REl - 0600065-32.2020.6.21.0072 - Voto Relator(a) - Sessão: 03/04/2023 às 14:00

VOTO

Admissibilidade Recursal

Preenchidos os pressupostos de admissibilidade recursal, merece ser conhecido o recurso.

 

Mérito

Eminentes Colegas, não havendo questões preliminares a serem apreciadas, passo ao exame do mérito recursal.

Trata-se de recurso interposto contra sentença que desaprovou as contas de campanha de OSMAR MOISES DE MOURA, candidato ao cargo de vereador no Município de Viamão/RS nas Eleições Municipais de 2020, em razão de falhas que comprometeram a regularidade dos registros contábeis, mais precisamente: (1) ausência de comprovação da adequada destinação das sobras não financeiras da campanha, referentes à aquisição, com numerário do Fundo Especial de Financiamento de Campanha - FEFC, de bens permanentes, em contrariedade ao disposto no art. 50, inc. II e § 6º, da Resolução TSE n. 23.607/19, no valor de R$ 1.293,00; e (2) constatação da existência de pagamentos efetuados com verbas do FEFC sem a devida identificação da contraparte, em violação ao art. 38 da mesma Resolução, no montante de R$ 3.800,00. A decisão determinou o recolhimento da quantia total de R$ 5.093,00 (cinco mil e noventa e três reais) ao Tesouro Nacional.

De início, cumpre consignar que as razões recursais devolveram a este Regional apenas o exame dos gastos eleitorais com recursos FEFC, uma vez que não é objeto recursal a irregularidade na destinação das sobras não financeiras referentes à aquisição com verbas públicas de bens permanentes.

O recorrente sustentou que as informações e os documentos pertinentes, visando à identificação dos beneficiários das contratações realizadas na campanha eleitoral, foram devidamente informados na documentação contábil e nos comprovantes juntados aos autos e, por isso, reiterou que

[...[ (1) o cheque nº 850004, de R$ 250,00, refere-se ao pagamento de serviços de militância de rua, à contratada Maristela da Silva Ramos, no montante de R$ 800,00, conforme movimentação que descreve de acordo com a prestação de contas e recibo de pagamento, que indica ser o comprovante a lhe corresponder; (2) o cheque nº 850005, de R$ 250,00, refere-se ao pagamento de serviços de militância de rua, à contratada Elisangela T. dos Santos, no montante de R$ 640,00, conforme movimentação que descreve de acordo com a prestação de contas e comprovante que indica lhe corresponder; (3) o cheque nº 850008, de R$ 400,00, refere-se ao pagamento de serviços de militância de rua, à contratada Charlene dos Santos, no montante de R$ 900,00, conforme movimentação que descreve de acordo com a prestação de contas; (4) o cheque nº 850003, de R$ 500,00, refere-se ao pagamento de serviços de militância de rua, ao contratado Eduardo dos Santos, no montante de R$ 1.000,00, conforme movimentação que descreve de acordo com a prestação de contas e comprovante que indica a lhe corresponder; (5) o cheque nº 850007, de R$ 400,00, refere-se ao pagamento de serviços de militância de rua, ao contratado João Antonio Monjelo, no montante de R$ 1.000,00, conforme movimentação que descreve de acordo com a prestação de contas; (6) o cheque nº 850015, de R$ 500,00, refere-se ao pagamento de serviços de assessoria jurídica, à contratada Denise Regina Lisboa Sant’Ana, CPF 607.309.600-30, conforme movimentação que descreve de acordo com a prestação de contas e comprovante que indica a lhe corresponder; (7) o cheque nº 850013, de R$ 1.000,00, refere-se ao pagamento de locação de veículo, à contratada Ana Heloisa Pires Dorneles, CPF375.909.950-53, conforme movimentação que descreve de acordo com a prestação de contas e comprovante que indica a lhe corresponder.

 

Em relação ao pagamento de despesas de campanha eleitoral, assim dispunha o art. 38 da Resolução TSE n. 23.607/19 com a redação vigente à época da campanha, in verbis:

Art. 38. Os gastos eleitorais de natureza financeira, ressalvados os de pequeno vulto previstos no art. 39 e o disposto no § 4º do art. 8º, ambos desta Resolução, só podem ser efetuados por meio de:

I - cheque nominal cruzado;

II - transferência bancária que identifique o CPF ou CNPJ do beneficiário;

III - débito em conta; ou

IV - cartão de débito da conta bancária.

