AI - 0600079-64.2022.6.21.0001 - Voto Relator(a) - Sessão: 16/05/2023 às 14:00

 

VOTO

1. Agravo de instrumento.

1.1. Cabimento.

É consabida a regra geral de irrecorribilidade das decisões interlocutórias na seara processual judicial eleitoral, consagrada expressamente no art. 19 da Resolução TSE n. 23.478/16, da qual decorre a conclusão de que, em princípio, o agravo de instrumento não se trataria de remédio recursal típico a ser manejado perante a Justiça Eleitoral, mas sim de medida absolutamente excepcional.

Essa medida, antecipo, resta configurada nos presentes autos, fundamentalmente porque se cuida, aqui, de fase de cumprimento de sentença, situação que comporta a aplicação subsidiária do art. 1.015, parágrafo único, do Código de Processo Civil, conforme precedente desta Corte:

AGRAVO DE INSTRUMENTO. PEDIDO DE EFEITO SUSPENSIVO. INDEFERIDO. DIRETÓRIO MUNICIPAL. INDEFERIMENTO DO PEDIDO DE RECONHECIMENTO DE ANISTIA PREVISTA NO ART. 55-D DA LEI N. 9.096/95. TRÂNSITO EM JULGADO. INCONSTITUCIONALIDADE RECONHECIDA POR ESTE TRIBUNAL. DESPROVIMENTO.

1. Cabimento do recurso de agravo de instrumento contra decisões proferidas em sede de cumprimento de sentença, nos termos do disposto no parágrafo único do art. 1.015 do Código de Processo Civil. Nas ações de natureza cível, como é o caso dos autos, não se aplica o disposto no art. 19 da Resolução TSE n. 23.478/16, que trata da irrecorribilidade das decisões interlocutórias ou sem caráter definitivo proferidas nos feitos eleitorais.

2. (...).

4. Provimento negado. (Agravo de Instrumento nº 060070591, Rel. Des. ANDRÉ LUIZ PLANELLA VILLARINHO. Acórdão. Publicação: PJE – Processo Judicial Eletrônico-PJE em 23.01.2020)

 

Ademais, e com a devida vênia ao órgão ministerial, no sentido de que a apresentação do agravo de instrum'ento se trataria de erro grosseiro (muito embora já superado pela análise do pedido de concessão de liminar, o Parquet também indica), julgo que exatamente em decorrência das peculiaridades do processo judicial eleitoral – a já citada irrecorribilidade das decisões interlocutórias – é que, no caso posto, não se está diante de erro grosseiro, fundamentalmente porque não apenas houve a intenção de recorrer, mas, também, a irresignação do agravante ofereceu a oportunidade de reconsideração da decisão agravada – e tanto tal situação se confirma que houve manifestação do juízo de origem, no sentido da manutenção do decidido.

Desse modo, entendo cabível o presente recurso de agravo de instrumento, muito embora, de fato, tenha havido equívoco da UNIÃO ao interpor o recurso da forma realizada.

1.2. Tempestividade.

O recurso é tempestivo.

A ciência da decisão agravada ocorrera no dia 29.07.2022 e a interposição se deu em 03.08.2022, aliás, antes mesmo de iniciada a contagem do prazo recursal de 15 dias a que alude o art. 1.003, § 5º, do Código de Processo Civil.

Conheço do recurso.

Assim, passa-se ao exame do mérito recursal.

2. Mérito.

A título introdutório, cabe alinhamento à questão de ordem explicitada pela Procuradoria Regional Eleitoral, no sentido de que se trata da primeira tentativa de bloqueio de valores do devedor agravado, ALCEU OLIVEIRA DA ROSA, e não de renovação de penhora online via SISBAJUD, como sustenta a UNIÃO na parte final da petição recursal, relativa aos pedidos.

Realizado tal esclarecimento, transcrevo a decisão agravada:

“[...]

Indefiro por ora o pedido de penhora on line, considerando que tais procedimentos têm atingido verbas alimentares dos devedores. Assino o prazo de 5 dias para a União promover a execução por outras vias expropriatórias menos gravosas, sob pena de arquivamento.

