REl - 0600507-11.2020.6.21.0100 - Voto Relator(a) - Sessão: 04/04/2023 às 14:00

VOTO

Da Admissibilidade

O recurso é adequado, tempestivo e comporta conhecimento.

Da Preliminar de Nulidade do Processo por Violação ao Devido Processo Legal

Em preliminar, os recorrentes alegam ter havido a intempestiva apresentação das alegações finais por parte do Ministério Público Eleitoral, de sorte a caracterizar nulidade absoluta por violação do princípio da paridade de armas e da isonomia entre as partes.

Sobre o ponto, o juízo a quo entendeu que, “por erro no sistema, a peça processual não foi anexada aos autos, o que foi feito posteriormente” e que, “ainda que assim não fosse, não há que se cogitar de “nulidade por quebra do devido processo legal” [sic], notadamente porque os limites da lide são definidos pela petição inicial e pela contestação, não se prestando as alegações finais a ampliar os limites objetivos da controvérsia já instaurada, de modo que a apresentação intempestiva – o que, repita-se, não ocorreu na hipótese em lume – seria incapaz de causar qualquer prejuízo à parte contrária”. Anotou ainda que, “de acordo com o art. 22, X, da LC 64/90, o prazo para apresentação de alegações finais escritas é comum, de todo o modo, a fim de evitar qualquer nulidade e assegurar aos representados a ampla defesa, foi reaberto o prazo para que, querendo, aditassem as alegações já apresentadas”.

Com efeito, nas alegações finais, a parte apenas destaca pontos de suas teses, já deduzidas na petição inicial, e suas compreensões sobre o quadro fático-probatório apurado durante o procedimento, não consistindo em peça indispensável ao deslinde da demanda.

Assim, a juntada intempestiva de alegações finais pelo Ministério Público Eleitoral não tem o condão, per si, de caracterizar ofensa ao devido processo legal e gerar nulidade processual.

Apesar da irregularidade, não se vislumbra qualquer prejuízo processual à parte recorrente (art. 219 do Código Eleitoral), máxime na hipótese dos autos, em que a sentença não embasou suas conclusões na peça final do Ministério Público e, especialmente, em que foi reaberto o prazo do representado para aditamento de suas próprias alegações finais, preservando a isonomia de tratamento processual.

Nessa linha, colaciono julgados do Tribunal Superior Eleitoral:

ELEIÇÕES 2012. AGRAVO REGIMENTAL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. RECURSO ESPECIAL. AIJE. CAPTAÇÃO ILÍCITA DE SUFRÁGIO. CONFIGURAÇÃO. INEXISTÊNCIA DE VIOLAÇÃO A DISPOSITIVO LEGAL OU CONSTITUCIONAL. DIVERGÊNCIA JURISPRUDENCIAL. AUSÊNCIA DE DEMONSTRAÇÃO. REEXAME DE FATOS E PROVAS. IMPOSSIBILIDADE. DESPROVIMENTO.

1. Conforme declinado no decisum, não houve violação dos arts. 275 do Código Eleitoral e 489 do Código de Processo Civil, pois o Tribunal Regional analisou exaustivamente os fundamentos lançados pelo agravante.

2. O devido processo legal e a ampla defesa foram fielmente observados, posto que, como delineado no acórdão regional, a instrução processual foi exaustiva.

3. O agravante, ao alegar cerceamento de produção de prova e ante o fato de o Ministério Público ter apresentado alegações finais extemporaneamente, não provou a existência de prejuízo, o que inviabiliza o reconhecimento dos vícios processuais apontados.

4. A ação por captação ilícita de sufrágio pode ser genericamente denominada de Ação de Investigação Judicial Eleitoral (AIJE), pois, apesar de apresentar algumas nuanças, segue o rito previsto no art. 22 da LC nº 64/90.

5. O dissídio jurisprudencial não ficou evidenciado, pois nenhum dos acórdãos paradigmas colacionados atestou a impossibilidade de a AIJE ter como único objeto a prática de captação ilícita de sufrágio.

6. Ainda que assim não fosse, o agravante, novamente, não demonstrou nenhum prejuízo, o que inviabiliza o pedido de nulidade.

7. Esta Corte Superior não pode, em sede de recurso especial, realizar reexame do acervo fático-probatório (Súmula/TSE nº 24), razão pela qual deve prevalecer a conclusão da Corte Regional.

8. Na linha da remansosa jurisprudência desta Corte Superior, é inviável o agravo regimental que se limita à mera reiteração de teses recursais.

9. Agravo regimental desprovido.

(TSE, AgR-Al n. 3-39.2012.6. 14.0082/PA, Acórdão, Relatora Min. Luciana Lóssio, Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, Data: 27.4.2017.) (Grifei.)

 

ELEIÇÕES 2010. RECURSO ESPECIAL. PROCESSO DE REGULARIZAÇÃO NA PRESTAÇÃO DE CONTAS DE CAMPANHA. DEPUTADO ESTADUAL. NULIDADE. INTIMAÇÃO DO PARQUET. CUSTOS LEGIS. DEMONSTRAÇÃO DE EFETIVO PREJUÍZO. PRINCÍPIO PAS DE NULLITÉ SANS GRIEF. ART. 219 DO CÓDIGO ELEITORAL. SÚMULA Nº 30/TSE. DESPROVIMENTO.

