REl - 0600491-54.2020.6.21.0101 - Voto Relator(a) - Sessão: 20/04/2023 às 14:00

VOTO

Senhor Presidente, Eminentes Colegas.

 

1. Admissibilidade recursal.

O recurso interposto é regular, adequado e tempestivo, comportando conhecimento.

 

2. Preliminar de nulidade da prova suscitada em contrarrazões, pelos recorridos.

Em contrarrazões, os recorridos suscitaram preliminar de nulidade da prova, em virtude da obtenção sem autorização judicial de mensagens de áudio de WhatsApp, que instruem os autos nos ID 44962090 a 44962093 (na origem, ID 57226003 a 57226006), tecidas entre o prefeito reeleito Alair Cemin e cidadãos.

No que diz respeito à alegada nulidade, trata-se de quatro áudios de WhatsApp trocados entre dois interlocutores e disponibilizados por pelo menos um deles, inclusive constando em ata notarial (ID 44962097, 44962150, 44962155, 44962156), para fins de instrução da petição inicial. Tais arquivos, juntamente com as demais provas dos autos, constituem base probatória autônoma suficiente para fundamentar decisões judiciais. Portanto, não é eivada de nulidade a prova decorrente das mensagens de áudio de WhatsApp trocadas entre um dos recorridos e terceiro interlocutor que disponibilizou a conversa aos recorrentes.

Desse modo, rejeito a matéria prefacial e passo ao exame do mérito.

 

3. Mérito

Os fatos versam sobre a suposta prática de captação ilícita de sufrágio, abuso do poder econômico e abuso de poder político pelos demandados, ora recorridos, reeleitos em 2020, prefeito e vice-prefeito de Derrubadas/RS.

Segundo defende o recorrente, no Município de Derrubadas, com o propósito de favorecer a reeleição dos recorridos, teriam sido praticados três fatos caracterizadores de abuso de poder econômico e político. Primeiro, sob o comando dos recorridos e sem que houvesse critérios legais objetivos para seleção de beneficiários, houve a concessão de um grande número de auxílios financeiros a aliados políticos e apoiadores para reforma de moradias, no âmbito do Programa Municipal de Melhoria Habitacional e Saneamento, em detrimento de cidadãos realmente necessitados, subvertendo a finalidade da política pública. Segundo, os recorridos realizaram doações de bens e vantagens a eleitores, mediante disponibilização de maquinário da prefeitura para operações em propriedades particulares; oferta de R$ 1.000,00 (um mil reais) realizada por Alair Cemin a eleitor, em troca de voto e apoio político; atuação da Secretária Municipal de Turismo, Angelita Bomm dos Santos, no recrutamento de funcionários para trabalhar na empresa Precisão Soluções Estratégicas em Serviços Ltda., contratada pelo município. Terceiro, os recorridos promoveram a perseguição de adversários políticos.

Pois bem.

O abuso de poder encontra-se normatizado no art. 22, caput e incs. XIV e XVI, da LC n. 64/90:

Art. 22. Qualquer partido político, coligação, candidato ou Ministério Público Eleitoral poderá representar à Justiça Eleitoral, diretamente ao Corregedor-Geral ou Regional, relatando fatos e indicando provas, indícios e circunstâncias e pedir abertura de investigação judicial para apurar uso indevido, desvio ou abuso do poder econômico ou do poder de autoridade, ou utilização indevida de veículos ou meios de comunicação social, em benefício de candidato ou de partido político, obedecido o seguinte rito:

(...)

XIV – julgada procedente a representação, ainda que após a proclamação dos eleitos, o Tribunal declarará a inelegibilidade do representado e de quantos hajam contribuído para a prática do ato, cominando-lhes sanção de inelegibilidade para as eleições a se realizarem nos 8 (oito) anos subsequentes à eleição em que se verificou, além da cassação do registro ou diploma do candidato diretamente beneficiado pela interferência do poder econômico ou pelo desvio ou abuso do poder de autoridade ou dos meios de comunicação, determinando a remessa dos autos ao Ministério Público Eleitoral, para instauração de processo disciplinar, se for o caso, e de ação penal, ordenando quaisquer outras providências que a espécie comportar; (Redação dada pela Lei Complementar nº 135, de 2010)

(...)