 

E antecipo que entendo, na esteira do posicionamento da Procuradoria Regional Eleitoral, que merece acolhida a pretensão recursal para que se proceda à diligência de busca de bloqueio eletrônico de valores com a subsequente conversão em penhora, método prioritário de constrição patrimonial em cumprimento de sentença, conforme dicção do art. 835, § 1º, do Código de Processo Civil.

O mesmo comando determina que cabe ao juiz, a requerimento do exequente e sem prévia ciência do executado, determinar às instituições financeiras que torne indisponíveis ativos financeiros existentes em nome do devedor, com limite relacionado ao valor indicado na execução.

Ademais, e nos termos do art. 854, § 3º, do CPC, cabe ao executado o ônus de demonstrar que as quantias tornadas indisponíveis correspondem a alguma das hipóteses de impenhorabilidade – por exemplo, o caráter alimentar do valor, citado na decisão agravada.

Como bem indicado no parecer da Procuradoria Regional Eleitoral, e à luz do que dispõe o art. 854, § 3°, inc. I, do CPC, “é o executado que deve comparecer aos autos e, demonstrando a onerosidade do bloqueio bancário, oferecer outros meios de garantir a execução, sendo incabível aplicar-se presunção de impenhorabilidade ex officio da conta a ser bloqueada pelo sistema Sisbajud – Bacenjud, como feito na decisão recorrida”.

Até mesmo porque a regra geral de impenhorabilidade de verbas de caráter alimentar é passível de exceções (como toda regra geral). Em acórdão do Superior Tribunal de Justiça, de relatoria do Ministro BENEDITO GONÇALVES (atual Ministro Corregedor do Tribunal Superior Eleitoral), decidiu-se que “A regra geral da impenhorabilidade de salários, vencimentos, proventos etc. (art. 649, IV, do CPC/73; art. 833, IV, do CPC/2015), pode ser excepcionada quando for preservado percentual de tais verbas capaz de dar guarida à dignidade do devedor e de sua família” (EREsp n. 1.582.475/MG, CORTE ESPECIAL, julgado em 3/10/2018, REPDJe 19/3/2019, DJe 16/10/2018), precedente este igualmente citado no louvável parecer ministerial.

Nota-se, portanto, a necessidade de análise caso a caso, sem que seja possível o indeferimento a priori, ao argumento de cautela, de uma providência recomendada pelo Conselho Nacional de Justiça, como indicado por ocasião da decisão relativa ao pedido de concessão de medida liminar. Dito de outro modo, há que se sopesar devidamente a preservação da dignidade do devedor sem que, contudo, seja tolhido em absoluto o direito do credor em obter o valor da dívida, sendo buscado equilíbrio entre o princípio da menor onerosidade e o princípio da efetividade da execução, conforme já assentado também pelo STJ no AgInt no AREsp 1.563.740/RJ, Relator Ministro RAUL ARAÚJO, QUARTA TURMA, julgado em 11/5/2020, DJe de 25/5/2020.

Nessa mesma linha há precedente do Tribunal Superior Eleitoral, igualmente indicado no d. parecer do Ministério Público Eleitoral, em que o TSE, por unanimidade, “[...] deu provimento ao recurso especial para manter a penhora dos valores, via Bacenjud, dando seguimento ao procedimento de cumprimento de sentença [...]:

ELEIÇÕES 2018. AGRAVO. RECURSO ESPECIAL. PRESTAÇÃO DE CONTAS. DIRETÓRIO ESTADUAL. DESAPROVAÇÃO. CUMPRIMENTO DE SENTENÇA. PRAZO PARA PAGAMENTO VOLUNTÁRIO. INÉRCIA. IMEDIATA ORDENAÇÃO DE ATOS DE CONSTRIÇÃO PATRIMONIAL. INTELIGÊNCIA DO ART. 523, § 3º, DO CPC. AUSÊNCIA DE VINCULAÇÃO AO PRAZO PARA IMPUGNAÇÃO DO ART. 525 DO CPC. PROVIMENTO. 1. Infirmados os fundamentos da decisão agravada e estando os autos devidamente instruídos, dá–se provimento ao agravo, com base no art. 36, § 4º, do Regimento Interno do Tribunal Superior Eleitoral, e passa–se ao exame do recurso especial.

