REl - 0600292-49.2020.6.21.0063 - Voto Relator(a) - Sessão: 28/04/2023 às 14:00

VOTO

Admissibilidade Recursal

Preenchidos os pressupostos de admissibilidade recursal, merece ser conhecido o recurso.

 

Dos documentos juntados com o recurso

Os recorrentes apresentaram documentos com o recurso, consistentes em um extrato bancário e cópias de cheques, para comprovar que as prestações de serviços se relacionam aos pagamentos por meio dos cheques questionados.

Observo que, no âmbito dos processos de prestação de contas, este Tribunal Regional Eleitoral tem concluído, com respaldo no art. 266, caput, do Código Eleitoral, pela aceitação de novos documentos, acostados com a peça recursal, ainda que não submetidos a exame do primeiro grau de jurisdição, quando, a partir de sua simples leitura, primo ictu oculi, seja possível esclarecer as irregularidades, sem a necessidade de nova análise técnica.

Na hipótese, os documentos juntados atendem aos requisitos e podem ser conhecidos.

Por essas razões, conheço dos documentos juntados com o recurso.

 

Mérito

As contas dos recorrentes relativas às eleições 2020 foram desaprovadas com a determinação do recolhimento ao Tesouro Nacional do valor de R$ 15.000,00 (quinze mil reais), em razão do pagamento de despesas com recursos do Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC) sem a adequada identificação dos beneficiários.

Em relação ao pagamento de despesas de campanha eleitoral, assim dispunha o art. 38 da Resolução TSE n. 23.607/19, com a redação vigente à época da campanha, in verbis:

Art. 38. Os gastos eleitorais de natureza financeira, ressalvados os de pequeno vulto previstos no art. 39 e o disposto no § 4º do art. 8º, ambos desta Resolução, só podem ser efetuados por meio de:

I - cheque nominal cruzado;

II - transferência bancária que identifique o CPF ou CNPJ do beneficiário;

III - débito em conta; ou

IV - cartão de débito da conta bancária.

A norma em apreço possui caráter objetivo e exige, sem exceções, que o cheque manejado para pagamento de despesa eleitoral seja não apenas nominal, mas também cruzado.

A exigência de cruzamento do título busca impor que o seu pagamento ocorra mediante crédito em conta bancária, de modo a permitir a rastreabilidade das movimentações financeiras de campanha, conferindo maior confiabilidade às informações inseridas na escrituração, em especial, que os prestadores de serviço informados na demonstração contábil foram efetivamente os beneficiários dos créditos.

Nesse sentido, a legislação eleitoral tem se aprimorado visando restringir a livre circulação dos cheques e impor a devida identificação do trânsito de recursos, em especial daqueles de natureza pública.

Na hipótese, o Parecer Conclusivo (ID 44964688), confirmando o relatório preliminar do exame de contas, apontou a existência da falha e indicou que,

Em síntese, do exame dos documentos vinculados no Sistema de Prestação de Contas Eleitoral (SPCE-Cadastro) foi identificada a ausência/inconformidade dos documentos comprobatórios relativos às despesas bem como dos respectivos comprovantes de pagamento (cópia do cheque nominal cruzado ou transferência bancária identificando o beneficiário) realizadas com recursos do Fundo Especial de Financiamento de Campanha - FEFC (arts. 35, 53, II, alínea "c" e 60, da Resolução TSE 23.607/2019) da totalidade dos R$ 15.000,00 (quinze mil reais) que transitaram pela conta bancária do candidato (Caixa Econômica Federal, agência 3672, conta 3000004100).

Em consulta ao extrato bancário eletrônico, disponibilizado pelo TSE no site http://divulgacandcontas.tse.jus.br, não é possível identificar cheque nominal cruzado ou transferência bancária aos fornecedores.

A análise supracitada, lançada no exame de contas, acabou confirmada pela decisão a quo.

Conforme apontado no parecer da Procuradoria Regional Eleitoral, de lavra do ilustre Dr. José Osmar Pumes, para contrapor a decisão vergastada, os prestadores de contas apresentaram com o recurso cópias dos cheques números 900002 e 900008, respectivamente, nos montantes de R$ 623,24 e R$ 1.063,76, que, embora não cruzados, como se pode observar dos documentos microfilmados (ID 44964701), foram nominais ao Posto Serrano, havendo elementos que viabilizam a identificação do beneficiário dos pagamentos e a regularidade das despesas.

