REl - 0600821-73.2020.6.21.0029 - Divirjo em Parte com o(a) Relator(a) - Sessão: 25/04/2023 às 14:00

voto-vista

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Após analisar os autos, antecipo que estou divergindo parcialmente da eminente Relatora, apenas em relação à irregularidade envolvendo o cheque n. 48.

Na hipótese, o parecer técnico conclusivo (ID 44991972) identificou, “no extrato bancário destinado à conta FEFC (ID 100940260), despesas totalizando o valor de R$ 23.007,00 sem a contraparte, ou com contraparte diversa da declarada na prestação de contas, contrariando o que dispõem os arts. 38 da Resolução TSE n. 23.607/2019”, razão pela qual o Juiz Eleitoral desaprovou as contas dos recorrentes, relativas às eleições municipais de 2020, e determinou o recolhimento ao Tesouro Nacional do valor de R$ 23.007,00.

O apontamento em questão envolve os cheques n. 43 e 44, cada um no valor de R$ 1.567,50, nominais a Diana Aline Schuster, bem como os cheques n. 47 e 48, nos valores de R$ 15.000,00 e R$ 4.872,00, respectivamente, nominais a José Roberto da Silva.

Todas as cártulas, além de nominais aos contratados, não foram cruzadas e estão endossadas a terceiros, que depositaram os cheques em conta bancária, à exceção do cheque n. 48, o qual restou sacado por caixa.

Assim, bem apontou a Relatora, que, “embora os cheques de n. 43, 44 e 47 não tenham sido originalmente cruzados, foram efetivamente depositados nas contas bancárias dos endossatários, atingindo os fins esperados com o registro de cruzamentos dos títulos de crédito”, impondo-se o afastamento da glosa, na linha da reiterada jurisprudência deste Tribunal.

Logo, a divergência parcial que ora explicito refere-se exclusivamente ao cheque n. 48, no valor de R$ 4.872,00, em relação ao qual a eminente Relatora considerou persistir a falha, “visto que o mesmo foi sacado sem identificação do endossatário”.

Compulsando os autos, constata-se que o montante em questão envolveu o aditamento contratual ajustado com o contador José Roberto da Silva, sobre o qual houve a emissão da nota fiscal n. 202012, em 13.11.2020, naquele exato valor, e que registra, ainda, expressa referência ao pagamento por meio do específico cheque n. 48 (ID 44991942):

Está acostada aos autos, também, a microfilmagem do cheque emitido (ID 44991971, fl. 4), pela qual se confirma o seu preenchimento de modo nominal ao fornecedor e, no seu verso, o lançamento da assinatura e número de CPF, circunstância bastante para assegurar que o título foi entregue ao seu credor imediato, pois endossado em branco pelo favorecido:

 

Acerca do tema, dispõe o art. 28, caput, da Lei n. 7.357/85 (Lei do Cheque):

Art. 28 O endosso no cheque nominativo, pago pelo banco contra o qual foi sacado, prova o recebimento da respectiva importância pela pessoa a favor da qual foi emitido, e pelos endossantes subsequentes.

 

Desse modo, a falha no cruzamento está superada pela sua emissão nominal e pela aposição da assinatura do beneficiário no verso do título (endosso em branco), em consonância com a nota fiscal comprobatória da despesa, expressa e contemporaneamente vinculada àquela ordem de pagamento.

Pela inteligência do art. 79, § 1º, da Resolução TSE n. 23.607/19, para a devolução de valores ao Tesouro Nacional, exige-se a ausência de comprovação da utilização dos recursos do FEFC ou a sua utilização indevida e, no caso dos autos, não há provas de malversação dessa verba, estando devidamente comprovada a realização do gasto eleitoral por meio de documentos idôneos, os quais estabelecem a relação necessária entre a nota fiscal e o cheque nominal, inequivocamente alcançado ao contratado.

