RecCrimEleit - 0600003-51.2021.6.21.0138 - Voto Relator(a) - Sessão: 21/03/2023 às 14:00

VOTO

O recurso é tempestivo, eis que interposto no prazo de dez dias da intimação da sentença, conforme dispõe o art. 362 do Código Eleitoral.

Trata-se de denúncia oferecida pelo Ministério Público Eleitoral pela prática de crime de desobediência eleitoral e desacato.

Em 06.10.2018, a Juíza Eleitoral da 138ª Zona, no regular exercício do poder de polícia, a fim de coibir propaganda irregular, determinou que cessassem o som ou que retirassem seus veículos da Rua Coberta, localizada ao lado da prefeitura.

Em sua defesa, o recorrente afirma não haver ordem direta e individualizada para que se retirasse do local, que a ordem foi exarada àqueles que se encontravam na Rua Coberta para desligar o som ou retirar o veículo e que a sentença analisou uma conduta que não foi objeto de imputação Ministerial ao incluir como desobediência não ter se retirado do local. Narra que, com relação às outras condutas, não teria como cumprir a ordem por não ser o dono do caminhão, logo, não teria poderes para desligar o som ou retirar o veículo do local. Pontua que o som foi imediatamente desligado e o veículo removido pelo proprietário, restando cumprida a ordem.

Quanto à preliminar aludida de declaração de nulidade parcial da sentença, por condenação ultra petita, além do descrito na denúncia, acolho a tese da defesa no sentido de que não foi determinada a ordem de que se retirasse do local.

Com efeito, a peça acusatória descreve ordem judicial para: 1) desligar o som; e 2) retirar os veículos do local. Note-se que não há mandamento para que o réu se retirasse do local do fato. Logo, a sentença ao afirmar que “(…) a conduta não se limita à ordem de desligar o som, mas também à ação de ter o réu se recusado a acatar as ordens de que deixasse o ambiente onde estava ocorrendo indevida aglomeração e propaganda política partidária”, acrescentou conduta a caracterizar crime de desobediência além das constantes na peça acusatória, sem obedecer a necessária congruência com a denúncia.

Desse modo, reconheço a nulidade parcial da sentença, no ponto em que também considerou como crime de desobediência ter o réu deixado de se retirar do local do fato.

De outro vértice, a denúncia reporta que todas as pessoas que estavam no local cumpriram a ordem, a exceção de Olavo José Deon, o que demonstra que a ordem exarada foi perfeitamente clara e o grupo não teve dúvidas quanto à legitimidade do emissor para tal ato.

O réu ao se negar ao cumprimento incorreu, assim, em crime de desobediência previsto no art. 347 do Código Eleitoral, verbis:

Art. 347. Recusar alguém cumprimento ou obediência a diligências, ordens ou instruções da Justiça Eleitoral ou opor embaraços à sua execução:

Pena - detenção de três meses a um ano e pagamento de 10 a 20 dias-multa.

A doutrina, na lição de José Jairo Gomes (Crimes Eleitorais e Processo Penal Eleitoral, 6ª ed. 2022, p. 223), dispõe sobre o bem tutelado pelo art. 347 do Código Eleitoral:

O bem tutelado pelo art. 347 do CE é a autoridade da Justiça Eleitoral, bem como a regularidade da administração do processo eleitoral e eficaz realização de suas funções para que seus objetivos institucionais sejam atingidos. Note-se que a proteção legal não se restringe aos atos praticados no âmbito da jurisdição eleitoral, estendendo-se a todas as áreas e funções realizadas por essa Justiça especializada.

Para que seja caracterizado o crime de desobediência, há dois requisitos: a ordem tem de ser legal e partir de um funcionário público (especificamente, da Justiça Eleitoral), além da exigência de que o autor tenha conhecimento de que a pessoa é servidora pública.

Primeiro, a ordem proferida para desligar os equipamentos de som ou retirar os veículos do local, consubstancia-se em uma ordem legal, isto é, lícita, na medida em que dentro dos parâmetros da legislação eleitoral vigente.

Segundo, a ordem partiu de uma magistrada eleitoral, servidora pública e representante da Justiça Eleitoral, com prerrogativas para o exercício do poder de polícia. E, por fim, o autor tinha conhecimento de que se tratava da juíza da Comarca, exercendo funções eleitorais, seja porque ela se apresentou como tal, seja porque estava acompanhada por duas servidoras da Justiça Eleitoral, devidamente identificadas por jalecos e crachás.