O extrato bancário constante no documento ID 44964700 indica que os cheques números 900002 e 900008 foram compensados da conta de campanha dos recorrentes (https://divulgacandcontas.tse.jus.br/divulga/#/candidato/2020/2030402020/85456/210000758963/extratos), os quais foram depositados na conta de REVENDEDORA DE COMB SERRANO LTDA., nos respectivos valores por eles representados, que somados, em relação ao cheque n. 900002, correspondem ao montante dos documentos fiscais oferecidos para comprovar as despesas de R$ 623,24 (R$ 164,00, R$ 162,01, R$ 151,19 e R$ 146,04) (ID 44964662, 44964660, 44964654, 44964661). E, de igual forma, o cheque de n. 900008, no valor de R$ 1.063,76, corresponde aos documentos fiscais nos valores de R$ 152,42, R$ 181,03, R$ 150,04, R$ 150,00, R$ 171,14, R$ 185,39 e R$ 73,74 (ID 44964655, 44964663, 44964666, 44964651, 44964650, 44964664, 44964656 – https://divulgacandcontas.tse.jus.br/divulga/#/candidato/2020/2030402020/85456/210000758963/integra/despesas).

Na hipótese, embora tais cártulas não tenham sido originalmente cruzadas, foram efetivamente depositadas na conta bancária do beneficiário, atingindo os fins esperados com o registro de cruzamentos dos cheques.

Assim, a ausência de cruzamento dos cheques em questão deve ser considerada mera irregularidade formal, sem aptidão para comprometer a confiabilidade da transação, devendo ser dispensado o recolhimento dos valores relativos aos cheques números 900002 e 900008, respectivamente, nos valores de R$ 623,24 e R$ 1.063,76.

O mesmo raciocínio, no entanto, não socorre os pagamentos realizados por intermédio dos cheques n. 900001, 900003, 900004, 900005, 900006, 900007, 900009 e 900010, no valor total de R$ 13.313,00, sacados sem identificação dos beneficiários.

Também não foram juntadas aos autos cópias das cártulas de n. 900003, 900004, 900005, 900007 e 900010, que pudessem subsidiar a verificação da regularidade da emissão dos documentos.

A ausência dos depósitos desses valores em conta impediu que os batimentos realizados pela Justiça Eleitoral por via do sistema bancário pudessem ser realizados em relação a esses pagamentos.

É incontroverso que as cártulas foram emitidas sem o necessário cruzamento e que o valor foi sacado diretamente na “boca do caixa” (registro “CHEQUE SAC e CHEQUE PAG nos extratos bancários), sem o trânsito pelo sistema bancário.

Como bem apontado pelo Dr. José Osmar Pumes, Procurador Regional Eleitoral, em seu parecer, “é somente a triangularização entre prestador de contas, instituição financeira e terceiro contratado, com dados provenientes de diversas fontes, que permite, nos termos da Resolução TSE nº 23.607/2019, o efetivo controle dos gastos de campanha a partir do confronto dos dados pertinentes. Saliente-se, ademais, que tal necessidade de controle avulta em importância quando, como no caso, se trata de aplicação de recursos públicos”.

A rastreabilidade dos recursos públicos só se dá com a transparência e confiabilidade na identificação dos beneficiários dos gastos realizados pelos candidatos, na linha do que vem decidindo esta Corte. Nesse sentido:

RECURSO. ELEIÇÕES 2020. PRESTAÇÃO DE CONTAS. CANDIDATO. CARGO DE VEREADOR. DESAPROVAÇÃO. PAGAMENTO DE GASTOS ELEITORAIS POR MEIO DE CHEQUES NOMINAIS NÃO CRUZADOS. INFRINGÊNCIA AO ART. 38, INC. I, DA RESOLUÇÃO TSE N. 23.607/19. CARÁTER OBJETIVO DA NORMA. IMPOSSIBILIDADE DE VERIFICAR O BENEFICIÁRIO DO RECURSO. VALOR REDUZIDO DAS IRREGULARIDADES. APROVAÇÃO COM RESSALVAS. PROVIMENTO.

1. Insurgência contra sentença que desaprovou contas de candidato ao cargo de vereador, referentes às eleições municipais de 2020, em razão de pagamento de gastos eleitorais por meio de cheques nominais não cruzados, descumprindo o art. 38, inc. I, da Resolução TSE n. 23.607/19.

2. A forma de pagamento dos gastos eleitorais sob discussão está disciplinada no art. 38, inc. I, da Resolução TSE n. 23.607/19. A norma em apreço possui caráter objetivo e exige, sem exceções, que o cheque manejado para pagamento de despesa eleitoral seja não apenas nominal, mas também cruzado. O cheque não cruzado pode ser compensado sem depósito bancário. Desse modo, não há transparência nem confiabilidade na identificação dos beneficiários dos gastos em questão, dificultando a rastreabilidade das quantias utilizadas na campanha.

