REl - 0600300-26.2020.6.21.0063 - Voto Relator(a) - Sessão: 21/03/2023 às 14:00

VOTO

O recurso é adequado, tempestivo e comporta conhecimento.

A ação de investigação judicial eleitoral proposta versa sobre suposta captação ilícita de sufrágio, ilícito cível previsto no art. 41-A da Lei n. 9.504/97, e abuso de poder econômico e político, conforme o previsto no art. 22, caput, da Lei Complementar n. 64/90. Segundo constou na exordial (ID 44946822), três fatos constituem ilícitos eleitorais: (1) a promessa feita pela recorrida Lucila Maggi Morais Cunha, então candidata a prefeita de Bom Jesus, de dar poste de luz para eleitora em troca de voto nas eleições municipais de 2020; (2) distribuição de brindes (cachorros-quentes e refrigerantes) durante ato de campanha eleitoral; (3) promoção de propaganda irregular e boca de urna no dia do pleito, mediante a circulação de dois ônibus tripulados por cabos eleitorais patrocinados financeiramente pela coligação dos recorridos.

O Juízo da 063ª Zona Eleitoral de Bom Jesus julgou improcedente (ID 44946822) a ação manejada, nos seguintes termos:

 [...]

3. Compra de voto de Rosiane Camargo.

Alega o autor na inicial que os investigados praticaram captação ilícita de sufrágio prevista no art. 41-A, da Lei 9.504/97, ao oferecer benesse a uma eleitora (ID 63364911, fls. 6-7):

no dia 12.11.2020, por volta das 14h30min, a candidata LUCILA MAGGI compareceu à residência da eleitora Rosiane de Oliveira Camargo, situada na Rua Manoel Antônio Velho, n. 345, no bairro Expedicionário, em Bom Jesus, e perguntou-lhe se já teria em quem votar para Prefeito. Diante da resposta afirmativa da eleitora – que votaria em seu adversário –, a candidata perguntou se a eleitora poderia lhe dar uma chance, oferecendo-lhe ajuda no que precisasse. Rosiane disse, então, que precisava de uma reforma em sua casa, no que prontamente Lucila prometeu que lhe daria um poste de energia elétrica, como forma de ajudar-lhe e com o fim de obter-lhe o apoio e o voto.”

Em contestação afirmam os réus (ID 91618895):

Lucila Maggi nunca foi na casa de Rosiane e nem sabe onde ela mora ou morou. Jamais lhe fez doação, oferecimento, promessa ou entrega de poste de energia elétrica algum. Jamais, ainda, com ela entabulou conversa visando a obtenção de seu voto em sua casa, nem na rua, nem em parte alguma.

Acostado aos autos procedimento investigatório do Ministério Público Eleitoral (ID 99414684), verifica-se que o Parquet fez as diligências possíveis para reunir elementos de prova dos fatos alegados sem sucesso.

Após estudar a oitiva das testemunhas e informantes e demais documentos, outra não foi a conclusão do Ministério Público em seu parecer final (ID 102848801 fls. 9-10).

Revisados os autos, conclui-se, com o Ministério Público, que, a rigor, a sustentação da tese do autor resume-se ao alegado por Rosiane de Oliveira. Não há outra prova de que a candidata Lucila ou seu vice, Diogo Kramer, estiveram na casa de Rosiane de Oliveira, muito menos de eventual conversa que pudessem ter realizado com a eleitora. Tampouco se estabeleceu vinculação entre o poste fotografado e os então candidatos.

Ademais da jurisprudência colacionada pelo Ministério Público, veja-se a aplicação do art. 368-A pelo Egrégio TRE/RS:

