REl - 0600074-76.2021.6.21.0001 - Voto Relator(a) - Sessão: 20/04/2023 às 14:00

VOTO

Assiste razão ao recorrente.

A representação foi ajuizada em 30.12.2021, a partir dos dados encaminhados pela Receita Federal ao Ministério Público Eleitoral, apontando o excesso do limite de 10% (dez por cento) dos rendimentos brutos auferidos pelo doador no ano anterior ao pleito quanto à doação de R$ 500.010,00, realizada pelo recorrido Ricardo Quadros à campanha de 2020 do candidato não eleito a prefeito de Várzea Grande/MT, Flávio Alberto de Vargas (PSB).

O limite está disposto no art. 23, § 3º, da Lei n. 9.504/97 e tem o intuito de proteger a soberania popular, a lisura do pleito e evitar o abuso de poder econômico:

Art. 23. Pessoas físicas poderão fazer doações em dinheiro ou estimáveis em dinheiro para campanhas eleitorais, obedecido o disposto nesta Lei. (Redação dada pela Lei nº 12.034, de 2009) (Vide ADIN 5970)

(…)

§ 3º A doação de quantia acima dos limites fixados neste artigo sujeita o infrator ao pagamento de multa no valor de até 100% (cem por cento) da quantia em excesso. (Redação dada pela Lei nº 13.488, de 2017)

(…)

 

Embora seja plenamente equivocada a decisão do magistrado a quo que indeferiu o pedido de quebra de sigilo fiscal requerido pelo representante, o próprio doador afirmou, em sua defesa, que a irregularidade ocorreu porque sua Declaração de Imposto de Renda Pessoa Física do exercício de 2020, ano-calendário 2019, apresentada à Receita Federal, estava zerada.

Na peça, o recorrido requereu dilação de prazo para retificar a Declaração de IRPF, cumprindo transcrever os argumentos defensivos (ID 45027045):

Com base no que dispõe o parágrafo 1º, do artigo 23, da lei nº 9.504/1997, o Representado verificou seus ganhos do ano de 2019 e constatou que poderia colaborar com a quantia de R$ 500.000,00.

(...)

A quantia acima foi apurada tendo em vista que os ganhos do Representado em 2019 superaram a quanta de R$ 5.000.00,00, o que permitia a doação nos termos da norma acima colacionada.

Ocorre que apesar do Representado trabalhar exatamente com direito tributário, no ano de 2018 seu escritório foi excluído da SIMPLES NACIONAL, passando a ter que optar por um dos regimes de tributação comum, porém deixou de fazê-lo, tendo em vista que não tinha o certificado digital necessário para apresentar as declarações pertinentes.

Deste modo, realizou a entrega de suas declarações de pessoa física zeradas, a fim de não perder o prazo de entrega e permitindo a posterior retificação dentro do prazo legal de 5 anos, ou seja, até 2024, mas que pretendi fazer no ano de 2021, a fim de regularizar a situação das declarações de renda.

Diante do quadro de pandemia, e de dificuldades que sobrevieram, por esta razão, o representado acabou por não conseguir realizar a aquisição do certificado digital e da apresentação das declarações de renda do escritório de 2019 e, consequentemente, de suas declarações de renda de pessoa física.

Tais medidas para a correção das informações fiscais estão sendo providenciadas pela contabilidade recém contratada para esta finalidade, no entanto, ainda não foi adquirido o certificado digital necessário, o que já está sendo providenciado, a fim de que dentro desta semana as declarações da pessoa jurídica e da pessoa física sejam devidamente entregues e retificadas para a regularização dos valores que o representado recebeu desde o ano de 2019.

 

Como se vê, foi uma opção do recorrido realizar a declaração de imposto de renda com dados inverídicos, ou seja, zerada, cabendo-lhe, desse modo, comprovar a alegação de que possui rendimentos para suportar a doação efetuada, uma vez que os argumentos apresentados não se traduzem em justo impedimento de declarar à Receita Federal, a tempo e modo oportunos, a renda efetivamente auferida no exercício.

No caso dos autos, foi deferida a dilação de prazo e, em 24.9.2022, o recorrido juntou declaração retificadora do imposto de renda 2019/2020, transmitida na mesma data, na qual consta que sua receita foi de R$ 5.350.000,00, decorrente de recebimento de dividendos do escritório de advocacia do qual é sócio (ID 45027051).

Na sentença, o julgador ponderou que o presente processo tem natureza sancionatória, que o ônus probatório para desconstituir o documento fiscal oficial, apresentado pelo representado, recai de forma rigorosa ao que articula a imputação, não cabendo ao doador trazer documentos que confiram credibilidade à declaração de imposto de renda retificadora.

Concluiu, nesses termos, que a retificadora apresentada comprova que a doação atendeu aos limites do § 1º do art. 23 da Lei n. 9.504/97.

No entanto, a apresentação da declaração de rendimentos retificadora ocorreu somente após a apresentação da defesa, quando já ajuizada a ação e, conforme alega o recorrente, muito embora se reconheça ser esta uma faculdade do contribuinte, no caso da representação por doação eleitoral acima do limite legal, a credibilidade da retificadora deve ser considerada, para afastar a ilegalidade, quando estiver acompanhada de documento do faturamento/rendimento do doador declarado na retificadora, ou prova do erro contábil, o que não ocorre na espécie.

