PCE - 0600416-27.2020.6.21.0000 - Voto Relator(a) - Sessão: 28/04/2023 às 14:00

VOTO

Trata-se de analisar contas referentes ao pleito municipal de 2020 apresentadas pelo Diretório Regional do PARTIDO DA SOCIAL DEMOCRACIA BRASILEIRA – PSDB – Rio Grande do Sul, representando R$ 3.190.126,00 (três milhões, cento e noventa mil e cento e vinte e seis reais) em recursos arrecadados e R$ 3.189.885,16 (três milhões, cento e oitenta e nove mil, oitocentos e oitenta e cinco reais e dezesseis centavos) em despesas contratadas e pagas (cf. parecer conclusivo, ID 44992715).

Restaram controvertidos os pontos destacados pelo apontamento da unidade técnica e pelo parecer ministerial: (a) omissão de gastos eleitorais no valor de R$ 7.033,69; (b) irregularidades na aplicação de recursos do Fundo Partidário (FP) destinados a ações afirmativas em candidaturas femininas e negras.

Primeiramente, a percepção da omissão de gastos eleitorais decorre da emissão de notas fiscais, no curso das Eleições Municipais de 2020, sendo tomador do serviço (ou do produto) o partido em tela (CNPJ 97.260.160/0001-01), relacionadas na tabela 1 do Parecer Conclusivo (15.6.2022, ID 44992716, p.11). Note-se, por oportuno, a ausência da declaração desses valores nesta prestação. A unidade técnica, ainda, menciona "que referidos gastos não constaram da prestação de contas anual do partido (Sistema de Prestação de Contas Anual – SPCA)", (cf. Parecer Conclusivo, 15.6.2022, ID 44992716, p.3).

A defesa, por sua vez, refuta esse ponto, aduzindo: a) a indisponibilidade de sistema de rastreio de notas fiscais; b) o desconhecimento das notas emitidas (não tendo sido tomadora dos produtos e/ou dos serviços) até o apontamento da irregularidade no relatório de exame em 26.01.2022 (ID 44992716); c) a impossibilidade de requerer, neste momento, o cancelamento das notas perante as autoridades tributárias; d) a aplicação do art. 35, § 6º, da Resolução TSE n. 23.607/19.

A despeito da tese defensiva, as notas fiscais eletrônicas omitidas estão disponíveis na Internet, em sistema próprio da Justiça Eleitoral (divulgacandcontas), para consulta pública, (https://divulgacandcontas.tse.jus.br/divulga/#/partido/2020/2030402020/RS/3/45/nfes, atualizada em 15.12.2020, cf. canto superior da página). Note-se que as contas foram prestadas em 15.12.2020 (ID 39478233), sendo possibilitado o cotejamento da contabilidade partidária com as notas fiscais eletrônicas disponibilizadas pela Justiça Eleitoral em colaboração com as autoridades fiscais, na forma da Resolução TSE n. 23.607/19.

Mesmo assim, até a presente data, como destacado pelo Procurador Regional Eleitoral em seu parecer, “o prestador não comprovou a adoção de nenhuma providência para o estorno dos documentos fiscais ou outra medida junto” à autoridade fazendária (ID 45444945, p.5, 24.3.2023). (Sublinhou-se.)

Relativamente à alegação defensiva de que é impossível realizar o cancelamento de documentos fiscais, cumpre referir que, por intermédio da Instrução Normativa 98/11, a Subsecretaria da Receita Estadual do Rio Grande do Sul esclarece sobre a possibilidade de estorno da NF-e nos casos em que a operação não tenha sido realizada e o cancelamento não tenha sido transmitido no prazo de 24 horas, contadas do momento em que foi concedida a respectiva Autorização de Uso.

Note-se, por oportuno, que a emissão de nota não correspondente à venda de mercadoria ou ao serviço prestado, inserindo declaração falsa sobre o real comprador (amoldando-se, em tese, nos arts. 172 e 299 do Código Penal), torna a obrigação tributária acessória (emissão de nota fiscal eletrônica) nula por simulação (art. 167, caput, § 1º, Código Civil).

Assim, a autoridade administrativa poderia ter reconhecido a nulidade de seus atos eivados de vício (Súmulas 346 e 473 do STF) e/ou desconsiderado atos ou negócios jurídicos praticados com a finalidade de dissimular a natureza dos elementos constitutivos da obrigação tributária (art. 116, parágrafo único, do Código Tributário Nacional).

