RepEsp - 0603729-25.2022.6.21.0000 - Voto Relator(a) - Sessão: 25/04/2023 às 14:00

VOTO

Antes de adentrar no caso concreto, convém trazer breves apontamentos sobre as condutas vedadas aos agentes públicos.

A Lei n. 9.504/97 apresenta capítulo específico sobre as condutas proibidas aos agentes públicos durante a campanha eleitoral na formulação trazida nos arts. 73 a 78.

O bem jurídico tutelado é a isonomia entre os concorrentes ao pleito. As hipóteses relativas às condutas vedadas são taxativas e de legalidade restrita, sendo que “a conduta deve corresponder ao tipo definido previamente” (Recurso Especial Eleitoral n. 24.795, Rel. Luiz Carlos Madeira).

Para o reconhecimento da conduta vedada é suficiente a demonstração da sua prática e respectiva tipificação legal. Significa dizer, sua caracterização tem natureza objetiva, independentemente de sua influência no pleito, ou mesmo a potencialidade lesiva ou a gravidade da conduta realizada.

Na espécie, Amilton Fontana, na qualidade de Prefeito de Roca Sales à época dos fatos, teria utilizado seu gabinete na prefeitura para gravação de vídeo de apoio à candidatura de Eduardo Leite, eleito Governador, com posterior publicação em seu perfil pessoal na rede social Facebook, no dia 19.10.2022 (12 dias antes do pleito), com duas mil e oitocentas visualizações.

A conduta acima descrita configura, em tese, violação à regra que proíbe cessão ou uso de bens públicos em benefício de candidato, partido ou coligação, nos termos do art. 73, inc. I, da Lei n. 9.504/97:

Art. 73. São proibidas aos agentes públicos, servidores ou não, as seguintes condutas tendentes a afetar a igualdade de oportunidades entre candidatos nos pleitos eleitorais:

I - ceder ou usar, em benefício de candidato, partido político ou coligação, bens móveis ou imóveis pertencentes à administração direta ou indireta da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Territórios e dos Municípios, ressalvada a realização de convenção partidária;

 

As partes não controvertem quanto ao local da gravação do vídeo. O próprio representado admite em sua contestação (ID 45407445) que o vídeo foi gravado no gabinete do mandatário: “Efetivamente o representado Amilton Fontana, Prefeito do Município de Roca Sales, gravou o vídeo que consta na inicial, no interior do gabinete da prefeitura municipal (…)”. Ademais, a representante juntou comprovação acerca da veracidade das imagens bem como da utilização do bem público, conforme Relatório de Pesquisa 2676/22 realizada pela Secretaria de Perícia, Pesquisa e Análise (ID 45389179).

Dessarte, tenho que está evidenciado que o local em que ocorreu a gravação era o gabinete do Prefeito de Roca Sales.

Contudo, enquanto o representante sustenta que a conduta do Prefeito de Roca Sales (agente público) afetou a normalidade do pleito de 2022, diante da utilização de bem público (gabinete do prefeito) para gravar apoio a um candidato ao cargo de governador em detrimento dos outros concorrentes, o representado aduz que não fez uso efetivo desse bem, o qual serviu apenas de “pano de fundo para a gravação”, inclusive, sem ter havido a identificação do estabelecimento. Alega, ainda, que a estrutura da administração pública não foi utilizada em benefício da candidatura do atual Governador do Estado e que não houve uso de recursos públicos. Conclui, assim, que “não praticou conduta vedada pela legislação eleitoral e nem qualquer ilícito tendente a afetar a igualdade de oportunidades entre candidatos no pleito eleitoral”.

Importa examinar, então, o conteúdo das declarações de Amilton Fontana, postadas em vídeo publicado no Facebook em 19.10.2022.

Transcrevo parcialmente o conteúdo:

(...)

e se hoje a gente não conseguir essa vitória, pode a nossa população ser prejudicada porque vai entrar um novo governo, com novas ideias, vai ficar um ano parado, até ele aprender os caminhos, e o nosso Governador, Eduardo Leite, ele já tem os caminhos tudo pronto. É só eleger ele e continuar trabalhando, então, por isso, eu peço, vamos dar um voto de confiança, pensando em Roca Sales, pensando no Estado do Rio Grande do Sul e tenho certeza que esse é o melhor caminho.

 

Como se verifica, de modo inequívoco, o representado Amilton Fontana deliberadamente expressa e pede apoio ao então candidato ao cargo de governador Eduardo Leite, utilizando-se de imóvel pertencente à administração, cujo acesso apenas ele, na condição de prefeito, detinha.

