AJDesCargEle - 0600182-74.2022.6.21.0000 - Voto Relator(a) - Sessão: 27/04/2023 às 14:00

VOTO

Senhor Presidente.

Eminentes Colegas.

Da preliminar de decadência

O PODEMOS, nos autos da AJDesCargEle n. 0600182-74.2022.6.21.0000, suscitou preliminar de decadência do direito do partido UNIÃO BRASIL pleitear a perda do mandato de ANTÔNIO ELEMAR DE OLIVEIRA, uma vez que a troca de partido pelo vereador ocorreu em 08.3.2022, sendo a ação ajuizada somente em 21.4.2022, ou seja, após o decurso do prazo de 30 dias do marco inicial, 08.3.2022, previsto na Resolução TSE n. 22.610/07.

A agremiação alega estar incorreta a nova legenda, ao aduzir que o seu prazo para propor a ação de desfiliação se efetuou com a citação para ingresso no feito movido por Antônio Elemar, visando à manutenção do seu cargo após deixar o extinto PSL (AJDesCargEl n. 0600100-43.2022.6.21.0000). Aduz, nesse sentido, que a troca de partido ocorreu em 08.3.2022, e a comunicação à Câmara de Vereadores do município, a qual conta com vereador do UNIÃO, deu-se em 04.4.2022, ato esse que foi divulgado, inclusive, nas redes sociais. Assim, no entender do PODEMOS, tais fatos permitem deduzir que o UNIÃO teria ciência da desfiliação do vereador ainda em março, enquanto a ação foi ajuizada somente em 21.4.2022.

Consoante o art. 1º, § 2º, da Resolução TSE n. 22.610/07, o prazo para os partidos ingressarem com ação visando à decretação da perda do cargo eletivo, em decorrência de desfiliação partidária sem justa causa, é de 30 dias:

Art. 1º O partido político interessado pode pedir, perante a Justiça Eleitoral, a decretação da perda de cargo eletivo em decorrência de desfiliação partidária sem justa causa.

[…]

§ 2º Quando o partido político não formular o pedido dentro de 30 (trinta) dias da comunicação da desfiliação, efetivada pela Justiça Eleitoral nos termos do 25-B da Resolução TSE n. 23.596/18, pode fazê-lo, em nome próprio, nos 30 (trinta) subsequentes, quem tenha interesse jurídico ou o Ministério Público Eleitoral.

 

A jurisprudência do TSE, como bem pontuado pela Procuradoria Regional Eleitoral, indica que “a data a ser considerada como termo inicial do prazo para a propositura de ação de perda de cargo eletivo em decorrência de desfiliação partidária sem justa causa é a da primeira comunicação feita pelo detentor do mandato eletivo ao partido político, e não a realizada perante a Justiça Eleitoral” (AgR–AI n. 060058875/PR, Rel. Min. Luís Roberto Barroso, DJe de 05.8.2019.).

No caso concreto, a hipótese ventilada pelo PODEMOS não encontra suporte fático a dar vazão à sua tese, na medida em que, do aduzido, a única data referida que permitiria ao UNIÃO ter conhecimento do trânsfuga seria a do comunicado à Câmara Municipal, ocorrido em 04.4.2022, marco esse que inviabilizaria o reconhecimento da decadência almejada pelo PODEMOS, dado que ajuizada a ação n. 0600182-74.2022.6.21.0000 em 21.4.2022.

Entendimento idêntico foi alcançado pela Procuradoria Regional Eleitoral:

Entretanto, no presente caso, o PODEMOS não apresenta nenhum elemento que permita concluir que o partido autor tomou conhecimento da desfiliação de ANTÔNIO ELEMAR DE OLIVEIRA no mês de março de 2022.

No máximo, poder-se-ia argumentar que isso ocorreu na data em que a Câmara de Vereadores de Santa Maria foi comunicada da nova filiação do parlamentar, 04.4.2022. Considerando que a presente ação foi ajuizada em 21.4.2022, não se verifica o decurso do prazo decadencial de 30 dias.

