REl - 0600918-73.2020.6.21.0029 - Voto Relator(a) - Sessão: 08/05/2023 às 09:30

VOTO

O recurso é adequado, tempestivo e comporta conhecimento.

Trata-se de recurso interposto contra sentença que desaprovou as contas de campanha, eleições 2020, cargo de vereadora, de VALDECIRA VANESSA DE ALMEIDA HUTT, no Município de Lajeado/RS, em razão de falhas que comprometeram a regularidade das contas apresentadas, em especial a contrariedade ao art. 38 e seus incisos da Resolução TSE n. 23.607/19.

A sentença (ID 44973206) foi no seguinte sentido:

Verifica-se que a prestação de contas foi apresentada tempestivamente pelo candidato e instruída com os documentos arrolados na Resolução TSE nº 23.607/2019.

Observa-se que a unidade técnica promoveu a adequada fiscalização das contas, juntando relatório técnico, no qual observa que a irregularidade apontada no parecer preliminar, não foi sanada, restando, como irregular o pagamento de despesa, com recursos do FEFC, totalizando o valor de R$ 500,00 (quinhentos reais) sem a contraparte, contrariando o que dispõem os arts. 38 da Resolução TSE nº 23.607/2019:

[…]

Verificando o extrato bancário de recursos com FEFC - ID 100392641 e documentos apresentados na prestação de contas do candidato:

a) O cheque 850001, pago em outra agência, se refere a despesa elencada no ID 100042866 – prestador de serviço Bruno Vinicius Barbosa de Carvalho onde também visualizamos a cópia do cheque emitido em desacordo com o art. 38 da resolução 23.607/2019.

Cabe salientar que, todas as modalidades de pagamento previstas no art. 38 da Res. 23.607/2019, permitem a identificação, no extrato bancário, do beneficiário do pagamento (contraparte) e da conta de destino, o que é importante para comprovar que o pagamento teve como destinatário o fornecedor da nota fiscal emitida ou do prestador de serviço declarado na prestação de contas.

Da forma como foi realizado o pagamento, não temos como atestar, de modo seguro, a destinação dos recursos públicos do Fundo Especial de Financiamento de Campanha.

Cabe referir que cumpre ao prestador comprovar a despesa e o pagamento, seja por microfilmagem do cheque nominal cruzado ou comprovante de transferência bancária, conforme art. 38 da Resolução, sob pena de recolhimento ao Tesouro Nacional dos valores não comprovados.

Pela análise dos documentos acostados ao processo, houve, de fato, a não observância de norma objetiva que exige, sem exceções, que o cheque manejado para pagamento de despesa eleitoral seja nominal e cruzado.

Em especial, considerando a modalidade de pagamento por cheque, é possível constatar que o regulamento eleitoral tem se preocupado cada vez mais em identificar o recebedor dos valores e restringir a livre circulação do documento de crédito. Tal conclusão é autorizada pela alteração da redação do dispositivo pertinente: para as Eleições 2018, o art. 40 da Resolução TSE n. 23.553/17 estabelecia a possibilidade de utilização de “cheque nominal” no inc. I, enquanto para as Eleições 2020, como se transcreveu acima, a exigência é de “cheque nominal cruzado” no dispositivo equivalente (inc. I do art. 38).

A finalidade da exigência do cruzamento do cheque reside na obrigação de o recebedor depositá-lo em conta bancária para compensá-lo. Tal procedimento permite à Justiça Eleitoral rastrear o trânsito de valores, conferindo maior confiabilidade às informações inseridas na escrituração contábil (TRE-RS, REL n. 0600274-39.2020.6.21.0027, Relator Des. Federal Luís Alberto D Azevedo Aurvalle, julgado em 07.07.2021).

Na hipótese, o recorrente juntou aos autos (ID 100042866) cópia do cheque n. 850001 (R$ 500,00), emitido de forma nominal e não cruzado, e verificou-se no extrato bancário (ID 100392641) da conta que movimentou recursos do FEFC o pagamento sem indicação de contraparte.

O apontamento corresponde a 70,37% dos recursos financeiros recebidos, tratando-se de falha grave, uma vez que caracteriza irregularidade na comprovação de recursos cuja natureza é pública, gerando a obrigação de ressarcir ao Tesouro Nacional o montante de R$ 500,00 (quinhentos reais), conforme disposto no art. 79, §1º, da Resolução TSE n. 23.607/2019.