1. O TSE tem entendimento assente no sentido de que a "decretação de nulidade de ato processual pressupõe efetivo prejuízo à parte, a teor do art. 219 do Código Eleitoral e de precedentes desta Corte" (REspe nº 85–47/PI, Rel. Min. Herman Benjamin, DJe de 19.12.2016). Incidência do óbice sumular nº 30/TSE.

2. Na espécie, foi mantido o acórdão da Corte Regional, instância exauriente na análise de fatos e provas, por meio do qual foi negado provimento ao agravo regimental interposto pelo MPE ao fundamento de não estar demonstrado nos autos prejuízo advindo da ausência de intimação do Parquet para intervir na qualidade de custos legis.

3. Agravo regimental desprovido.

(AgR-REspe n. 0600169-81.2019.6.03.0000/AP, Acórdão, Relator Min. Tarcisio Vieira de Carvalho Neto, Publicação: DJE – Diário de Justiça Eletrônico, Tomo 130, Data: 01.7.2020) (Grifei.)

 

Desse modo, rejeito a prefacial.

 

Da Preliminar de Nulidade do Processo por Cerceamento de Defesa

Os recorrentes alegam que restou caracterizado cerceamento de defesa porque, por ocasião da oitiva da testemunha Tatiana, a magistrada determinou a ausência de todos os recorrentes durante a inquirição e vedou a produção de prova para demonstrar a impossibilidade de compromisso da testemunha.

Quanto à ausência dos recorrentes à sala em que ocorreu a oitiva de Tatiana, a juíza da origem, na sentença, afastou a nulidade com os seguintes fundamentos:

Isso porque, consoante consignado no termo da audiência de instrução, a testemunha Tatiana afirmou sentir-se constrangida em depor na presença dos representados, razão pela qual foi determinado que eles permanecessem na sala de espera durante sua oitiva, notadamente com o intuito de possibilitar que a testemunha relatasse, com precisão e sem sentir-se constrangida, os fatos que havia presenciado, relevantes à resolução da questão posta à apreciação, ainda, diante do interesse público inerente à apuração de irregularidades possivelmente praticada durante a campanha eleitoral. Registre-se que os procuradores constituídos pelos representados e a quem incumbe promover a respectiva defesa permaneceram na sala de audiência, de modo que não restou maculada a ampla defesa que lhes deve ser – e foi – assegurada. A solução adotada frente à manifestação de constrangimento da testemunha encontra amparo no art. 217 do CPP, aplicável analogicamente ao caso concreto em razão da inexistência de regulamentação própria na lei de regência.

Não bastassem tais argumentos para refutar a preliminar suscitada, há que se atentar para a argumentação tecida em sede de memoriais defensivos, no sentido de que “A impedir a presença de todos os requeridos, inclusive daqueles que contra eles não paira qualquer ameaça ou agressão, se constituiu na liberdade para que a depoente pudesse adaptar livremente os fatos, para fins de incentivar um juízo condenatório, alterando a verdade dos fatos” [sic]. A alegação defensiva, tal qual deduzida, encerra por reforçar a necessidade de se manter os representados fora da sala de audiência durante a oitiva da testemunha, notadamente por reconhecer que a presença dos representados na sala de audiência seria capaz de influenciar e interferir no teor do seu depoimento. Ao fim e ao cabo, a defesa reconhece que os representados, estivessem presentes, seriam capazes de impedir que a testemunha “adaptasse livremente os fatos”. Ora! Beira a má-fé a alegação deduzida, mormente em se considerando que durante a oitiva não é autorizado, em hipótese alguma, que as partes se manifestem. Eventuais insurgências devem ser levadas ao conhecimento do julgador pelos advogados regularmente constituídos para tanto, de modo que não se sustenta, sob qualquer ótica, a alegação vertida. Conforme já consignado, a nulidade pela nulidade não se justifica, sendo necessária a demonstração de prejuízo capaz de autorizar o decreto anulatório, o que não demonstrado na espécie.

Segundo os recorrentes, a ausência dos demandados impediu a defesa de exercer seu direito amplo, efetuando esclarecimentos ao patrono para que esse formulasse questionamentos que colocariam em contradição a depoente e desfazendo as “invenções” apresentadas no testemunho, sendo inerente e evidente o prejuízo, bem como sustentam não ser o art. 217 do CPP aplicável ao caso.

Sem razão os recorrentes.

Colho, a respeito, o exame realizado pela Procuradoria Regional Eleitoral, em seu percuciente parecer:

(...) observa-se que a oitiva de Tatiana sem a presença dos representados na sala de audiências ocorreu a pedido da testemunha, que alegou sentir-se intimidada com a presença deles na sala, especialmente JUSENE PERUZZO, com quem afirma ter tido grave discussão na época dos fatos, tendo essa, nas suas palavras, lhe xingado de “presidiária” e “puta”. Importa destacar que o advogado constituído pelos representados acompanhou a oitiva e dirigiu perguntas à testemunha, de modo que a ampla defesa restou plenamente assegurada. Ademais, após a gravação da audiência os representados puderam ter acesso ao inteiro teor da oitiva por meio de seu advogado, não tendo trazido nas alegações finais e no recurso elemento diverso do próprio mérito da demanda que pudesse justificar o reconhecimento de nulidade.