De todo modo, na ausência de comunicação da desfiliação do parlamentar ao partido autor, o termo inicial para o cômputo do prazo decadencial deve ser fixado na data da citação do partido para contestar a Ação Declaratória de Justa Causa para Desfiliação Partidária nº 0600100-43.2022.6.21.0000, ou seja, em 08.4.2022, se considerada a data da juntada aos autos do mandado de citação cumprido (ID 44954490 dos autos nº 0600100-43.2022.6.21.0000). E ainda que fosse considerada a data em que efetivamente ocorreu a citação, 23.3.2022, o prazo decadencial de 30 dias não teria transcorrido.

 

Nessa linha, afasto a preliminar decadencial arguida pelo PODEMOS, nos autos da ação de perda de mandato eletivo por desfiliação partidária sem justa causa n. 0600182-74.2022.6.21.0000.

 

Do requerimento de designação de nova audiência para oitiva de testemunhas

Em 10.4.2023, com os autos conclusos para julgamento, ANTÔNIO ELEMAR peticionou nos autos da AJDesCargEle n. 0600100-43.2022.6.21.0000 informando que não desistiu da prova testemunhal e requerendo seja designada nova data para a realização de audiência para a oitiva de testemunhas, a fim de evitar nulidade processual e em homenagem aos princípios constitucionais do contraditório e da ampla defesa (ID 45455043).

Transcrevo excerto do pedido:

Conforme petição protocolizada às 16h46min de 16.8.2022, este procurador signatário requereu a transferência da audiência para outra data, com a intimação prévia das partes, pontuando que “considerando a consulta realizada pelo cartório sobre a possibilidade de transferir a audiência do dia 17 de agosto (amanhã), das 15h30, como previamente marcado, para às 17h30, informar não ser possível comparecer no referido ato solene no novo horário, bem como no horário alternativo sugerido (às 16h00), em razão de viagem para Porto Alegre às 17h00, salientando ser o único procurador constituído no feito”.

E, nesse contexto, ato contínuo, em despacho subsequente, Vossa Excelência asseverou que “o feito será concluso para definição de nova data para cumprimento da Carta de Ordem n. 17/22”.

Portanto, resta claro que, primeiro, em nenhum momento o Autor desistiu da prova testemunhal (aliás, muito pelo contrário), e restou registrado pelo Juízo que seria designada nova data para a realização da audiência.

Desta forma, Excelência, a fim de evitar nulidade processual, e em homenagem aos princípios constitucionais do contraditório e da ampla defesa, o Autor ratifica o interesse na produção de prova testemunhal e requer seja designada nova data para a referida audiência.

Pede deferimento.

 

Entretanto, após a discordância do requerente quanto à alteração do horário da audiência do dia 17.8.2022 (ID 108431866 da Carta de Ordem Cível n. 0600053-43.2022.6.21.0041), o magistrado substituto da 41ª Zona Eleitoral cancelou a referida solenidade (ID 108431158 da aludida carta de ordem).

Cabe referir que o magistrado havia proposto a mudança do horário da audiência das 15h30min para as 16h ou 17h30min. O advogado do requerente não aceitou a mudança, alegando ter compromisso em Porto Alegre às 17h, sem juntar qualquer documento que comprovasse tal situação, circunstância que me parece inusitada (haver compromisso agendado para as 17h em Porto Alegre), haja vista que na audiência (aprazada originalmente para as 15h30min) seria realizada a instrução com a oitiva de testemunhas. De qualquer modo, como já referido, a solenidade foi cancelada.

Posteriormente, em decisão datada de 06.9.2022, o juiz titular da referida Zona Eleitoral designou nova data para a realização da audiência – para o dia 23.9.2022, às 14h30min –, referindo que na mesma solenidade seriam ouvidas as testemunhas relativas à Carta de Ordem 17/22 do TRE-RS, autuada sob o n. 0600040-44.2022.6.21.0041, cuja prática do ato processual igualmente fora ordenada àquele juízo eleitoral (ID 108765194 da Carta de Ordem Cível n. 0600053-43.2022.6.21.0041).

