REl - 0600821-73.2020.6.21.0029 - Voto Relator(a) - Sessão: 25/04/2023 às 14:00

VOTO

Admissibilidade Recursal

Preenchidos os pressupostos de admissibilidade recursal, merece ser conhecido o recurso.

Mérito

As contas dos recorrentes, relativas às eleições municipais de 2020, foram desaprovadas com a determinação do recolhimento ao Tesouro Nacional do valor de R$ 23.007,00, visto que o pagamento de despesas ocorreu com recursos do Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC) sem a adequada identificação do beneficiário.

Em relação ao pagamento de despesas de campanha eleitoral, assim dispunha o art. 38 da Resolução TSE n. 23.607/19 com a redação vigente à época da campanha, in verbis:

Art. 38. Os gastos eleitorais de natureza financeira, ressalvados os de pequeno vulto previstos no art. 39 e o disposto no § 4º do art. 8º, ambos desta Resolução, só podem ser efetuados por meio de:

I - cheque nominal cruzado;

II - transferência bancária que identifique o CPF ou CNPJ do beneficiário;

III - débito em conta; ou

IV - cartão de débito da conta bancária.

A norma em apreço possui caráter objetivo e exige que o cheque manejado para pagamento de despesa eleitoral seja não apenas nominal, mas também cruzado.

A exigência de cruzamento do título busca impor que o seu pagamento ocorra mediante crédito em conta bancária, de modo a permitir a rastreabilidade das movimentações financeiras de campanha, conferindo maior confiabilidade às informações inseridas na escrituração, em especial, que os prestadores de serviço informados na demonstração contábil foram efetivamente os beneficiários dos créditos.

Como bem apontado na sentença da lavra da Dra. Carmen Luiza Rosa Constante, a legislação eleitoral tem se aprimorado no sentido de restringir a livre circulação dos cheques e impor a devida identificação do trânsito de recursos, em especial daqueles de natureza pública.

Na hipótese, o relatório preliminar do exame de contas apontou a existência, “no extrato bancário destinado a conta FEFC (ID 100940260), despesas totalizando o valor de R$ 23.007,00 sem a contraparte, ou com contraparte diversa da declarada na prestação de contas, contrariando o que dispõem os arts. 38 da Resolução TSE nº 23.607/2019” (ID 44991959).

Os prestadores de contas apresentaram cópias dos cheques n. 43 e 44, no valor de R$ 1.567,50 cada, nominais a Diana Aline Schuster e Vitoria Corbellini Feix e não cruzados; n. 47 e 48, no valor de R$ 15.000,00 e R$ 4.872,00, nominais a José Roberto da Silva e não cruzados (ID 44991971). Todos os cheques foram endossados pelos beneficiários.

O extrato bancário constante no documento ID 44991957 indica que os cheques n. 43 e 44 foram depositados na conta de Moacyr Eugenio Rodrigues e que o valor representado na cártula de n. 47 foi creditado a Rosineia Maria da Silva (n. 47). O mesmo extrato também evidencia a ausência de informação sobre o sacador da ordem de pagamento de número 48 (saque eletrônico - cheque terceiros por caixa).

Na hipótese, embora os cheques de n. 43, 44 e 47 não tenham sido originalmente cruzados, foram efetivamente depositados nas contas bancárias dos endossatários, atingindo os fins esperados com o registro de cruzamentos dos títulos de crédito.

Em situações como esta, este Tribunal Regional Eleitoral vem decidindo que, havendo o depósito da ordem de pagamento em conta bancária de terceiro em razão de endosso do título de crédito, se deve entender que a finalidade da norma foi atingida. Nesse sentido: REl n. 060028492, Acórdão, Relator Des. Gerson Fischmann, Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, Tomo 229, Data: 21.11.2022; REl n. 060040537, Acórdão, Relator Des. Luis Alberto D’Azevedo Aurvalle, Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, Tomo 24, Data: 10.02.2023; REl n. 060041581, Acórdão, Relator Des. Caetano Cuervo Lo Pumo, Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, Data: 25.7.2022. Ainda, reconhecendo que ordens de pagamento descontadas por terceiros e depositadas em conta bancária a partir de endossos realizados pelos fornecedores declarados permitem o afastamento do dever de recolhimento da quantia ao Tesouro Nacional: REl n. 060051881, Acórdão, Relatora Desa. KALIN COGO RODRIGUES, Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, Data: 10.6.2022.