RECURSO. REPRESENTAÇÃO. CAPTAÇÃO ILÍCITA DE SUFRÁGIO. ART. 41-A DA LEI N. 9.504/97. ELEIÇÕES 2016. PREFEITO E VICE. CANDIDATOS ELEITOS. PRELIMINAR DE CONCESSÃO DE EFEITO SUSPENSIVO ACOLHIDA. MÉRITO. COMPRA DE VOTOS. ART. 368-A DO CÓDIGO ELEITORAL. PARTICIPAÇÃO, NA FORMA DE CIÊNCIA OU ANUÊNCIA, NA COMPRA DE VOTOS POR TERCEIROS. AUSENTE PROVA ROBUSTA E INCONTROVERSA. REFORMA DA SENTENÇA. AFASTADA CONDENAÇÃO. PROVIMENTO. 1. Preliminar de concessão de efeito suspensivo acolhida. Por força do art. 257, § 2º, do Código Eleitoral, recurso recebido no duplo efeito. 2. Mérito. Captação ilícita de sufrágio. A teor do art. 368-A do Código Eleitoral, a prova testemunhal singular, quando exclusiva, não será aceita nos processos que possam levar à perda do mandato. No caso, o juízo sentenciante fundamentou a condenação com base unicamente no depoimento de dois eleitores supostamente aliciados. Improcedência da ação. 2.1. Participação, na forma de ciência ou anuência, em compra de votos realizada por terceiros, não candidatos. Ausente prova robusta e incontroversa da prática de captação ilícita de sufrágio. Para a configuração da conduta ilícita não se admitem meras presunções quanto ao encadeamento dos fatos e o proveito eleitoreiro, devendo ser afastadas as condenações impostas. Provimento do recurso. Reforma da sentença.

(TRE-RS, RECURSO ELEITORAL n. 55420, Acórdão, Relator Des. Silvio Ronaldo Santos de Moraes, Publicação: DJERS – Diário da Justiça Eletrônico do TRE-RS, Data 20/07/2018).

Avaliada a produção de prova dos autos e o entendimento jurisprudencial da legislação aplicável ao caso, concluo pela improcedência dos pedidos de cassação do mandato e multa.

4. Distribuição de cachorros-quentes em ato de campanha.

O autor afirma que em ato de campanha dos requeridos ocorreu a distribuição de cachorro-quente e bebidas, configurando abuso de poder econômico, distribuição de brindes e captação ilícita de sufrágio (ID 63364911).

Em contestação, os requeridos negam as alegações, além de apontar a generalidade da acusação não tendo sido identificada nenhuma pessoa “como vítima de negociata de voto pelos Investigados” (ID 91618895).

Verifica-se (ID 99414666) que o Ministério Público realizou procedimento investigatório sobre o ocorrido. Na ocasião, foram ouvidas testemunhas e analisados os vídeos e fotos encaminhados, concluindo o parquet (fls. 77-78):

Registre-se que, muito embora tenham afirmado que parte deste lanche foi entregue a algumas crianças que os haviam solicitado, em um juízo de ponderação, não há que se falar em irregularidade de propaganda eleitoral, pois tratou-se de episódio isolado e que não tinha como finalidade beneficiar eleitores ou angariar votos (já que crianças não possuem direitos políticos ativos).

Da mesma forma, tal conduta não configura abuso de poder econômico, pois não se constatou a sua potencialidade lesiva para desequilibrar a disputa eleitoral e impactar no resultado do pleito, requisito este indispensável para a caracterização da espécie.

Após revisadas as provas produzidas no processo sob contraditório, não verificou o parquet nenhum fato novo apto a mudar seu parecer (ID 102848801, fls. 12-15).

Com efeito, esta é a conclusão que se impõe a este juízo após revisados os autos. Eventual entrega de um lanche por um correligionário de campanha a poucas crianças constitui ato individual isolado indigno de intervenção estatal. Como grifado em negrito na jurisprudência colacionada no parecer ministerial, a caracterização do abuso de poder exige a relevância jurídica da conduta e gravidade nas circunstâncias a ensejar o uso exorbitante de recursos patrimoniais, o que não se verifica nos autos.

5. Circulação de ônibus no dia da Eleição.

Na inicial (ID 63364911, fls. 13-17), o autor alega a ocorrência de abuso de poder político e econômico por parte dos Investigados nos fatos que ensejaram o Termo Circunstanciado n. 0600295-04.2020.6.21.0063.