Intimado da designação da audiência por meio de publicação no Diário da Justiça Eletrônico, Edição n. 167/22, páginas 72-74 (ID 109075246 da Carta de Ordem Cível n. 0600053-43.2022.6.21.0041), o requerente ANTÔNIO ELEMAR, seu procurador, assim como as testemunhas por ele arroladas, não compareceram ao ato (ID 109478795 da referida carta de ordem). Encerrada a audiência pelo magistrado, foi determinada a devolução das cartas de ordem n. 0600053-43.2022.6.21.0041 e 0600040-44.2022.6.21.0041 a este Tribunal.

Portanto, em razão do não comparecimento do requerente ANTÔNIO ELEMAR, de seu procurador e das testemunhas por ele arroladas, restou precluso seu direito de produção de prova testemunhal, motivo pelo qual indefiro a reiteração do pedido, realizada no ID 45455043 da ação n. 0600100-43.2022.6.21.0000, bem como, pelas mesmas razões, deixo de analisar os aclaratórios de ID 45460416.

Passo ao exame do mérito.

 

MÉRITO

Trata-se de julgamento conjunto da Ação de Justificação de Desfiliação Partidária n. 0600100-43.2022.6.21.0000 e da Ação de Perda de Mandato Eletivo n. 0600182-74.2022.6.21.0000, nos termos do art. 55, § 1º, do CPC, uma vez que possuem a mesma causa de pedir, qual seja, aferir a existência ou não de justa causa para a desfiliação partidária de vereador, do partido União Brasil, a evidenciar a conexão entre as demandas.

No mérito, as ações dizem respeito à existência ou não de justa causa para a desfiliação de ANTÔNIO ELEMAR DE OLIVEIRA, eleito vereador de Santa Maria/RS no pleito de 2020, do União Brasil (UNIÃO), agremiação que resultou da fusão entre o Partido Social Liberal (PSL), pelo qual fora eleito, e o Democratas (DEM), sem a perda do respectivo mandato.

A controvérsia orbita duas ordens de argumentação: a primeira vem consubstanciada na mudança substancial do programa partidário do União Brasil em relação ao ideário do extinto PSL; e a segunda cinge-se à alegada discriminação política pessoal em relação ao Vereador ANTÔNIO ELEMAR DE OLIVEIRA por membros do partido na municipalidade.

Passo à análise.

Nos termos do art. 22-A, parágrafo único, inc. I, da Lei n. 9.096/95, são três as hipóteses que autorizam, quando da desfiliação da legenda pela qual eleito, a manutenção do cargo: mudança substancial ou desvio reiterado do programa partidário, grave discriminação política pessoal e mudança de partido efetuada durante o período de trinta dias que antecede o prazo de filiação exigido em lei para concorrer à eleição, majoritária ou proporcional, ao término do mandato vigente.

No caso vertente, ANTÔNIO ELEMAR DE OLIVEIRA relata a ocorrência das situações dispostas nos incs. I e II do referido artigo, quais sejam, a mudança substancial ou o desvio reiterado do programa partidário e grave discriminação política pessoal.