XVI – para a configuração do ato abusivo, não será considerada a potencialidade de o fato alterar o resultado da eleição, mas apenas a gravidade das circunstâncias que o caracterizam. (Incluído pela Lei Complementar nº 135, de 2010)

 

Na lição de José Jairo Gomes (Direito Eleitoral Essencial, São Paulo: Editora Método, 2018, pp. 228-229):

Haverá abuso sempre que, em um contexto amplo, o poder – não importa sua origem ou natureza – for manejado com vistas à concretização de ações irrazoáveis, anormais, inusitadas ou mesmo injustificáveis diante das circunstâncias que se apresentarem e, sobretudo, ante os princípios e valores agasalhados no ordenamento jurídico. Por conta do abuso, ultrapassa-se o padrão normal de comportamento, realizando-se condutas que não guardam relação lógica com o que normalmente ocorreria ou se esperaria que ocorresse. A análise da razoabilidade da conduta e a ponderação de seus motivos e finalidades oferecem importantes vetores para a apreciação e o julgamento do evento; razoável, com efeito, é o que está em consonância com a razão.

(...)

No Direito Eleitoral, o abuso de poder consiste no mau uso de direito, situação ou posição jurídicas com vistas a exercer indevida e ilegítima influência em dada eleição. Para caracterizá-lo, fundamental é a presença de uma conduta em desconformidade com o Direito (que não se limita à lei), podendo ou não haver desnaturamento dos institutos jurídicos envolvidos. No mais das vezes, há a realização de ações ilícitas ou anormais, denotando mau uso de uma situação ou posição jurídicas ou mau uso de bens e recursos detidos pelo agente ou beneficiário ou a eles disponibilizados, isso sempre com o objetivo de influir indevidamente em determinado pleito eleitoral.

 

As práticas abusivas, nas suas diferentes modalidades, não demandam prova da sua interferência no resultado da votação, mas, tão somente, da gravidade das condutas para afetar o equilíbrio entre os candidatos e, com isso, causar mácula à normalidade e à legitimidade da disputa eleitoral (TSE, AIJE n. 060177905, Acórdão, Relator Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, DJE de 11.3.2021), valores tutelados pelo art. 14, § 9º, da Constituição Federal:

Art. 14. (...)

(...)

§ 9º. Lei complementar estabelecerá outros casos de inelegibilidade e os prazos de sua cessação, a fim de proteger a probidade administrativa, a moralidade para o exercício do mandato, considerada a vida pregressa do candidato, e a normalidade e legitimidade das eleições contra a influência do poder econômico ou o abuso do exercício de função, cargo ou emprego na administração direta ou indireta.

 

O abuso de poder político ocorre nas situações em que o detentor do poder utiliza sua posição para agir de modo a influenciar o eleitor e prejudicar a liberdade de voto. Caracteriza-se, dessa forma, como ato de autoridade exercido em detrimento do voto.

Quanto ao tema, trago os ensinamentos de Rodrigo López Zilio (Direito Eleitoral – 5ª ed. Porto Alegre: Verbo Jurídico, 2016. Páginas 558-559):

(…) Abuso de poder de autoridade é todo ato emanado de pessoa que exerce cargo, emprego ou função que excede aos limites da legalidade ou de competência. O ato de abuso de poder de autoridade pressupõe o exercício de parcela de poder, não podendo se cogitar da incidência desta espécie de abuso quando o ato é praticado por pessoa desvinculada da administração pública (lato sensu). O exemplo mais evidenciado de abuso de poder de autoridade se encontra nas condutas vedadas previstas nos artigos 73 a 77 da LE. Enquanto o abuso de poder de autoridade pressupõe a vinculação do agente do ilícito com a administração pública mediante investidura em cargo, emprego ou função pública, o abuso de poder político se caracteriza pela vinculação do agente do ilícito mediante mandato eletivo. (Grifei.)