Nesses termos, a jurisprudência de nossos Tribunais Regionais tem se posicionado pela admissão de outros documentos comprobatórios da contratação, da execução do serviço e da entrega do pagamento para superar a falha cometida pelo não cruzamento do cheque emitido de forma nominativa, quando ausentes outros indícios de malversação da verba:

ELEIÇÕES 2020. RECURSO ELEITORAL. PRESTAÇÃO DE CONTAS. CANDIDATOS AOS CARGOS DE PREFEITO E VICE-PREFEITO. DOAÇÃO DE RECURSOS DO FUNDO ESPECIAL DE FINANCIAMENTO DE CAMPANHA - FEFC - A CANDIDATOS AO CARGO DE VEREADOR. PARTIDOS DIFERENTES DO QUE ESTAVA FILIADO O DOADOR. DESCUMPRIMENTO DE FORMALIDADE QUANTO À EMISSÃO DE CHEQUES. DETERMINAÇÃO DE RECOLHIMENTO DE VALORES AO TESOURO NACIONAL. CONTAS JULGADAS DESAPROVADAS.

Configurado quadro fático cujos candidatos beneficiados por doações oriundas de recursos do FEFC eram filiados a partidos que estiveram coligados à chapa majoritária doadora.

Não ofende o disposto no art. 17, §§ 1º e 2º, da Resolução nº 23.607/2019/TSE a doação feita a candidatos ao cargo de Vereador que, apesar de filiados a partido diverso daquele pelo qual concorreu o candidato ao cargo de Prefeito, estavam coligados à chapa majoritária dentro da mesma circunscrição. Atendimento à finalidade da Lei. Não caracterização de doação a candidaturas adversárias. Precedentes.

Irregularidade quanto à ausência de cruzamento de cheques emitidos para pagamento de despesas de campanha. Considerado mero vício formal que não tem força, por si só, de desaprovar as contas pelo fato de estar contida nos autos documentação que torna possível a rastreabilidade das movimentações financeiras. Entendeu-se que, em face do princípio da presunção de boa-fé, deve haver diligência específica para demonstrar que a inobservância de formalidade objetivou o cometimento de alguma ilicitude. Precedente.

RECURSO PROVIDO. Contas aprovadas, com ressalvas, e afastada a determinação de devolver ao Tesouro Nacional o valor tido com irregular.

(TRE-MG – Recurso Eleitoral nº 060032764, Acórdão, Relator(a) Des. Marcelo Paulo Salgado, Publicação:  DJEMG - Diário de Justiça Eletrônico-TREMG, Data 11/08/2021) Grifei.

 

RECURSO ELEITORAL. ELEIÇÕES 2020. PRESTAÇÃO DE CONTAS. CANDIDATO. CONTAS DESAPROVADAS. EMISSÃO DE CHEQUES NOMINAIS, PORÉM NÃO CRUZADOS. AUSÊNCIA DE PREJUÍZO À ATIVIDADE FISCALIZATÓRIA. APOSIÇÃO DE RESSALVA. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO.

1. A emissão de cheque nominativo, ainda que não tenha sido cruzado, vincula o pagamento da cártula de crédito ao favorecido ali identificado, razão pela qual, não obstante o atendimento apenas parcial do previsto no artigo 38 da Resolução TSE nº. 23.607, não houve prejuízo à transparência e à confiabilidade da movimentação financeira de campanha, caracterizando-se impropriedade formal, sem força de macular, por si só, as contas prestadas.

2. Recurso parcialmente provido para aprovar as contas com ressalvas.

(TRE/PR. RECURSO ELEITORAL 0600271-06.2020.6.16.0001. RELATOR (A) LUIZ FERNANDO WOWK PENTEADO. Julgado em 27/07/2021) Grifei.

 

RECURSO ELEITORAL - ELEIÇÕES 2020 - PRESTAÇÃO DE CONTAS - CANDIDATO - VEREADOR - PRELIMINARES - INTEMPESTIVIDADE RECURSAL - AUSÊNCIA DE INTERESSE RECURSAL - REJEIÇÃO - MÉRITO - MPE - PEDIDO DE DILIGÊNCIAS - INDEFERIMENTO - ALEGAÇÃO DE NULIDADE - INOCORRÊNCIA - CHEQUES NOMINAIS QUE NÃO FORAM CRUZADOS - DOCUMENTAÇÃO COMPROBATÓRIA SUFICIENTE - IDENTIFICAÇÃO DOS FORNECEDORES - POSSIBILIDADE - IMPROPRIEDADE MERAMENTE FORMAL - MANUTENÇÃO DA SENTENÇA - DESPROVIMENTO DO RECURSO.