[…]

Ante o exposto, julgo DESAPROVADAS as contas de VALDECIRA VANESSA DE ALMEIDA HUTT, referentes às eleições municipais de 2020, nos termos do art. 30, inciso III, da Lei nº 9.504/1997, e do art. 74, inciso III, da Resolução TSE nº 23.607/2019, ante os fundamentos declinados.

Com o trânsito em julgado, deverá o candidato, no prazo de 5 (cinco) dias, recolher o montante de R$ 500,00 (quinhentos reais), devidamente atualizado- desde a data da ocorrência do fato gerador até a do efetivo recolhimento, ao Tesouro Nacional, mediante Guia de Recolhimento da União (GRU), juntando o comprovante aos autos.

 

Assim, a sentença acolheu os apontamentos efetuados pela unidade técnica em seu parecer conclusivo (ID 44973195) de que os recursos financeiros originários do Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC) foram empregados incorretamente, pois a prestadora não respeitou as disposições do art. 38, inc. I, de tal forma que lhe foi aplicada a penalidade prevista no art. 79, § 1º, da Resolução TSE n. 23.607/19.

Sustenta a recorrente que a falha apurada não impede a identificação da operação de pagamento, pois “cabe ressaltar que, apesar de não ter ocorrido a observância ao disposto no art. 38, da Resolução TSE n. 23.607/2019, pagamento com cheque cruzado, é perfeitamente possível a identificação do pagamento realizado, tanto do contratante, quanto do contratado, constando inclusive informações quanto ao CPF e CNPJ, no documento juntado no ID 100042866, contrato de prestação de serviços na Campanha Eleitoral” (ID 44973210).

É mencionado que a prestadora efetuou pagamento por meio de cheque não cruzado, o que impossibilitou a aferição da contraparte. A unidade técnica, em seu parecer conclusivo, esclarece o ponto da seguinte forma (ID 44973195):

Foram identificadas no extrato bancário destinado a conta FEFC (ID 100392641), despesas totalizando o valor de R$ 500,00 sem a contraparte, contrariando o que dispõem os arts. 38 da Resolução TSE nº 23.607/2019, as quais representam 93,38% em relação ao total das despesas realizados com recursos do Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC):

Identificação da conta bancária: - BCO DO BRASIL S.A. (BB) / 139 / 00000000000000787361

Natureza da conta: FUNDO ESPECIAL DE FINANCIAMENTO DE CAMPANHA (FEFC)

[...]

Conforme art. 38 da Resolução 23.607/2019:

Art. 38 Os gastos eleitorais de natureza financeira, ressalvados os de pequeno vulto previstos no art. 39 e o disposto no § 4º do art. 8º, ambos desta Resolução, só podem ser efetuados por meio de:

I - cheque nominal cruzado;

II - transferência bancária que identifique o CPF ou CNPJ do beneficiário;

III - débito em conta; ou

IV - cartão de débito da conta bancária.

§ 1º O pagamento de boletos registrados pode ser realizado diretamente por meio da conta bancária, vedado o pagamento em espécie.

§ 2º É vedado o pagamento de gastos eleitorais com moedas virtuais.

Conforme ID 100042866 verificamos que o cheque emitido não foi cruzado.

Em sua manifestação, o candidato alega que apesar de não ter ocorrido a observância ao disposto no artigo 38, da resolução TSE nº 23.607/2019, pagamento com cheque cruzado, é perfeitamente possível a identificação do pagamento realizado, tanto do contratante, quanto do contratado, constando inclusive informações quanto CPF e CNPJ, no documento juntado no ID 100042866, “contrato de prestação de serviços na Campanha eleitoral”.

Desta forma não é possível verificar se o sacador do documento de crédito foi aquele apontado como beneficiário do pagamento na prestação de contas, no extrato bancário da conta que movimentou recursos do FEFC. Isso porque restou registrado “CHEQUE PAGO EM OUTRA AGÊNCIA”.

Total de recursos do FEFC recebidos

Recursos do FEFC sem a contraparte no extrato bancário

% de Recursos pagos sem a devida comprovação

R$ 500,00

R$ 500,00

70,37


 

Cabe salientar que, todas as modalidades de pagamento previstas no art. 38 da Res. 23.607/2019, permitem a identificação, no extrato bancário, do beneficiário do pagamento (contraparte) e da conta de destino, o que é importante para comprovar que o pagamento teve como destinatário o fornecedor da nota fiscal emitida ou do prestador de serviço declarado na prestação de contas.

Pagamentos efetuados sem observar as modalidades de pagamentos previstas no art. 38, estão sujeitos a recolhimento ao TN.
 