 

No que respeita especificamente ao abuso de poder econômico, é necessário que a conduta abusiva tenha em vista processo eleitoral futuro ou em curso, concretizando ações ilícitas ou anormais, das quais se denote o uso de valores patrimoniais detidos, controlados ou disponibilizados ao agente, que extrapolem ou exorbitem, no contexto em que se verificam, a razoabilidade e a normalidade no exercício de direitos e o emprego de recursos, com o propósito de beneficiar determinada candidatura, provocando a quebra da igualdade de forças que deve preponderar no âmbito da disputa eleitoral.

Segundo Zilio (Direito Eleitoral – 5ª ed. Porto Alegre: Verbo Jurídico, 2016. Páginas 557-558):

Caracteriza-se o abuso de poder econômico, na esfera eleitoral, quando o uso de parcela do poder financeiro é utilizada indevidamente, com o intuito de obter vantagem, ainda que indireta ou reflexa, na disputa do pleito. Pode-se configurar o abuso de poder econômico, exemplificativamente, no caso de descumprimento das normas que disciplinam as regras de arrecadação e prestação de contas na campanha eleitoral (v.g., arts. 18 a 25 da LE).

 

São institutos abertos, não sendo definidos por condutas taxativas, mas pela sua finalidade de impedir práticas e comportamentos que extrapolem o exercício regular e legítimo da capacidade econômica e de posições públicas dos candidatos capazes de causar indevido desequilíbrio ao pleito.

A quebra da normalidade do pleito está vinculada à gravidade da conduta, capaz de alterar a simples regularidade das campanhas sem a necessidade da demonstração de que ausente a prática abusiva o resultado das urnas seria diferente.

Por fim, para a captação ilícita de sufrágio é necessária a participação do candidato beneficiado, ou ao menos seu conhecimento, em qualquer das condutas previstas no art. 41-A da Lei Eleitoral ocorridas entre a data do registro de candidatura e a eleição, bem como o dolo específico, consistente na intenção de obter o voto do eleitor.

Nessa linha, colaciono julgado do TSE:

AGRAVO INTERNO. RECURSO ORDINÁRIO. ELEIÇÕES 2018. DEPUTADO ESTADUAL. REPRESENTAÇÃO. CAPTAÇÃO ILÍCITA DE SUFRÁGIO. ART. 41–A DA LEI 9.504/97. PAGAMENTO EM TROCA DE VOTOS. TRANSPORTE DE ELEITORES. BOCA DE URNA. CASSAÇÃO DO DIPLOMA. MULTA.

(...)

MÉRITO.

CAPTAÇÃO ILÍCITA DE SUFRÁGIO. ART. 41–A DA LEI 9.504/97. CONFIGURAÇÃO. OFERTA DE TRABALHO REMUNERADO E TRANSPORTE GRATUITO DE ELEITORES NO DIA DA ELEIÇÃO EM TROCA DE VOTO. ANUÊNCIA DO CANDIDATO. COMPROVAÇÃO.

6. No mérito, nos termos do art. 41–A da Lei 9.504/97, "constitui captação de sufrágio, vedada por esta Lei, o candidato doar, oferecer, prometer, ou entregar, ao eleitor, com o fim de obter–lhe o voto, bem ou vantagem pessoal de qualquer natureza, inclusive emprego ou função pública, desde o registro da candidatura até o dia da eleição, inclusive".

7. Conforme jurisprudência desta Corte Superior, para se configurar a captação ilícita de sufrágio, é necessária a presença dos seguintes elementos: (a) prática de qualquer das condutas previstas no art. 41–A; (b) o dolo específico de obter o voto do eleitor; (c) ocorrência dos fatos entre a data do registro de candidatura e a eleição; e (d) a participação, direta ou indireta, do candidato beneficiado, concordância ou conhecimento dos fatos que caracterizam o ilícito.

(…)

(RO n. 060186731, Acórdão, Relator Min. Luis Felipe Salomão, Publicação: DJE - Diário da justiça eletrônico, Tomo 230, Data: 14.12.2021.) (Grifei.)