Todavia, nos presentes autos, não há notícia de comunicação às autoridades policiais (registro de boletim de ocorrência), aos órgãos de fiscalização tributária (exercício do direito constitucional de petição, art. 5º, inc. XXXIV, al. "a", da CF/88), nem mesmo de recurso ao Tribunal Administrativo de Recursos Fiscais (TARF-SEFAZ-RS) ou aos Conselhos de Contribuintes Municipais.

No mesmo passo, o efeito similar ao cancelamento da nota poderia ser obtido através de ação própria no juízo competente, conforme ementa abaixo transcrita:

RECURSO INOMINADO. AÇÃO DECLARATÓRIA DE NULIDADE C/C INDENIZATÓRIA POR DANOS MORAIS. EMISSÃO INDEVIDA DE NOTA FISCAL. AUTOR QUE FAZIA JUS AO CANCELAMENTO DA NOTA. NEGÓCIO JURÍDICO INEXISTENTE. FALHA NA PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS DA RÉ. DECLARAÇÃO DE NULIDADE QUE COMPORTA PROCEDÊNCIA. DANOS MORAIS INEXISTENTES - AUSÊNCIA DE DANOS AOS DIREITOS DA PERSONALIDADE DO CONSUMIDOR. RECURSO CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO.

(TJPR - 1ª Turma Recursal - 0076993-94.2018.8.16.0014 - Londrina - Rel.: JUÍZA DE DIREITO DA TURMA RECURSAL DOS JUIZADOS ESPECIAIS VANESSA BASSANI - J. 08.02.2021) (Grifou-se e sublinhou-se.)

 

Ademais, competia ao prestador, além do correto cancelamento das notas fiscais perante o órgão tributário competente, a apresentação de “esclarecimentos firmados pela fornecedora ou pelo fornecedor” (art. 92, § 6º, in fine, Resolução TSE n. 23.607/19).

Nada foi comprovado pela agremiação partidária. Ao contrário, presume-se a existência da despesa pela simples emissão da nota fiscal, conforme julgado desta e. Corte nos autos do Recurso Eleitoral n. 0600277-28.2020.6.21.0048, cuja ementa segue colacionada:

RECURSO. ELEIÇÕES 2020. PRESTAÇÃO DE CONTAS. CANDIDATO. VEREADOR. PRELIMINAR. JUNTADA DE DOCUMENTOS NA VIA RECURSAL. POSSIBILIDADE. ART. 266 DO CÓDIGO ELEITORAL. OMISSÃO DE GASTOS. NOTA FISCAL EMITIDA CONTRA O CNPJ DE CAMPANHA. PRESUNÇÃO DE EXISTÊNCIA DA DESPESA. DECLARAÇÃO UNILATERAL. DESPESA DE COMBUSTÍVEL. VEÍCULO UTILIZADO PELO CANDIDATO. RESOLUÇÃO TSE N. 23.607/19. RECURSO DE ORIGEM NÃO IDENTIFICADA – RONI. RECOLHIMENTO AO TESOURO NACIONAL. IRREGULARIDADE DE PERCENTUAL E VALORES MÓDICOS. APROVAÇÃO COM RESSALVAS. PROVIMENTO.

(...)

3. A legislação eleitoral preconiza que a emissão de nota fiscal para o CNPJ de campanha gera a presunção de existência da despesa, conforme preceitua o art. 60, caput, da Resolução TSE n. 23.607/19. Se o gasto não ocorreu ou se o candidato não reconhece a despesa, a nota fiscal deve ser cancelada, consoante estipula o art. 59 da Resolução TSE n. 23.607/19, e, em sequência, adotados os procedimentos previstos no art. 92, §§ 5º e 6º, da mesma Resolução. Caracterizada a omissão de registro de despesas, em infringência ao disposto no art. 53, inc. I, al. “g”, da Resolução TSE n. 23.607/19, consoante o qual a prestação de contas deve ser composta das informações relativas a todos os gastos eleitorais, com especificação completa.

4. Nos termos do art. 35, § 6º, al. “a”, da Resolução TSE n. 23.607/19, o pagamento de combustível em veículo de uso do próprio candidato não pode ser originário de receitas de campanha, quer públicas, quer privadas. Para o afastamento da irregularidade, seria necessário o cancelamento da nota fiscal expedida contra o CNPJ de campanha, consoante previsão do art. 59 da Resolução TSE n. 23.607/19, ao efeito de descaracterizar a aquisição de combustíveis como gasto eleitoral. A simples declaração unilateral do prestador ou de seu fornecedor não constituem meios de comprovação idôneos para desconstituir o conteúdo da nota fiscal emitida, conferindo à despesa natureza de cunho pessoal.