Assim, a ausência de cruzamento dos cheques em questão deve ser considerada mera irregularidade formal, sem aptidão para comprometer a confiabilidade da transação, devendo ser dispensado o recolhimento dos valores relativos aos cheques nos valores de R$ 1.567,50, R$ 1.567,50 e R$ 15.000,00.

O mesmo raciocínio, no entanto, não socorre o pagamento realizado por intermédio do cheque n. 48, no valor de R$ 4.872,00, visto que o mesmo foi sacado sem identificação do endossatário.

A ausência de depósito desse valor em conta impediu que os batimentos realizados pela Justiça Eleitoral por via do sistema bancário pudessem ser realizados em relação a esse pagamento.

É incontroverso que as cártulas foram emitidas sem o necessário cruzamento e que o valor foi sacado diretamente na “boca do caixa”, sem o trânsito pelo sistema bancário.

Como bem apontado pelo Dr. José Osmar Pumes, Procurador Regional Eleitoral, em seu parecer, “É somente a triangularização entre prestador de contas, instituição financeira e terceiro contratado, com dados provenientes de diversas fontes, que permite, nos termos da Resolução TSE nº 23.607/2019, o efetivo controle dos gastos de campanha a partir do confronto dos dados pertinentes. Saliente-se, ademais, que tal necessidade de controle avulta em importância quando, como no caso, se trata de aplicação de recursos públicos”.

A rastreabilidade dos recursos públicos só se dá com a transparência e confiabilidade na identificação dos beneficiários dos gastos realizados pelos candidatos, na linha do que vem decidindo esta Corte. Nesse sentido:

RECURSO. ELEIÇÕES 2020. PRESTAÇÃO DE CONTAS. CANDIDATO. CARGO DE VEREADOR. DESAPROVAÇÃO. PAGAMENTO DE GASTOS ELEITORAIS POR MEIO DE CHEQUES NOMINAIS NÃO CRUZADOS. INFRINGÊNCIA AO ART. 38, INC. I, DA RESOLUÇÃO TSE N. 23.607/19. CARÁTER OBJETIVO DA NORMA. IMPOSSIBILIDADE DE VERIFICAR O BENEFICIÁRIO DO RECURSO. VALOR REDUZIDO DAS IRREGULARIDADES. APROVAÇÃO COM RESSALVAS. PROVIMENTO.

1. Insurgência contra sentença que desaprovou contas de candidato ao cargo de vereador, referentes às eleições municipais de 2020, em razão de pagamento de gastos eleitorais por meio de cheques nominais não cruzados, descumprindo o art. 38, inc. I, da Resolução TSE n. 23.607/19.

2. A forma de pagamento dos gastos eleitorais sob discussão está disciplinada no art. 38, inc. I, da Resolução TSE n. 23.607/19. A norma em apreço possui caráter objetivo e exige, sem exceções, que o cheque manejado para pagamento de despesa eleitoral seja não apenas nominal, mas também cruzado. O cheque não cruzado pode ser compensado sem depósito bancário. Desse modo, não há transparência nem confiabilidade na identificação dos beneficiários dos gastos em questão, dificultando a rastreabilidade das quantias utilizadas na campanha.

3. Caracterizada a irregularidade na forma de pagamentos de despesas mediante cheques não cruzados. A alegação de que a exigência em tela impediria a contratação de “pessoas mais humildes” para as atividades em campanha não enseja a mitigação da regra, pois a sua finalidade é, justamente, impor que a movimentação dos recursos ocorra por meio do sistema bancário, garantindo maior transparência às transações.

