PCE - 0602984-45.2022.6.21.0000 - Voto Relator(a) - Sessão: 08/05/2023 às 09:30

VOTO

PAULO ROGERIO MATTOS GOMES, candidato não eleito ao cargo de deputado estadual nas eleições 2022, apresentou sua prestação de contas referente à arrecadação e ao dispêndio de recursos de campanha.

Processados os documentos nos termos da Resolução TSE n. 23.607/19, foi elaborado parecer conclusivo em que o órgão técnico entendeu sanadas algumas das falhas apontadas na análise preliminar, apontando a permanência de mácula na contabilidade relacionada à utilização de recursos de origem não identificada. A glosa estaria relacionada ao depósito em dinheiro do valor de R$ 2.000,00 na conta do Fundo Especial de Financiamento de Campanha - FEFC realizado em nome do próprio prestador.

Passo à análise do apontamento.

 

Dos recursos de origem não identificada

A análise técnica identificou depósito em dinheiro no valor de R$ 2.000,00 realizado na conta destinada aos recursos do FEFC (conta n. 762857, ag. 2694, do Banco do Brasil), cuja contraparte é o próprio candidato, em contrariedade ao disposto no art. 21, § 1º, da Resolução TSE n. 23.607/19.

Em sua manifestação, o prestador afirma que

reconhece que o depósito realizado, no valor de R$ 2.000,00 (dois mil reais), ultrapassou o limite previsto no art. 21, § 1º, da Resolução nº 23.607/2019, do TSE.

Contudo, ao analisarmos as peculiaridades do depósito, verificamos que foi realizado pelo próprio candidato. Além disso, foi equivodamente efetuado na conta denominada “FEFC”, ou seja, em favor do Tesouro Nacional.

Todavia, caso seja mantido o apontamento, se requer, desde já, com amparo no princípio da proporcionalidade, que a determinação de recolhimento ao Tesouro seja tão somente da importância que tenha superado o limite legal de R$ 1.064,10 ( mil e sessenta e quatro reais e dez centavos), sob pena de restar configurado um indecoroso enriquecimento sem causa por parte da União.

 

A matéria objeto de exame encontra-se disciplinada no art. 21, inc. I e § 1º, da Resolução TSE n. 23.607/19, verbis:

Art. 21. As doações de pessoas físicas e de recursos próprios somente poderão ser realizadas, inclusive pela internet, por meio de:

I – transação bancária na qual o CPF do doador seja obrigatoriamente identificado;

(…).

§ 1º As doações financeiras de valor igual ou superior a R$1.064,10 (mil e sessenta e quatro reais e dez centavos) só poderão ser realizadas mediante transferência eletrônica entre as contas bancárias da doadora ou do doador e da beneficiária ou do beneficiário da doação ou cheque cruzado e nominal.

(…).

§ 3º As doações financeiras recebidas em desacordo com este artigo não podem ser utilizadas e devem, na hipótese de identificação do doador, ser a ele restituídas ou, se isso não for possível, devem ser consideradas de origem não identificada e recolhidas ao Tesouro Nacional, na forma prevista no caput do art. 32 desta Resolução.

§ 4º No caso da utilização das doações financeiras recebidas em desacordo com este artigo, ainda que identificado o doador, os valores devem ser recolhidos ao Tesouro Nacional, na forma do disposto caput do art. 32 desta Resolução.

§ 5º Além da consequência disposta no parágrafo anterior, o impacto sobre a regularidade das contas decorrente da utilização dos recursos recebidos em desacordo com este artigo será apurado e decidido por ocasião do julgamento.

(…) Grifei.

 

Art. 32. Os recursos de origem não identificada não podem ser utilizados por partidos políticos e candidatas ou candidatos e devem ser transferidos ao Tesouro Nacional por meio de Guia de Recolhimento da União (GRU).

§ 1º Caracterizam o recurso como de origem não identificada:

I – a falta ou a identificação incorreta da doadora ou do doador;

(…) (Grifei.)

 

Conforme se depreende dos dispositivos transcritos, é possível a realização de doação de valor em espécie por meio de depósito, desde que a quantia seja inferior a R$ 1.064,10 e que o CPF do doador seja informado. Para a realização de doação acima desse parâmetro, seria necessária a realização de transferência eletrônica entre as contas bancárias do doador e do candidato beneficiário ou cheque cruzado e nominal.

A utilização da modalidade adequada de transferência de valores é necessária para a identificação do doador e sua não observância determina que os recursos manejados sejam reputados como de origem não identificada. Havendo a utilização de tais recursos, o valor equivalente deve ser recolhido ao Tesouro Nacional.

De fato, restou constatada nos autos a realização do depósito em espécie, efetuado no dia 29/09/2022, no valor de R$ 2.000,00, na conta específica destinada à movimentação exclusiva dos recursos oriundos do Fundo Especial de Financiamento de Campanha.