Com efeito, primeiramente, anoto que há de demonstrar efetivo prejuízo para que seja declarada a nulidade de ato processual (pas de nullité sans grief), conforme previsto no art. 282, § 1º, do CPC e art. 219 do Código Eleitoral.

No caso, não restou indicado o específico dano processual sofrido pela ausência das partes durante a cerimônia de inquirição de testemunhas, tendo sido apenas alegado genericamente que tal fato “impediu a defesa de exercer seu direito amplo, efetuando questionamento que colocariam em contradição, ou desfazendo as invenções apresentadas no depoimento”.

Vale dizer, não lograram detalhar quais questionamentos poderiam ter sido realizados na audiência que teriam sido capazes de produzir o resultado objetivado.

Outrossim, cabe salientar que o procedimento adotado pela magistrada, de acordo com o art. 217 do CPP, é adequado, pois de aplicação subsidiária, tendo em vista que o CPC e a legislação eleitoral são omissos sobre o tema.

Ademais, insta assinalar que o CPP é notadamente o estatuto processual que oferece maiores garantias processuais aos acusados em geral. Logo, revela-se inadmissível e despropositada a alegação de que o procedimento ali regulamentado ter causado prejuízo à defesa dos representados, ora recorrentes.

Noutro giro, em relação ao suposto cerceamento de defesa decorrente de negativa de produção de prova para demonstrar a impossibilidade de compromisso da testemunha, melhor sorte não socorre os recorrentes.

Deveras, analisando o termo de audiência acostado ao feito (ID 44938459), verifica-se que Tatiana dos Santos Batista foi contraditada em virtude de ter efetuado campanha eleitoral para o candidato da oposição, tendo sido requerida a oitiva de testemunha para comprovar o fato.

A magistrada, na sentença, decidiu a questão nos seguintes termos:

Com relação à contradita da testemunha Tatiana, conforme decidido em audiência, o fato de a testemunha ter declarado, por qualquer forma, sua intenção de voto, ou mesmo ter participado em campanha política, não a torna interessada no resultado do julgamento, tampouco demonstra que ela se beneficiará dele de alguma forma (nesse sentido RE 27008 e RE 56328, TRE/RS), conclusão que exsurge ainda mais evidente pelo fato de que a testemunha sequer é eleitora no Município de Santa Cecília do Sul/RS – conforme proclamado pelos próprios representados em sede de contestação. No que concerne ao pedido de produção probatória para comprovar a contradita, o indeferimento não foi capaz de ensejar qualquer nulidade ou macular o direito de defesa dos representados, notadamente porque a própria testemunha, quando questionada, confirmou ter manifestado sua intenção de voto, do que decorreu ser desnecessária a dilação probatória pretendida. Eventual participação da testemunha em campanha eleitoral, ademais, seria igualmente incapaz de amparar o acolhimento da contradita. A oitiva pretendida prestava-se, tão somente, a prorrogar o andamento processual. De todo o modo, os fatos comprovados nos autos serão considerados para valoração do depoimento da testemunha.

(Grifei).

Sobre o ponto, colho o bem-lançado parecer da Procuradoria Regional Eleitoral:

Quanto às alegações acerca da oitiva de Tatiana dos Santos Baptista, observa-se que a contradita foi indeferida pois o fato dela ter apoiado publicamente o PDT em 2020, mediante a colagem de adesivos no veículo e a ostentação de bandeira em sua residência, não implica em causa legal de dispensa do compromisso. Como bem pontuado pela magistrada condutora da instrução, trata-se de circunstância que deve ser ponderada na análise da prova testemunhal em seu conjunto.

 

Percebe-se, pois, que a instrução probatória postulada pelos então representados, referente à contradita, destinava-se a demonstrar exatamente o que a Juíza Eleitoral, ao cabo, entendeu comprovado, ou seja, que a testemunha revelou seu voto em favor dos adversários políticos, possivelmente tendo realizado atos de campanha em prol deles.

Além disso, a testemunha não se enquadra nas hipóteses de impedimento e suspeição previstas no art. 447, §§ 2º e 3º, do CPC, tão somente em razão de suas preferências políticas pessoais, ausentes outros elementos sobre sua conduta e vinculações.

Nesse contexto, a prova testemunhal mostra-se hígida, devendo seu valor, na análise do mérito, ser sopesado diante do caderno probatório constante dos autos.

Assim, devem ser rejeitadas as preliminares de nulidade arguidas pelos recorrentes.

Do Mérito

Superadas as prefaciais, na questão de fundo, JUSENE CONSOLADORA PERUZZO, Prefeita de Santa Cecília do Sul à época dos fatos, e JONES ADEMAR RECH e NILSON PANISSON, candidatos, respectivamente, aos cargos de prefeito e vice-prefeito daquela municipalidade, buscam a reforma da sentença que, julgando procedentes os pedidos formulados pelo Ministério Público Eleitoral em AIJE por abuso de poder econômico e político, cumulada com representação por captação ilícita de sufrágio, os declarou inelegíveis pelo período de 8 anos e lhes impôs multa individual no valor de 20.000 UFIRs.

A pretensão recursal é de que a demanda seja julgada improcedente, ante a inexistência de provas do cometimento do ilícito, ou abrandadas as sanções.