Além disso, o próprio recorrente consignou: “eu sei quem tu é, tu é a Juíza que me condenou”. Soma-se a isso, o fato de que todas as outras pessoas abordadas acataram a ordem, desligaram o som e saíram, tendo sido Olavo o único a desobedecer à ordem.

A jurisprudência sedimentou o entendimento de a configuração do crime de desobediência eleitoral, disposto no art. 347 do CE, exige inobservância de uma ordem direta e individualizada.

Nesse sentido, a ementa que segue:

Eleições 2010. Recurso eleitoral em Ação Penal. Crime de desobediência. art. 347 do Código Eleitoral. Inobservância de norma "in abstracto". Inocorrência . Recurso improvido.

I - Nos termos da jurisprudência assentada no e. TSE, o crime de desobediência tipificado no art. 347 do Código Eleitoral pressupõe o não cumprimento de ordem judicial expedida direta e individualizada ao destinatário.

II - A mera inobservância da norma "in abstracto" não constitui o tipo capitulado no art. 347 do Código Eleitoral como crime de desobediência.

III - Recurso do MPE improvido.

(TRE-RO - RC: 245 RO, Relator: JOSÉ JORGE RIBEIRO DA LUZ, Data de Publicação: DJE/TRE-RO - Diário Eletrônico da Justiça Eleitoral, Tomo 21, Data: 1º.02.2013, pp. 5 -6.) (Grifo nosso)

Destaco que, conforme consta na denúncia, houve o descumprimento de uma ordem judicial direta e individualizada. A juíza eleitoral proferiu, verbalmente, a ordem judicial (1) direta para: “desligamento e remoção de aparelhagem de som utilizada em situação de propaganda eleitoral irregular” e, a ordem foi (2) individualizada, uma vez que foi destinada especificamente para as pessoas que se encontravam na Rua Coberta, “correligionários que lá estavam”, ou seja, aquele grupo determinado de pessoas, as quais foram identificadas, uma a uma, pelas servidoras do cartório eleitoral.

A tese defensiva de que o réu não poderia cumprir a ordem por não ser proprietário de nenhum veículo que ali se encontrava, não encontra guarida.

Consoante consta na denúncia (ID 44993011):

Ato contínuo, o denunciado Olavo José Deon, ex-policial civil, apresentou-se como sendo proprietário do caminhão que lá estava e confrontou a Magistrada informando que não iria desligar a aparelhagem de som, bem como disse que poderiam lhe prender, pois não se importava com a Justiça Eleitoral. (grifo nosso)

Ressalte-se que, no momento em que foi proferida a ordem pela magistrada, o réu se apresentou como proprietário do caminhão e, para todos os efeitos, agiu como assim o fosse, ao se negar a desligar o aparato sonoro. A atitude do réu, ao se apresentar como proprietário do caminhão não o sendo, demonstra o firme ânimo de afronta e descumprimento da ordem, de modo a configurar o crime de desobediência.

Ainda, agrego como razões de decidir as palavras da Procuradoria Regional Eleitoral, ao destacar que o tipo penal inclui também a conduta de “opor embaraços à sua execução” (ID 45172631):

Importante salientar que o tipo penal em questão considera crime “recusar alguém cumprimento ou obediência a diligências, ordens ou instruções da Justiça Eleitoral ou opor embaraços à sua execução” e, no caso concreto, o réu incidiu não apenas na desobediência às instruções da Juíza Eleitoral como também opôs embaraços à sua execução, tumultuando a dispersão das pessoas que estavam no local, provocando o acirramento de ânimos, tudo em desprezo à atuação da magistrada e à própria Justiça Eleitoral. (grifo nosso)

Nesse ponto, destaco que o núcleo do tipo é formado pelas elementares “recusar cumprimento”, “recusar obediência” e “opor embaraços”. Com efeito, a conduta do réu pode ser acolhida por todos os três “verbos”, tanto porque não aceitou a ordem, não atendeu à ordem, como também, porque colocou dificuldades e empecilhos à realização da ordem ou diligência.

Por todo o exposto, e com fundamento nas provas juntadas aos autos, sobretudo os vídeos (ID 44993018 a 44993022), não restam dúvidas acerca da existência do elemento subjetivo dolo, seja para configurar recusa à ordem judicial, porque o réu deliberadamente se recusou a cumprir determinação, seja por opor embaraços à execução confrontando a magistrada.

