REl - 0601024-66.2020.6.21.0148 - Voto Relator(a) - Sessão: 24/04/2023 às 16:30

VOTO

Inicialmente, consigno que a preliminar de suspeição da testemunha Maiara Daiane Pinnow, auxiliar de eleição em 2020, suscitada em contrarrazões pelos recorridos, confunde-se com o mérito da demanda e com esse será analisada.

No mérito, antes de adentrar no caso concreto, convém trazer breves apontamentos sobre o ilícito mencionado na peça recursal: captação ilícita de votos. Transcrevo o dispositivo legal em tela:

Art. 41-A. Ressalvado o disposto no art. 26 e seus incisos, constitui captação de sufrágio, vedada por esta Lei, o candidato doar, oferecer, prometer, ou entregar, ao eleitor, com o fim de obter-lhe o voto, bem ou vantagem pessoal de qualquer natureza, inclusive emprego ou função pública, desde o registro da candidatura até o dia da eleição, inclusive, sob pena de multa de mil a cinqüenta mil Ufir, e cassação do registro ou do diploma, observado o procedimento previsto no art. 22 da Lei Complementar n. 64/90. (Incluído pela Lei n. 9.840/99)

§ 1º Para a caracterização da conduta ilícita, é desnecessário o pedido explícito de votos, bastando a evidência do dolo, consistente no especial fim de agir. (Incluído pela Lei n. 12.034/09)

§ 2º As sanções previstas no caput aplicam-se contra quem praticar atos de violência ou grave ameaça a pessoa, com o fim de obter-lhe o voto. (Incluído pela Lei n. 12.034/09)

§ 3º A representação contra as condutas vedadas no caput poderá ser ajuizada até a data da diplomação. (Incluído pela Lei n. 12.034/09)

§ 4º O prazo de recurso contra decisões proferidas com base neste artigo será de 3 (três) dias, a contar da data da publicação do julgamento no Diário Oficial. (Incluído pela Lei n. 12.034/09)

 

Já na doutrina, a obra especializada de Francisco de Assis Vieira Sanseverino (Compra de votos – Análise à luz dos princípios democráticos, Ed. Verbo Jurídico, 2007, p.274.) traz a lição de que o art. 41-A da Lei n. 9.504/97 busca proteger, forma ampla, a normalidade e a legitimidade das eleições e, modo estrito, (1) o direito do eleitor de votar livremente e (2) a igualdade de oportunidades entre os competidores eleitorais.

Além, a ocorrência de captação ilícita de sufrágio há de ser antecedida por três elementos, segundo pacífica posição do Tribunal Superior Eleitoral: (1) a prática de uma conduta (doar, oferecer, prometer); (2) a existência de uma pessoa física (eleitor); (3) o resultado a que se propõe o agente (o fim de obter o voto).

Assim, para a configuração da hipótese do art. 41-A da Lei n. 9.504/97, necessária a conjugação dos elementos subjetivos e objetivos.

Ademais, a prática de captação ilícita de sufrágio, ainda que configurada na compra de um único voto, pode acarretar a cassação do registro, diploma ou mandato do candidato, no entanto, considerando a gravidade da sanção, exige-se a existência de prova clara, robusta e inconteste acerca da conduta ilícita.

Nessa linha, o contexto de toda a prova carreada aos autos, tanto as conversas registradas no aplicativo WhatsApp quanto os depoimentos em juízo e provas documentais, não permitem concluir que os recorridos incorreram em alguma das condutas previstas no art. 41-A da Lei n. 9.504/97 ou tinham por finalidade a compra de votos.

Os recorrentes narram que, no dia do pleito eleitoral de 2020, aproximadamente 50 (cinquenta) indivíduos estavam na chácara do presidente do Partido 25 - Democratas, do candidato a prefeito PAULO SERGIO BATTISTI, com santinhos e grande quantidade de dinheiro, que serviria de pagamento a eleitores em troca de voto, e que teriam empreendido fuga do local após a chegada de autoridades policiais e da auxiliar de eleição, Maiara Daiane Pinnow.