 

A norma em apreço possui caráter objetivo e exige, sem exceções, que o pagamento por meio de transferência bancária identifique o CPF ou CNPJ do beneficiário e que o cheque manejado para pagamento de despesa eleitoral seja nominal e cruzado.

Embora o candidato sustente que os gastos tenham sido descritos na prestação de contas e que os comprovantes arrolados seriam aptos a identificar os contratados, não fez prova de que os pagamentos das despesas eleitorais ocorreram mediante transferência bancária que tenha identificado o CPF ou CNPJ dos beneficiários e por intermédio de cheques nominais e cruzados.

Logo, não assiste razão ao recorrente.

O relatório preliminar (ID 44996504) emitido pela unidade técnica indica a existência de gastos eleitorais com recursos do Fundo Especial de Financiamento de Campanha - FEFC em desacordo com a previsão do art. 38 da Resolução TSE n. 23.607/19, ou seja, sem identificação do CPF/CNPJ do beneficiário na movimentação bancária. A irregularidade referente aos sete pagamentos efetuados por meio de cheques sem a devida identificação da contraparte foi ratificada no parecer conclusivo (ID 44996514).

O recorrente não trouxe aos autos comprovação da emissão de cheques nominais e cruzados, e o extrato bancário não indica o CPF/CNPJ dos beneficiários dos pagamentos. Houve, portanto, infração ao disposto no art. 38 da Resolução TSE n. 23.607/19, que determina que os gastos eleitorais de natureza financeira só podem ser efetuados mediante cheque nominal cruzado; transferência bancária que identifique o CPF ou CNPJ do beneficiário; débito em conta; ou cartão de débito da conta bancária.

No caso em análise, foi realizado o pagamento de sete cheques entre os dias 06 e 13 de novembro de 2020, no valor total de R$ 3.800,00, tendo sido 6 (seis) deles pagos em outra agência e uma das cártulas compensada. Em nenhum desses pagamentos foi possível identificar a contraparte (https://divulgacandcontas.tse.jus.br/divulga/#/candidato/2020/2030402020/89630/210000720838/extratos) e, embora o prestador tenha apresentado cópias dos cheques, é possível verificar que não estão cruzados.

Ressalto que a exigência de cruzamento do título busca impor que o seu pagamento ocorra mediante crédito em conta bancária, de modo a permitir a rastreabilidade das movimentações financeiras de campanha, conferindo maior confiabilidade às informações inseridas na escrituração, em especial, que os prestadores de serviço informados na demonstração contábil foram efetivamente os beneficiários dos créditos.

No sentido da necessidade da análise conjunta dos dados extraídos e de comprovação da destinação dos recursos públicos, constou no bem-lançado parecer da douta Procuradoria Regional Eleitoral (ID 45394268):

[…]

Cumpre ressaltar que os meios de pagamento previstos no art. 38 da Resolução TSE nº 23.607/2019 são os únicos que permitem identificar exatamente a pessoa, física ou jurídica, que recebeu o valor depositado na conta de campanha, constituindo, assim, um mínimo necessário para efeito de comprovação do real destinatário dos recursos e, por consequência, da veracidade do gasto correspondente.

Tais dados fecham o círculo da análise das despesas, mediante a utilização de informações disponibilizadas por terceiro alheio à relação entre credor e devedor e, portanto, dotado da necessária isenção e confiabilidade para atestar os exatos origem e destino dos valores. Isso porque somente o registro correto e fidedigno das informações pela instituição financeira permite o posterior rastreamento, para que se possa apontar, por posterior análise de sistema a sistema, eventuais inconformidades.

Se por um lado o pagamento pelos meios indicados pelo art. 38 da Resolução TSE nº 23.607/19 não é suficiente, por si só, para atestar a realidade do gasto de campanha informado, ou seja, de que o valor foi efetivamente empregado em um serviço ou produto para a campanha eleitoral, sendo, pois, necessário trazer uma confirmação, chancelada pelo terceiro com quem o candidato contratou, acerca dos elementos da relação existente, por outra via a tão só confirmação do terceiro por recibo, contrato ou nota fiscal também é insuficiente, pois não há registro rastreável de que foi tal pessoa quem efetivamente recebeu o referido valor.

É somente a triangularização entre prestador de contas, instituição financeira e terceiro contratado, com dados provenientes de diversas fontes, que permite, nos termos da Resolução TSE nº 23.607/2019, o efetivo controle dos gastos de campanha a partir do confronto dos dados pertinentes. Saliente-se que tal necessidade de controle avulta em importância quando, como no caso, se trata de aplicação de recursos públicos.

