REl - 0600464-73.2020.6.21.0165 - Voto Relator(a) - Sessão: 24/04/2023 às 16:30

VOTO

Admissibilidade Recursal

Preenchidos os pressupostos de admissibilidade recursal, merece ser conhecido o recurso.

 

Mérito

Eminentes Colegas, não havendo questões preliminares a serem apreciadas, passo ao exame do mérito recursal.

Trata-se de recurso interposto contra sentença que desaprovou as contas de campanha de DANIELA SOFIA MULLER, candidata ao cargo de vereadora no Município de Feliz/RS nas eleições 2020, em razão de falhas que comprometeram a regularidade dos registros contábeis.

A sentença recorrida (ID 44963229) foi fundamentada no art. 53 da Resolução TSE n. 23.607/19, que arrola as informações e os elementos que devem constar na prestação de contas, tendo sido expostas pela julgadora as seguintes razões de decidir:

A Unidade Técnica desta 165ª Zona Eleitoral fez ver que a candidata não apresentou “Extrato das contas bancárias destinadas à movimentação de recursos do Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC), assim como comprovantes bancários de devolução dos recursos recebidos de fonte vedada ou de recursos de origem não identificada ou guia de recolhimento ao Tesouro Nacional de recursos de origem não identificada”, violando assim o estatuído no artigo supra.

Não foi outra a conclusão da perita:

"A falha apontada compromete a regularidade das contas apresentadas e importam no valor total de R$ 1.000,00 (um mil reais), o qual representa 62,15% do total de receita (financeira e estimável) declarada pelo prestador.

Para fins do art. 72 da Resolução TSE 23.607/2019, antes da emissão deste Parecer Conclusivo, foi dada oportunidade específica de manifestação ao prestador de contas, para a juntada de documentos e esclarecimentos sobre as irregularidades apontadas no Relatório de Exame de Contas (ID 103772111).

Ao final, considerando o resultado dos exames técnicos empreendidos na prestação de contas, verifica-se uma irregularidade grave, geradora de potencial desaprovação e consequente aplicação de multa, vide os arts. 9º e 14 da Resolução TSE nº 23.607/2019."

Diante do exposto, imperiosa a desaprovação das contas da candidata, com a determinação de devolução dos recursos recebidos de fonte vedada ou de recursos de origem não identificada, mas sem aplicação de qualquer multa.

Diante do exposto, na esteira do parecer técnico juntado aos autos, bem como do parecer ministerial, nos termos do inciso III, do art. 74, da Resolução TSE nº 23.607/2019 e artigos citados no corpo da presente decisão, JULGO DESAPROVADAS as contas apresentadas pela candidata supra, determinando o recolhimento ao Tesouro dos recursos recebidos de fonte vedada ou de recursos de origem não identificada.

Como se percebe, a decisão recorrida desaprovou as contas em razão de ausência de extratos das contas bancárias destinadas à movimentação de verbas do Fundo Especial de Financiamento de Campanha - FEFC e de comprovantes de devolução das  quantias recebidas de fonte vedada ou de recursos de origem não identificada, determinando o recolhimento dos valores especificados no parecer equivalentes a R$ 1.000,00 (um mil reais).

O recorrente afirma que as verbas do Fundo Especial de Financiamento de Campanha – FEFC foram erroneamente depositados na conta “Outros Recursos”, mas que o erro não impossibilitou a identificação e a verificação da regularidade da destinação dos valores.

Em seu parecer, a Procuradoria Regional Eleitoral (ID 45141034) aponta o contrassenso da sentença em caracterizar os recursos como de origem não identificada e associá-los ao FEFC, bem como indica outra irregularidade existente nos registros contábeis em questão: a não observância da regra contida no art. 38 da Resolução TSE n. 23.607/19 pertinente à identificação dos beneficiários dos pagamentos nos extratos bancários disponíveis no Divulgacand. Vejamos:

De mais a mais, não bastasse a tramitação de recursos do FEFC em conta diversa daquela exigida pela legislação, tem-se ainda que as despesas eleitorais realizadas pelo prestador não obedeceram a regra disposta no artigo 38 da Resolução TSE nº 23.607/2019, pois ausente a identificação dos beneficiários dos pagamentos nos extratos bancários disponíveis no Divulgacand.