A testemunha Maiara Daiane Pinnow (ID 44980254 e 44980255) atuou como auxiliar de eleição de 2020 em Campinas do Sul e relata o recebimento de denúncia de que estava ocorrendo compra de votos em um sítio; chegando lá, avistou pessoas reunidas e uma delas correu quando a viu; ao adentrar o local, deparou-se com uma pessoa que fugiu após recolher quantia de dinheiro que estava sobre uma mesa; revistou o lugar e encontrou santinhos do prefeito dentro de uma gaveta. Narra também que abordou um casal e o dono da propriedade, o qual disse que era festa de aniversário da filha, mas, questionado, nada comprovou.

Noto que, em dias de pleito, é comum que auxiliares de eleição sejam destacados pelo Juízo Eleitoral para atuarem pontualmente na averiguação de ocorrências de toda a sorte, inclusive chamados que envolvam pretensas condutas ilícitas de eleitores - como ocorreu no caso. Nesse contexto, o depoimento de Maiara Daiane Pinnow é razoável e condizente com a realidade do que ocorre em Zonas Eleitorais responsáveis pela organização logística do pleito, isto é, na qualidade de auxiliar de eleição, ela estava em diligência quando se deparou com uma situação que, a seu ver, poderia caracterizar ato ilícito, razão pela qual, após se inteirar minimamente da situação, chamou a polícia para averiguações. Assim, atuou dentro dos limites do que é permitido a qualquer cidadão e, justificada pelo cargo que ocupava no dia, estava autorizada a zelar pela legitimidade do pleito dentro dos limites legais. Ademais, como corretamente ponderado pelo magistrado por ocasião de sua oitiva em juízo, não foi demonstrado interesse da testemunha na vitória dos candidatos de oposição, não havendo falar em parcialidade a comprometer o teor da prova produzida.

Não obstante a higidez da testemunha, o conteúdo do depoimento nada revela acerca da ocorrência de captação ilícita de sufrágio. A testemunha informa (ID 44980255 e 44980256) que as pessoas presentes na chácara estavam mexendo no celular, mas não sabe o que estavam fazendo; que parecia ter ocorrido um churrasco no local; que encontrou aproximadamente 20 santinhos dentro de uma gaveta; que viu um montante de dinheiro espalhado em cima da mesa, que foi recolhido rapidamente pelos que lá estavam. Soma-se a isso o fato de que as testemunhas Diego Giovani Pavan (ID 44980252 e 44980253) e Gustavo Busatto (ID 44980259 e 44980260), policiais que averiguaram a ocorrência, convergem no sentido de que não viram dinheiro nem santinhos no local. Ademais, a testemunha Gustavo Busatto (ID 44980259 e 44980260) refere que o filho do prefeito chegou no local apenas após a chegada da polícia.

Com efeito, nada se sabe quanto ao conteúdo e a finalidade da reunião, não se podendo presumir tratar-se de ato destinado à captação de votos de eleitores por vias escusas com ciência prévia ou anuência dos recorridos, ante a ausência de provas robustas e contundentes nesse sentido. Pelo contrário, havia indícios de que houve um churrasco no local momentos antes da chegada dos policiais, o que vai ao encontro da tese da defesa de que a chácara era comumente usada para recreação e que naquele dia, em especial, servia de ponto de encontro de pessoal da campanha até a apuração de votos.

Por outro lado, a questão da suposta mercantilização de votos por meio de mensagens eletrônicas de WhatsApp a Genoir e Sabrina Falcoski foi enfrentada pelo juízo a quo, tendo sido acertadamente apontado que:

(...)

Por outro lado, do laudo elaborado pela Polícia Federal, também não se verificam elementos suficientes para comprovar a captação ilícita de sufrágio .

Boa parte dos áudios existentes não foram recuperados pela perícia (ID 98867555 e 68867557). Das conversas, verifica-se a tentativa de um indivíduo denominado “Geno”, provavelmente Genoir de Oliveira, tentando comprar votos. Apesar de ter recebido o contato de alguém em tese ligado à campanha da coligação dos requeridos para a majoritária, não existem prova de que esta tenha ofertado dinheiro, ou mesmo que tal pessoal trabalhasse e captasse eleitores, por meio da compra de seus votos, com a ciência ou mesmo anuência dos candidatos. Aliás, das conversas, pode-se inclusive verificar a tentativa de Genoir em “vender o voto” para mais de um candidato, procurando a todo custo obter dinheiro para por meio da promessa de voto. Tanto que, em conversa travada com uma tal de “Be”, que atuava para coligação diversa dos requeridos, referiu que iria aguardar eventual proposta da coligação destes.