5. As despesas não declaradas implicam sonegação de informações a respeito dos valores empregados para a quitação de dívida de campanha, cujo trânsito ocorreu de forma paralela à contabilidade formal do candidato, caracterizando o recurso como de origem não identificada, nos termos do art. 32, caput e inc. VI, da Resolução TSE n. 23.607/19, impondo o recolhimento do valor correspondente ao Tesouro Nacional. A irregularidade perfaz módica quantia e representa apenas 9% da receita declarada, viabilizando a aprovação das contas com ressalvas, na esteira da jurisprudência desta Corte e do TSE.

6. Provimento.

(Recurso Eleitoral n. 060027728, Acórdão, Relator(a) Des. FRANCISCO JOSÉ MOESCH, Publicação: PJE - Processo Judicial Eletrônico-PJE.)

 

A propósito, na esteira do parecer ministerial, não é possível aos presentes fatos a subsunção da regra do § 6º do art. 35 da Resolução TSE n. 23.607/19, na medida em que “as despesas foram contraídas e adimplidas em prol da agremiação, e não de um candidato em particular, de modo que o gasto não possui o atributo de despesa de ‘natureza pessoal’” (ID 45444945). Portanto, as despesas omitidas relacionadas pela unidade técnica (tabela, ID 44992716) deveriam ter sido contabilizadas pelo partido.

A inação, por conseguinte, denota, no aspecto sob análise, desídia ou cegueira deliberada do diretório de suas obrigações contábeis e fiscais, sendo responsável pela omissão das notas fiscais relacionadas pela unidade técnica (ID 44992716, 15.6.2022, p.11) e, consequentemente, pelo recolhimento de R$ 7.033,69 (sete mil, trinta e três reais e sessenta e nove centavos) aos cofres públicos.

A quantia em questão caracteriza-se como recebimento de recursos de origem não identificada, uma vez que os valores utilizados para o pagamento das despesas contraídas durante o período eleitoral não circularam pela conta bancária da agremiação.

Em segundo, as irregularidades na aplicação de recursos do Fundo Partidário (FP) destinados a ações afirmativas em candidaturas femininas e negras consistem na omissão de repasse para candidatas negras e para candidatos negros, respectivamente, de R$ 12.128,24 e de R$ 11.580,67, perfazendo a omissão de repasses o total de R$ 23.708,91 (vinte e três mil, setecentos e oito reais e noventa e um centavos), na forma descrita no exame de contas (ID 44933986, em 02.3.2022, p.7-10).

A promulgação da Emenda Constitucional n. 117, que anistia os partidos políticos das sanções pelo descumprimento das determinações legais de destinação de percentual mínimo de recursos públicos para minimizar as desigualdades de gênero e raça/cor, não impede a Justiça Eleitoral de considerar a falta de observância das ações afirmativas quando do julgamento das contas.

Esse foi o entendimento adotado por este Tribunal na sessão de 16.5.2022, em acórdão da lavra do ilustre Desembargador Eleitoral Gerson Fischmann, ocasião em que foi definido o alinhamento desta Corte à diretriz firmada pelo TSE quanto à interpretação da Emenda Constitucional n. 117, cuja ementa cumpre transcrever:

RECURSO. PRESTAÇÃO DE CONTAS. ELEIÇÃO 2020. DIRETÓRIO MUNICIPAL DE PARTIDO. RECEBIMENTO DE RECURSOS DE ORIGEM NÃO IDENTIFICADA. RONI. AUSÊNCIA DE DESTINAÇÃO DO PERCENTUAL MÍNIMO DE RECURSOS DO FUNDO PARTIDÁRIO PARA CANDIDATURAS FEMININAS. COTA DE GÊNERO. EMENDA CONSTITUCIONAL N. 117. REDUÇÃO DO MONTANTE A SER RECOLHIDO AO TESOURO NACIONAL. DIMINUIÇÃO DO PERÍODO DE SUSPENSÃO DE RECEBIMENTO DE QUOTAS DO FUNDO PARTIDÁRIO. MANTIDA A DESAPROVAÇÃO DAS CONTAS. PROVIMENTO PARCIAL.

(...)