Já no que concerne ao crime de desacato (art. 331 do CP), a legislação estabelece que: “Desacatar funcionário público no exercício da função ou em razão dela: Pena - detenção, de seis meses a dois anos, ou multa”.

Logo, a vítima do crime de desacato é primeiramente o Estado e, secundariamente, o funcionário público ofendido em sua honra profissional (funcional).

Trata-se de crime de ação livre, o qual pode ser cometido por qualquer forma, como: gestos, palavras, gritos, ameaças, vias de fato, etc., bem como qualquer outro meio indicativo da finalidade de desacatar o funcionário público no exercício da função ou em razão dela.

No ponto, trago à baila a jurisprudência do TSE, que segue:

“[...] Condenação. Desacato. Desobediência. [...] 3. O menosprezo pelo oficial de justiça no exercício de suas funções caracteriza o crime de desacato e a recusa em cumprir ordem judicial configura o crime de desobediência, previstos, respectivamente, nos art. 331 do Código Penal e 347 do Código Eleitoral, não prosperando a alegação de atipicidade da conduta. [...]”

(Ac. de 26.2.2015 no HC n. 2990, rel. Min. Luciana Lóssio.)

O crime de desacato exige dolo, que consiste na vontade consciente de ofender, humilhar e menosprezar o servidor público com o conhecimento de que está diante de funcionário público e que este se encontre no exercício de sua função ou em razão dela.

No caso, o dolo está presente na intenção do réu de humilhar a magistrada, menosprezar a Justiça Eleitoral e até mesmo de ameaçá-la em frente aos populares.

Nos vídeos trazidos aos autos, o réu profere claras ameaças à juíza eleitoral: “eu não baixo o dedo nada, te dou uns tapas na orelha, sim, te dou uns tapão, se bobeia comigo”.

O acossamento praticado pelo réu é demonstrado também por meio de linguagem corporal intimidativa, postura ereta, andar em direção ao corpo da vítima (consideravelmente menor que o do agressor), dedos em riste e tom de voz exacerbado.

Para além do intuito de ofender, percebe-se que o réu faz questão de menosprezar a autoridade da magistrada ao afirmar que não obedeceria às suas ordens:

“a senhora está descumprindo um item da Constituição Federal, (…) a senhora tem que ter a identidade, como vou acreditar que a senhora é juíza? A senhora acredita que eu sou delegado da polícia civil aposentado, sem lhe mostrar a carteira?”. Para além disso, desdenha da própria Justiça Eleitoral ao dizer que nada aconteceria em caso de descumprimento, referindo: “pode me falar o que você quiser, você vai mandar me prender? Me prenda que você vai arrumar abuso de autoridade…” (ID 44993020)

Note-se que, além do dolo, se faz necessário também que o ofensor tenha consciência de que a ordem é emanada de um servidor público no exercício de suas funções (quando está realizando um ato de ofício, dentro ou fora da repartição pública) ou em razão dela (simplesmente, quando relacionada com o exercício da função, sem que esteja sendo realizado qualquer ato de ofício).

A alegação do réu de que não sabia que se tratava da juíza eleitoral não prospera, até mesmo porque o réu a ofendeu nomeando-a de “juizinha”. Ainda, no vídeo de ID 44993021 o recorrente refere: “(…) não é porque teu pai é desembargador, que eu tenho medo, eu sei quem tu é (…)”.

Em arremate, coaduno com os argumentos angariados no parecer da Procuradoria Regional Eleitoral notadamente de que a magistrada estava acompanhada por duas servidoras da Justiça Eleitoral devidamente identificadas por meio de crachás e jalecos:

Importante destacar que na ocasião, as servidoras da Justiça Eleitoral estavam com coletes identificadores e a Juíza Mariana Machado Pacheco era, na época, a única Juíza de Direito no município de Casca, sendo, consequentemente, conhecida da comunidade. Era também especificamente conhecida pelo réu, ex-policial militar, que, inclusive, havia sido condenado anteriormente por ela pela prática de crime de desacato contra uma policial mulher e a ela se referiu pelo cargo que desempenha no diminutivo (“Juizinha”).

Portanto, estando presentes o dolo e a tipicidade do fato, afasto qualquer eventual alegação de erro de tipo (art. 20, caput, CP).

Por oportuno, transcrevo os termos da sentença (ID 44993177):

A existência dos fatos se extrai do registro de ocorrência (fls. 06-07 do IP), dos termos de declaração (fls. 08 e ss do IP) e pelas imagens e vídeos dos fatos.