Cito, a propósito, o seguinte precedente do TSE:

DIREITO ELEITORAL. AGRAVO INTERNO EM RECURSO ESPECIAL ELEITORAL. ELEIÇÕES 2014. REPRESENTAÇÃO POR DOAÇÃO DE RECURSOS ACIMA DO LIMITE LEGAL. PESSOA FÍSICA. APRESENTAÇÃO DE DECLARAÇÃO RETIFICADORA APÓS O AJUIZAMENTO DA REPRESENTAÇÃO. MUDANÇA DE ENTENDIMENTO DO TRIBUNAL SUPERIOR ELEITORAL. FIXAÇÃO DE MARCO TEMPORAL MAIS RESTRITIVO. PROVIMENTO.

1. Agravo interno interposto contra decisão que deu provimento a recurso especial eleitoral.2. A jurisprudência do Tribunal Superior Eleitoral admitia a apresentação da declaração retificadora após a propositura da representação por doação acima do limite legal, desde que ausente má-fé. Precedentes. 3. No entanto, no AgR-REspe nº 294-79/RR, sob a minha relatoria, este Tribunal fixou um marco temporal mais restritivo e entendeu que devem ser consideradas pela Justiça Eleitoral apenas as declarações de imposto de renda apresentadas à Receita Federal do Brasil até a data do ajuizamento da representação por doação acima do limite legal, revendo-se, assim, o atual entendimento desta Corte. 4. No caso dos autos, segundo registrou o acórdão regional, a declaração retificadora de imposto de renda foi apresentada apenas na defesa. Portanto, o documento não deve ser considerado para a aferição da regularidade do montante doado no âmbito de representação por doação acima do limite legal.5. Agravo interno a que se dá provimento para reformar a decisão agravada e, por consequência, restabelecer o acórdão regional.

(Recurso Especial Eleitoral nº 20034, Acórdão, Relator(a) Min. Luís Roberto Barroso, Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, Data: 11/10/2018, Página 6.)

 

No julgado paradigma referido pelo TSE, Recurso Especial Eleitoral n. 29479, o Relator, Min. Luís Roberto Barroso, consigna que “o Tribunal Superior Eleitoral tem a missão de estimular os jurisdicionados a proceder de forma correta e cuidadosa na prestação de informações aos órgãos públicos. Dessa forma, cabe ao doador zelar pela exatidão das informações prestadas ao órgão fazendário, retificando eventuais imprecisões antes de vir a ser demandado em representação por doação acima do limite legal. Esse critério, além de estimular uma conduta cuidadosa por parte dos doadores, afasta a tormentosa discussão a respeito da boa-fé na apresentação da declaração retificadora após o ajuizamento da representação”.

É também entendimento assente do TSE que “a legislação eleitoral, ao estabelecer os parâmetros que regem as doações efetuadas pelas pessoas físicas, utiliza-se de critério absolutamente objetivo, tornando irrelevante a investigação acerca da boa-fé do doador ou da potencialidade lesiva de sua conduta, especialmente porque o seu escopo maior é conferir lisura às eleições. Logo, basta a realização do comportamento violador da norma para fazer incidir a sanção correspondente" (TSE, AgR-Respe n. 182127/SP, Relatora: Mm. Laurita Hilário Vaz, DJE de 27/06/2014, AgR-Al n. 16246/SP, Relator: Mm. José Antônio Dias Toifoli, DJE de 21/02/2014).

Por essa razão, sobre a apuração da boa ou má-fé do doador, filio-me ao entendimento firmado pelo Ministro Edson Fachin no AgR-AI n. 0000042-21.2017.6.26.0099, ao referir, quanto à existência de dolo ou culpa do doador, que “para a aplicação da sanção por doação acima do limite legal, não se leva em consideração a intenção do doador, mas apenas a ocorrência do fato descrito na norma” (publicado no PJE e, 10.11.2020).

No caso em tela, entendo que o representado não se desincumbiu de comprovar o fato modificativo ou extintivo do direito do autor (art. 350, CPC), pois a mera apresentação da declaração retificadora do imposto de renda, desacompanhada dos documentos que amparem a alegação de receita de R$ 5.350.000,00, não é suficiente para afastar a irregularidade, sob pena de se premiar o abuso de direito, não podendo a parte se beneficiar da própria torpeza (inobservância voluntária da legislação fiscal).

Assim, entendo que a sentença merece ser reformada, com a consequente procedência da representação.

Considerando que o art. 23, § 3º, da Lei n. 9.504/97 estabelece sanção de multa no valor de até 100% (cem por cento) da quantia em excesso e, ausentes maiores elementos nos autos a justificar a majoração da penalidade acima do quantum mínimo, fixo a multa em 1% da quantia em excesso (R$ 500.010,00), perfazendo o valor de R$ 5.000,10.

Ante do exposto, VOTO pelo provimento do recurso, para o fim de reformar a sentença, julgar procedente a representação e condenar RICARDO QUADROS ao pagamento de multa no valor de R$ 5.000,10, nos termos da fundamentação.

Após o trânsito em julgado, proceda-se de acordo com o art. 32 e seguintes da Resolução TSE n. 23.709/2022, inclusive no que se refere à intimação, de ofício, da Advocacia-Geral da União (AGU/PGU) para manifestar interesse no cumprimento definitivo de sentença no prazo de 30 (trinta) dias.