

O objeto controvertido no recurso relaciona-se ao termo inicial de incidência da correção monetária sobre a multa cominatória diária fixada por descumprimento de ordem judicial que determinou a remoção de vídeo divulgado na internet.

Sobre o tema, resta consolidado na jurisprudência que o termo inicial de incidência da correção monetária sobre as astreintes é a data do seu arbitramento, considerado como a última decisão que fixa o seu valor ou que o redimensiona, nos moldes do que ocorre nas hipóteses de dano moral.

Nessa linha, os seguintes julgados:

EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. OMISSÃO. EXISTÊNCIA. MULTA COMINATÓRIA. FIXAÇÃO DE NOVO VALOR. CORREÇÃO MONETÁRIA. SÚMULA 362/STJ. JUROS DE MORA. NÃO CABIMENTO.

1. Os embargos de declaração só se prestam a sanar obscuridade, omissão, contradição ou erro material porventura existentes no acórdão, o que ocorre na espécie, pelo silêncio quanto ao disciplinamento dos encargos legais que incidirão sobre o valor decorrente da redução da multa cominatória. 2. A correção monetária, à semelhança das indenizações por danos morais, nos termos da Súmula 362/STJ, flui a partir da data em que fixado o novo valor da multa cominatória. Precedentes. 3. Sob pena de consubstanciar dupla penalização, não são cabíveis juros de mora sobre o valor da multa, que por si só constitui sanção por descumprimento. Precedentes. 4. Embargos de declaração acolhidos.

(STJ - EDcl no AgInt no AREsp 1409856/PR, Rel. Ministra MARIA ISABEL GALLOTTI, QUARTA TURMA, julgado em 03/05/2021, DJe 11/05/2021.) (Grifei.)

 

EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER. ATRASO NA ENTREGA DE IMÓVEL. CUMPRIMENTO DE SENTENÇA. TUTELA ANTECIPADA. ASTREINTES. REVISÃO DO VALOR. CORREÇÃO MONETÁRIA. OMISSÃO CONFIGURADA. EMBARGOS ACOLHIDOS SEM EFEITOS INFRINGENTES. 1. Na hipótese, verifica-se omissão no acórdão embargado sobre a incidência de correção monetária sobre o montante da multa cominatória. 2. O termo inicial de incidência da correção monetária sobre a multa do § 4º do art. 461 do CPC/1973 (correspondente ao art. 536 do CPC/2015) deve ser a data do respectivo arbitramento, o que, no caso, corresponde à data do julgamento no STJ que reduziu o montante fixado pelo Tribunal de origem. Nesse sentido: EREsp 1.492.947/SP, Rel. Ministro MOURA RIBEIRO, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 28/06/2017, DJe de 30/06/2017. 3. Embargos de declaração acolhidos para, sem atribuição de efeitos infringentes, sanar a omissão apontada.

(STJ - EDcl no AgInt no AREsp: 1433346 SP 2019/0014761-8, Relator: Ministro RAUL ARAÚJO, Data de Julgamento: 11/02/2020, T4 - QUARTA TURMA, Data de Publicação: DJe 03/03/2020.) (Grifei.)

 

AGRAVO DE INSTRUMENTO. IMPUGNAÇÃO AO CUMPRIMENTO DE SENTENÇA. ASTREINTES CONSOLIDADAS. CORREÇÃO MONETÁRIA DESDE O ARBITRAMENTO. JUROS DE MORA DESDE A INTIMAÇÃO PARA PAGAMENTO. DO VALOR DA MULTA. […]. Incidência de correção monetária sobre o valor da multa desde o seu redimensionamento, a fim de preservar o valor da quantia devida. AGRAVO DE INSTRUMENTO PARCIALMENTE PROVIDO.

(TJ-RS - AI: 50773633620218217000 RS, Relator: André Luiz Planella Villarinho, Data de Julgamento: 12/08/2021, Décima Terceira Câmara Cível, Data de Publicação: 17/08/2021.) (Grifei.)

 

EMBARGOS DE DECLARAÇÃO EM APELAÇÃO CÍVEL. DIREITO PÚBLICO NÃO ESPECIFICADO. ENERGIA ELÉTRICA. AÇÃO CAUTELAR. OBRIGAÇÃO DE FAZER. CONSOLIDAÇÃO DAS ASTREINTES EM SEDE DE AGRAVO DE INSTRUMENTO. OMISSÃO. […]. 4. Sobre as astreintes é devida apenas correção monetária, pelo IGPM, por se tratar de recomposição da moeda, desde a sua redução (arbitramento), efetuada na decisão colegiada do Agravo, em 23/11/2011. [...]. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO ACOLHIDOS, COM EFEITOS INFRINGENTES. UNÂNIME.