 

Ainda no que atina à captação ilícita de sufrágio, o TSE consolidou posicionamento no sentido de que a configuração da prática demanda atenção ao alguns requisitos: “(a) capitulação expressa da conduta no tipo legal descrito no art. 41–A da Lei nº 9.504/1997; (b) realização da conduta no período eleitoral; (c) prática da conduta com o especial fim de agir, consubstanciado na vontade de obter o voto do eleitor ou de grupo determinado ou determinável de eleitores; (d) existência de conjunto probatório robusto acerca da demonstração do ilícito, considerada a severa penalidade de cassação do registro ou diploma” (RO n. 0603024-56.2018.6.07.0000/DF, Acórdão, Relator Min. Og Fernandes, Publicação: DJE - Diário da justiça eletrônico, Tomo 215, Data: 26.10.2020).

Com essa contextualização normativa e jurisprudencial, passo ao exame da moldura fático-probatória.

 

3.1. Do suposto abuso de poder e captação ilícita de sufrágio pretensamente exercido pelos recorridos no âmbito Programa Municipal de Melhoria Habitacional e Saneamento.

O recorrente sustenta que, sob o comando dos recorridos e sem que houvesse critérios legais objetivos para seleção de beneficiários, durante a primeira legislatura, em especial no ano de 2020, houve a concessão de um grande número de auxílios financeiros a aliados políticos e apoiadores, para reforma de moradias no âmbito do Programa Municipal de Melhoria Habitacional e Saneamento, em detrimento de cidadãos realmente necessitados, em flagrante subversão da finalidade da política pública.

Na sentença, o ilustre Magistrado a quo entendeu não haver ilicitude no ato, assim fundamentando sua decisão (ID 44962410):

(...)

Como já apontado anteriormente, verifico que não há provas robustas nos presentes autos que demonstrem de forma inequívoca o abuso de poder alegado, de modo que o conjunto probatório apresentado não é suficiente para autorizar o Poder Judiciário a cassar o mandato eletivo do candidato que teve o poder outorgado pela vontade popular.

Nesta esteira, em uma ação desta natureza, que irá influenciar na vontade popular, devem existir elementos objetivos e claros que apontem no sentido da prática de abuso de poder. Nos autos, verifico indícios de responsabilidade insuficientes, a despeito do amplo alcance dos métodos de investigação empregados e do empenho na instrução do feito.

No caso em tela, importante consignar, por oportuno, que as situações trazidas pela parte autora e amplamente foram discutidas nos autos, seja de forma documental seja durante a audiência de instrução e julgamento decorreram de continuidade de programa assistencial existente no Município de Derrubadas desde o ano de 1994, como frisado pelos demandados em suas peças defensivas.

Demais auxílios demonstrados decorreram de autorização de Assistência Social local, de modo que não possuem força suficiente para indicar ilícitos eleitorais suficientes para acolher a pretensão exposta na vestibular.

Cabe referir também que, de acordo com as informações da totalização pela Justiça Eleitoral, os representados foram eleitos com um total de 1.370 votos (54,95% dos votos válidos), o que representa uma ampla maioria. Portanto, devem existir elementos objetivos e inequívocos que apontem no sentido da prática de abuso de poder econômico, corrupção ou fraude para fundamentar a grave sansão de cassação do mandato obtido por vontade popular.

Assim, após a análise minuciosa das provas produzidas, dúvidas restam quanto à efetiva prática ilegal na obtenção de votos, pois não há como afirmar, com a certeza necessária para a imposição de um decreto condenatório, a promessa ou a concessão de vantagens, condicionada ao voto dos beneficiários.

Ademais, conquanto seja prescindível o expresso pedido de votos à configuração do ilícito, necessária se faz a demonstração do dolo, correspondente ao especial fim de agir, relativo à captação de sufrágio.

(...)

 

Pois bem. A Lei Municipal n. 109/94, do Município de Derrubadas/RS, em seu art. 1º, § 4º, prevê que “Serão destinados recursos para reforma, ampliação e construção de casas, aquisição de materiais por pessoas de baixa renda, residentes nas zonas urbana e rural”. Em seu art. 2º, o referido diploma legislativo estabelece o procedimento de seleção dos beneficiários, “feita através da Secretaria Municipal da Saúde, Saneamento e Ação Social, a qual, através do sistema de fichário sócio-econômico elegerá os beneficiários, priorizando o atendimento total e parcial, de acordo com a situação socioeconômica do mesmo” (ID 44962088). A Lei Municipal n. 370/01 institui o Programa Municipal de Melhoria Habitacional e Saneamento e define as condições para o recebimento do benefício em seu art. 3º, caput e incisos, a saber: (a) residir no município há mais de um (01) ano da promulgação da Lei; (b) estar cadastrado junto à Secretaria Municipal de Assistência Social; e (c) comprovar, mediante atestado, a inexistência de rendimentos suficientes para a manutenção e melhoramento da moradia e do tratamento de esgoto. A comprovação dos requisitos depende de cadastramento junto à Secretaria de Assistência Social do município (ID 44962207).