A grave discriminação política pessoal, na lição de Rodrigo Lopez Zílio, “ocorre quando há um tratamento diferenciado em relação aos demais filiados, de modo a causar constrangimento ou expor determinada situação de desigualdade. A justificativa exige que a discriminação seja pessoal, motivo pelo qual é insuficiente uma hostilidade genérica, dirigida a um número indeterminado de filiados, que ocorra, v.g., por uma divergência interna de correntes partidárias. É indispensável que a discriminação venha a atingir o filiado de modo direto e pessoal, ainda que eventual tenha repercussão em terceiros. Em acréscimo, ainda, a discriminação sofrida deve ser grave, ou seja, relevante, intensa, denotando reflexos negativos na manutenção do status quo do filiado. Daí que meras divergências partidárias não configuram justa causa calcada em grave discriminação pessoal. Com efeito, necessário que a discordância apresente efeitos negativos concretos na vida partidária do interessado, trazendo-lhe prejuízo efetivo e irreparável na convivência com seus pares” (Zílio, Rodrigo Lopez. Direito Eleitoral. 8. ed. rev. ampl. e atual. – São Paulo: Editora Juspodivm, 2020).

Entendimento recente da Corte Superior Eleitoral, na mesma toada, sinaliza que, para consubstanciar a grave discriminação, deve haver “a demonstração de fatos certos e determinados que tenham o condão de impossibilitar a atuação livre e o convívio da agremiação”. Veja-se:

TRIBUNAL SUPERIOR ELEITORAL TUTELA CAUTELAR ANTECEDENTE. EFEITO SUSPENSIVO. RECURSO ESPECIAL. VEREADOR. ELEIÇÕES 2020. PERDA DE CARGO ELETIVO. DESFILIAÇÃO PARTIDÁRIA. GRAVE DISCRIMINAÇÃO POLÍTICA PESSOAL. NÃO CONFIGURAÇÃO. JUSTA CAUSA. AUSÊNCIA. SÚMULA 24/TSE. FUMUS BONI JURIS. AUSÊNCIA. NEGATIVA DE SEGUIMENTO.

1. Tutela cautelar antecedente, com pedido de liminar, proposta por vereador de Lontras/SC eleito em 2020, na qual se requer seja concedido efeito suspensivo a recurso especial para afastar a perda do cargo eletivo por infidelidade partidária sem justa causa a que foi condenado na origem.

2. Em juízo perfunctório, não se vislumbra ofensa ao art. 22, parágrafo único, inc. II, da Lei n. 9.096/95, segundo o qual configura justa causa para a desfiliação partidária a hipótese de “grave discriminação política pessoal”. Isso porque, consoante a moldura fática do aresto regional, a defesa não apresentou “qualquer elemento de prova que revele, no plano fático, a marginalização e a hostilidade pelas quais se afirmou padecimento”.

3. Ademais, ainda de acordo com a Corte a quo, o fato de o requerente não participar da executiva municipal da legenda não revela, por si só, “a grave afirmação de rejeição e animosidade no âmbito partidário”.

4. A princípio, a conclusão do TRE/SC está alinhada ao entendimento deste Tribunal Superior no sentido de que “[a] discriminação pessoal que caracteriza justa causa para a desfiliação exige a demonstração de fatos certos e determinados que tenham o condão de impossibilitar a atuação livre e o convívio na agremiação” (AJDesCargEle 0600340–51/PR, Rel. Min. Edson Fachin, DJE de 07.3.2022.).

5. À primeira vista, conclusão diversa – com base no argumento de que o mandatário sofreu desprestígio ou perseguição na esfera do partido pelo qual foi eleito – esbarra no óbice da Súmula 24/TSE, que veda o reexame de fatos e provas em sede extraordinária.

(...)

(TSE - TutCautAnt: 06007914220226000000 LONTRAS - SC 060079142, Relator: Min. Benedito Gonçalves, Data de Julgamento: 18.8.2022, Data de Publicação: DJE - Diário da justiça eletrônico, Tomo 160.) (Grifei.)

 

Na ação n. 0600100-43.2022.6.21.0000, ANTÔNIO ELEMAR DE OLIVEIRA relata a ocorrência de grave discriminação política pessoal, na medida em que, após o pleito, “passou a sofrer indisfarçável perseguição pelo diretório municipal”, pois, à época, o presidente do diretório municipal era, justamente, o primeiro suplente ao cargo de vereador pelo PSL, o qual fez uso de medidas administrativas e judiciais com o único propósito de lograr o mandato que, democraticamente, fora conquistado pelo autor.