(TJ-RS - Embargos de Declaração, Nº 70080188170, Vigésima Segunda Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Luiz Felipe Silveira Difini, Julgado em: 21-03-2019)

 

De acordo com o entendimento jurisprudencial, no momento em que o Tribunal modifica o valor aplicado, tem-se em consideração o valor atual da moeda e o tempo decorrido entre a decisão reformada e o acordão, não havendo necessidade de recomposição das perdas inflacionárias havidas nesse interstício, de modo que a incidência de correção monetária somente encontra fundamento a partir da decisão que altera definitivamente a quantia devida até o efetivo pagamento.

No caso concreto, a multa cominatória foi aplicada em decisão interlocutória do juízo de primeiro grau, de 31.8.2012, no valor diário de R$ 5.000,00, posteriormente majorada na sentença para R$ 20.000,00, na data de 04.9.2012, em razão da persistência do descumprimento da ordem judicial.

Interpostos agravos de instrumento contra a decisão de primeiro grau que acolheu parcialmente a impugnação proposta pela empresa, já em fase de cumprimento de sentença, sobreveio acórdão deste TRE-RS, de 10.4.2019, que tão somente diminui o valor aplicado na sentença para R$ 10.000,00, havendo expressa menção de que o “o valor do débito deve ser corrigido pelo IPCA-E, a partir da data do arbitramento da multa” (ID 45364154 e 45364153).

Em continuidade, no TSE, ao apreciar o Recurso Especial n. 0000043-16.2018.6.21.000, em 04.3.2022, interposto por Google Brasil Internet Ltda. contra o referido acórdão regional, o Relator do caso expressamente anotou que “a controvérsia cinge-se a dois pontos relativos às astreintes impostas à recorrente: a) termo final de sua incidência; b) montante diário e o seu suposto excesso” (ID 45364155).

Sobre o primeiro ponto, a Corte Superior considerou que, na linha de sua jurisprudência, “o termo ad quem de incidência da multa cominatória deve coincidir com a data da diplomação dos eleitos, quando se encerra a necessidade de tutela da Justiça Eleitoral, ainda que a retirada do conteúdo tenha ocorrido em momento posterior”, e não a data posterior em que efetivamente removido o vídeo, tal como havia sido decidido nas instâncias ordinárias.

Ocorre que a definição do número de dias em que caracterizado o não atendimento da ordem judicial não impacta no valor diário arbitrado, mas apenas no multiplicador sobre esse valor.

Isto é, não houve redução do valor ou da periodicidade da multa arbitrada, mas apenas redefinição do marco final em relação ao qual se poderia caracterizar o descumprimento da decisão emanada da Justiça Eleitoral, havendo, por consequência, a diminuição do somatório total de modo reflexo, em razão da redução do número de dias nos quais ocorrida a recalcitrância da empresa.

Quanto ao segundo tópico, envolvendo exatamente o quantum diário fixado para as astreintes, a Corte Superior manteve a decisão deste Tribunal Regional Eleitoral, considerando que, “além da notória capacidade econômica da empresa recorrente, tem-se que o montante fixado pelo TRE/RS – R$ 10.000,00 por dia de descumprimento – revela-se em linha com inúmeros julgados do Tribunal Superior Eleitoral envolvendo a recorrente”.

Depreende-se, portanto, que o TSE não modificou o valor da multa cominatória estabelecido pelo acórdão deste Tribunal, mas tão somente o termo final do período em que configurada a desobediência da agravante.

Situação diversa poderia ocorrer caso a instância extraordinária houvesse estabelecido novos valores sob o fundamento de que o montante global atingiu patamar excessivo. Entretanto, no caso, a redefinição do tempo de descumprimento ocorreu sob o entendimento de perda de objeto da ordem de remoção dos conteúdos a partir da diplomação dos eleitos, sem determinação de novas quantias aplicáveis, o que não representa novo arbitramento.

Cabe salientar que o valor das astreintes em questão foi fixado com periodicidade diária e antecipadamente à definição do tempo de descumprimento, justamente para compelir o devedor com a cobrança futura de valor tanto maior quanto maior a obstinação em não acatar a determinação judicial, aspectos integralmente mantidos no julgamento do recurso especial.

Logo, a decisão do TSE não alterou a dosimetria financeira da multa diária cominada, cuja fixação é o que determina o marco de incidência da correção monetária, de modo que irreparável a decisão agravada quanto à análise do ponto.