Em contundente depoimento (ID 44962361), a testemunha Sandra Maria Dall Agnol afirmou que é a assistente social de Derrubadas, trabalha na Secretaria da Assistência Social desde 2001 e não é filiada a partido político; que é responsável pela elaboração de relatório para seleção de beneficiários, após realizar visitas às residências dos peticionários; que a miserabilidade não é condição para concessão do benefício, bastando que fique caracterizada a necessidade, que leva em conta receita e custo de vida e ausência de renda suficiente para arcar com reforma; que não se recorda de pessoas que tenham obtido o benefício sem demonstração da real necessidade financeira; e que nunca foi compelida a dar um benefício por questões políticas.

Como se vê, ainda que não haja critérios legais objetivos, como, por exemplo, renda per capita ou familiar para selecionar quem faz jus ao benefício para reforma de moradias, a aprovação de beneficiários é feita com base no estudo levado a cabo por assistente social concursada, que verifica localmente a necessidade dos peticionários de acordo com critérios razoáveis de receita e custo de vida de maneira individualizada e justificada pelas circunstâncias para assegurar condições dignas de moradia.

A política pública de concessão de benefícios para moradia é prevista em leis municipais e ocorre desde 1994. Em 2020, foram realizados 128 pagamentos a pessoas físicas em cifras razoáveis que vão de 189,00 a 4.317,47 (ID 44961945 e 44961941) - quantidades e valores que não destoam dos praticados anualmente entre 2017 a 2019 (ID 44961942 a 44961944). Aliás, grande parcela dos empenhos realizados em 2020 ocorreram antes do registro de candidatura (ID 44962077 a 44961946), o que indica que a concessão de benefícios não era uma estratégia de campanha eleitoral. Nesse contexto, a concessão de benefícios no âmbito do Programa Municipal de Melhoria Habitacional e Saneamento revela uma opção política adotada pela administração municipal desde 1994, e continuada durante a legislatura de 2017 a 2020, não configurando atuação com fins eleitoreiros a constituir abuso de poder econômico, político ou captação ilícita de sufrágio.

Ademais, não restou comprovado que houve o benefício de aliados políticos dos recorridos, filiados ao MDB, em detrimento de pessoas necessitadas. A testemunha Carine Richter relata que apoiou publicamente o candidato adversário e ganhou auxílio para reforma da sua residência após visita da assistente social (ID 44962356). Já a testemunha Valdir Reis assegura que ninguém lhe exigiu apoio político para receber o benefício (ID 44962357). O fato de algumas das pessoas contempladas pelo benefício terem demonstrado apoio político aos recorridos não infirma a conclusão de carência econômica alcançada pela assistente social após o estudo pertinente realizado. Embora haja fotografias das residências humildes de Romi Koester, Aldino Bohn e Artur Cezimbra (ID 44962374 a 44962385), não há indicativos de que tenham solicitado ou lhes tenha sido negado o benefício. Assim, não há correlação entre apoio político e concessão de benefícios para reforma de moradias.

Portanto, não há falar em abuso de poder político, para o qual se requer prova robusta de utilização indevida de bens públicos ou servidores, ou abuso de poder econômico, em proveito de determinada candidatura, de maneira a comprometer a normalidade e a legitimidade das eleições e gerar desequilíbrio na disputa.

 

3.2. Do suposto abuso de poder e captação ilícita de sufrágio exercida pelos recorridos mediante doação de bens, valores e vantagens pessoais a eleitores.