Inicialmente, cumpre assinalar que a captação ilícita de sufrágio tem previsão legal no art. 41-A da Lei n. 9.504/97, cuja redação é a seguinte:

Art. 41-A. Ressalvado o disposto no art. 26 e seus incisos, constitui captação de sufrágio, vedada por esta Lei, o candidato doar, oferecer, prometer, ou entregar, ao eleitor, com o fim de obter-lhe o voto, bem ou vantagem pessoal de qualquer natureza, inclusive emprego ou função pública, desde o registro da candidatura até o dia da eleição, inclusive, sob pena de multa de mil a cinquenta mil Ufir, e cassação do registro ou do diploma, observado o procedimento previsto no art. 22 da Lei Complementar no 64, de 18 de maio de 1990. (Incluído pela Lei nº 9.840, de 1999)

§ 1º Para a caracterização da conduta ilícita, é desnecessário o pedido explícito de votos, bastando a evidência do dolo, consistente no especial fim de agir. (Incluído pela Lei nº 12.034, de 2009)

§ 2º As sanções previstas no caput aplicam-se contra quem praticar atos de violência ou grave ameaça a pessoa, com o fim de obter-lhe o voto. (Incluído pela Lei nº 12.034, de 2009)

(…).

(Grifei.)

 

Para a configuração do ilícito, é necessária a participação do candidato beneficiado, ou ao menos seu conhecimento, em qualquer das condutas previstas no art. 41-A da Lei Eleitoral, ocorridas entre a data do registro de candidatura e a eleição, bem como o dolo específico, consistente na intenção de obter o voto do eleitor.

Nessa linha, colaciono julgado do TSE:

AGRAVO INTERNO. RECURSO ORDINÁRIO. ELEIÇÕES 2018. DEPUTADO ESTADUAL. REPRESENTAÇÃO. CAPTAÇÃO ILÍCITA DE SUFRÁGIO. ART. 41–A DA LEI 9.504/97. PAGAMENTO EM TROCA DE VOTOS. TRANSPORTE DE ELEITORES. BOCA DE URNA. CASSAÇÃO DO DIPLOMA. MULTA.

(...)

MÉRITO.

CAPTAÇÃO ILÍCITA DE SUFRÁGIO. ART. 41–A DA LEI 9.504/97. CONFIGURAÇÃO. OFERTA DE TRABALHO REMUNERADO E TRANSPORTE GRATUITO DE ELEITORES NO DIA DA ELEIÇÃO EM TROCA DE VOTO. ANUÊNCIA DO CANDIDATO. COMPROVAÇÃO.

6. No mérito, nos termos do art. 41–A da Lei 9.504/97, "constitui captação de sufrágio, vedada por esta Lei, o candidato doar, oferecer, prometer, ou entregar, ao eleitor, com o fim de obter–lhe o voto, bem ou vantagem pessoal de qualquer natureza, inclusive emprego ou função pública, desde o registro da candidatura até o dia da eleição, inclusive".

7. Conforme jurisprudência desta Corte Superior, para se configurar a captação ilícita de sufrágio, é necessária a presença dos seguintes elementos: (a) prática de qualquer das condutas previstas no art. 41–A; (b) o dolo específico de obter o voto do eleitor; (c) ocorrência dos fatos entre a data do registro de candidatura e a eleição; e (d) a participação, direta ou indireta, do candidato beneficiado, concordância ou conhecimento dos fatos que caracterizam o ilícito.

(...)

(RO n. 060186731, Acórdão, Relator Min. Luis Felipe Salomão, Publicação: DJE - Diário da justiça eletrônico, Tomo 230, Data 14.12.2021.) (Grifei.)

 

Em relação ao abuso de poder nas eleições, o caput do art. 22 da Lei Complementar n. 64/90 dispõe sobre a abertura de investigação judicial para apurar uso indevido, desvio ou abuso do poder econômico ou do poder de autoridade:

Art. 22. Qualquer partido político, coligação, candidato ou Ministério Público Eleitoral poderá representar à Justiça Eleitoral, diretamente ao Corregedor-Geral ou Regional, relatando fatos e indicando provas, indícios e circunstâncias e pedir abertura de investigação judicial para apurar uso indevido, desvio ou abuso do poder econômico ou do poder de autoridade, ou utilização indevida de veículos ou meios de comunicação social, em benefício de candidato ou de partido político, obedecido o seguinte rito:

(Grifei.)

Destarte, os atos abusivos serão assim interpretados nas hipóteses em que extrapolem o exercício regular e legítimo da capacidade econômica e de posições públicas dos candidatos, capazes de causar indevido desequilíbrio ao pleito.

Trata-se o abuso de poder, portanto, de instituto aberto, não sendo definido por condutas taxativas, porquanto a quebra da normalidade e da legitimidade do pleito está vinculada à gravidade das circunstâncias aptas a afetarem a lisura da disputa, sem a necessidade de ser demonstrado que sem a conduta abusiva o resultado das urnas seria diverso, consoante dispõe o art. 22, inc. XVI, da Lei Complementar n. 64/90.