Por outro lado, verifica-se que o parecer conclusivo, embora refira que os gastos realizados através do recurso de origem não identificada recebido foram comprovados e aplicados na campanha da candidata, possibilitando a verificação da utilização de tal recurso, não aponta recebimento de recursos de origem não identificada, e nem o relatório preliminar de ID 44963215 o fizera. Aparentemente os recursos do FEFC estão sendo tratados como sendo de origem não identificada, o que representa um evidente contrassenso, pois se são do FEFC é porque foram assim identificados. Nessa mesma linha, a sentença determinou o recolhimento ao Tesouro Nacional dos recursos recebidos de fonte vedada ou de recursos de origem não identificada, o que não guarda nenhuma correspondência com o que consta dos autos.

Assim, evidencia-se, no caso, a existência de erro material na sentença, sendo que, em vista da utilização irregular dos recursos do FEFC, deve ser determinada a sua devolução ao erário, ainda que sob outro fundamento, pois não se trata de recursos de origem não identificada.

De qualquer modo, as irregularidades são suficientes, no entender desta Procuradoria Regional Eleitoral, para desaprovação das contas, porquanto consistentes na omissão na entrega de documentos obrigatórios e na aplicação irregular de recursos em montante (R$ 1.000,00) que representa 61,15% do total dos recursos empregados na campanha (R$ 1.609,04), possui natureza pública e não é irrisório.

Pois bem, como mencionado no parecer ministerial, constou no Relatório Preliminar que “o recurso recebido, advindo de FEFC, conforme extrato bancário e Nota Explicativa apresentada de documento ID 60505116, foi transferido para conta de ‘Doações de campanha’ da candidata” (ID 44963215), assim como, no Parecer Conclusivo, que

O recurso recebido, advindo de FEFC, conforme extrato bancário e Nota Explicativa apresentada de documento ID 60505116, foi transferido para conta de “Doações de campanha” da candidata.

Esclareço que os gastos realizados através do recurso de origem não identificada recebido foram comprovados e aplicados na campanha da candidata, possibilitando a verificação da utilização de tal recurso.

 

É de se concluir, assim, que não se trata de recursos de origem não identificada, visto que está indicado expressamente nos mencionados documentos que a fonte dos valores foi o Fundo Especial de Financiamento de Campanha – FEFC.

Da mesma forma, a análise técnica expressamente afirmou que os gastos foram comprovados e aplicados na campanha, possibilitando a verificação de sua utilização. Logo, não se pode falar em utilização irregular de recursos públicos.

Ainda que fosse possível, em tese, considerar que se tratou de erro material na sentença, penso que a ausência de qualquer referência à violação ao art. 38 da Resolução TSE n. 23.607/19, durante a instrução processual, nos apontamentos técnicos e na própria decisão recorrida, constitui barreira ao conhecimento e declaração da mácula em grau recursal, sob pena de ofensa ao princípio non reformatio in pejus.

Como já decidiu o Tribunal Superior Eleitoral, o “processo de prestação de contas, por ter deixado a esfera administrativa e passado a ter caráter jurisdicional, mediante a edição da Lei 12.034/2009, ficou sujeito à preclusão e à vedação de sua revisão de ofício de decisão nele proferida” (Recurso Especial Eleitoral n. 13616, Acórdão, Relator Min. Sergio Silveira Banhos, Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, Tomo 51, Data: 22/03/2021).

Ademais, a ausência de qualquer oportunidade para que a prestadora de contas se manifestasse sobre tal mácula ou pudesse comprovar, por exemplo, que emitiu cheques nominais e cruzados, impede que se reconheça que a sentença pode ser mantida por fundamento diverso, como sugere o Ministério Público Eleitoral.

Assim, não havendo como se falar em recursos de origem não identificada, pois verificado que se trata de verbas do Fundo Especial de Financiamento de Campanha – FEFC, deve se dar provimento ao apelo para que a prestadora de contas seja dispensada do recolhimento de valores.

No entanto, não pode ser superada a mácula relativa ao depósito de valores em conta diversa daquela correspondente à origem dos recursos.