Ocorre que a tese manejada pelo vereador é insuficiente para demonstrar a ocorrência da hostilidade intrapartidária apta a configurar a justa causa para desfiliação, disposta no art. 22-A, parágrafo único, inc. II, da Lei n. 9.096/95.

Explico.

As divergências entre o requerente e o primeiro suplente da legenda não configuram a grave discriminação, ainda que, no entender do autor, tais conflitos tenham motivado, inclusive, demandas judiciais.

Destes ajuizamentos, constam do caderno probatório coligido pelo vereador que a decisão que o suspendeu da grei foi anulada, porquanto invalidada a Comissão Provisória de Ética do PSL na municipalidade bem como seus atos, e que a ação de impugnação de mandado eletivo (AIME) foi julgada improcedente.

A ação anulatória n. 5016107-93.2020.8.21.0027/RS (ID 44936523) contra o extinto partido pelo qual fora eleito se deu em função de “apoiamento a manifestações contrárias à candidatura apoiada pelo PSL”, ou seja, decorrente de relação interna corporis entre o posicionamento da agremiação e o filiado a ele contrário, não havendo falar em discriminação quanto ao fato. Friso que a suspensão que motivou o feito foi anulada devido à invalidade da comissão que procedeu ao ato.

No que toca à AIME n. 0601023-23.2020.6.21.0135, melhor sorte não socorre o representante da Câmara Municipal.

A ação foi proposta com o fito de cassar o diploma do requerente em virtude de suposto caso de corrupção eleitoral, decorrente da “organização de galeto e pão a eleitores, assim como doação de camisetas, cestas básicas e promessas de cargos, caso eleito” (ID 44936525). Todavia, restou improcedente, porquanto carente de provas a ensejar juízo diverso do alcançado. Ou seja, o feito veio alicerçado em motivo válido para sua propositura, de forma a excluir a conjecturada grave discriminação.

Por fim, a comprovação da almejada justa causa restou prejudicada, também, pela ausência em audiência de instrução do autor e de suas testemunhas (ID 45132238).

Nesse trilhar, entendo não caracterizada a grave discriminação política pessoal contra o vereador ANTÔNIO ELEMAR DE OLIVEIRA.

Passo à análise da aduzida mudança substancial ou desvio reiterado do programa partidário.

Segundo a doutrina de José Jairo Gomes, a mudança substancial do programa partidário decorre de “de ato formal, pelo qual um novo programa é esposado, em detrimento do anterior, que é abandonado. A alteração deve ser substancial, e não meramente pontual”. O autor salienta ainda que é “de todo compreensível que alguém queira abandonar as fileiras de uma organização que alterou o ideário antes cultivado, pois com ela pode não mais se identificar, não mais se encontrar irmanado. Em tal caso, a causa da desfiliação é inteiramente atribuível à própria entidade, que reviu seus rumos, não sendo justo que o mandatário seja forçado a nela permanecer” (Gomes, José Jairo. Direito eleitoral. 14. ed. rev., atual. e ampl. – São Paulo: Atlas, 2018).

Consoante a jurisprudência do TSE, “[a] mudança substancial ou o desvio reiterado do programa partidário para fins de configuração da justa causa para desfiliação partidária não devem ser pontuais, mas, sim, capazes de alterar a própria ideologia do partido” (AJDesCargEle 0600340-51/PR, Rel. Min. Edson Fachin, DJE de 07.3.2022.). Nesse sentido, ainda:

RECURSO INOMINADO RECEBIDO COMO AGRAVO REGIMENTAL. PETIÇÃO. AÇÃO DE JUSTIFICAÇÃO DE DESFILIAÇÃO PARTIDÁRIA. DEPUTADO FEDERAL INTEGRANTE DA EXECUTIVA NACIONAL DO PARTIDO. ALEGAÇÕES DE GRAVE DISCRIMINAÇÃO PESSOAL E MUDANÇA SUBSTANCIAL DO PROGRAMA PARTIDÁRIO NÃO COMPROVADAS. AUSÊNCIA DE JUSTA CAUSA. IMPROCEDÊNCIA. DESPROVIMENTO.