Em contestação (ID 91618895), os requeridos alegam a ausência de vínculo com os envolvidos no episódio:

Os Investigados (Prefeita e Vice-Prefeito eleitos), portanto, não têm que aqui se defender de crime algum. Até mesmo em homenagem à tese da Inadequação da Via Eleita, acima arguida. Ademais, não lhes cabe fazer defesa alguma dos terceiros que estavam no ônibus e que agiram por conta própria.

Nas alegações finais, trouxe o autor, referência ao Recurso Ordinário n. 0603975-98.2018.6.16.0000, em que o TSE concluiu ter havido abuso por Fernando Francischini. Observa-se que no caso não havia dúvida sobre a participação do candidato, além de constatada grande repercussão pelos comentários e compartilhamentos em rede social, como ficou claro na ementa:

“…

3. A hipótese cuida de live transmitida ao vivo em rede social, quando em curso a votação no primeiro turno, para mais de 70 mil internautas, e que até 12/11/2018 teve mais de 105 mil comentários, 400 mil compartilhamentos e seis milhões de visualizações. O recorrido – que exercia o cargo de Deputado Federal – noticiou a existência de fraudes em urnas eletrônicas e outros supostos fatos acerca do sistema eletrônico de votação.

…

5. O teor do vídeo é inequívoco, residindo a controvérsia em questões de direito: legitimidade do pleito, possibilidade de enquadrar a conduta no art. 22 da LC 64/90 e gravidade dos fatos.”

Em seu parecer o Ministério Público concluiu (ID 102848801, fl. 16):

Conforme se depreende dos testemunhos acima mencionados, aliados à cópia integral do termo circunstanciado que acompanha a inicial (ID 63364927), resta patente a ocorrência de manifestação coletiva e não silenciosa promovida por apoiadores dos réus no dia das eleições, fato este que, por si só, configura boca de urna.

Contudo, não restam evidências de que assim agiram com a participação dos réus, direta ou indiretamente, já que os candidatos LUCILA e DIOGO não estavam no interior do aludido ônibus, e sequer há provas de terem assim agido por orientação deles, o que não se pode presumir pelo simples fato de terem manifestado apoio político.

A suposta boca de urna está sendo processada no referido Termo Circunstanciado. Nestes autos, não se verifica vínculo, conexão, ou patrocínio dos réus para a ação desenvolvida pelo ônibus em comento. Não se constatou elo entre o proprietário do ônibus, Cezar Davi Radaeli Antônio (ID 63364927, fl. 21, informação confirmada em audiência) e os requeridos. Questionados em audiência, o delegado Ancelmo Carvalho Camargo e o policial Cláudio Roberto Melachiades Guglieri confirmaram não saberem de alguém em específico que tenha patrocinado a gasolina do ônibus. Dessa maneira, conclui-se, com o Parquet, pela ausência de elementos que vinculem os réus a esta manifestação no dia da eleição.

Não bastasse isso, como bem observa o Ministério Público, citando jurisprudência, o abuso de poder (ID 102848801, fls. 16-19):

pressupõe a constatação de considerável gravidade a afetar a lisura do processo eleitoral e, por conseguinte, proporcional à imposição da sanção extrema de cassação de mandato eletivo, sob pena de violação da soberania popular manifestada pelo voto, o que não se constata na hipótese, já que se tratou de manifestação coletiva promovida por 08 (oito) pessoas, sem aptidão para promover lesão juridicamente relevante ao bem tutelado (ID 63364927).

No mesmo diapasão, veja-se doutrina de José Jairo Gomes:

O abuso de poder caracteriza-se por macular a integridade do processo eleitoral, a legitimidade do pleito e a sinceridade da vontade popular expressa nas urnas. São esses os bens jurídico-constitucionais objeto de proteção. A configuração do ilícito requer que os eventos abusivos sejam de tal magnitude que possam seriamente feri-los. Assim, a gravidade das circunstâncias relaciona-se com o grau ou intensidade de lesão aos referidos bens jurídicos.” (Gomes, José Jairo - Direito Eleitoral, Editora Atlas, 16ª edição – 2020, fl. 754.)