E, nesse sentido, bem esclarece José Jairo Gomes:

O abuso de poder caracteriza-se por macular a integridade do processo eleitoral, a legitimidade do pleito e a sinceridade da vontade popular expressa nas urnas. São esses os bens jurídico-constitucionais objeto de proteção. A configuração do ilícito requer que os eventos abusivos sejam de tal magnitude que possam seriamente feri-los. Assim a gravidade das circunstâncias relaciona-se com o grau ou intensidade de lesão perpetrada aos referidos bens jurídicos. (GOMES, José Jairo. Direito Eleitoral. 18. ed. Barueri: Atlas, 2022, p. 784)

 

Na mesma linha, o egrégio Tribunal Superior Eleitoral, em iterativa jurisprudência, entende que, para a caracterização do abuso de poder, "é necessária a comprovação da gravidade dos fatos, e não sua potencialidade para alterar o resultado da eleição, isto é, deve-se levar em conta o critério qualitativo - a aptidão da conduta para influenciar a vontade livre do eleitor e desequilibrar a disputa entre os candidatos -, e não o quantitativo, qual seja a eventual diferença de votos entre o candidato eleito para determinado cargo e os não eleitos" (REspe n. 1-14/MG, Relator: Min. Admar Gonzaga, DJe de 25.2.2019).

Estabelecidas tais premissas, passo à análise dos fatos supostamente caracterizadores dos ilícitos eleitorais objeto deste feito, adiantando que, na esteira do parecer ministerial, o recurso merece provimento.

A sentença recorrida concluiu que os representados JONES ADEMAR RECH, NILSON PANISSON e JUSENE CONSOLADORA PERUZZO, previamente à data das eleições municipais, realizaram a entrega de cargas de brita e areia ao eleitor Fabiano, com a intenção de comprar-lhe o voto e o apoio, restando configurada a captação ilícita de sufrágio e o abuso de poder político e econômico. Os fatos teriam sido confirmados pela esposa de Fabiano, Tatiana, que, na época, não era eleitora do município.

Pois bem.

Primeiramente, no que tange à captação ilícita de sufrágio, anote-se que constituem elementos do tipo as figuras de candidato e eleitor, o último sendo corrompido pelo primeiro.

No caso, a então Prefeita JUSENE CONSOLADORA PERUZZO não era candidata a cargo eletivo no pleito de 2020, logo não poderia ser condenada às penas estabelecidas pelo art. 41-A da Lei Eleitoral, consoante consolidada jurisprudência do TSE, que não admite que terceiros não candidatos figurem no polo passivo de demandas fundadas neste dispositivo:

RECURSOS ORDINÁRIOS. ELEIÇÕES 2018. DEPUTADO ESTADUAL E DEPUTADO FEDERAL. REPRESENTAÇÃO. CAPTAÇÃO ILÍCITA DE SUFRÁGIO. ART. 41–A DA LEI 9.504/97.1. Recursos ordinários interpostos contra aresto em que o TRE/RR julgou procedentes os pedidos em representação em desfavor dos recorrentes (candidatos eleito e não eleito aos cargos de deputado estadual e federal de Roraima nas Eleições 2018) por prática de captação ilícita de sufrágio (art. 41–A da Lei 9.504/97), determinando a cassação do diploma do primeiro e condenando ambos ao pagamento de multa individual de R$ 10.000,00. De acordo com o Tribunal a quo, na véspera das Eleições 2018 e em benefício dos recorrentes, foram realizadas reuniões visando entregar dinheiro a eleitores em troca de votos.

PRELIMINAR. NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL. PREJUDICIAL. DECADÊNCIA. LITISCONSÓRCIO PASSIVO. CANDIDATO BENEFICIÁRIO E AUTOR DO ATO ILÍCITO. DESNECESSIDADE.

2. A jurisprudência desta Corte Superior consolidou-se no sentido de que terceiros não candidatos não detêm legitimidade para figurar no polo passivo de demandas fundadas no ilícito previsto no art. 41-A da Lei 9.504/97.

(…).

(RECURSO ORDINÁRIO ELEITORAL nº 060189484, Acórdão, Relator(a) Min. Benedito Gonçalves, Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, Tomo 210, Data: 21/10/2022.) (Grifei.)

 

ELEIÇÕES 2016. AGRAVO INTERNO. RECURSO ESPECIAL. AIJE. CAPTAÇÃO ILÍCITA DE SUFRÁGIO. CONFIGURAÇÃO. TERCEIRO NÃO CANDIDATO. ILEGITIMIDADE PASSIVA. PRECEDENTES. PROVIMENTO DO RECURSO ESPECIAL PARA AFASTAR A SANÇÃO. DECISÃO MANTIDA. AGRAVO DESPROVIDO.

1. Embora o ato ilícito possa ser levado a efeito por terceiro não candidato, esse não possui legitimidade para figurar no polo passivo da demanda fundada no art. 41–A da Lei nº 9.504/1997. Precedentes.

2. A pretensão do agravante quanto à revisão do entendimento jurisprudencial e aplicação nos autos encontra óbice no postulado da segurança jurídica, uma vez que a compreensão em que se fundou a decisão objurgada foi aplicada em outros feitos atinentes ao pleito de 2016.

3. Na espécie, a despeito de o ora agravado ter praticado a conduta descrita no art. 41–A da Lei das Eleições, não possui legitimidade para responder pelo ilícito eleitoral, visto que não era candidato no pleito em questão.

4. Agravo interno a que se nega provimento.

(RECURSO ESPECIAL ELEITORAL n. 55136, Acórdão, Relator Min. Edson Fachin, Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, Tomo 200, Data: 06.10.2020.) (Grifei.)