Por outro vértice, o depoimento de Sabrina Falcoski também não comprova a prática de captação ilícita de sufrágio. Do seu relato, depreende-se que uma pessoa chamada Osmarino a chamou para propor a compra de voto, porém não sabe precisar para quem deveria votar. Refere que tal pessoa esteve na sua residência, ,mas não estava em casa na ocasião e não sabe precisar se deixou algum valor com a sua mãe.

(...)

 

Como se vê do laudo pericial de ID 44980209, produzido a partir da apreensão do celular pertencente a Genoir de Oliveira, uma pessoa que se identifica como “Leandro” o aborda no dia 13.11.2020, por meio de mensagens de WhatsApp, afirmando trabalhar na campanha de “Paulo e Duda”, ora recorridos. A partir daí, todas as mensagens de áudio enviadas por Leandro não puderam ser recuperadas pela perícia, restando apenas mensagens de texto de Genoir afirmando que sua esposa também votava no município e que seria necessário que Leandro revisse a proposta, nos seguintes termos: “Cara tem que rever essa proposta ‘pq’ vou ganhar 150 cada eu e minha mulher de um vereador é do mesmo lado que o teu”.

Dos fragmentos desse diálogo não se pode inferir o teor da proposta de Leandro e muito menos que ela beneficiasse os então candidatos Paulo Sérgio Battisti e Eduardo Zannoni em momento anterior ou durante a realização do pleito. Ademais, a própria identidade de Leandro não foi minimamente esclarecida nos autos, tratando-se de pessoa desconhecida. Em arremate, exceto pela conversa travada com pessoa identificada como Leandro, o eleitor Genoir tem papel ativo na mercantilização de seu voto e do voto de sua esposa, Alessandra, ora oferecendo-os em troca de dinheiro, ora declarando a terceiros que estava a vender o voto, não tendo sido demonstrada a participação dos recorridos em nenhum dos eventos envolvendo Genoir.

A mesma conclusão é alcançada quanto à eleitora Sabrina Falcoski. Em seu depoimento (ID 44980257), ela narra que foi procurada por um sujeito chamado “Tio Osmarino”, que lhe ofereceu dinheiro em troca do voto dela nos candidatos recorridos Paulo Sérgio Battisti e Eduardo Zannoni, porém não sabe se o sujeito entregou algum valor a sua mãe. Questionada expressamente pelo juízo a quo sobre o trecho do diálogo travado entre ela e Osmarino, por WhatsApp, constante no documento de ID 44980064, que instrui a petição inicial, em que o referido afirma que “E articulo para o outro lado negociar com ‘você’. E ‘vocês’ pegam deles ‘também’. E votam nos meus candidatos”, Sabrina responde acreditar se tratar dos candidatos adversários. Além disso, não passa despercebido que não eram os candidatos recorridos que financiariam o acerto, e sim o próprio Osmarino, como se observa no trecho em que ele revela “‘Pq’ não posso gastar muito e sou eu que irei desembolsar” (ID 44980064).

Nessa linha, não se depreende que Osmarino estivesse atuando a mando dos recorridos ou que atuasse em sua campanha, visto que ele mesmo pagaria pelos votos e tinha influência para articular votos para os candidatos adversários também. 

Dessa forma, não foi produzida prova clara, robusta e inconteste acerca da conduta ilícita, razão pela qual entendo não demonstrada a captação ilícita de sufrágio nos fatos descritos na inicial, devendo ser integralmente confirmada a sentença que julgou improcedente a ação.