 

O tema tem previsão legal no art. 41-A da Lei n. 9.504/97, cuja redação é a seguinte:

Art. 41-A. Ressalvado o disposto no art. 26 e seus incisos, constitui captação de sufrágio, vedada por esta Lei, o candidato doar, oferecer, prometer, ou entregar, ao eleitor, com o fim de obter-lhe o voto, bem ou vantagem pessoal de qualquer natureza, inclusive emprego ou função pública, desde o registro da candidatura até o dia da eleição, inclusive, sob pena de multa de mil a cinquenta mil Ufir, e cassação do registro ou do diploma, observado o procedimento previsto no art. 22 da Lei Complementar no 64, de 18 de maio de 1990. (Incluído pela Lei nº 9.840, de 1999)

§ 1o Para a caracterização da conduta ilícita, é desnecessário o pedido explícito de votos, bastando a evidência do dolo, consistente no especial fim de agir. (Incluído pela Lei nº 12.034, de 2009)

§ 2o As sanções previstas no caput aplicam-se contra quem praticar atos de violência ou grave ameaça a pessoa, com o fim de obter-lhe o voto. (Incluído pela Lei nº 12.034, de 2009)

 

É necessária a demonstração de que o candidato realizou uma das condutas da supracitada norma, mesmo que não seja possível determinar exatamente qual foi o eleitor eventualmente corrompido.

Por outro lado, com relação ao abuso de poder econômico ou político, a  Constituição Federal, em seu art. 14, § 9º, prescreve que lei complementar estabelecerá casos de inelegibilidade, visando à proteção da normalidade e legitimidade das eleições contra a influência do poder econômico ou o abuso do exercício de função, cargo ou emprego na administração direta ou indireta.

A atuação com desvio das finalidades legais, de forma a comprometer a legitimidade do pleito, seja em favor do próprio agente ou de terceiro, caracteriza o exercício abusivo do poder previsto no art. 22 da Lei Complementar n. 64/90:

Art. 22. Qualquer partido político, coligação, candidato ou Ministério Público Eleitoral poderá representar à Justiça Eleitoral, diretamente ao Corregedor-Geral ou Regional, relatando fatos e indicando provas, indícios e circunstâncias e pedir abertura de investigação judicial para apurar uso indevido, desvio ou abuso do poder econômico ou do poder de autoridade, ou utilização indevida de veículos ou meios de comunicação social, em benefício de candidato ou de partido político;

 

O abuso de poder, conforme a doutrina eleitoralista, é instituto de textura aberta, não sendo definido por condutas taxativas, mas pela sua finalidade de impedir comportamentos que extrapolem o exercício regular e legítimo da capacidade econômica e de posições públicas dos candidatos, capazes de causar indevido desequilíbrio ao pleito.

Em um primeiro momento, como nos ensina Rodrigo López Zilio (Direito Eleitoral, 6ª ed. 2018, p. 650), a jurisprudência do TSE exigia que o ato abusivo tivesse relação direta com a alteração do resultado final do pleito, por meio de um cálculo aritmético (abuso vs diferença de votos entre os candidatos). Era o que, nas palavras do Ministro Sepúlveda Pertence, se denominava prova diabolicamente impossível de ser obtida (RESPE n. 19.553, de 21.3.2002).

Posteriormente, evoluiu-se para a necessidade de demonstração da potencialidade de influenciar o pleito, desvinculando a caracterização do abuso com o resultado matemático das urnas.

E, após alteração legislativa e jurisprudencial, a caracterização da violação ao bem jurídico protegido, atualmente, está vinculada à gravidade da conduta, capaz de alterar a normalidade e macular a legitimidade do pleito, sem a necessidade da demonstração de que, ausente a conduta abusiva, o resultado das urnas seria diferente.

É o que dispõe o art. 22, inc. XVI, da Lei Complementar n. 64/90:

Art. 22.

[...]

XVI - para a configuração do ato abusivo, não será considerada a potencialidade de o fato alterar o resultado da eleição, mas apenas a gravidade das circunstâncias que o caracterizam.