[...]

5. A mudança substancial ou o desvio reiterado do programa partidário devem ser tais que subvertam o programa e a própria ideologia do partido, o que inequivocamente é algo ostensivo, devendo "ter caráter nacional, e não apenas regional ou local. Isso porque, por determinação constitucional, o partido deve ter caráter nacional, sendo, pois, necessário que se demonstre o desvio reiterado de diretriz nacional ou de postura que a legenda historicamente tenha adotado sobre tema de natureza político-social relevante'' (RO 263/PR – Rel. Min. HENRIQUE NEVES DA SILVA, DJE de 31.3.2014.)

[...]

(AgR-PET/DF 0600089-04, Rel. Min. Alexandre de Moraes, DJE de 18.5.2021.) (sem destaques no original) (Grifei.)

 

No caso dos autos, é indene de dúvidas que os influxos ideológicos do recém-criado União Brasil (UNIÃO) implicaram alteração significativa do plano partidário originariamente concebido pelo extinto PSL, ao qual o vereador se encontrava submetido, a justificar o abandono da legenda sem a perda dos respectivos cargos.

Deveras, o estatuto do novo partido trouxe mudanças relevantes quanto a alguns temas, como a redução da democracia intrapartidária, ao estabelecer que seus representantes no Congresso Nacional não terão direito a voto na convenção nacional da grei (art. 47, § 1º, do Estatuto do União Brasil), franquia que era assegurada no estatuto da legenda extinta (art. 33 do estatuto do PSL).

Para além, trago à baila recente julgado do Tribunal Regional Eleitoral de Santa Catarina, no qual realizado o cotejo dos diferentes ideários partidários, concluindo, ao cabo, que houve mudança substancial do programa partidário do extinto PSL em relação ao atual União Brasil, consoante a seguinte ementa:

AÇÃO DECLARATÓRIA DE JUSTA CAUSA PARA DESFILIAÇÃO PARTIDÁRIA – VEREADOR ELEITO NAS ELEIÇÕES DE 2020 - FUSÃO DE PARTIDO POLÍTICO - MUDANÇA SUBSTANCIAL DO PROGRAMA PARTIDÁRIO – IDEAIS CONFLITANTES – ART. 22-A, PARÁGRAFO ÚNICO, INCISO I, DA LEI N. 9.096/95 – PROCEDÊNCIA.

A fusão de partidos políticos não constitui, por si só, justa causa para a desfiliação partidária, uma vez que o art. 22-A da Lei n. 9.096/95 revogou o § 1° do art. 1° da Resolução TSE n. 22.610/07. A mudança substancial do programa partidária, no entanto, é justa causa para a desfiliação, a qual restou demonstrada no caso concreto.

REQUERIMENTO DE INGRESSO NOS AUTOS FORMULADO PELO DIRETÓRIO ESTADUAL – DESNECESSIDADE – PARTIDO REPRESENTADO NESTE FEITO PELO DIRETÓRIO NACIONAL – CARÁTER NACIONAL DAS AGREMIAÇÕES POLÍTICAS – ART. 17 DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL E ART. 5º DA LEI DOS PARTIDOS POLÍTICOS – INDEFERIMENTO.

PEDIDO DE CONDENAÇÃO POR LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ – EXERCÍCIO DO DIREITO DE AÇÃO POR PARTE DO AUTOR – INEXISTÊNCIA DE INTENÇÃO DE ALTERAR A VERDADE DOS FATOS – AFASTAMENTO.