A autoria também se encontra suficientemente provada nos autos, no cotejo de todo o conjunto probatório amealhado ao longo da instrução processual.

A vítima MARIANA MACHADO PACHECO, Juíza de Direito, declarou que era véspera de eleição para o primeiro turno das eleições gerais de 2018 e na época a depoente era Juíza Eleitoral na Comarca de Casca. Que naquela ocasião, em um sábado, havia sido agendada a realização de uma carreata na rua principal de Casca, em apoio ao candidato à Presidência Jair Bolsonaro e ao Governador do Estado, Sartori. Referiu que ao final da carreada foi a uma cafeteria localizada atrás da rua Coberta, que fica ao lado da Prefeitura de Casca. Que, então, visualizou carros e caminhões estacionados na referida rua, oportunidade em que entrou em contato com Laura, Chefe do Cartório Eleitoral, e com a servidora Elisa. Que ambas as servidoras estavam de jalecos da Justiça Eleitoral, e, então, foram todas até o local, tendo as servidoras contatado a Brigada Militar. Disse que ao chegar na rua Coberta foi até as pessoas que estavam ali e advertiu-as da propaganda irregular que estava sendo feita, pois estavam tocando músicas alusivas às campanhas dos candidatos daquelas pessoas. Narrou que o réu se apresentou como proprietário de um caminhão que tocava as músicas irregulares, estava bastante alterado, e questionou quem era a depoente, oportunidade em que se apresentou, falando que era Juíza Eleitoral e que estava solicitando que os presentes desligassem o som ou se retirassem do local. Disse que o réu, então, foi extremamente mal educado, dizendo que não ia respeitar ninguém e que ia permanecer ali, tanto que poderiam prender ele. Que a depoente se afastou para contatar a viatura da Brigada Militar, momento em que o efetivo dono do caminhão se aproximou da depoente, apresentando-se e dizendo que retiraria o caminhão. Disse que naquele momento percebeu que OLAVO não era de fato dono do caminhão. Declarou que, na sequência, OLAVO se aproximou novamente da depoente e das servidoras e falou que a depoente era uma juizinha, que ele não ia obedecê-la, que ele já tinha respondido a três júris e não custava nada a ele dar um tiro na depoente. Ainda, que OLAVO disse ia dar um tapa nas orelhas da depoente e que o pai dela deveria ser desembargador e por isso ela era juíza, aduzindo que ela devia ser petista. Que ele disse que sabia quem a depoente era, porque ele já havia sido condenado anteriormente por ela por embriaguez ao volante e por desacato a uma policial militar, fatos que a depoente recordou posteriormente. Referiu que em razão de a força policial não estar próxima, ela e as servidoras saíram do local e ao retornar para o Cartório Eleitoral contatou o núcleo de inteligência do Judiciário. Em resposta aos questionamentos do Ministério Público, disse que na época estava apenas a depoente e duas funcionárias da Justiça Eleitoral e que elas apresentavam-se devidamente identificadas com roupas da Justiça Eleitoral, além de terem chegado se identificando. Ainda, que naquele dia não havia viaturas da Brigada Militar na cidade, embora houvesse solicitado. Indagada pela defesa se chegou a mostrar a carteira funcional para OLAVO, respondeu que Casca é uma cidade de 10 mil habitantes, que os presentes sabiam quem era a depoente, e que inclusive o réu sabia quem era a depoente, tanto que falou para ela “eu sei quem tu é, tu é a Juíza que me condenou”, esclarecendo que havia apenas uma Juíza em Casca. Referiu que havia feito uma audiência com o réu cerca de um ano antes do fato, tendo ele figurado como réu em um processo de embriaguez ao volante e desacato contra uma policial militar. Esclareceu que outras pessoas que foram abordadas se retiraram do local, que desligaram o som e saíram, tendo sido OLAVO o único quem desacatou a depoente. Disse desconhecer norma que exija que o servidor público, para exercer o poder de polícia, deva andar com a carteira funcional.

Em igual sentido foram as declarações prestadas pelas servidoras da Justiça Eleitoral que acompanhavam a Dra. Mariana na diligência.