Por sua vez, o acórdão deste Tribunal Regional Eleitoral, embora tenha, de fato, promovido a adequação da quantia diária estabelecida pelo juízo de primeiro grau, expressamente retrocedeu a dosagem à data da sentença na análise da matéria, ou seja, procedeu à revisão conforme o poder econômico da moeda ao tempo da decisão reformada e definiu aquela data como termo de incidência da correção monetária, consoante se extrai do seguinte trecho:

[...].

Na presente hipótese, entendo que o valor da majoração da multa, determinado na sentença à razão de R$ 20.000,00 diários, pode ser reduzido para R$ 10.000,00 por dia a contar de 04.09.2012, estando essa quantia em consonância com os critérios de igualdade e justiça, considerando especialmente a capacidade econômica da agravante.

[...].

Portanto, à vista dos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, e atento às peculiaridades do caso concreto, principalmente à capacidade econômica da parte agravante, cujos serviços são prestados mundialmente, entendo que apenas o quantum do aumento das astreintes fixado em sentença deve ser diminuído para R$ 10.000,00 (dez mil reais), ainda pendente das devidas correções.

[...].

Desse modo, o valor do débito deve ser corrigido pelo IPCA-E a partir da data do arbitramento da multa.

[...]. (Grifei.)

 

Do trecho acima transcrito, depreende-se com clareza que a data do arbitramento refere-se à sentença que fixou o valor diário da multa, e não a data do próprio acórdão que o reanalisou.

Desse modo, a reavaliação do quantum condenatório ocorreu em conformidade com os parâmetros econômicos existentes na época da decisão original, tanto assim que o julgado desta Corte Regional expressamente anotou a necessidade de incidência da correção monetária a partir daquela data, tornando sem embasamento a pretensão de atualização da moeda em data diversa.

De outra sorte, muito embora não mereça reforma a decisão agravada em relação ao termo considerado para a incidência da correção monetária, tenho que imprópria a condenação da empresa então impugnante por litigância de má-fé com fulcro no art. 80 do CPC.

Ora, o mero equívoco na interpretação da legislação ou do pronunciamento judicial pela parte, por si sós, não conferem base para a aplicação da mencionada multa por litigância temerária ou de má-fé.

Conforme explicam Nelson Nery Júnior e Rosa Maria de Andrade Nery:

Proceder de modo temerário é agir afoitamente, de forma açodada e anormal, tendo consciência do injusto, de que não tem razão (Chiovenda. La condanna nelle spese giudiziali, 1.ª ed., 1901, n. 319, p. 321). O procedimento temerário pode provir de dolo ou culpa grave, mas não de culpa leve (Castro Filho. Abuso2 n. 43, pp. 91/92; Carnelutti. Sistema, v. I, n. 175, p. 454). A mera imprudência ou simples imperícia não caracteriza a lide temerária, mas sim a imprudência grave e a imperícia fruto de erro inescusável, que não permitem hesitação do magistrado em considerar ter havido má-fé (Mortara. Commentario CPC4 , v. IV, n. 79, p. 143). O litigante temerário age com má-fé, perseguindo uma vitória que sabe ser indevida. (NERY JÚNIOR, Nelson e NERY, Rosa Maria de Andrade. Código de Processo Civil Comentado e legislação extravagante. 18. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2019. E-book)

 

Na mesma direção, a jurisprudência enuncia que “a aplicação da penalidade por litigância de má-fé exige a comprovação do dolo da parte, ou seja, da intenção de obstrução do trâmite regular do processo ou de causar prejuízo à parte contrária” (STJ - AgInt no AREsp: 1649620 SP 2020/0010333-7, Relator: Ministro RAUL ARAÚJO, Data de Julgamento: 01/06/2020, T4 - QUARTA TURMA, Data de Publicação: DJe 15/06/2020).

Na espécie, porém, não vislumbro no comportamento da empresa impugnante elementos indicativos de eventual dedução maliciosa de pretensões que sabiam destituídas de fundamento, a justificarem a imposição do sancionamento.

Verifica-se o simples exercício do direito de ação (impugnação) e de interposição recursal, a partir de um entendimento razoavelmente articulado sobre os termos das decisões anteriores em confronto com os parâmetros jurisprudenciais de incidência da correção monetária, o que não configura, no contexto dos presentes autos, conduta de má-fé ou de temeridade processuais.

Portanto, em harmonia com o parecer da Procuradoria Regional Eleitoral, deve ser dado parcial provimento do agravo de instrumento para afastar a aplicação de multa por litigância de má-fé.

 

ANTE O EXPOSTO, VOTO pelo parcial provimento do recurso, apenas para afastar a aplicação de multa por litigância de má-fé imposta em desfavor da agravante.