CONCLUSÃO:

PROCEDÊNCIA DA AÇÃO, COM RECONHECIMENTO DA JUSTA CAUSA PARA DESFILIAÇÃO PARTIDÁRIA SEM A PERDA DO MANDATO ELETIVO - REJEIÇÃO DO PEDIDO DE CONDENAÇÃO POR LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ. (TRE-SC; PROCESSO n. 0600056-40.2022.6.24.0000, ACÓRDÃO de 11.4.2022, Relator: JUIZ ZANY ESTAEL LEITE JUNIOR, unânime.) (Grifei.)

 

Por oportuno, transcrevo trecho da judiciosa análise procedida no voto condutor do aludido julgado, no âmbito do TRE/SC (grifos no original):

Ressalto que, embora os Estatutos do PSL e do União sejam muito semelhantes, os estatutos não são a única fonte para aferir-se a mudança substancial do programa partidário. Aliás, os estatutos, por sua natureza, estabelecem basicamente normas internas, sendo que seus ideais, ou seja, sua ideologia, vai além deles.

Dentre os principais pontos que revelam a mudança substancial do programa partidário entre o PSL e o União Brasil, destaco.

 

PSL

União Brasil

Ideais do PSL (https://psl.org.br/opsl/#nossos-ideais):

 

j) combate à censura, ao constrangimento e aos desequilíbrios morais e sociais decorrentes do discurso “politicamente correto”;

[...]

l) combate à apologia da ideologia de gênero;

m) combate aos privilégios decorrentes de “quotas” que resultem na divisão do povo, seja em função de gênero, opção sexual, cor, raça, credo;

 

Item 10 do Manifesto do União Brasil (https://dem.org.br/wp-content/uploads/2021/10/BOOK-148x210mm-Manifesto_Uniao_BRASIL.pdf):

 

Firme posicionamento contra qualquer espécie de discriminação e preconceito quanto à religião, sexo, raça, orientação sexual ou qualquer outra particularidade da condição humana. A fecunda manifestação de nossas diversidades deve ser valorizada e estimulada, com a promoção permanente dos valores fundamentais da tolerância, do respeito mútuo e da solidariedade.

Manifesto do PSL (https://psl.org.br/psl_cappen/manifesto)

“O Estado na nossa concepção deve se afastar ao máximo da condição de “Grande Pai” deixando de cuidar de todo mundo, porque nesses casos todos se sentem exonerados de suas responsabilidades sociais.”

 

Ideais do PSL (https://psl.org.br/opsl/#nossos-ideais):

 

g) redução do tamanho do Estado, em todos os seus níveis e esferas, a fim de torná-lo mais ágil e eficiente, bem como menos corrupto;

h) garantia de prestação de serviços públicos de qualidade e de eficiência nas áreas de saúde e educação;

 

Item 12 do Manifesto do União Brasil:

 

Apoio a programas de transferência de renda, compreendidos como ferramentas necessárias de segurança social e alimentar, por garantirem a subsistência das famílias mais pobres. Mantendo, porém, a clareza de que se trata de soluções insuficientes para respondermos a uma dívida histórica do país – a ser enfrentada com políticas estruturantes e transformadoras.

 

Item 13 do Manifesto do União Brasil:

 


Compromisso radical com a superação da pobreza, compreendendo que a pobreza não é apenas ausência de renda, mas um conjunto de desproteções sociais que vem se acumulando ao longo de décadas, condenando as camadas mais vulneráveis da população brasileira à perpetuação de condições precárias de vida por sucessivas gerações. Um dos maiores propósitos da ação político-administrativa do União
Brasil será o de ampliar as vias de ascensão social para as novas gerações de brasileiros, priorizando aqueles que vivem em situação de maior vulnerabilidade social, com políticas públicas integradas, que
englobem: segurança alimentar, moradia, saneamento, educação, saúde, assistência social, qualificação e emprego, bem como segurança pública responsável e eficaz.