2. A jurisprudência do TSE é firme no sentido de que, visto ser “inexistente regra eleitoral específica sobre a matéria, em razão da Compatibilidade sistêmica, aplica–se a regra do CPC prevista no capítulo relativo ao cumprimento de sentença” (AgR–PC–PP nº 214–31/DF, Rel. Min. Luís Roberto Barroso, DJe de 1º.3.2022).

3. O art. 523 do CPC estabelece o rito para o cumprimento definitivo de sentença que reconhece a exigibilidade de obrigação de pagar quantia certa e prevê as consequências da ausência de pagamento voluntário no prazo de 15 (quinze) dias, quais sejam: acréscimo de multa e de honorários de advogado de 10% cada, bem como expedição imediata do mandado de penhora e avaliação, seguindo–se dos atos de expropriação.

4. A norma de regência não condiciona a ordenação dos atos constritivos do § 3º do art. 523 do CPC ao decurso do prazo para a apresentação da impugnação prevista no art. 525 do CPC, não sendo um ato pré–requisito para o outro. Precedente do STJ.

5. Recurso especial provido.

(AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL ELEITORAL nº 060272706, Acórdão, Relator(a) Min. Carlos Horbach, Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, Tomo 222, Data 04/11/2022)

 

Ou seja, razão à UNIÃO, agravante.

Ademais, cito trecho do parecer ministerial sobre a concessão de prazo para a oferta de contrarrazões ao executado pelo juízo de primeiro grau, antes da análise, por este Tribunal, do pedido de concessão de medida liminar, e o tomo expressamente como razões de decidir, evitando-se assim desnecessária repetição:

Cumpre ressaltar que, no caso presente, o objetivo pretendido pela exequente restou esvaziado com a precipitada intimação do executado pelo juízo de origem para apresentação de contrarrazões, ainda antes da apreciação do pedido de antecipação da tutela recursal por esse Tribunal.

Sendo certo que a interposição indevida do recurso pela União diretamente nos autos do processo de cumprimento de sentença contribuiu para o referido equívoco, a intimação do executado deu-lhe pleno conhecimento da pretensão da exequente, permitindo que, em tese, pudesse sacar ou transferir os valores que eventualmente mantivesse em conta, resultando na inexistência de saldo, uma vez autorizada a consulta aos ativos financeiros em nome do executado (ID 45317483, p. 12-14).

De acordo com o caput do já citado art. 854 do CPC, para possibilitar a penhora de dinheiro em depósito ou em aplicação financeira, o juiz, a requerimento do exequente, sem dar ciência prévia do ato ao executado, determinará às instituições financeiras, por meio de sistema eletrônico gerido pela autoridade supervisora do sistema financeiro nacional, que torne indisponíveis ativos financeiros existentes em nome do executado, limitando-se a indisponibilidade ao valor indicado na execução. Tal comando normativo tem a óbvia intenção de evitar a prática, pelo executado, de atos que venham a frustrar a adoção de medidas tendentes a satisfazer o interesse do credor.

De qualquer forma, considerando que a indisponibilidade de ativos financeiros, por meio do SISBAJUD, é fundamental para permitir a penhora de dinheiro ou aplicações financeiras e, assim, promover a satisfação do crédito da maneira menos onerosa e mais célere possível (como bem lembrado na r. decisão que deferiu a liminar, trata-se de mecanismo regulamentado e cujo uso é incentivado pelo CNJ), cabendo ao executado, se for o caso, demonstrar eventual impenhorabilidade da quantia eventualmente constrita, a decisão recorrida merece ser afastada, nos exatos termos em que requerido pela agravante.

A título de desfecho, portanto, e tendo a primeira tentativa de restrição de valores (concedida liminarmente) resultado inexitosa, o provimento do recurso é medida que se impõe, no sentido de que seja repetida a diligência após ultrapassado tempo razoável da primeira tentativa, na busca da satisfação da dívida.

Diante do exposto, VOTO pelo provimento do agravo de instrumento, para o fim de reformar a decisão agravada e determinar ao juízo de origem a renovação da penhora online de ativos financeiros do devedor, via SISBAJUD, ultrapassado tempo razoável da primeira diligência.