 

Especificamente em relação ao conceito do abuso de poder econômico, Frederico Franco Alvim assenta que (Abuso de Poder nas Competições Eleitorais, 2019, p. 209):

Em última análise, a ideia do abuso de poder econômico remete à utilização de todo e qualquer mecanismo de convencimento baseado no emprego de bens econômicos com o objetivo de proporcionar vantagens para influenciar eleitores, mediante a cooptação das preferências individuais e/ou a quebra do equilíbrio de oportunidades ou das regras econômicas do fair-play eleitoral, elementos que, como é cediço, devem informar, tanto no palco como nos bastidores, o espetáculo democrático no qual se desenrola a pugna pela ponteira da condução política.

 

Sobre o conjunto probatório, o ilustre Procurador Regional Eleitoral manifestou-se da seguinte forma:

Tem-se que a sentença merece ser mantida.

De fato, no que diz respeito à alegada captação ilícita de sufrágio, tem-se que as provas dos autos não são suficientes para demonstrar que o poste de energia elétrica identificado na residência da eleitora Rosiane de Oliveira Camargo tem alguma relação com o seu compromisso de votar na chapa eleitoral da Coligação Bom Jesus Pode Mais.

O recorrente argumenta que há provas adicionais aptas a corroborar o testemunho apresentado pela eleitora nominada, razão pela qual não se poderia invocar o disposto no art. 368-A do Código Eleitoral, que afasta a possibilidade de utilização de prova testemunhal singular, quando exclusiva, nos processos que possam levar à perda do mandato eletivo.

Entretanto, a jurisprudência pacífica do TSE aponta que o reconhecimento judicial da captação ilícita de sufrágio deve estar baseado em provas robustas e incontestes (Agravo de Instrumento nº 55420, Acórdão, Rel. Min. Og Fernandes, DJE Tomo 120,19/06/2020), o que não foi atendido no presente caso.

As provas que, de acordo com o recorrente, corroborariam o teor da prova testemunhal não são suficientes para evidenciar que efetivamente houve a compra de voto imputada à candidata a Prefeita.

De um lado, a fotografia do poste na residência da eleitora não é capaz de demonstrar que a sua entrega ocorreu em troca do compromisso de voto na candidatura da representada. De outro, o testemunho de Severino da Cruz, informando que vendeu um poste para Oberdan Chaves, personagem ligado à campanha dos recorridos, não faz o necessário liame entre o poste entregue e aquele que teria sido vendido. A única prova dessa relação é, novamente, o testemunho de Rosiane Camargo, a qual afirmou que a entrega do poste foi realizada pelo caminhão verde utilizado pelo estabelecimento comercial de Severino da Cruz, conduzido por seu filho, Bráulio da Cruz.

Quanto ao teor das publicações constantes nas redes sociais de Oberdan Chaves e de Rosiane Camargo, estas retratam apenas as respectivas preferências políticas, sem aptidão para corroborar o teor do relato contido no testemunho da eleitora.

Há que se dizer que a prova indiciária, no caso dos autos, não é irrelevante, contudo não chega a ser suficiente para demonstrar, de forma cabal, a ocorrência do ilícito, em vista da falta de certeza acerca da efetiva negociação do voto da eleitora. E em se tratando de captação ilícita de sufrágio, situação na qual, como antes referido, a compra de um único voto pode ensejar a cassação do diploma, mostra-se necessária prova contundente para a sua caracterização. Isso porque somente em tal hipótese se justificaria o afastamento do ius sufraggi, tornando sem efeito a escolha feita nas urnas pelos eleitores.

Em síntese, diante do cenário probatório posto nos autos, tem-se que não é possível sustentar com segurança que estão preenchidos os requisitos estabelecidos para a demonstração judicial da captação ilícita de sufrágio, no caso consistente na entrega de um poste de luz por LUCILA MAGGI para Rosiane de Oliveira Camargo, tendo por finalidade a obtenção do voto desta última.

No tocante aos fatos apontados como atos de abuso de poder econômico, verifica-se que se caracterizam, a rigor, como propaganda eleitoral irregular, consistente na entrega de lanches durante a distribuição de panfletos e na circulação de ônibus com eleitores/apoiadores no dia das eleições, atos vedados nos termos dos artigos 39, §5º, II, e 39-A, §1º, da Lei nº 9.504/97.