3. Ausência de destinação do percentual mínimo de recursos do Fundo Partidário para candidaturas femininas. Cota de gênero. Aplicação do disposto nos arts. 2º e 3º da Emenda Constitucional n. 117. Em recente julgamento, o TSE interpretou o alcance das novas normas consignando que, com a constitucionalização, “a gravidade da falha se tornou ainda mais evidente”, e que as regras “alcançam somente as sanções porventura aplicáveis aos partidos que tenham descumprido o percentual mínimo de aplicação na ação afirmativa” (Prestação de Contas n. 060176555, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, DJE 06/05/2022). Ainda, que a EC n. 117 não incide sobre a fase em que o Juízo Eleitoral analisa as glosas identificadas nas contas para concluir pela sua aprovação com ou sem ressalvas, ou desaprovação, nem excluiu a possibilidade desta Justiça Eleitoral aferir a regularidade do uso das verbas públicas.

4. Em face da EC n. 117 e do alinhamento ao que foi decidido pelo TSE, as quantias irregulares somadas representam aproximadamente 20,04% de toda a arrecadação, sendo proporcional e adequado o redimensionamento da sanção de perda do direito ao recebimento de quotas do Fundo Partidário para 02 meses, bem como a redução do montante a ser recolhido ao Tesouro Nacional. Mantida a desaprovação das contas.

5. Provimento parcial.

(TRE-RS, Recurso Eleitoral 0600269-08.2020.6.21.0127 – Giruá, Rel. Des. Eleitoral Gerson Fischmann, j. 16.5.2022, DJE 20.05.2022.) (Grifei.)
 

O acórdão em questão reporta-se ao julgamento da prestação de contas do Diretório Nacional do Partido Renovador Trabalhista Brasileiro (PRTB) relativa ao exercício financeiro de 2016, no qual o TSE assentou que a EC n. 117 alcança “somente as sanções porventura aplicáveis aos partidos que tenham descumprido o percentual mínimo de aplicação na ação afirmativa” (TSE, PC-PP n. 0601682-39.2017.6.00.0000 Brasília, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, j. 19.04.2022, DJE 06.05.2022).

Idêntico entendimento foi posteriormente aplicado nesta Corte no acórdão do Recurso Eleitoral n. 0600464-52.2020.6.21.0075, da relatoria do ilustre Desembargador Eleitoral Caetano Cuervo Lo Pumo, julgado na sessão de 16.5.2022 (DJE 18.5.2022).

Desse modo, conforme já decidido por este Tribunal, aqui deve ser adotado o raciocínio já consolidado de que o conteúdo da EC n. 117 não afasta o dever da Justiça Eleitoral de aferir a regularidade do uso das verbas públicas, nem incide sobre o julgamento pela aprovação com ou sem ressalvas, ou desaprovação das contas.

No caso em tela, o partido não destinou recursos do Fundo Partidário no valor de R$ 12.128,24 para candidaturas femininas de pessoas negras, nem de R$ 11.580,67 para candidaturas masculinas de pessoas negras, com o que as irregularidades somadas alcançam o total de R$ 23.708,91 (vinte e três mil, setecentos e oito reais e noventa e um centavos).

Em face da EC n. 117, essa quantia não será objeto de determinação de recolhimento ao Tesouro Nacional, restando afastado o disposto no art. 79, § 1°, da Resolução TSE n. 23.607/19.

Assim, a soma das irregularidades constatadas (R$ 23.708,91, infrações a política afirmativa; R$ 7.033,69 de despesas omitidas) importa em R$ 30.742,60, representando 0,96% do total da receita financeira declarada pelo partido nas Eleições Municipais de 2020 (R$ 3.190.126,00) e, na esteira do entendimento consolidado desta Corte e do parecer da Procuradoria Regional Eleitoral (ID 45444944), não enseja a desaprovação das contas, por aplicação dos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, sendo causa somente para o apontamento de ressalvas, nada obstante se refira à grave infração quanto às ações afirmativas.

Além disso, impõe-se o necessário recolhimento ao Tesouro Nacional de R$ 7.033,69 (sete mil, trinta e três reais e sessenta e nove centavos) provenientes dos recursos de origem não conhecida omitidos desta declaração.

 

Com esses fundamentos, VOTO pela aprovação com ressalvas das contas do Diretório Regional do PARTIDO DA SOCIAL DEMOCRACIA BRASILEIRA – PSDB – Rio Grande do Sul referentes à arrecadação e ao dispêndio de recursos nas Eleições Municipais de 2020, e determino o recolhimento ao Tesouro Nacional da importância de R$ 7.033,69 (sete mil, trinta e três reais e sessenta e nove centavos) provenientes dos recursos de origem não identificada, nos termos da fundamentação.