Na linha dos precedentes deste Tribunal Regional Eleitoral, a ausência de abertura de conta bancária específica impede a fiscalização exercida pela Justiça Eleitoral sobre os recursos utilizados em campanha e não pode ser considerada mero erro formal e irrelevante no conjunto da prestação de contas. Da mesma forma, a confusão entre recursos de origem pública e privada inviabiliza o controle da destinação dos valores na campanha eleitoral. Confira-se:

RECURSO. ELEIÇÕES 2020. PRESTAÇÃO DE CONTAS. CANDIDATO. VEREADOR. AUSÊNCIA DE ABERTURA DE CONTA BANCÁRIA OUTROS RECURSOS. DEPÓSITO DE VERBAS PRIVADAS EM CONTA DO FUNDO ESPECIAL DE FINANCIAMENTO DE CAMPANHA FEFC. CONFUSÃO ENTRE VALORES PÚBLICOS E PRIVADOS. FALHAS GRAVES. TRANSPARÊNCIA E CONFIABILIDADE CONTÁBIL. COMPROMETIDAS. IRREGULARIDADES NA COMPROVAÇÃO DE GASTOS COM RECURSOS DO FEFC. NÃO OBSERVÂNCIA DOS ARTS. 35, § 12, E 60, CAPUT, DA RESOLUÇÃO TSE N. 23.607/19. FALHAS DE PERCENTUAL E VALOR NOMINAL ELEVADOS. INAPLICABILIDADE DOS PRINCÍPIOS DA RAZOABILIDADE E PROPORCIONALIDADE. DESAPROVAÇÃO. RECOLHIMENTO AO TESOURO NACIONAL. DESPROVIMENTO.

1. Recurso contra sentença que desaprovou as contas relativas ao pleito de 2020, diante das seguintes irregularidades: a) não abertura de conta bancária específica para Outros Recursos e depósito de valores próprios na conta destinada ao FEFC, e b) ausência de comprovação dos gastos com verbas do FEFC, com determinação de recolhimento dos valores ao Tesouro Nacional.

2. A ausência de conta bancária específica Outros Recursos impediu a fiscalização exercida pela Justiça Eleitoral sobre os recursos utilizados em campanha e não pode ser considerada mero erro formal e irrelevante no conjunto da prestação de contas. Em paralelo, o candidato depositou recursos próprios na conta destinada às verbas do FEFC, acarretando uma mescla entre valores públicos e privados, contrariando o art. 9º, § 2º, da Resolução TSE n. 23.607/19. Na hipótese concreta, a inércia na abertura de conta bancária própria e o trânsito de recursos privados em conta específica para a movimentação de receitas públicas representam falhas graves que afetam a transparência e a confiabilidade das contas.

3. Irregularidade quanto à comprovação de gastos com verbas do FEFC. Os recibos juntados aos autos para demonstrar as despesas não estão de acordo com o disposto nos arts. 35, § 12, e 60, caput, da Resolução TSE n. 23.607/19. Ausência de qualificação dos profissionais contratados, com informações de CPF e endereço, da descrição detalhada da atividade prestada, carga horária, do local de trabalho e da justificativa do preço. Não apresentadas cópias dos cheques emitidos, a fim de esclarecer se o preenchimento atendeu às exigências normativas, para efeito de comprovação dos reais destinatários dos recursos de campanha.

4. As falhas constatadas alcançam a totalidade dos recursos manejados pelo candidato, importâncias relativa e nominal que inviabilizam a aplicação dos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade para aprovar as contas com ressalvas.

5. Desprovimento do recurso, para manter a desaprovação das contas e a determinação de recolhimento do montante irregular ao Tesouro Nacional.

(Recurso Eleitoral nº 060052141, Acórdão, Relator(a) Des. FRANCISCO JOSÉ MOESCH, Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, Data: 16/02/2022)

 

RECURSO. ELEIÇÕES 2020. PRESTAÇÃO DE CONTAS. CANDIDATO. VEREADOR. PAGAMENTOS SEM REGISTRO NA MOVIMENTAÇÃO FINANCEIRA. RECURSOS DE ORIGEM NÃO IDENTIFICADA RONI. TRANSFERÊNCIA DE RECURSOS ENTRE CONTAS. FONTES FINANCEIRAS DE NATUREZA DISTINTAS. FUNDO ESPECIAL DE FINANCIAMENTO DE CAMPANHA - FEFC. REQUERIMENTO DE DILIGÊNCIAS. INVIÁVEL. FASE INSTRUTÓRIA ENCERRADA. DESAPROVAÇÃO DAS CONTAS. ART. 14 DA RESOLUÇÃO TSE N. 23.607/19. DESPROVIMENTO.