Não se olvida que tais atos podem configurar abuso de poder. Não obstante, no caso concreto, não se revestiram de circunstâncias que justifiquem a imposição da grave sanção de cassação do mandato.

(…)

Acresça-se que a entrega de lanches não está sequer caracterizada como um ato de campanha. De fato, o vídeo juntado (ID 44946790) evidencia uma única entrega a algumas crianças, na frente de uma residência, não se repetindo em outras ocasiões. Ou seja, não há elementos para afirmar que houve uma deliberada estratégia de campanha para distribuir lanches (cachorro-quente e refrigerante) conjuntamente com material de propaganda impressa.

Portanto, ao que consta dos autos, trata-se de ato isolado, incapaz de afetar a legitimidade do pleito.

Por fim, a aglomeração de eleitores ou cabos eleitorais no dia das eleições em um ou dois ônibus que circularam pela área urbana de Bom Jesus (apenas um ônibus foi efetivamente apreendido, embora a inicial cite dois veículos), ainda que possa vir a se caracterizar, em tese, como o crime do art. 39, §5º, da Lei nº 9.504/97, não possui gravidade suficiente para configurar abuso de poder e justificar a cassação do diploma dos recorridos.

O veículo interceptado pela polícia circulou na cidade com poucos integrantes, e nenhum deles afirmou ter recebido alguma quantia para participar do ato (ID 44946653, p. 19/30). Quanto ao gasto com a locação do ônibus, combustível e remuneração do motorista, não se cogita de dispêndios substanciais, aptos a caracterizar abuso de poder econômico, nos termos previstos na LC nº 64/90.

(…)

Para a procedência da AIJE, portanto, exige-se a demonstração de que os fatos foram graves a ponto de ferir a normalidade e a legitimidade do pleito, contaminando de modo irreversível a regularidade do processo eleitoral, o que não está demonstrado no caso concreto.

Nesses termos, impõe-se a manutenção da sentença que julgou improcedente a ação originária.

 

Quanto ao fato da promessa e entrega de poste de luz em troca de voto, a eleitora Rosiane de Oliveira Camargo, em seu testemunho em juízo, narra que, nas vésperas das eleições de 2020, recebeu a visita da candidata Lucila e do candidato a vice, que perguntaram se ela lhes daria uma chance de tentar mudar seu voto e o que estaria precisando no momento, ao que respondeu necessitar de um poste de luz e que, sim, lhes daria uma chance. Afirmou que depois de três dias recebeu o poste e que foi solicitada a mudar a foto de seu perfil na rede social Facebook, de apoiadora do partido 11 para apoiadora do partido 15 (ID 44946753).

Com efeito, o art. 368-A do Código Eleitoral, incluído no ordenamento jurídico eleitoral por meio do art. 4º da Lei n. 13.165/15, dispõe que “A prova testemunhal singular, quando exclusiva, não será aceita nos processos que possam levar à perda do mandato”.

Ressalto ser possível a comprovação de captação ilícita de sufrágio ou abuso de poder por prova exclusivamente testemunhal, desde que, por intermédio dela, seja demonstrada, de maneira incontroversa, a ocorrência do ilícito eleitoral, e que não seja uma única testemunha.

Sobre o tema, colaciono a seguinte ementa:

RECURSO. AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO ELEITORAL. ELEIÇÕES 2016. ALEGATIVAS DE CAPTAÇÃO ILÍCITA E SUFRÁGIO E DE ABUSO DE PODER. PROVAS EXCLUSIVAMENTE TESTEMUNHAIS. INTELIGÊNCIA DO ART. 368-A DO CÓDIGO ELEITORAL. INSUFICIÊNCIA. AUSÊNCIA DE PROVAS CABAIS DO ILÍCITO. IMPROCEDÊNCIA DOS PLEITOS EXORDIAIS. RECURSO NÃO PROVIDO.

1. A teor do art. 368-A do Código Eleitoral inserido na legislação pelo art. 4º da recente Lei 13.165/2015, a prova testemunhal singular, quando exclusiva, não será aceita nos processos que possam levar à perda do mandato.