(...).

Cinge-se a controvérsia acerca da emissão, pelo candidato, de 06 (seis) cheques nominais para pagamento de fornecedores, mas que não foram cruzados, desatendendo parcialmente o comando prescrito no art. 38, I, da Resolução/TSE nº 23.607/2019.

(...).

É evidente que a emissão de cheque nominativo, ainda que não tenha sido cruzado, vincula o pagamento da cártula de crédito ao favorecido ali identificado, razão pela qual, não obstante o atendimento apenas parcial da norma de regência, não houve prejuízo à transparência e à confiabilidade da movimentação financeira de campanha, caracterizando-se mera impropriedade formal, sem força de macular as contas prestadas.

Conhecimento e desprovimento do recurso.

(TRE/RN. RECURSO ELEITORAL n 060026746, ACÓRDÃO n 060026746 de 25/05/2021, Relatora ADRIANA CAVALCANTI MAGALHÃES FAUSTINO FERREIRA, Publicação: DJE - Diário de justiça eletrônico, Data 25/05/2021, Página 6-8) Grifei.

 

RECURSO EM PRESTAÇÃO DE CONTAS. CANDIDATO AO CARGO DE VEREADOR. ELEIÇÕES 2020. RESOLUÇÃO TSE Nº 23.607/2019. CONTAS DESAPROVADAS NO JUÍZO DE PISO. DESPESAS PAGAS SEM OBSERVÂNCIA DAS FORMALIDADES EXIGIDAS NO ART. 38 DA RESOLUÇÃO TSE Nº 23.607/2019. DESPESAS COM COMBUSTÍVEIS. VEÍCULO PARA USO PRÓPRIO DO CANDIDATO. PAGAMENTO COM RECURSOS FINANCEIROS DE CAMPANHA. INAPLICABILIDADE DOS PRINCÍPIOS DA PROPORCIONALIDADE E DA RAZOABILIDADE. SENTENÇA MANTIDA. CONTAS DESAPROVADAS. DESPROVIMENTO DO RECURSO. - O art. 38 da Resolução TSE nº 23.607/2019 exige pagamento mediante cheque nominal e cruzado, a fim de que se possa conhecer, de fato, o destino da verba e a identidade do beneficiário do recurso. Contudo, na esteira do entendimento desta Corte, essa regra pode ser mitigada ante o pagamento com cheque nominal, mas não cruzado, porém com a devida comprovação da despesa através de documento fiscal correspondente. In casu, no presente processo, somente a despesa com assessoria contábil pode ser mitigada face o seu pagamento com cheque nominal e a apresentação do respectivo comprovante fiscal. Por outro lado, persiste a presente falha, pois restou prejudicada a análise das contas e a fiscalização por esta Justiça Especializada no que diz respeito ao pagamento das despesas de combustíveis e confecção de adesivos, no valor total de R$ 500,00 (quinhentos reais), em que os cheques não estavam sequer nominais. (...) - Sentença mantida. Contas desaprovadas. Desprovimento do recurso.

(TRE-PI - RE: 060017306 MURICI DOS PORTELAS - PI, Relator: ADERSON ANTÔNIO BRITO NOGUEIRA, Data de Julgamento: 18/08/2021, Data de Publicação: DJE - Diário da Justiça Eletrônico, Data 24/08/2021) Grifei.

 

Além disso, em recente julgado de 09.03.2023, nos autos do AREspEl n. 0600203-46.2020.6.10.0026, o TSE ratificou para o pleito de 2020 o posicionamento já assentado para as eleições de 2018 (REspE n. 0602985-69, rel. Min. Og Fernandes, rel. designado Min. Luís Roberto Barroso, DJE de 16.8.2021, e REspE n. 0602104-92, rel. Min. Carlos Horbach, DJE de 20.10.2021), no sentido de que, apesar da não observância do cruzamento dos cheques, dando ensejo ao saque por caixa, “não é o caso de determinar o recolhimento ao Tesouro Nacional se há comprovação da própria regularidade dos gastos” mediante a juntada de “notas fiscais, contratos de prestação de serviços, declarações e cópias de cheques”.