O recorrente narra que, com finalidade eleitoral, maquinário da prefeitura era disponibilizado gratuitamente ou com baixo custo para operações em propriedades particulares; que o Prefeito Alair Cemin ofereceu R$ 1.ooo,oo (um mil reais) a eleitor, em troca de voto e apoio político; bem como que a Secretária Municipal de Turismo, Angelita Bomm dos Santos, empregou funcionários para trabalharem na empresa Precisão Soluções Estratégicas em Serviços Ltda., contratada pelo município para prestação de serviços no Parque Estadual do Turvo – condutas que caracterizariam abuso de poder político e econômico, assim como captação ilícita de sufrágio.

A disponibilização de maquinário a cidadãos não ocorreu com fins de obtenção de voto.

A testemunha Alan Vicente informou que foi operador de máquinas da prefeitura até 2019 - antes do período eleitoral - e que as ordens para execução dos serviços eram dadas pelo Secretário da Agricultura, sendo que “alguns pagavam e outros não” (ID 44962351). A testemunha Juliano Martens (ID 44962355), também operador de máquinas da prefeitura até 2019, refere que recebia lista de colonos que não precisariam pagar pelos serviços das máquinas.

Contudo, além de as testemunhas abordarem genericamente fatos anteriores ao período eleitoral de 2020, os documentos constantes nos autos apontam que havia custo para a utilização do maquinário sobre o qual poderia haver abatimento de até 100% na contraprestação paga pelo munícipe beneficiado a título de auxílio, sendo prática documentada e divulgada pela prefeitura (ID 44962370). Assim, ausentes indicações cabais de gasto anormal ou extraordinário em ano eleitoral, não há como embasar a caracterização de abuso de poder ou captação ilícita de sufrágio nas eleições.

Por sua vez, o teor dos diálogos obtidos a partir da extração de dados do celular de Alair Cemin revela eleitores que, declarando seus votos, pedem emprego e toda a sorte de serviços - os quais em tese são prestados pelo poder público - diretamente ao prefeito, em decorrência de uma relação de proximidade típica de municípios diminutos, onde “as pessoas se conhecem”, como declarou a testemunha Sandra Maria Dall Agnol, assistente social já mencionada (ID 44962361). No mesmo sentido, como bem analisado pelo douto Procurador Regional Eleitoral, trata-se, no caso, “de um município pequeno, os assuntos convergem para a pessoa do prefeito e englobam desde pessoas pedindo dinheiro até serviços que, em tese, seriam rotineiramente disponibilizados pela Prefeitura” (ID 45407484 – fl. 14).

Ademais, ainda que haja indicativo de exclusão de mensagens de WhatsApp, não se pode concluir que as solicitações dos eleitores tenham sido feitas em cobrança a promessas dos candidatos, ante a ausência de comprovação robusta e inequívoca da hipótese vertida no recurso, de que houve beneficiamento de apoiadores políticos com a oferta de bens e serviços, oriundos do poder público. Nesse sentido, as testemunhas Rosane Gelain (ID 44962354) e Caciane Scapini (ID 44962353) referem genérica e vagamente que sabem de casos em que houve promessas em troca de voto, mas não citam fatos exatos ou envolvidos. Depura-se, pois, não preenchidos os requisitos quanto à caracterização do especial fim de agir e à demonstração do ilícito, mediante acervo probatório sólido, pressupostos reclamados pelas figuras de abuso de poder e captação ilícita de sufrágio.

Quanto à atuação da Secretária do Turismo, Angelita Bomm dos Santos, na seleção de funcionários para trabalharem junto à empresa terceirizada contratada pelo município, há uma única testemunha que faz alusão aos fatos, que nem sequer constaram da peça exordial. Carine dos Santos Richter, arrolada pela defesa, relata que foi contratada para trabalhar na empresa em 2020, e procurou a Secretária Angelita, mas “é outra guria que faz os processos”. O testemunho é impreciso quanto à responsabilidade pelas contratações, não se podendo atribuir participação ou beneficiamento dos recorridos, em supostas contratações com fins de obtenção de voto, a prejudicar o equilíbrio da disputa eleitoral.