Aqui há de ser feita a ressalva no sentido de que não é vedada a utilização de bens públicos para promoção de candidaturas, contudo, conforme jurisprudência do TSE, há os seguintes requisitos: (i) o local das filmagens deve ser de livre acesso a qualquer pessoa; (ii) o serviço não deve ser interrompido em razão das filmagens; (iii) o uso das dependências deve ser franqueado a todos os demais candidatos (AgR-RO 1379-94/RS, Rel. Min. GILMAR MENDES, DJe de 22.3.2017); (iv) a utilização deve se restringir à captação de imagens sem encenação (RO 1960-83/AM, Rel. Min. NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, DJe de 10.8/2017).

Como bem pontuou a Procuradoria Regional Eleitoral em suas alegações finais (ID 45417151):

(…)

O favorecimento ao candidato ainda se depreende da impossibilidade de que outros candidatos pudessem gozar da mesma estrutura para explorar em suas respectivas campanhas. Ora, é evidente que nenhum outro candidato poderia vir a gravar mensagens em apoio a suas pretensões eleitorais no gabinete da Prefeitura de Roca Sales, certo que o apoio do seu Prefeito se dirigiu a um candidato apenas.

 

Na espécie, o gabinete do prefeito não era local de livre acesso aos demais candidatos, daí que surge a quebra na isonomia e na igualdade, bem jurídico protegido pelas condutas vedadas.

Nesse sentido, a jurisprudência do TSE e do TRE-RS:

[...]

1. Na hipótese, o TRE/SP assentou que Wagner dos Santos Carneiro, primeiro representado, então prefeito, utilizou estrutura montada pela Prefeitura do Município de Belford Roxo/RJ, em inauguração de obra pública, para explicitamente pedir votos a Márcio Correa de Oliveira e a Daniela Mote de Souza Carneiro, segundo e terceira representada, para o pleito eleitoral de 2018, os quais não o impediram de fazê–lo, bem como mantiveram posição de destaque ao lado do prefeito, com manifestações de aprovação, gestos e aplausos durante o discurso, o que caracteriza uso indevido de bem público.

2. A Corte regional consignou, ainda, que a conduta vedada prevista no art. 73, I, da Lei nº 9.504/1997 pode se configurar anteriormente ao período eleitoral e que, na espécie, a conduta ilícita teve o condão de afetar a igualdade de oportunidade entre os candidatos ao pleito eleitoral.

3. A decisão agravada concluiu pela incidência dos Enunciados nºs 24, 28 e 30 da Súmula do TSE.

[…]

(TSE - Recurso Especial Eleitoral n. 0600353-27.2018.6.19.0000, Acórdão, Relator(a) Min. Og Fernandes, Publicação: DJE - Diário de justiça eletrônico, Tomo 149, Data: 05/08/2019)

 

[...]

Incontroversa a realização de filmagens, dentro do gabinete do prefeito, candidato à reeleição, em gravação de vídeo para a campanha eleitoral. Circunstância que afeta a igualdade de oportunidades entre os candidatos à majoritária.

[…]

(TRE-RS - Recurso Eleitoral n. 255-95.2012.6.21.0081 - Procedência: São Pedro do Sul/RS - Data do Julgamento: 23.07.13 - Rel. Dr. Silvio Ronaldo Santos de Moraes)

 

[…]

Emprego de filmagem no interior de imóveis afetados aos serviços de órgão da segurança pública, protagonizada por policiais militares fardados, em horário de expediente, com depoimentos adrede preparados, em prol da candidatura majoritária. Caracterizadas as infrações dos incs. I e III do art. 73 da Lei das Eleições, afigurando-se a ruptura da igualdade de disputa entre os candidatos ao cargo maior do Poder Executivo Estadual.

[…]

(TRE-RS - Representação n. 1379-94.2014.6.21.0000 - Procedência: Porto Alegre/RS - Data do Julgamento: 29.10.14 - Rel. Des. Federal Otávio Roberto Pamplona)

 

[…]

Comparecimento da candidata recorrente em sala de aula de universidade pública, a convite do professor representado, com motivação eleitoral. Apresentação de projetos políticos e entrega de material de campanha aos alunos - cartões com nome, número e planos de campanha. Despiciendo o exame da potencialidade dos fatos a atingir o resultado da eleição, bastando, apenas, seja afetada a isonomia entre os candidatos. Plenamente configurada a ilicitude na cessão de um bem - sala de aula - pertencente à Administração Pública Indireta em benefício de campanha eleitoral.

[…]

(TRE-RS - Recurso Eleitoral n. 486-21.2012.6.21.0147 - Procedência: Santa Maria/RS - Data do Julgamento: 05.11.13 - Rel. Dr. Jorge Alberto Zugno)

 

 

[...]. Distribuição, em horário de aulas, de adesivos com propaganda política por parte de professora a alunos, nas dependências de escola municipal. Caracterização da conduta vedada prevista no art. 73, inc. I, da Lei das Eleições. O bem jurídico tutelado é a isonomia entre os concorrentes ao pleito, sendo as hipóteses relativas às condutas vedadas, taxativas e de legalidade restrita.