3. Caracterizada a irregularidade na forma de pagamentos de despesas mediante cheques não cruzados. A alegação de que a exigência em tela impediria a contratação de “pessoas mais humildes” para as atividades em campanha não enseja a mitigação da regra, pois a sua finalidade é, justamente, impor que a movimentação dos recursos ocorra por meio do sistema bancário, garantindo maior transparência às transações.

(...)

(TRE-RS, REl n. 0600280-46.2020.6.21.0027, Relator: DES. ELEITORAL SILVIO RONALDO SANTOS DE MORAES, julgado em 19.8.2021.) (Grifei.)

 

Ainda, os documentos que comprovam a contratação dos fornecedores – contratos, notas fiscais e recibos de pagamento – não suprem a necessidade de que o lastro do pagamento seja registrado na própria operação bancária de crédito, conforme a diretriz jurisprudencial deste Tribunal Regional Eleitoral. Menciono precedente que ilustra esse posicionamento:

RECURSO. ELEIÇÕES 2020. PRESTAÇÃO DE CONTAS. DESAPROVAÇÃO. CANDIDATA. CARGO DE VEREADORA. DIVERGÊNCIAS ENTRE A MOVIMENTAÇÃO FINANCEIRA DECLARADA E EXTRATOS BANCÁRIOS. […] PAGAMENTOS COM VERBAS DO FEFC A PESSOAS DISTINTAS DAS APRESENTADAS PELA CANDIDATA. INFRINGÊNCIA AO ART. 38 DA RESOLUÇÃO TSE N. 23.607/19. DECLARAÇÕES DE SUPOSTOS BENEFICIÁRIOS OU FORNECEDORES NÃO COMPROVAM A REGULARIDADE DE GASTOS. [...]

6. Remanescem as falhas nos demais gastos, cujos pagamentos com verbas do FEFC foram efetuados em favor de pessoas distintas daquelas constantes dos documentos apresentados pela candidata (nota fiscal, contrato, recibo, etc.), por infringência ao disposto no art. 38 da Resolução TSE n. 23.607/19. Norma que visa a garantir que os valores sejam direcionados diretamente aos respectivos fornecedores de campanha, de modo a viabilizar a rastreabilidade dos recursos envolvidos. Declarações subscritas pelos supostos fornecedores dos serviços ou beneficiários dos pagamentos, buscando justificar o desconto das cártulas por terceiro, não evidenciam a regularidade dos gastos. Expurgado, do total dos referidos dispêndios, o montante duplamente glosado referente à militância e mobilização de rua. Redução do montante a ser recolhido ao Tesouro Nacional.

7. As máculas representam 21,82% do total das receitas declaradas, restando inviabilizada a aplicação dos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade como forma de mitigar a gravidade das falhas. Manutenção do juízo de desaprovação das contas.

8. Parcial provimento.

(Recurso Eleitoral nº 060028662, Acórdão, Relator(a) Des. KALIN COGO RODRIGUES, Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, Data: 05/04/2022)

Logo, não há como afastar a irregularidade quanto à forma de pagamento dos gastos realizados com recursos do FEFC em relação às demais cártulas (de n. 900001, 900003, 900004, 900005, 900006, 900007, 900009 e 900010), no montante de R$ 13.313,00 (treze mil, trezentos e treze reais), o qual deve ser restituído ao Tesouro Nacional, por ausência de comprovação segura de sua utilização regular, nos termos do art. 79, § 1º, da Resolução TSE n. 23.607/19.

Em conclusão, no caso concreto, a irregularidade representa 61,03% dos recursos arrecadados pelos candidatos (R$ 21.812,80), cifra que, tanto em termos percentuais quanto em valor nominal, não autoriza a aplicação dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade.

Assim, a sentença que desaprovou as contas deve ser parcialmente reformada, tão somente para que o valor a ser recolhido ao Tesouro Nacional seja reduzido para R$ 13.313,00 (treze mil, trezentos e treze reais).

 

Dispositivo

DIANTE DO EXPOSTO, voto por dar parcial provimento ao recurso de ENIOMAR VANIN RODRIGUES e LUCIMAR VANIN RODRIGUES, candidatos aos cargos de Prefeito e Vice-Prefeito nas eleições de 2020, em Bom Jesus/RS, para que o valor a ser recolhido ao Tesouro Nacional seja reduzido para R$ 13.313,00 (treze mil, trezentos e treze reais), mantida a desaprovação das contas, nos termos da fundamentação.