Igualmente, não restou comprovada a suposta oferta de R$ 1.000,00 (um mil reais) feita pelo Prefeito Alair Cemin ao eleitor Alcério Prates Alves, em troca de voto e de retirada de placa de apoio ao candidato da oposição. A testemunha Alcério afirmou, em juízo, que: “Eu só sei que ele chegou, o prefeito chegou, e ofertou mil ‘real’ pra mim tirar a placa e votar pra ele” (ID 44962352). Contudo, não há outras provas acerca do fato.

Nesse sentido, o art. 368-A, incluído ao ordenamento jurídico eleitoral por meio do art. 4º da Lei n. 13.165, de 2015, dispõe que “A prova testemunhal singular, quando exclusiva, não será aceita nos processos que possam levar à perda do mandato”.

Ressalto ser possível a comprovação de captação ilícita de sufrágio ou abuso de poder por prova exclusivamente testemunhal, desde que, por intermédio dela, seja demonstrada, de maneira incontroversa, a ocorrência do ilícito eleitoral, e que não seja uma única testemunha.

Sobre o tema, colaciono a seguinte ementa:

RECURSO. AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO ELEITORAL. ELEIÇÕES 2016. ALEGATIVAS DE C A P T A Ç Ã O I L Í C I T A D E S U F R Á G I O E D E A B U S O D E P O D E R . P R O V A S EXCLUSIVAMENTE TESTEMUNHAIS. INTELIGÊNCIA DO ART. 368-A DO CÓDIGO ELEITORAL. INSIFICIÊNCIA. AUSÊNCIA DE PROVAS CABAIS DO ILÍCITO. IMPROCEDÊNCIA DOS PLEITOS EXORDIAIS. RECURSO NÃO PROVIDO.

1. A teor do art. 368-A do Código Eleitoral inserido na legislação pelo art. 4 da recente Lei 13.165/2015, a prova testemunhal singular, quando exclusiva, não será aceita nos processos que possam levar a perda do mandato.

2. Não há como aplicar as abrangentes sanções atinentes à AIJE, que exige demonstração inequívoca de autoria e materialidade do ilícito, com base em prova testemunhal contraditória e nitidamente frágil.

3. Quando as provas constantes dos autos não são suficientes para demonstrar a ocorrência dos fatos descritos na inicial, forçoso reconhecer a improcedência dos pleitos exordiais.

4. Recurso conhecido e não provido.

(TRE-PI- AIJE: 55694 CORONEL JOSÉ DIAS – PI, Relator: DANIEL SANTOS ROCHA SOBRAL, Data de Julgamento: 25.01.2018, Data de Publicação: DJE – Diário de Justiça Eletrônico, Tomo 18, Data 31.01.2018, página 3.) (Grifei.)

 

É no mesmo sentido a jurisprudência deste Tribunal Regional Eleitoral:

RECURSO. REPRESENTAÇÃO. CAPTAÇÃO ILÍCITA DE SUFRÁGIO. ART. 41-A DA LEI 9.504/97.ELEIÇÕES 2016. PREFEITO E VICE. CANDIDATOS ELEITOS. PRELIMINAR DE CONCESSÃO DE EFEITO SUSPENSIVO ACOLHIDA. MÉRITO. COMPRA DE VOTOS. ART. 368-A DO CÓDIGO ELEITORAL. PARTICIPAÇÃO NA FORMA DE CIÊNCIA OU ANUÊNCIA, NA COMPRA DE VOTOS POR TERCEIROS. AUSENTE PROVA ROBUSTA E INCONTROVERSA. REFORMA DA SENTENÇA. AFASTADA CONDENAÇÃO. PROVIMENTO
1. Preliminar de concessão de efeito suspensivo acolhida. Por força do art. 257, § 2º do Código Eleitoral, recurso recebido no duplo efeito.
2. Mérito. Captação ilícita de sufrágio. A teor do art. 368-A do Código Eleitoral, a prova testemunhal singular, quando exclusiva, não será aceita nos processos que possam levar à perda do mandato. No caso, o juiz sentenciante fundamentou a condenação com base unicamente no depoimento de dois eleitores supostamente aliciados. Improcedência da ação.
2.1. Participação, na forma de ciência ou anuência, em compra de votos realizada por terceiros, não candidatos. Ausente prova robusta e incontroversa da prática de captação ilícita de sufrágio. Para a configuração da conduta ilícita não se admitem meras presunções quanto ao encadeamento dos fatos e o proveito eleitoreiro, devendo ser afastadas as condenações impostas. Provimento do recurso. Reforma da sentença.
(TRE-RS- RE: 55420 – SEGREDO/RS, Relator: Dr. SILVIO RONALDO SANTOS DE MORAIS, Data de Julgamento: 17.7.2018, Data de Publicação: DEJERS Diário de Justiça Eletrônico TRE-RS, Tomo 129, Data 20.7.2018, Página 7.) (Grifei.)