Houve, portanto, infração ao disposto no art. 38 da Resolução TSE n. 23.607/19, o qual determina que os gastos eleitorais de natureza financeira só podem ser efetuados por meio de:

I.   cheque nominal cruzado;

II.  transferência bancária que identifique o CPF ou CNPJ do beneficiário;

III. débito em conta; ou

IV. cartão de débito da conta bancária.

 

Na espécie, a recorrente emitiu 1 (um) cheque sem que se pudesse identificar o respectivo beneficiário, em descumprimento ao que determina o art. 38 da Resolução TSE n. 23.607/19, não apresentando identificação da contraparte no extrato bancário, ofendendo, dessa forma, a legislação de regência. Ademais, os outros documentos produzidos pela candidata (contrato de prestação de serviços e recibo de pagamento ID 44973171) não elidem a observância da norma. Nesse sentido, o que constou no bem confeccionado parecer da douta Procuradoria Regional Eleitoral (ID 45414678): 

O pagamento com cheque no valor de R$ 500,00 não está amparado em adequada comprovação da despesa realizada com recursos públicos, porquanto o título não foi emitido na forma nominativa e cruzada, em descumprimento ao que determina o art. 38 da Resolução TSE nº 23.607/2019, não havendo elementos para identificar o respectivo beneficiário. A mera juntada de documentos produzidos pela candidata ou pelo suposto prestador de serviços (ID 44973171) não supre a exigência estabelecida pela norma citada.

Cumpre ressaltar que os meios de pagamento previstos no art. 38 da Resolução TSE nº 23.607/2019 são os únicos que permitem identificar exatamente a pessoa, física ou jurídica, que recebeu o valor depositado na conta de campanha, constituindo, assim, um mínimo necessário para efeito de comprovação do real destinatário dos recursos e, por consequência, da veracidade do gasto correspondente.


 

No caso em tela, sendo o pagamento realizado sem a devida identificação do destinatário do valor, restou inviabilizado o sistema instituído pela Justiça Eleitoral para conferir transparência e publicidade às receitas e aos gastos de campanha, impedindo o controle e a fiscalização da destinação dos recursos públicos.

Outro ponto que restou prejudicado foi o rastreamento bancário para verificação de que o destinatário do pagamento de fato pertenceu à relação que originou o gasto de campanha, além de outros controles públicos, como é o caso da Receita Federal e do COAF.

A legislação eleitoral contempla os arts. 38 e 60, caput e §§ 1º e 2º, da Resolução TSE n. 23.607/19 para análise conjunta das despesas. O primeiro dispositivo legal elenca os meios pelos quais os pagamentos devem ser efetuados, e o segundo contempla um rol de documentos complementares à comprovação dos gastos eleitorais.

Dessa maneira, a Justiça Eleitoral construiu uma análise circular das despesas, contando, para isso, com dados das instituições financeiras, dos prestadores de contas e dos terceiros contratados para atestar a origem e o destino dos valores.

A Procuradoria Regional Eleitoral explicita em suas palavras a necessidade de analisar de forma conjunta os dados extraídos (ID 45414678):

É somente tal triangularização entre prestador de contas, instituição financeira e terceiro contratado, com dados provenientes de diversas fontes distintas, que permite, nos termos da Resolução TSE n. 23.607/2019, o efetivo controle dos gastos de campanha a partir do confronto dos dados pertinentes. Saliente-se, ademais, que tal necessidade de controle avulta em importância quando, como no caso, se trata de aplicação de recursos públicos.

 

Nesse norte, deve ser mantida a irregularidade atinente ao pagamento no valor total de R$ 500,00. Persiste a obrigação do recolhimento da quantia ao Tesouro Nacional, visto que se trata de utilização de verbas de natureza pública (FEFC), provenientes do contribuinte pagador de impostos, devendo haver o máximo zelo na fiscalização e aplicação desses recursos.

Por fim, destaco que as falhas observadas se encontram nominalmente abaixo do parâmetro legal de R$ 1.064,10, admitido pela jurisprudência como “balizador, para as prestações de contas de candidatos”, e “como espécie de tarifação do princípio da insignificância” (AgR–REspe 0601473–67, de relatoria do Ministro Edson Fachin, de 5.11.2019), admitindo a aprovação com ressalvas das contas.

Diante do exposto, VOTO pelo conhecimento e parcial provimento do recurso para aprovar com ressalvas as contas da recorrente, mantendo-se a determinação de recolhimento ao Tesouro Nacional do valor de R$ 500,00.