1. Recurso contra sentença que desaprovou prestação de contas de candidato ao cargo de vereador nas eleições 2020, em razão de ausência, nos extratos bancários, de dois pagamentos declarados no SPCE e da movimentação de recursos do FEFC para a conta denominada Outros Recursos.

2. Os arts. 38 e 60 da Resolução TSE n. 23.607/19 estabelecem os meios de quitação e de comprovação dos gastos eleitorais. Evidenciada a afronta à legislação de regência no relativo aos meios estabelecidos para pagamento das despesas eleitorais, pois a verba não transitou pela conta da campanha, caracterizando o valor como recurso de origem não identificada.

3. A transferência de valores entre diferentes contas contraria a previsão de utilização distinta do art. 9º, § 2º, da Resolução TSE n. 23.607/19. A determinação de abertura de conta bancária específica para a movimentação de recursos oriundos do FEFC tem por escopo viabilizar o controle da destinação desses valores públicos, impedindo confusão entre recursos de origem privada recebidos por agremiações e candidatos, até mesmo porque as irregularidades relativas às verbas públicas recebem tratamento diverso daquelas oriundas de doações privadas, mais rigoroso, incluindo o recolhimento ao Tesouro Nacional.

4. O requerimento alternativo do recorrente para a realização de diligências, caso não acolhida sua tese defensiva, resta inviável no atual momento processual, pois finda a fase instrutória. Em consonância com o art. 14 da Resolução TSE n. 23.607/19, o uso de recursos financeiros para o pagamento de gastos eleitorais que não provenham das contas específicas de que tratam os arts. 8º e 9º implicará a desaprovação da prestação de contas do partido político ou do candidato.

5. Desprovimento.

(Recurso Eleitoral nº 060014240, Acórdão, Relator(a) Des. OYAMA ASSIS BRASIL DE MORAES, Publicação: PJE - Processo Judicial Eletrônico-PJE)

Considerando que a legislação eleitoral exige o manejo dos recursos em contas específicas, não há como admitir que notas explicativas ou demonstrativos elaborados pela prestadora possam suprir a imposição legal e conferir a necessária transparência às contas.

Da mesma forma, como gestora das contas, cabia à candidata abrir a conta específica e para lá direcionar os recursos recebidos, não havendo como se falar em responsabilidade pelo erro do partido.

Finalmente, cumpre referir que a anistia instituída pela Emenda Constitucional n. 117/22 diz respeito “aos partidos que não preencheram a cota mínima de recursos ou que não destinaram os valores mínimos em razão de sexo e raça em eleições” (art. 3º), o que não é o caso dos autos, sendo incabível a aplicação dessa norma conforme postulado pela recorrente.

Em conclusão, ainda que não superada a falha no manejo dos recursos públicos em conta específica para tal fim, deve ser verificada sua repercussão na contabilidade.

No caso dos autos, a confusão entre os valores de naturezas diversas não impediu que fosse analisada a arrecadação e aplicação dos recursos de campanha, tanto que o parecer conclusivo reconheceu a natureza pública de parte do montante depositado na conta destinada a recursos privados e afirmou que os gastos realizados “foram comprovados e aplicados na campanha da candidata, possibilitando a verificação da utilização”.

Mesmo que o valor percentual correspondente aos valores depositados na conta “Outros Recursos” seja relevante – 62,15% do total de receita (financeira e estimável) declarada pelo prestador (ID 44963221) –, o montante, R$ 1.000,00, não supera o parâmetro de R$ 1.064,10, de sorte que a quantia, tida por ínfima, viabilizada a aplicação dos postulados da razoabilidade e da proporcionalidade como forma de atenuar sua gravidade sobre o conjunto das contas, de maneira a possibilitar a aprovação dos registros contábeis com ressalvas, de acordo com a jurisprudência do egrégio Tribunal Superior Eleitoral e desta Corte.

Logo, o recurso comporta provimento parcial para que as contas sejam aprovadas com ressalvas em homenagem aos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade.

 

Dispositivo

DIANTE DO EXPOSTO, voto pelo conhecimento e parcial provimento do recurso de DANIELA SOFIA MULLER, candidata ao cargo de vereadora nas eleições municipais de 2020, para aprovar as contas com ressalvas e dispensar o recolhimento de valores, nos termos da fundamentação.