 

ELEIÇÕES 2014. DEPUTADO ESTADUAL. RECURSO ORDINÁRIO. REPRESENTAÇÃO. CAPTAÇÃO ILÍCITA DE SUFRÁGIO. IMPROCEDÊNCIA. PRELIMINAR DE INTEMPESTIVIDADE RECURSAL AFASTADA. ILEGITIMIDADE PASSIVA DE TERCEIRO NÃO CANDIDATO. AUSÊNCIA DE PROVAS

ROBUSTAS. MANUTENÇÃO DO ACÓRDÃO REGIONAL. DESPROVIMENTO.

1. Na linha da jurisprudência firmada nesta Corte Superior, o prazo recursal do Ministério Público Eleitoral, em virtude do disposto no art. 18, II, h, da LC nº 75/93, inicia-se com o recebimento dos autos na respectiva secretaria, o que demonstra, no caso dos autos, a tempestividade do apelo.

2. Somente o candidato possui legitimidade para figurar no polo passivo de representação fundada no art. 41-A da Lei nº 9.504/97. Precedentes do Tribunal Superior Eleitoral.

[...]..

5. Recurso ordinário a que se nega provimento.

(Recurso Ordinário n. 133425, Acórdão, Relatora Min. Luciana Lóssio, Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, Tomo 44, Data: 06.3.2017, p. 81.) (Grifei.)

Destarte, desde logo, assinalo ser inaplicável a imposição de multa a JUSENE com fundamento no art. 41-A da Lei n. 9.504/97, porquanto sua legitimidade passiva nestes autos envolve somente eventual prática de abuso de poder, nos termos do art. 22, inc. XIV, da LC n. 64/90, em decorrência do que, não tendo sido candidata no pleito, está sujeita exclusivamente à sanção de inelegibilidade.

Não fosse isso, as provas colhidas no feito, na esteira do entendimento trazido no parecer da Procuradoria Regional Eleitoral, não autorizam a conclusão pela existência de captação ilícita de sufrágio, assim como as circunstâncias não permitem a caracterização de condutas abusivas por parte de qualquer dos demandados.

Verificando as declarações prestadas pelas testemunhas, constata-se a existência de versões conflitantes sobre dos fatos, não apenas entre o casal que teria sido beneficiado com a entrega de areia e brita (Fabiano e Tatiana), mas também em relação às demais testemunhas inquiridas.

Veja-se.

O eleitor Fabiano declarou que em determinado dia, ao chegar em sua casa, havia areia e brita depositadas em frente, deixadas, segundo Tatiana (sua esposa) lhe informara, por dois caminhões da Prefeitura, e que, no dia seguinte, JONES e NILSON foram até sua residência para lhe propor que, em troca do material, prestasse auxílio à campanha deles.

Eis a transcrição de parte do depoimento, quando instado em Juízo a explicar o ocorrido:

Fabiano: O que aconteceu é que eu tava trabalhando, e quando eu cheguei à tarde, a minha ex-mulher me falou que tinha aparecido dois caminhão da prefeitura e tinha descarregado um material na frente, na minha casa, no pátio da minha casa. E no outro dia eles, o JONAS RECH foi lá em casa, ele e o Vice, que concorreu com ele, nem sei o nome do cara, pra vocês terem uma ideia, e me propôs eu ajudar meu sogro com..., ajudar a fazer campanha, e aquele material ele tava me dando como ajuda em troca de fazer campanha pra ele. Mas mesmo assim eu não fiz. Por isso que eu fui registrar o depoimento, fazer parte contra ele. Não sei se sou testemunha, o que que eu sou. Mas fui lá registrar, porque acho que isso é errado, né? (ID 44938449, 03:40).

 

Perguntado pelo representante do Ministério Público se, além do pedido para fazer campanha, os candidatos também pediram o voto, respondeu “com certeza. Se eles me deram o material, é porque eles queriam o voto, né? Ninguém vai dar material de graça!”. Declarou que nunca falou com JUCENE, que “nunca teve nada com ela”. Disse que o material foi deixado sem que ele tivesse previamente falado com os candidatos, que foram à sua casa somente após a entrega do material. Afirmou que já comprou material de construção de Lindonês Girardi, mas que, naquelas oportunidades, fazia o pagamento “em troca de serviço”, e que sempre recebia nota fiscal, mas que essas cargas não foram compradas por ele, ao contrário do afirmado por Lindonês. Disse que Lindonês fazia campanha para JONES (IDs 44938449, 44938450, 44938451, 44938452).

Por sua vez, Tatiana declarou que JUCENE e JONES foram à sua residência em um dia à tarde, quando prometeram a Fabiano que o casal receberia ajuda, caso ele fizesse campanha eleitoral e os candidatos vencessem o pleito. Declarou que JUCENE foi à sua casa e que discutiram porque ela queria que fizessem campanha. Explicou que JUCENE e JONES foram à sua residência para fazer proposta, e que no dia seguinte chegou o material: areia e brita. Declarou que o motorista Jonas (sic, Jonatas) levou os carregamentos até sua casa, sendo dito por ele que JUCENE havia mandado; que JUCENE depois foi à sua residência, ocasião em que a ofendeu. Declarou que não tem conhecimento de Fabiano ter comprado o material que foi deixado em frente a sua residência. Respondendo ao advogado dos representados, disse que, durante a visita de JUCENE e JONES, Fabiano afirmou que iria pensar a respeito de fazer a campanha, mas que à noite decidiu não aceitar, e que, no dia seguinte, chegou o material de construção. Complementou afirmando que dois dias após, à tarde, teriam ido à sua casa JUCENE, JONES e NILSON, os quais disseram que o material era para o casal (IDs 44938460, 44938461, 44938462, 44938463).