Além da indesejável confusão entre recursos públicos e privados, o prestador não logrou êxito em demonstrar que os valores depositados realmente foram provenientes de numerário próprio.

Em caso de doações realizadas sem a observância da modalidade correta de transferência de recursos, este Tribunal Regional Eleitoral tem abrandado os rigores da norma ao admitir que o interessado comprove, por exemplo, que sacou um montante de sua conta e, em seguida, realizou depósito na conta de campanha. Nesse sentido, Prestação De Contas Eleitorais n. 060249775, Acórdão, Relator Des. Eleitoral AMADEO HENRIQUE RAMELLA BUTELLI, Publicação: PSESS - Publicado em Sessão, Data 24/11/2022.

Nenhuma prova nesse sentido foi produzida nestes autos, de maneira que a finalidade da norma que exige a identificação específica dos doadores de campanha não foi atendida. Não foi possível, portanto, que se realizassem os controles previstos na espécie, em especial, aqueles relacionados à prevenção da utilização de recursos provenientes de fontes vedadas.

Nessa linha, colaciono precedente deste Tribunal Regional no sentido de que o depósito identificado, em situações como a dos autos, é incapaz de comprovar a efetiva origem dos recursos, haja vista a ausência de seu trânsito prévio pelo sistema bancário e a natureza essencialmente declaratória desse ato financeiro:

PRESTAÇÃO DE CONTAS. ELEIÇÕES 2022. CANDIDATO ELEITO. DEPUTADO ESTADUAL. ARRECADAÇÃO E DISPÊNDIO DE RECURSOS DE CAMPANHA. PARECER TÉCNICO PELA DESAPROVAÇÃO. OMISSÃO DE PRESTAÇÃO DE CONTAS PARCIAIS. FALHA MERAMENTE FORMAL. RECEBIMENTO DE RECURSOS DE ORIGEM NÃO IDENTIFICADA – RONI. DEPÓSITO EM ESPÉCIE REALIZADO EM VALOR SUPERIOR AO LIMITE REGULAMENTAR. INFRAÇÃO AO ART. 21, § 1º, DA RESOLUÇÃO TSE N. 23.607/19. BAIXO PERCENTUAL. APLICAÇÃO DOS PRINCÍPIOS DA RAZOABILIDADE E DA PROPORCIONALIDADE. DETERMINADO O RECOLHIMENTO AO TESOURO NACIONAL. APROVAÇÃO COM RESSALVAS. 1. Prestação de contas apresentada por candidato ao cargo de deputado estadual, referente à arrecadação e ao dispêndio de recursos de campanha nas eleições gerais de 2022. 2. Omissão quanto à entrega de prestação de contas parcial (art. 47, inc. II, § 4º, da Resolução TSE n. 23.607/19), relativamente à movimentação financeira aferida. Falha meramente formal, pois se trata de simples atraso na entrega de informações, as quais constaram explicitadas nas contas finais, não impedindo a fiscalização sobre a movimentação financeira. 3. Identificada doação financeira recebida de pessoa física em valor superior ao limite regulamentar, realizada de forma distinta da opção de transferência eletrônica ou cheque cruzado e nominal, entre as contas bancárias do doador e do beneficiário da doação, contrariando o disposto no art. 21, § 1º, da Resolução TSE n. 23.607/19. As doações em montante igual ou superior a R$ 1.064,10 devem ser realizadas mediante transferência eletrônica entre as contas bancárias do doador e do beneficiário da doação ou cheque cruzado e nominal, devendo os valores ser recolhidos ao Tesouro Nacional, caso haja utilização dos recursos recebidos em desacordo com o estabelecido no dispositivo. Embora o depósito tenha sido realizado com a anotação do CPF do doador, é firme o posicionamento do egrégio Tribunal Superior Eleitoral no sentido de que o mero depósito identificado é incapaz de comprovar a efetiva origem dos recursos, haja vista a ausência de seu trânsito prévio pelo sistema bancário e a natureza essencialmente declaratória desse ato financeiro. 4. A irregularidade constatada alcança 0,54% do total arrecadado, autorizando a aplicação dos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade. Determinado o recolhimento ao Tesouro Nacional, nos termos do art. 32, caput e § 1º, inc. I, da Resolução TSE n. 23.607/19. 5. Aprovação com ressalvas.

(PRESTAÇÃO DE CONTAS ELEITORAIS n. 060359413, Acórdão, Relator(a) Des. CAETANO CUERVO LO PUMO, Publicação: PSESS - Publicado em Sessão, Data 06/12/2022) (Grifei)

 

Assim, reconheço a irregularidade, a qual configura recebimento de recursos de origem não identificada no montante de R$ 2.000,00.