ELISA DORILDE DALBOSCO, servidora da Justiça Eleitoral, declarou que estava no Cartório Eleitoral quando a Dra. Mariana entrou em contato solicitando que acionassem a Brigada Militar, pois tinha um caminhão na rua Coberta, no centro de Casca, com músicas de campanha e uma aglomeração de veículos. Que a Brigada Militar não pode atender, razão pela qual a Dra. Mariana solicitou que as funcionárias acompanhassem ela, pois ela iria lá verificar a situação. Referiu que no local efetivamente tinha um caminhão com música alta de campanha, algumas pessoas e veículos, tendo elas se identificado e começado a identificar as pessoas. Que, então, apareceu o réu, e a Dra. Mariana solicitou que fosse desligada a música do caminhão ou que se retirassem dali, tendo ele respondido que não retiraria e pediu a identificação da Juíza. Mencionou que a conversa ficou um pouco mais alterada e nesse meio tempo apareceu um rapaz e se identificou como dono do caminhão e desligou o som. Que a conversa com o réu se estendeu um pouco, mas depois saíram do local e voltaram ao Cartório. Indagada acerca do desacato contra a Juíza, disse que ele falou que a Dra. Mariana era uma juizinha, que ele não ia atender a ordem, que ela precisava da carteirinha de identificação, que ele poderia dar um tapa nela, não recordando das expressões exatas. Mencionou que a depoente e a outra colega estavam usando coletes da Justiça Eleitoral. Afirmou que em um primeiro momento o réu se apresentou como responsável pelo caminhão. Referiu que algumas pessoas tentaram conter o réu apenas com palavras, aduzindo “não precisa disso”, mas não fisicamente. Questionada pela defesa, reiterou que a depoente e a colega estavam com o colete da Justiça Eleitoral, mas que a Dra. Mariana estava com roupas normais, pois os Juízes não utilizam os coletes, apenas os servidores. Disse não recordar se a Dra. Mariana apresentou algum documento de identificação quando questionada pelo réu, mas acredita que não. Disse desconhecer se há lei específica determinando a apresentação de documento funcional para o exercício do poder de polícia. Referiu que as demais pessoas que estavam no local aquele dia compreendiam que a Dra. Mariana era a Juíza Eleitoral. Mencionou que o caminhão tocava apenas música eleitoral, e que naquele momento OLAVO se recusou, indagando “quem que era ela” para dar aquela ordem, referindo-se à Dra. Mariana.

LAURA VIEIRA, servidora da Justiça Eleitoral, em igual sentido, disse que era véspera de eleição e foram até a rua Coberta de Casca porque havia um veículo de som com propaganda política. Que no momento em que chegaram lá a depoente, a colega Elisa e a Dra. Mariana, o réu OLAVO se aproximou e começou a fazer algumas ameaças. Esclareceu que a depoente e a colega Elisa estavam no Cartório Eleitoral e foram chamadas pela Dra. Mariana. Que também chamaram a Brigada Militar para fazer o acompanhamento, mas a viatura não estava na cidade e não foi possível. Esclareceu que foram até a rua Coberta apenas a depoente, a colega e a Dra. Mariana, e que na oportunidade ela e a colega estavam identificadas com os coletes da Justiça Eleitoral e crachás. Referente ao desacato à Dra. Mariana, mencionou que o réu disse que ela era uma juizinha, que ele ia dar um bofetão na cara dela, que ele já respondia processos e não tinha medo de responder a mais processos, que ele já sabia quem ela era, que todos esses juízes eram vizinhos, que ela precisava mostrar quem ela realmente era e que ali ela não ia dizer o que ele tinha que fazer. Que o réu se dirigiu mais especificamente à Juíza. Disse que o réu não se apresentou como dono, do caminhão que tocava as músicas eleitorais, mas ele parecia ser o responsável pelo que estava acontecendo, sendo que posteriormente à discussão outra pessoa se apresentou como dona do veículo. Mencionou que o réu deu a entender que conhecia a Dra. Mariana, pois ele disse que já sabia quem ela era, que já tinha ido em uma audiência com ela ou já tinha respondido a algum processo. Referiu que no momento da abordagem o caminhão estava com som em alto volume, com música, com bastante gente no entorno, e quem se aproximou com agressividade foi OLAVO, sendo que os demais foram acatando as ordens da Dra. Mariana para deixarem o local. Disse que ao chegarem lá a Dra. Mariana deu a ordem para que as pessoas saíssem dali e estava indagando quem era o proprietário do caminhão de som para que fosse desligado. Que quando já estavam conversando com OLAVO o proprietário do caminhão apareceu. Esclareceu que estavam tocando músicas eleitorais. Mencionou que foi solicitada identificação das pessoas que estavam no local, elas se identificavam com o documento e na sequência a Dra. reiterava para que se retirassem do local. Que todos os presentes estavam respeitando até então e que todos entenderam que a Dra. Mariana era Juíza da Comarca e Juíza Eleitoral. Disse não saber se a Dra. apresentou a carteira funcional e esclareceu que apenas os servidores utilizam jaquetas da Justiça Eleitoral, os magistrados não. Disse desconhecer se há lei específica determinando a apresentação de documento funcional para o exercício do poder de polícia pelo Juiz Eleitoral.