Transcrevo a ementa do referido julgado:

ELEIÇÕES 2020. AGRAVO REGIMENTAL. AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. PRESTAÇÃO DE CONTAS. CAMPANHA. PREFEITO E VICE–PREFEITO. DESAPROVAÇÃO. PROVIMENTO PARCIAL. REDUÇÃO DO MONTANTE A SER RECOLHIDO AO ERÁRIO. SÍNTESE DO CASO 1. O Tribunal Regional Eleitoral do Maranhão manteve, à unanimidade, a sentença que desaprovou as contas de campanha do agravante, referentes às Eleições de 2020, quando concorreu ao cargo de prefeito do Município de Carolina/MA, com a determinação de recolhimento, ao Tesouro Nacional, dos recursos de origem não identificada, no valor de R$ 8.216,99, bem como dos recursos recebidos do Fundo Partidário e do Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC), no montante de R$ 77.280,65. 2. Na decisão agravada, o agravo em recurso especial teve seguimento negado por não ter sido reconhecida a alegada violação aos dispositivos legais invocados, bem como pela incidência do óbice do verbete sumular 24 do Tribunal Superior Eleitoral, tendo sido interposto agravo regimental. ANÁLISE DO AGRAVO REGIMENTAL 3. (...). 4. No que respeita ao pagamento a fornecedores de bens e serviços e de atividades de militância por meio de cheque nominal não cruzado, é certo que a Corte de origem assinala que foram anexados “notas fiscais, contratos de prestação de serviços, declarações e cópias de cheques”, embora tenha entendido que o pagamento desses gastos por meio de cheque nominal não cruzado (ao invés de cruzado) seria suficiente para manutenção da falha. 5. A jurisprudência admite que – mantida a glosa em face da não observância da formalidade preconizada quanto à necessidade de emissão de cheque nominal cruzado para quitação de despesas – não é caso de determinar o recolhimento ao Tesouro Nacional se há a comprovação da própria regularidade do gasto. Nesse sentido: Recurso Especial 0602985–69, rel. Min. Og Fernandes, rel. designado Min. Luís Roberto Barroso, DJE de 16.8.2021; Recurso Especial 0602104–92, rel. Min. Carlos Horbach, DJE de 20.10.2021. CONCLUSÃO Agravo regimental provido em parte, a fim de prover o agravo em recurso especial eleitoral e, desde logo, prover em parte o recurso especial eleitoral, para, subsistente a desaprovação das contas do candidato a prefeito Erivelton Teixeira Neves, manter a determinação de recolhimento, ao Tesouro Nacional, somente dos recursos de origem não identificada, no valor de R$ 8.216,99 (oito mil, duzentos e dezesseis reais e noventa e nove centavos) e, ainda, de R$ 6.001,00 (seis mil e um reais), decotado, portanto, o valor de R$ 71.279,65.

(TSE - AREspEl: 06002034620206100026 CAROLINA - MA 060020346, Relator: Min. Sergio Silveira Banhos, Data de Julgamento: 09/03/2023, Data de Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, Tomo 47) Grifei.

 

Assim, no caso concreto, a glosa deve ser afastada ante a cabal demonstração de que a ordem de pagamento vinculada à nota fiscal restou disponibilizada ao prestador dos serviços contratado, não havendo de se cogitar em desvio, desvirtuamento ou malversação dos recursos.

Entretanto, embora afastado o dever de recolhimento de quantias ao Tesouro Nacional, subsiste a falha formal por descumprimento do art. 38, inc. I, da Resolução TSE n. 23.607/19, justificando, por seus valores percentuais e nominais consideráveis, a manutenção da sentença de desaprovação das contas, na linha do voto da douta Relatora.

 

ANTE O EXPOSTO, divirjo parcialmente para afastar integralmente a condenação ao recolhimento de valores ao Tesouro Nacional, mantendo, porém, a desaprovação das contas.