 

Item 31 do Manifesto do União Brasil:

O Estado gasta muito e gasta mal. Somos a favor de privatizações, da eficiência do gasto e da diminuição da carga de impostos. O Estado não é capaz de gerir tudo e a iniciativa privada é muito mais eficiente na
gestão das empresas e dos recursos. A privatização garante a desburocratização, a independência política nas ações e diminui o risco de corrupção. No entanto, não caímos na armadilha do Estado Mínimo. Acreditamos na construção de um Estado eficiente e fiel às suas obrigações indelegáveis: saúde, segurança, educação,
assistência social, regulação, indução, garantia de oportunidades e promoção da equidade.

Ideais do PSL (https://psl.org.br/opsl/#nossos-ideais):

 

e) proteção à propriedade privada e garantia de que cada cidadão de bem tenha o direito de proteger seu principal patrimônio: sua vida. Para tanto, é necessária a revogação do Estatuto do Desarmamento e a criação de condições para que os cidadãos possam ter a posse de armas de fogo, se assim o desejarem;

Item 43 do Manifesto do União Brasil:

Sempre preservando integral fidelidade ao interesse nacional, propomos uma política externa fundada no princípio da igualdade soberana dos Estados e no respeito à autodeterminação dos povos, orientada em favor da paz mundial, do desarmamento e de uma divisão mais justa do poder político e econômico mundial. Preconizamos a cooperação e o intercâmbio cultural com todos os países, com base no princípio da reciprocidade. Almejamos a redução progressiva de nossa dependência do Exterior, especialmente no campo tecnológico, mantendo, todavia, nossas janelas abertas para o mundo, na busca de uma justa e construtiva interdependência.

 

Em suma, pode-se perceber que o PSL era um partido declaradamente armamentista, enquanto que o União é desarmamentista; o PSL voltava-se a ideias de um Estado mínimo, reduzido ao essencial, enquanto que o União defende um Estado assistencialista; o PSL tinha ideais mais conservadores, como a contrariedade à ideologia de gênero e às cotas, enquanto que o União quer promover a diversidade.

 

Portanto, resta evidente a ocorrência de mudança substancial do programa partidário a ponto de as novas diretrizes do partido UNIÃO serem incompatíveis com os ideais do extinto PSL. Tal mudança justifica, no caso concreto, a desfiliação do requerente dos quadros do novo partido constituído, decorrente da fusão entre o PSL e o DEM.

Idêntica compreensão foi assentada em decisões recentes, proferidas pelos e. Ministros Sérgio Banhos e Raul Araújo, em hipóteses similares àquela aqui tratada, em que pontuaram que as disposições estatutárias implementadas pelo União Brasil caracterizam mudança relevante da ideologia até então vigente nas agremiações que se fundiram (DEM e PSL), “de sorte que a hipótese dos autos encontra, de fato, arrimo no art. 22-A, parágrafo único, inc. I, da Lei n. 9.096/95”. A esse respeito, vide AREspE 0600047-78/SC, Rel. Min. Sérgio Silveira Banhos, DJE de 04.11.2022, e AREspE 0600046-93.2022.6.24.0000, Rel. Min. Raul Araújo, DJE de 16.11.2022, ambos com trânsito em julgado.

Desse modo, evidencia-se a justa causa que legitima a desfiliação do recorrente do União Brasil, tendo em vista a ocorrência de mudança substancial do programa da legenda pela qual fora eleito, na forma do art. 22-A, parágrafo único, inc. I, da Lei n. 9.096/95.

 

ANTE O EXPOSTO, VOTO por julgar:

a) PROCEDENTE a AJDesCargEle n. 0600100-43.2022.6.21.0000, a fim de declarar a existência de justa causa para a desfiliação de ANTÔNIO ELEMAR DE OLIVEIRA do UNIÃO BRASIL, sem a perda do cargo eletivo, com fundamento no art. 22-A, caput e inc. I do parágrafo único, da Lei n. 9.096/95; e

b) IMPROCEDENTE a AJDesCargEle n. 0600182-74.2022.6.21.0000.

 

É como voto, senhor Presidente.