A testemunha de defesa RAFAEL SEMANSKI, em Juízo, contou ter visualizado OLAVO conversando com a Juíza pedindo para ela se identificar. Disse que, enquanto estava na rua Coberta, não ouviu caminhão tocando música eleitoral, mas apenas músicas normais. Pela defesa foi dito que naquele dia ocorreu uma carreata e o caminhão em questão participou da carreata, tendo sido dito pelo depoente que ele não ouviu o caminhão tocar músicas eleitorais depois, quando estacionou na rua Coberta. Referiu que havia mais carros no entorno, com música. Que não viu o momento em que o proprietário do caminhão desligou o som e que não viu que eram servidoras da Justiça Eleitoral no momento em que conversavam com OLAVO. Referiu também não ter visto se a Dra. Mariana apresentou algum documento a OLAVO. Também disse não recordar se alguém estava com coletes da Justiça Eleitoral e que tampouco conseguia ver bem com quem OLAVO falava. Indagado, mencionou que as pessoas não sabiam que era a Juíza e que somente dias depois soube que a pessoa que conversava com OLAVO era a Juíza Eleitoral. Questionado pela acusação, esclareceu ter saído do local antes de as servidoras e a Dra. Mariana irem embora, tendo saído enquanto OLAVO ainda conversava com elas. Esclareceu que estava a uma distância de 8 a 10 metros de onde OLAVO conversava com as mulheres. Que só ouviu eles pedindo para elas se identificarem, mais nada.

A testemunha de defesa ANDERSON JOSÉ PINZETTA, em depoimento judicial, contou que no sábado, véspera de eleições, estava movimentada a avenida e ali estavam sendo tocadas algumas músicas. Que em um certo momento chegaram três mulheres no local, dizendo serem da Justiça Eleitoral e solicitando a identidade de todos os presentes. Mencionou que no momento em que uma das mulheres pediu a identidade de OLAVO ele respondeu que com base em uma lei, como ele tinha sido policial civil, era incumbência de qualquer servidor público mostrar sua identidade para dizer que cargo exerce, oportunidade em que a mulher se mostrou surpresa. Que, pelo que recorda, a Juíza não mostrou o documento funcional. Em resposta aos questionamentos da defesa, sustentou que o caminhão que estava próximo à prefeitura tocava músicas dos anos 80 e 90, e não músicas eleitorais. Mencionou que tão logo determinado pela Juíza e pelas servidoras que fosse desligado o som, foram atendidas e foi desligado. Que não recorda quem era o proprietário do caminhão e não viu quem desligou o som. Esclareceu que a Juíza Eleitoral não se identificou, dizendo não recordar se ela estava vestindo roupas da Justiça Eleitoral. Também disse não recordar se ela determinou algo a OLAVO que ele não tenha cumprido. Igualmente disse não ter ouvido OLAVO se negar a desligar o som. Questionado, disse que OLAVO não sabia que estava falando com a Juíza Eleitoral, reiterando que ela não tinha mostrado a identidade e eles não se conheciam. Disse que OLAVO fala alto naturalmente. Por fim, abonou a conduta do réu. Indagado pelo Ministério Público, disse não recordar se uma das mulheres estava com a jaqueta da Justiça Eleitoral. Lida a ocorrência, também respondeu não recordar de ter ouvido OLAVO falar as coisas que foram referidas pela Juíza. Por fim, esclareceu não ter presenciado o momento em que as mulheres foram embora.

O réu OLAVO JOSÉ DEON interrogado ao final da instrução, optou por exercer por seu direito constitucional ao silêncio.

Como se vê, a negativa da prática delitiva e a alegação de insuficiência probatória não encontram lastro na prova dos autos, que milita toda contra os argumentos defensivos.