 

Assim, a prova testemunhal exclusiva e singular constante dos autos não é suficiente para demonstrar a ocorrência de captação ilícita de votos, que exige acervo probatório robusto e contundente para sua comprovação.

 

3.3. Do suposto abuso de poder político por perseguição a opositores feita pelos recorridos.

Em suas razões recursais, o recorrente aduz, sem descrever fatos específicos, que os recorridos perseguiam cidadãos que apoiavam o candidato adversário, atuando com abuso de poder político, e transcreve trecho do depoimento de Caciane Micheli Scapini, a qual indica que, de 100 ou 50 professores, “Sou eu, o Adelino [VASCONCELLOS, presidente do partido autor] e mais uma outra professora (inaudível). E mais um ou dois. O resto todos têm 40 horas” (ID 44962353).

Contudo, do depoimento da testemunha, fica claro que ela é concursada para 20 horas semanais; em aproximadamente 20 anos de carreira exerceu a metade com 20 horas e outra com 40 horas; a alteração da carga horária varia “conforme a necessidade”; durante a primeira legislatura dos recorridos, exerceu 40 horas e era diretora de escola até 2019, mas, por vontade própria, decidiu não continuar na direção e não foi procurada para continuar no cargo; para o exercício de cargo de direção é necessário jornada de 40 horas. Não vislumbro traços de retaliação política no relato, considerando que há a possibilidade de flexibilização da carga horária conforme a necessidade da administração, e que o exercício de direção é cargo em comissão, em cujas nomeações há prerrogativa da discricionariedade da administração pública. Além disso, não é razoável admitir que todos os professores que têm 40 horas apoiam o atual prefeito, sendo que o candidato adversário também era professor, tal como acertadamente reflete o douto Procurador Regional Eleitoral (ID 45407484 - fl. 20):

Se, por um lado, o depoimento induz à conclusão de discricionariedade em relação a quatro ou cinco professores que não fariam 40h, por outro não informa se houve um processo de seleção para os contratos de 20h adicionais ou como isso teria ocorrido. Ainda, não é razoável supor que a quase totalidade dos professores tenham apoiado o prefeito reeleito e obtido 40h de trabalho, em especial diante do fato concreto de que a chapa perdedora era composta por um professor e os recorridos foram reeleitos com 54,95% dos votos válidos, como referiu a sentença. Nesse contexto, não há elementos para caracterizar a situação como medida de retaliação política.

De qualquer modo, não tendo sido produzida nenhuma prova da existência de abuso de poder político do qual a noticiada retaliação seria a consequência, os fatos, ainda que estivessem comprovados, poderiam até ensejar a responsabilização dos agentes por ato de improbidade administrativa, mas não possuiriam aptidão para afetar a legitimidade das eleições, uma vez que a elas posteriores.

 

Do exposto, na esteira do parecer ministerial, tenho que a conduta tida por irregular não ostenta a gravidade pretendida pelo autor, capaz de macular a paridade de armas entre os candidatos durante o prélio eleitoral, diante da inexistência de prova cabal e segura da aventada captação ilícita de sufrágio e abuso de poder econômico e político, devendo a sentença de improcedência ser mantida.

 

Conclusão.

Desse modo, inexistentes provas robustas e cabais da ocorrência de abuso de poder econômico ou político, tampouco prática de captação ilícita de sufrágio, impõe-se a manutenção da sentença que julgou improcedente a AIJE ajuizada contra ALAIR CEMIN e MIRO MULBEIER.

ANTE O EXPOSTO, VOTO pelo desprovimento do recurso.

É como voto, senhor Presidente.