O entendimento sufragado na jurisprudência é de que somente mediante provas robustas a Justiça Eleitoral deve afastar legalmente determinado mandato eletivo obtido nas urnas, conforme seguintes precedentes:


ELEIÇÕES 2020. AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL ELEITORAL. AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO JUDICIAL ELEITORAL. ABUSO DO PODER POLÍTICO E ECONÔMICO. PREFEITO, VICE–PREFEITO E VEREADOR. JULGAMENTO MONOCRÁTICO. PREVISÃO LEGAL. ART. 36, § 6º, DO RITSE. ABUSO DE PODER. NÃO CONFIGURAÇÃO. SUBORNO DE CANDIDATO ADVERSÁRIO. CONTRATAÇÃO DE SERVIDORES TEMPORÁRIOS ÀS VÉSPERAS DO PLEITO. AUSÊNCIA DE PROVA ROBUSTA. PREMISSAS FÁTICAS DELINEADAS NO ACÓRDÃO REGIONAL. REEXAME DO CONJUNTO FÁTICO–PROBATÓRIO. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULA 24/TSE. AUSÊNCIA DE ANÁLISE DOS FATOS SOB O PRISMA DA CONDUTA VEDADA NA CORTE REGIONAL. SUPRESSÃO DE INSTÂNCIA. INVIABILIDADE. AGRAVO INTERNO A QUE SE NEGA PROVIMENTO.

1. Inexiste ofensa ao princípio da colegialidade na decisão monocrática proferida nos termos do art. 36, § 6º, do RITSE, tendo em vista que a negativa de seguimento ao agravo se encontra fundamentada na jurisprudência consolidada nos enunciados sumulares desta Corte.

2. A procedência da Ação de Investigação Judicial Eleitoral (AIJE) exige provas robustas da ocorrência e da gravidade dos ilícitos nela descritos.

3. Inexiste suporte fático suficiente nos autos para a condenação dos agravados por abuso do poder econômico ou de autoridade, tanto em relação ao suposto suborno de candidato adversário quanto à apontada contratação irregular de pessoal para fins eleitorais.

4. Para se chegar à conclusão diversa daquela alcançada pelo TRE/PE quanto à robustez do conjunto fático–probatório apto a configurar abuso de poder, seria necessário o reexame do conjunto fático–probatório constante dos autos, o que encontra óbice na Súmula 24/TSE.

5. Agravo interno desprovido.

(TSE - AREspE: 06005157420206170075 VERDEJANTE - PE 060051574, Relator: Min. Ricardo Lewandowski, Data de Julgamento: 28.4.2022, Data de Publicação: DJE - Diário da justiça eletrônica, Tomo 84)

 

Ação de Investigação Judicial Eleitoral. Abuso de poder. Art. 22, XIV e XVI, da Lei Complementar n. 64/90. Representação. Condutas vedadas. Art. 73, incs. I e III, da Lei n. 9.504/97. Propaganda eleitoral irregular. Resolução TSE n. 23.404/14. Prefeito, vice e partido político. Eleições 2014. Divulgação de material publicitário apócrifo, com conteúdo calunioso contra candidatura ao cargo de deputado estadual. Alegada utilização de agentes públicos e veículos da administração municipal para a distribuição. Deferimento parcial de pedido liminar, a fim de atender a demanda visando a busca e apreensão dos panfletos. Preliminar de ilegitimidade passiva para a causa afastada. O vice-prefeito é parte legítima na ação, uma vez que existe litisconsórcio passivo necessário entre o titular e o vice, dada a possibilidade de ser afetado pela eficácia da decisão. Embora comprovada nos autos a existência de material apócrifo, em infringência ao art. 5º, inc. IV, da Constituição Federal, não há como atribuir responsabilidade aos representados, diante da absoluta falta de provas com relação à autoria do material e de seu eventual envolvimento na distribuição. Tampouco restou comprovada a alegada utilização indevida de veículo ou servidor da Administração Municipal. Para a apuração do abuso de poder, econômico ou político, deve restar demonstrada violação à normalidade e legitimidade do pleito, considerando-se a gravidade das circunstâncias em que envolto o ato, não se perquirindo a sua potencialidade em afetar as eleições. Necessidade de prova inequívoca acerca da conduta ou da contribuição dos representados nos fatos. Insuficiência do conjunto probatório para a configuração das práticas do abuso de poder, condutas vedadas e propaganda eleitoral irregular. Improcedência.

(TRE-RS - AIJE: 187611 BENTO GONÇALVES - RS, Relator: DESA. LISELENA SCHIFINO ROBLES RIBEIRO, Data de Julgamento: 19.4.2016, Data de Publicação: DEJERS - Diário de Justiça Eletrônico do TRE-RS, Tomo 74, Data 29.4.2016, Página 6)

 

Ante o exposto, VOTO pelo desprovimento do recurso.