2. Não há como aplicar as abrangentes sanções atinentes à AIJE, que exige demonstração inequívoca de autoria e materialidade do ilícito, com base em prova testemunhal contraditória e nitidamente frágil.

3. Quando as provas constantes dos autos não são suficientes para demonstrar a ocorrência dos fatos descritos na inicial, forçoso reconhecer a improcedência dos pleitos exordiais.

4. Recurso conhecido e não provido.

(TRE-PI- AIJE: 55694 CORONEL JOSÉ DIAS – PI, Relator: DANIEL SANTOS ROCHA SOBRAL, Data de Julgamento: 25.01.2018, Data de Publicação: DJE – Diário de Justiça Eletrônico, Tomo 18, Data 31.01.2018, página 3.) (Grifo nosso)

 

É no mesmo sentido a jurisprudência deste Tribunal Regional Eleitoral: 

RECURSO. REPRESENTAÇÃO. CAPTAÇÃO ILÍCITA DE SUFRÁGIO. ART. 41-A DA LEI 9.504/97.ELEIÇÕES 2016. PREFEITO E VICE. CANDIDATOS ELEITOS. PRELIMINAR DE CONCESSÃO DE EFEITO SUSPENSIVO ACOLHIDA. MÉRITO. COMPRA DE VOTOS. ART. 368-A DO CÓDIGO ELEITORAL. PARTICIPAÇÃO NA FORMA DE CIÊNCIA OU ANUÊNCIA NA COMPRA DE VOTOS POR TERCEIROS. AUSENTE PROVA ROBUSTA E INCONTROVERSA. REFORMA DA SENTENÇA. AFASTADA CONDENAÇÃO. PROVIMENTO

1. Preliminar de concessão de efeito suspensivo acolhida. Por força do art. 257, § 2º do Código Eleitoral, recurso recebido no duplo efeito.

2. Mérito. Captação ilícita de sufrágio. A teor do art. 368-A do Código Eleitoral, a prova testemunhal singular, quando exclusiva, não será aceita nos processos que possam levar à perda do mandato. No caso, o juiz sentenciante fundamentou a condenação com base unicamente no depoimento de dois eleitores supostamente aliciados. Improcedência da ação.

2.1. Participação, na forma de ciência ou anuência, em compra de votos realizada por terceiros, não candidatos. Ausente prova robusta e incontroversa da prática de captação ilícita de sufrágio. Para a configuração da conduta ilícita não se admitem meras presunções quanto ao encadeamento dos fatos e o proveito eleitoreiro, devendo ser afastadas as condenações impostas. Provimento do recurso. Reforma da sentença.

(TRE-RS- RE: 55420 – SEGREDO/RS, Relator: Dr. Silvio RONALDO SANTOS DE MORAIS, Data de Julgamento: 17.7.2018, Data de Publicação: DEJERS Diário de Justiça Eletrônico TRE-RS, Tomo 129, Data 20.7.2018, Página 7.) (Grifo nosso)

 

Contudo, as demais provas coligidas não são suficientes para corroborar o relato da testemunha de que efetivamente houve a compra de voto imputada à candidata a prefeita.

A fotografia do poste na residência da eleitora (ID 63364919) não demonstra que a sua entrega ocorreu em troca de voto. O testemunho de Severino da Cruz (ID 44946764), o qual relatou ter vendido um poste para Oberdan Chaves, apoiador dos recorridos, não conduz à conclusão de que esse seria o poste prometido pela candidata como pagamento do voto. Igualmente não conduz a essa conclusão o fato de o transporte do poste ter sido feito por Braulio da Cruz, apoiador dos recorridos, visto que trabalha como entregador de materiais de construção na empresa de Severino Cruz, seu pai (ID 44946764). Os prints da rede social Facebook de Rosiane, Oberdan e Braulio e as demais fotos da participação dessas pessoas em eventos políticos (ID 44946648, 44946650, 44946651, 44946652) apenas indicam preferências por esse ou aquele candidato, e não são suficientes para imputar alguma das condutas previstas no art. 41-A da Lei n. 9.504/97 à Prefeita Lucila Maggi Morais Cunha.