(...)

(TRE-RS, REl n. 0600280-46.2020.6.21.0027, Relator: DES. ELEITORAL SILVIO RONALDO SANTOS DE MORAES, julgado em 19.8.2021) (Grifei.)

Ainda, os documentos que comprovam a contratação dos fornecedores – contratos, notas fiscais e recibos de pagamento – não suprem a necessidade de que o lastro do pagamento seja registrado na própria operação bancária de crédito, conforme a diretriz jurisprudencial deste Tribunal Regional.

Menciono precedente que ilustra esse posicionamento:

RECURSO. ELEIÇÕES 2020. PRESTAÇÃO DE CONTAS. DESAPROVAÇÃO. CANDIDATA. CARGO DE VEREADORA. DIVERGÊNCIAS ENTRE A MOVIMENTAÇÃO FINANCEIRA DECLARADA E EXTRATOS BANCÁRIOS. […] PAGAMENTOS COM VERBAS DO FEFC A PESSOAS DISTINTAS DAS APRESENTADAS PELA CANDIDATA. INFRINGÊNCIA AO ART. 38 DA RESOLUÇÃO TSE N. 23.607/19. DECLARAÇÕES DE SUPOSTOS BENEFICIÁRIOS OU FORNECEDORES NÃO COMPROVAM A REGULARIDADE DE GASTOS. [...]

6. Remanescem as falhas nos demais gastos, cujos pagamentos com verbas do FEFC foram efetuados em favor de pessoas distintas daquelas constantes dos documentos apresentados pela candidata (nota fiscal, contrato, recibo, etc.), por infringência ao disposto no art. 38 da Resolução TSE n. 23.607/19. Norma que visa a garantir que os valores sejam direcionados diretamente aos respectivos fornecedores de campanha, de modo a viabilizar a rastreabilidade dos recursos envolvidos. Declarações subscritas pelos supostos fornecedores dos serviços ou beneficiários dos pagamentos, buscando justificar o desconto das cártulas por terceiro, não evidenciam a regularidade dos gastos. Expurgado, do total dos referidos dispêndios, o montante duplamente glosado referente à militância e mobilização de rua. Redução do montante a ser recolhido ao Tesouro Nacional.

7. As máculas representam 21,82% do total das receitas declaradas, restando inviabilizada a aplicação dos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade como forma de mitigar a gravidade das falhas. Manutenção do juízo de desaprovação das contas.

8. Parcial provimento.

(Recurso Eleitoral n. 060028662, Acórdão, Relatora Desa. KALIN COGO RODRIGUES, Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, Data: 05.4.2022.)

Logo, não há como afastar a irregularidade quanto à forma de pagamento dos gastos realizados com recursos do FEFC em relação a esta última cártula, no montante de R$ 4.872,00 (quatro mil, oitocentos e setenta e dois reais), o qual deve ser restituído ao Tesouro Nacional, por ausência de comprovação segura de sua utilização regular, nos termos do art. 79, § 1º, da Resolução TSE n. 23.607/19.

Em conclusão, no caso concreto, a irregularidade representa 11,97% dos recursos arrecadados pelos candidatos (R$ 40.700,00), montante que, tanto em termos percentuais quanto em valor nominal, não autoriza a aplicação dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade.

Assim, a sentença que desaprovou as contas deve ser parcialmente reformada, tão somente para que o valor a ser recolhido ao Tesouro Nacional seja reduzido para R$ 4.872,00 (quatro mil, oitocentos e setenta e dois reais).

Dispositivo

DIANTE DO EXPOSTO, voto por dar parcial provimento ao recurso de CLEONIR JOSÉ DE ABREU e JANDIR EMILIO BRANDT, candidatos aos cargos de prefeito e vice-prefeito nas eleições municipais de 2020, para que o valor a ser recolhido ao Tesouro Nacional seja reduzido para R$ 4.872,00 (quatro mil, oitocentos e setenta e dois reais).