Ademais, a obrigação de que os recursos públicos recebidos pelos candidatos sejam gastos mediante forma de pagamento que permite a rastreabilidade do numerário até a conta do destinatário (crédito em conta), como se dá com o cheque cruzado (art. 45 da Lei nº 7.357/85), assegura que outros controles públicos possam ser exercidos, como é o caso da Receita Federal e do COAF.

Finalmente, ao não ser cruzado o cheque, permitindo o saque sem depósito em conta, resta prejudicado o sistema instituído pela Justiça Eleitoral para conferir transparência e publicidade às receitas e gastos de campanha, uma vez que impossibilitada a alimentação do sistema Divulgacandcontas com a informação sobre o beneficiário, inviabilizando o controle por parte da sociedade.

 

No caso em tela, o pagamento realizado por meio de cheques de forma diversa da prescrita na legislação de regência inviabiliza o sistema instituído pela Justiça Eleitoral para conferir transparência e publicidade às receitas e aos gastos de campanha, pois impede o controle e a fiscalização da destinação dos recursos públicos.

Além disso, documentos como recibos e contratos não podem ser considerados aptos para, isoladamente, suprir a ausência de emissão de cheque nominal e cruzado.

Outro ponto que restou prejudicado foi o rastreamento para verificação se os destinatários dos pagamentos de fato pertenceram à relação que originou o gasto de campanha, além de outros controles públicos, como é o caso da Receita Federal e do COAF.

A legislação eleitoral institui, nos arts. 38 e 60, caput e §§ 1º e 2º, da Resolução TSE n. 23.607/19, mecanismos para verificação das despesas declaradas por candidatos. O primeiro dispositivo legal elenca os meios pelos quais os pagamentos devem ser efetuados; e, o segundo, contempla um rol de documentos complementares à comprovação dos gastos eleitorais.

Dessa maneira, a Justiça Eleitoral construiu uma análise circular das despesas, contando para isso com dados das instituições financeiras, dos prestadores de contas e dos terceiros contratados para atestar a origem e o destino dos valores.

Portanto, não há como afastar as irregularidades relativas aos pagamentos referidos, no valor total de R$ 3.800,00, uma vez que o recorrente não logrou êxito em demonstrar que os aludidos gastos atenderam ao disposto no art. 38 da Resolução TSE n. 23.607/19.

No caso dos autos, as irregularidades não sanadas representam dispêndios realizados com os recursos do FEFC (R$ 5.093,00 = R$ 1.293,00 + R$ 3.800,00) e correspondem a 40,59% do total das receitas declaradas (R$ 12.544,47), percentual significativo e valor absoluto superior ao parâmetro de R$ 1.064,10, superando os parâmetros adotados por esta Corte e pelo Tribunal Superior Eleitoral como viabilizadores da aposição de simples ressalvas às contas. São inaplicáveis, na espécie, os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade.

Corroborando, menciono decisão monocrática de lavra do Ministro Luiz Edson Fachin, nos autos do RESPE n. 37447, em 13.6.2019:

Entendo que o limite percentual de 10% (dez por cento) adotado por este Tribunal Superior revela-se adequado e suficiente para limitar as hipóteses de incidência dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade.

É de se harmonizar, contudo, a possibilidade de sobreposição dos critérios do valor diminuto e da aplicação dos princípios já citados. Em casos tais, deve prevalecer, até o limite aqui indicado, o critério de valor absoluto, aplicando-se o critério principiológico de forma subsidiária.

Assim, se o valor da irregularidade está dentro do máximo valor entendido como diminuto, é desnecessário aferir se é inferior a 10% (dez por cento) do total da arrecadação ou despesa, devendo se aplicar o critério do valor diminuto.

Apenas se superado o valor máximo absoluto considerado irrisório, aplicar-se-á o critério da proporcionalidade e da razoabilidade, devendo ser considerado o valor total da irregularidade analisada, ou seja, não deve ser desconsiderada a quantia de 1.000 UFIRs alcançada pelo critério do valor diminuto.