Ao encontro desses elementos de prova, o testemunho da cabeleireira Jucivânia Barbosa dá conta de que a candidata estava no salão de beleza no dia e hora da suposta visita (ID 44946769), havendo anotação de marcação de horário da cliente em sua agenda profissional (ID 44946738). Diante do conjunto probatório, não podem ser consideradas inverídicas as afirmações da testemunha ou as anotações da agenda, especialmente quando os argumentos expendidos no recurso com o fim de contradizê-las baseiam-se no nervosismo da depoente em juízo e em considerações teóricas sobre a impossibilidade de realização de procedimentos pelo salão de beleza.

Reitera-se, ainda que se parta do pressuposto de que os candidatos foram a casa da eleitora, como pretende o recorrente, que não restou suficientemente provado ter havido a captação ilícita de sufrágio, isto é, a efetiva promessa realizada pela candidata. E, nesse contexto, o depoimento da eleitora Rosiane de Oliveira Camargo é único e isolado, não constituindo prova suficiente a caracterizar a captação ilícita de votos, que exige acervo probatório robusto e contundente para sua comprovação.

Os fatos apontados como atos de abuso de poder econômico e político apresentam-se, a rigor, como propaganda eleitoral irregular, consistente na entrega de lanches durante a distribuição de panfletos e na circulação de ônibus com eleitores/apoiadores uniformizados no dia das eleições, atos vedados, nos termos dos arts. 39, § 5º, inc. II, e 39-A, § 1º, da Lei n. 9.504/97.

No caso, as circunstâncias que os caracterizam não se revestiram de gravidade a revelar vantagens para influenciar eleitores e quebra do equilíbrio de oportunidades ou de regras econômicas do processo eleitoral.

Embora a testemunha Zelinda Soares afirme que lanches foram entregues à população (ID 44946762), o vídeo (ID 44946790) e as fotos que ampararam a investigação do Ministério Público Eleitoral (ID 44946787), e instruem os autos, evidenciam uma única entrega rápida de lanches a um grupo de 4 (quatro) crianças em frente a uma casa, por apoiador que embarca em camionete branca seguida por um carro de som. Não ocorreu distribuição de material impresso ou outros atos de natureza política. Odaglas Vieira, contratado para realizar a sonorização da campanha, sendo pessoa totalmente desvinculada da política eleitoral no Município de Bom Jesus (morador de outro município), foi ouvido pelo Ministério Público Eleitoral durante as investigações (ID 44946787, página 66, ID 44946791) e afirma que os lanches eram entregues aos cabos eleitorais para sua alimentação. Assim, considerando que houve entrega de lanches a um pequeno grupo de crianças, o fato não trata de deliberada estratégia de campanha ou de evento com distribuição de alimentos, mas de um ato isolado que não teve o condão de distorcer o equilíbrio eleitoral e a legitimidade do pleito.

Por outro lado, embora a peça recursal indique que dois ônibus tripulados por cabos eleitorais com vestuário padronizado circularam pela cidade realizando propaganda irregular e boca de urna, com o fito de arregimentar eleitores durante a realização do pleito em 15-11-2020, apenas um micro-ônibus, de placas JUS1437, foi efetivamente apreendido com um motorista e sete passageiros que, à unanimidade, confirmaram ter realizado o transporte sem qualquer vinculação com os candidatos (ID 44946653).

Como se vê, o fato não possui gravidade suficiente para configurar abuso de poder e justificar a cassação do diploma dos recorridos. O veículo circulou na cidade com poucos integrantes, e nenhum deles afirmou ter recebido alguma quantia para participar do ato (ID 44946653, p. 15/30). 

Ademais, não há elementos nos autos que permitam concluir que os candidatos tiveram participação nos atos, seja presencialmente, seja na qualidade de financiadores ou mandantes, suficientes para sua responsabilização. 

Diante dessas considerações, a fragilidade do conjunto probatório indica o acerto da sentença proferida, que deve ser mantida.

Ante o exposto, VOTO pelo desprovimento do recurso.