Por fim, inviável acolher a pretensão do prestador de que a determinação de recolhimento ao Tesouro Nacional seja somente da importância que superou o limite legal de R$ 1.064,10. A jurisprudência deste Tribunal Regional Eleitoral está consolidada no sentido de que os valores a serem recolhidos devem abranger a integralidade do valor do crédito que violou a norma. Ilustrativamente, mutatis mutandis, trago o seguinte precedente:

RECURSO. ELEIÇÕES 2020. PRESTAÇÃO DE CONTAS. CANDIDATOS. PREFEITO E VICE-PREFEITO. DEPÓSITOS BANCÁRIOS SUCESSIVOS EM ESPÉCIE ACIMA DO LIMITE REGULAMENTAR. RESOLUÇÃO TSE N. 23.607/19. DEPÓSITO IDENTIFICADO COM CPF. IMPOSSIBILIDADE DE DEMONSTRAR A ORIGEM DOS RECURSOS. ATO DE NATUREZA DECLARATÓRIA. RECURSOS DE ORIGEM NÃO IDENTIFICADA. RECOLHIMENTO AO TESOURO NACIONAL. PERCENTUAL E VALOR NOMINAL ELEVADOS. DESAPROVAÇÃO DAS CONTAS. DESPROVIMENTO.

1. Recurso contra sentença que desaprovou as contas de candidatos não eleitos aos cargos de prefeito e vice, relativas ao pleito de 2020, devido ao recebimento de sete depósitos bancários em espécie, realizados na mesma data, identificados com o CPF de três doadores, determinando o recolhimento da quantia recebida ao Tesouro Nacional.

2. Embora os depositantes tenham sido identificados com CPF, o procedimento de realizar depósitos sucessivos no mesmo dia contraria o disposto no art. 21, inc. I, §§ 1º e 2º, da Resolução TSE n. 23.607/19, que estabelece o limite de R$ 1.064,10 para doações bancárias sucessivas em espécie efetuadas por um mesmo doador na mesma data. É firme o posicionamento do egrégio Tribunal Superior Eleitoral no sentido de que o mero depósito identificado é incapaz de comprovar a efetiva origem dos recursos, em virtude da ausência de seu trânsito prévio pelo sistema bancário e a natureza essencialmente declaratória desse ato.

3. O total dos depósitos sucessivos realizados por doadores, em um mesmo dia, deve ser somado para fins de aferição do limite legal, pois é a integralidade do crédito recebido na mesma data que acarreta a superação do teto de doações, comprometendo a confiabilidade e a transparência das contas. Inviável a tese de que apenas a partir do segundo depósito devem os valores ser recolhidos ao erário.

4. Na hipótese, inexiste comprovação mínima sobre a origem dos recursos ou o motivo pelo qual não foram realizados depósitos por transferências bancárias de modo conjunto, impossibilitando que a falha seja relevada. Considerando que os depósitos em dinheiro realizados na conta bancária caracterizam recursos de origem não identificada, o total da quantia recebida deve ser recolhida ao Tesouro Nacional, com fundamento no art. 32 da Resolução TSE n. 23.607/19. Inviável o pedido de devolução aos depositantes, visto que, embora nominados nas doações, não se tem a certeza da origem dos valores doados.

5. A irregularidade representa 65,64% do total das receitas financeiras e ultrapassa o valor de parâmetro de R$ 1.064,10 que a Resolução TSE n. 23.607/19 considera módico, impedindo o juízo de aprovação das contas, mesmo com ressalvas, pois a falha é grave e compromete de forma insanável a confiabilidade da movimentação financeira.

6. Desprovimento. Mantida a desaprovação das contas. Recolhimento ao Tesouro Nacional.

(Recurso Eleitoral n 060051568, ACÓRDÃO de 15/12/2021, Relator: DES. ELEITORAL GERSON FISCHMANN, Publicação: PJE - Processo Judicial Eletrônico) (Grifei.)

Logo, impõe-se o dever de recolhimento da quantia total de R$ 2.000,00 ao Tesouro Nacional.

 

Conclusão

A falha consolidada em R$ 2.000,00 representa 1,55% do total das receitas declaradas na campanha (R$ 128.598,60), percentual que autoriza a aplicação dos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade para aprovação das contas com ressalvas, na esteira da jurisprudência do TSE e desta Corte.

A aprovação com ressalvas, no entanto, não tem aptidão para afastar a necessidade de recolhimento ao Tesouro Nacional dos valores considerados como de origem não identificada, nos termos do § 4º do art. 21, c/c art. 32, ambos da Resolução TSE n. 23.607/19.

 

Dispositivo

DIANTE DO EXPOSTO, voto por aprovar com ressalvas as contas de campanha de PAULO ROGERIO MATTOS GOMES, candidato não eleito ao cargo de deputado estadual nas eleições 2022, nos termos do art. 74, inc. II, da Resolução TSE n. 23.607/19, impondo a determinação de recolhimento do valor de R$ 2.000,00 (dois mil reais) ao Tesouro Nacional.