 

Por fim, em circunstâncias como as dos presentes autos, este Tribunal Regional Eleitoral sufragou o entendimento de que os pagamentos por meio de recursos públicos devem ser demonstrados por documentos idôneos e que permitam a rastreabilidade dos valores e a vinculação do crédito com o fornecedor declarado, sob pena de recolhimento do equivalente ao Tesouro Nacional, conforme ementa que reproduzo:

RECURSO. ELEIÇÕES 2020. PRESTAÇÃO DE CONTAS. CANDIDATOS. PREFEITO E VICE. DESAPROVAÇÃO. AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DE GASTO ELEITORAL. DESPESAS EM DESACORDO COM A REGRA PREVISTA NO ART. 38, INC. I, DA RESOLUÇÃO TSE N. 23.607/19. FUNDO ESPECIAL DE FINANCIAMENTO DE CAMPANHA – FEFC. PAGAMENTO DE GASTO ELEITORAL COM RECURSO PRIVADO, EM DESACORDO COM A NORMA DE REGÊNCIA. ALTO PERCENTUAL. MANTIDO O DEVER DE RECOLHIMENTO AO TESOURO NACIONAL. MANUTENÇÃO DA SENTENÇA. DESPROVIMENTO.

1. Insurgência contra sentença que desaprovou prestação de contas relativas às eleições de 2020, com fundamento no art. 74, inc. III, da Resolução TSE n. 23.607/19, determinando o recolhimento do montante irregular ao Tesouro Nacional.

2. Ausência de comprovação de gasto eleitoral. Detectada a emissão de nota fiscal, não declarada à Justiça Eleitoral, contra o CNPJ do candidato. O lançamento de nota fiscal sem a correspondente contabilização na prestação de contas revela indícios de omissão de gastos eleitorais, em violação ao art. 53, inc. I, al. “g”, da Resolução TSE n. 23.607/19. A omissão de despesa paga com verbas que não transitaram nas contas específicas de campanha configura utilização de recurso de origem não identificada, impondo o dever de recolhimento aos cofres do Tesouro Nacional, consoante o previsto no art. 32, § 1º, inc. VI, da Resolução TSE n. 23.607/19.

3. Comprovação de despesa com recursos do FEFC, em desacordo com o art. 38, inc. I, da Resolução TSE n. 23.607/19. Na espécie, não foi possível verificar se o sacador do documento de crédito foi aquele apontado como fornecedor dos bens ou serviços, de modo a comprovar o ciclo do gasto em todas as suas fases. Ademais, os documentos unilaterais, como é o caso dos recibos e do contrato de prestação de serviços acostados aos autos, não devem ser considerados isoladamente para suprir a ausência do cheque nominal e cruzado. Nessa linha, esta Corte sufragou o entendimento de que os pagamentos por meio de recursos públicos devem ser demonstrados por documentos que permitam a rastreabilidade dos valores e a vinculação do crédito com o fornecedor declarado, sob pena de recolhimento do equivalente ao Tesouro Nacional.

4. Pagamento de gasto eleitoral com recursos privados, em desacordo com o art. 38, inc. I, da Resolução TSE n. 23.607/19. Despesas pagas com o manejo de recursos privados e a utilização de cheque nominal, porém não cruzado. A alegação de que a exigência da norma impediria a contratação de “pessoas mais humildes” para as atividades em campanha não enseja a mitigação da regra, pois a sua finalidade é impor que a movimentação dos recursos ocorra por meio do sistema bancário, garantindo maior transparência às transações.

5. A totalidade das falhas apontadas representa, aproximadamente, 20,34% das receitas declaradas pelos candidatos, comprometendo o controle e a fiscalização dos recursos utilizados na campanha. Mantidas a desaprovação das contas e a ordem de recolhimento ao Tesouro Nacional.

6. Desprovimento.

(Recurso Eleitoral n 060051796, ACÓRDÃO de 07/12/2021, Relator FRANCISCO JOSÉ MOESCH, Publicação: PJE - Processo Judicial Eletrônico-PJE.) (Grifei.)

 

Logo, remanescem as irregularidades quanto à forma de pagamento dos gastos realizados com recursos do FEFC no montante de R$ 5.093,00, valor que deve ser restituído ao Tesouro Nacional em razão da ausência de comprovação segura de sua utilização regular, nos termos do art. 79, § 1º, da Resolução TSE n. 23.607/19.

 

Dispositivo

DIANTE DO EXPOSTO, voto pelo conhecimento e desprovimento do recurso de OSMAR MOISES DE MOURA, candidato ao cargo de vereador nas eleições de 2020, devendo ser mantida integralmente a sentença que desaprovou as contas e determinou o recolhimento de R$ 5.093,00 (cinco mil e noventa e três reais) ao Tesouro Nacional, nos termos da fundamentação.