Assim, conforme o testemunho de Fabiano, o material foi entregue em sua casa e somente após recebeu a visita de JONES e NILSON, nunca tendo havido contato com JUCENE.

Por outro lado, o relato de Tatiana dá conta de que os fatos se deram em três momentos distintos, estando JUCENE presente em duas ocasiões: primeiro ocorreu a visita de JONES e JUCENE, quando solicitaram que fosse realizada campanha para eles; depois, no dia seguinte, o material foi descarregado; e, por fim, passados dois dias, JUCENE, JONES e NILSON estiveram em sua residência, quando disseram que o material era para eles.

De outra parte, as declarações das demais testemunhas foram no sentido de que a brita e a areia foram adquiridas por Fabiano, tendo a Prefeitura se limitado a utilizar seu caminhão para efetuar a entrega dos materiais, e que essa prática, à míngua de outras alternativas viáveis, sobretudo à população mais carente, é comum no Município e sem conotação eleitoreira.

Corroborando a versão defensiva, Lindonês Girardi, proprietário de madeireira, declarou que vendeu a Fabiano um resto de areia que havia em seu depósito e que revendeu brita que se encontrava em outro local. Afirmou que indicou a Fabiano que solicitasse na Prefeitura o transporte desses materiais para sua residência. Disse que Fabiano ficou de pagar esses materiais em prestações mensais, mas que não fez nenhum pagamento (IDs 44938445 e 44938446).

Jonatas Kraczuski, servidor público municipal efetivo, lotado na Secretaria de Obras, atuando como motorista, declarou que o Secretário, Ivalino Pegoraro, pediu-lhe para pegar o caminhão e ir ao Lindonês, para carregar com areia e levá-la à residência de Fabiano. Informou que Fabiano foi de carro, à frente, para mostrar onde descarregar a carga. No outro dia, foi-lhe pedido que fosse à localidade de Água Santa para carregar cerca de 5 m³ de brita para entregar na casa de Fabiano, o que foi feito com o mesmo caminhão. Relatou que não lhe foi entregue nota fiscal referente ao carregamento de areia, mas isso ocorreu quanto à brita, a qual foi emitida em nome de Lindonês Girardi. Informou que o serviço de carregamento de materiais de obras para munícipes é corriqueiro, ocorrendo sempre, não apenas em época de eleições (IDs 44938443 e 44938444).

Ivalino Pegoraro, Secretário Municipal de Obras à época dos fatos, declarou que o serviço de transporte de materiais de obras sempre foi feito, desde administrações anteriores. Declarou que Fabiano pediu-lhe para que fosse levado o material do Lindonês para sua residência, dizendo que teria comprado o material, e que então solicitou a Jonatas para levar a carga. Afirmou que os transportes de areia e brita não foram realizados no mesmo dia, tendo havido hiato de um ou dois dias. Declarou que JUSENE, JONES ou NILSON não tiveram envolvimento com o transporte (IDs 44938447 e 44938448).

Darlan Rodrigues, funcionário há cinco anos da empresa de Lindonês Girardi, declarou que, em um período em que este fora da empresa, Fabiano ficou em seu lugar, tendo trabalhado juntos cerca de mês e meio. Afirmou que Fabiano acompanhou o carregamento de areia no caminhão. Declarou que, ao que sabe, Fabiano ainda não “acertou” o pagamento do material, explicando que conversaram em sua frente para fazer o pagamento em parcelas mensais.

Segue fragmento de seu testemunho na audiência:

Fabiano esteve no final do ano para comprar areia e brita. Ele fez o pedido, chegou de tarde ele e a esposa dele, não sei se é mais esposa agora… faz tempo que não vejo eles, e fez o pedido de areia e brita. Aí o Lindonês disse que vendia pra ele. Tinha uma areia estocada, mas a brita tinha que pegar em Água Santa. Só que não tinha com ir buscar. Aí pediu pra ele, pra ver se tinha como ir na Prefeitura e pedir a disponibilização do caminhão, pra ir buscar… porque pras pessoas de baixa renda a Prefeitura desde sempre faz esse tipo de transporte. Aí ele foi na prefeitura e conseguiu, conseguiu as máquinas e o material foi vendido pra ele (IDs 44938468 e 44938469).

Antoninho Cidinei Mello, servidor público municipal aposentado, tendo trabalhado trinta e dois anos na Prefeitura, em Tapejara e depois da emancipação, em Santa Cecília do Sul, declarou ser costumeiro a disponibilização de máquinas para transporte de pedras, britas, para as pessoas, principalmente as mais pobres, em qualquer época do ano (ID 44938470).

Portanto, vê-se que os depoimentos de Lindonês, Jonatas, Ivalino e Darlan dão conta de que Fabiano comprou o material, tendo os caminhões da Prefeitura se restringido a efetuar o transporte.

Ademais, segundo Jonatas e Ivalino, os carregamentos de areia e brita se deram em datas distintas, o que se mostra mais consistente, tendo em vista que as cargas foram buscadas em locais diferentes, em oposição ao afirmado por Fabiano e Tatiana.