[…]

(TRE-RS - Recurso Eleitoral n. 239-16.2012.6.21.0155 - Procedência: Augusto Pestana/RS - Data do Julgamento: 25.06.13 - Rel. Dr. Ingo Wolfgang Sarlet)

 

[…]

Utilização de materiais, instalações e funcionários de empresa considerada como integrante da Administração indireta do Estado, com a finalidade de promover candidatura ao cargo de deputado estadual. [...]. Acervo probatório robusto e coeso demonstrando o uso da estrutura administrativa para criar, produzir e divulgar material de campanha eleitoral em favor de candidatura. […]

(TRE-RS - Representação n. 3-78.2011.6.21.0000 - Procedência: Porto Alegre/RS - Data do Julgamento: 06.03.12 - Rel. Dr. Leonardo Tricot Saldanha)

 

 

Sendo assim, configurada a prática da conduta vedada prevista no art. 73, inc. I, da Lei n. 9.504/97, necessário fixar as sanções cabíveis.

O art. 73, em seu parágrafo 4º, dispõe:

Art. 73. São proibidas aos agentes públicos, servidores ou não, as seguintes condutas tendentes a afetar a igualdade de oportunidades entre candidatos nos pleitos eleitorais:

[…]

§ 4º O descumprimento do disposto neste artigo acarretará a suspensão imediata da conduta vedada, quando for o caso, e sujeitará os responsáveis a multa no valor de cinco a cem mil UFIR.

 

Na hipótese, como se está diante de uma única conduta, praticada 12 dias antes das eleições, não reiterada, e inexistindo circunstâncias que possam elevar o patamar do mínimo legal, tenho que a fixação da multa deve ser imposta no mínimo legal, conforme jurisprudência do TSE:

DIREITO ELEITORAL E PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO EM RECURSO ESPECIAL ELEITORAL COM AGRAVO. ELEIÇÕES 2016. REPRESENTAÇÃO POR CONDUTA VEDADA. TRANSFERÊNCIA VOLUNTÁRIA DE RECURSOS. INCIDÊNCIA DA SÚMULA Nº 26/TSE. AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO. DESPROVIMENTO.

1. Agravo interno contra decisão monocrática que deu provimento a agravo nos próprios autos e a recurso especial eleitoral, a fim de julgar procedente pedido de representação por conduta vedada nas Eleições 2016.

2. A decisão agravada contém os seguintes fundamentos: (i) a conduta dos ora agravantes subsume-se ao mencionado tipo legal, uma vez que do acórdão regional extrai-se que as obras não se iniciaram antes do período vedado, tendo apenas havido a formalização do convênio e a elaboração de cronograma para início das obras, que foram executadas em período posterior; e (ii) a imposição da pena em seu patamar mínimo é proporcional à conduta ilícita, uma vez que se trata de apenas um convênio e não há elementos nos autos que justifiquem a majoração da multa.

3. Conforme o art. 73, VI, a, da Lei nº 9.504/1997, nos três meses que antecedem o pleito, é vedado aos agentes públicos em campanha eleitoral realizar transferência voluntária de recursos da União aos Estados e Municípios, e dos Estados aos Municípios, sob pena de nulidade de pleno direito. São ressalvados apenas os recursos destinados a cumprir obrigação formal preexistente para execução de obra ou serviço em andamento e com cronograma prefixado, e os destinados a atender situações de emergência e de calamidade pública. Precedente.

4. No caso, o TRE/MG entendeu que a mera existência de convênio firmado entre o Estado e o Município com cronograma prefixado de execução de obras seria suficiente para afastar a caracterização da conduta vedada, entendimento que contraria a jurisprudência do TSE.

5. A literalidade do art. 73, VI, a, da Lei nº 9.504/1997 indica que é necessária a existência de obras em andamento, e não apenas de cronograma de execução das obras, para que se configure exceção à conduta ilícita. Portanto, não há como se afastar o enquadramento da conduta ao tipo legal.

6. Nos termos do art. 73, § 4º, da Lei nº 9.504/1997, o descumprimento da norma sujeitará os responsáveis à multa no valor de cinco a cem mil UFIRs. No caso, é proporcional à conduta ilícita a imposição da pena em seu patamar mínimo, uma vez que se tratou de apenas um convênio e não há elementos nos autos que justifiquem a majoração da multa.

7. Agravo interno a que se nega provimento.

(Agravo de Instrumento nº 62448, Acórdão, Relator(a) Min. Luís Roberto Barroso, Publicação: DJE - Diário da justiça eletrônica, Tomo 216, Data 08/11/2019, Página 103-104) (Grifo nosso)

 

Ante o exposto, voto pela procedência da representação, no sentido de reconhecer a conduta vedada prevista no art. 73, inc. I, da Lei n. 9.504/97, condenando Amilton Fontana à pena de multa de R$ 5.320,50.