Outrossim, conforme os relatos dos servidores da Prefeitura, inclusive de aposentado que laborou na região desde antes da emancipação do município, trata-se de prática antiga e recorrente o transporte de material de construção particular aos munícipes, sobretudo aos economicamente mais necessitados, independentemente do período, se eleitoral ou não.

Nesse panorama, as afirmações de Fabiano e Tatiana se revelam, além de incongruentes entre si, conflitantes com as demais provas acostadas e isoladas no sentido de que o material de construção foi a eles entregue em troca do voto.

Com efeito, tomando-se em conta que Fabiano afirmou que jamais teve contato com JUCENE, conclui-se que, contra a então Prefeita a única prova que poderia vir a caracterizar a suposta prática de ato abusivo é exatamente o relato de Tatiana.

Ocorre que a própria Tatiana assevera ter sido severamente ofendida por JUCELE na época dos fatos e com ela manter uma animosidade pessoal, de sorte que suas declarações devem ser tomadas com especial cautela.

Aliás, considerando não haver comprovação da prática de conduta abusiva por JUCENE, restaria apenas a alegada entrega de areia e brita por JONES e NILSON em favor de Fabiano.

O quadro fático delineado nos autos não indica que os candidatos da chapa majoritária dispusessem de ingerência na máquina administrativa municipal, nem que estivessem atuando em comunhão com específicos detentores de autoridade no âmbito da Prefeitura.

De qualquer forma, sob o viés do abuso de poder econômico ou político, é evidente que as entregas de um carregamento de areia e outro de brita a um único casal, ainda que restassem cabalmente provadas, o que, salienta-se, não ocorreu, não teriam gravidade suficiente para afetar a legitimidade e normalidade do pleito, porquanto atrairiam um benefício eleitoral ínfimo aos investigados, falecendo por completo o fundamento para a imposição de inelegibilidade.

Quanto à captação de sufrágio, por parte de JONES e NILSON, não há provas suficientes a comprovar que teriam oferecido o material de construção a Fabiano em troca de seu voto, devendo ser registrado que Tatiana sequer ostentava a condição de eleitora do município, logo não poderia ser cooptada nos termos do art. 41-A da Lei das Eleições.

Para a aplicação da consequente sanção – multa, no caso, tendo em vista que JONES e NILSON não se sagraram eleitos – é mister a existência de provas cabais do ilícito, o que definitivamente inexiste na hipótese vertente.

Assinalo, inclusive, que Fabiano expressamente afirmou desconhecer o nome do candidato a vice-prefeito (NILSON), o qual teria ido a sua residência para lhe comprar o voto, do que ressai a debilidade do relato.

A fim de reforçar o entendimento esposado, adoto trecho do parecer da Procuradoria Regional Eleitoral, que bem analisou a fragilidade e inconsistência do conjunto probatório:

Em que pese seja impossível reconstituir com precisão o que aconteceu, parece haver um consenso entre a maior parte dos depoentes no sentido de que os materiais foram adquiridos por Fabiano e apenas foram entregues em sua residência por máquina da Prefeitura operada por servidor municipal em horário de trabalho.

Conquanto essa última circunstância pudesse caracterizar ilegalidade, as testemunhas afirmaram tratar-se de prática comum na região, pela suposta inexistência de empresas de transporte, e que acontece independentemente de afinações políticas, seja dos gestores municipais seja dos munícipes beneficiados.

Nesse contexto, entende-se que os depoimentos de Fabiano e Tatiana pela ocorrência de oferta de material em troca de voto, aparecem isolados. Ademais, o depoimento de Tatiana merece ser visto com reservas, seja em face das sucessivas alterações de versões, seja diante da notícia, da própria, no sentido de que tem desavença pessoal com a representada JUSENE.

O fato de não ter sido juntado aos autos, pelos representados, comprovante material (v.g. nota fiscal) da compra da areia e da brita por Fabiano na empresa de Lindonês Girardi não é suficiente, mesmo em face dos depoimentos de Fabiano e Tatiana, para sustentar um decreto condenatório por captação ilícita de sufrágio.

O ônus de comprovar a imputação é do representante, no caso o MPE, e a dúvida não favorece à tese acusatória, devendo, ao contrário, ser considerada para fins de absolvição.

De fato, não é possível, diante da diversidade de versões do casal e do conflito entre essas versões e os testemunhos das demais pessoas ouvidas, concluir que tenha ocorrido captação ilícita de sufrágio, razão pela qual a absolvição dos representados quanto a esse fato é medida que se impõe.

Quanto ao abuso de poder político e econômico, evidentemente que não resta caracterizado, seja porque não restou demonstrada a captação ilícita de sufrágio, seja porque não há qualquer indício de que tenha havido a interferência da Prefeita para viabilizar a utilização do caminhão da Prefeitura para operacionalizar a entrega do material.

Ademais, a prestação de um único serviço de entrega com máquina da Prefeitura, em um contexto em que servidores e ex-servidores municipais compromissados declararam em juízo tratar-se de prática comum na região independente de preferências políticas, não tem, ao nosso ver, potencialidade suficiente para causar indevido desequilíbrio no pleito.

Destarte, também não resta caracterizado abuso de poder político e econômico.

Desse modo, na linha do parecer ministerial, impõe-se o provimento do apelo.

 

ANTE O EXPOSTO, VOTO pela rejeição da matéria preliminar e, no mérito, pelo provimento do recurso, para o fim de reformar a sentença e julgar integralmente improcedente a ação.