Os depoimentos da vítima e das testemunhas corroboram os fatos descritos na inicial, sendo provas plenamente eficazes para legitimar e sustentar o decreto condenatório. Ademais, não há nos autos qualquer elemento de prova que leve a inferir que o acusado e a vítima e testemunhas tivessem qualquer animosidade entre si ou intenção deliberada em prejudicar o réu. Portanto, reitera-se, os testemunhos são aptos a fundamentar a condenação.

É cabível reiterar que o exame das provas dos autos não conduz a um quadro de dúvida fundada, mas, ao revés, foram produzidas provas suficientes para embasar o decreto condenatório em desfavor do réu.

Conforme já aduziu o e. TJRS, contrariando a tese aventada pela defesa acerca de ausência de dolo específico, o réu, ao ofender a Juíza de Direito no exercício de suas funções, proferindo-lhe palavras ofensivas, comete o delito de desacato, pois demonstra desrespeito e desprestígio com relação à autoridade, sendo o testemunho da agente desacatada e das servidoras da Justiça Eleitoral que a acompanhavam suficiente para comprovar a ocorrência do fato típico e o dolo do acusado.

Forçoso, ainda, esclarecer que o delito de desacato exige para sua configuração que o agente tenha a intenção de ofender ou desprestigiar o funcionário no desempenho da função pública a que está investido.

Cabe ressaltar, também, que o desacato é delito de mera conduta que se perfectibiliza no momento em que são proferidas as palavras, as ameaças, ou os gestos, que têm, por objeto, desprestigiar, espezinhar, humilhar o funcionário público no exercício de suas funções, visando, com isto, atingir o Estado, vítima deste delito.

Nesse sentido, afirma Guilherme de Souza Nucci, na obra Código Penal Comentado, 5° edição, pg. 320:

“desacatar quer dizer desprezar, faltar com o respeito ou humilhar. O objeto da conduta é o funcionário. Pode implicar em qualquer tipo de palavra grosseira ou ato ofensivo contra a pessoa que exerce função pública, incluindo ameaças e agressões físicas”.

Nesse ponto, sinala-se que a conduta perpetrada amolda-se concretamente ao tipo penal de desacato, não havendo falar em desclassificação para o tipo de injúria, reiterando-se que a vítima estava no exercício de suas funções quando foi surpreendida com palavras ofensivas demonstrativas de desprestígio da função pública por ela exercida.

E sendo assim, a versão sustentada pela defesa no sentido de que não há prova suficiente para embasar o édito condenatório não encontra respaldo, nos autos.

Ademais, cabe salientar que a abordagem realizada pela Juíza Eleitoral foi justificada, tendo em vista presenciar a realização de propaganda eleitoral mediante o uso de carro de som em local e data impróprios, pois estacionado o veículo ao lado da prefeitura municipal na véspera das eleições gerais.

Portanto, comprovada a autoria delitiva em relação ao segundo fato descrito na peça de acusação.

Quanto ao delito de desobediência eleitoral, descrito no primeiro fato, a autoria também é evidente, na medida em que a prova dos autos comprova que o réu desobedeceu a ordem emanada pela Juíza de Direito Mariana, em exercício das funções eleitorais, e das servidoras da Justiça Eleitoral da 138ª Zona Eleitoral de Casca, que tentavam interromper a reprodução de jingles eleitorais às vésperas das eleições, em ambiente ao lado da prefeitura municipal, portanto, impróprio, além de identificar os presentes e dispersar a aglomeração.

Como bem destacado pela prova testemunhal, as servidoras que acompanhavam a Dra. Mariana na oportunidade estavam munidas de crachás identificadores e vestindo jalecos da Justiça Eleitoral, sendo plenamente possível sua identificação como servidoras da Justiça Eleitoral.

Logo, não se mantém qualquer argumentação de que o acusado não conhecia a Juíza de Direito ou não sabia que ela estava acompanhada de servidoras da Justiça Eleitoral, eis que elas estavam devidamente identificadas com as vestes da Justiça Eleitoral, as quais possuem o intuito de justamente facilitar a identificação na primeira impressa da pessoa abordada.

Ademais, o simples teor das ofensas proferidas pelo réu em direção à Magistrada dão conta de que ele conhecia a Dra. Mariana como sendo a Juíza em exercício na Comarca de Casca, tanto que já havia participado de audiências com ela, situação que foi destacada pela vítima quando ouvida em Juízo, referindo que o réu mencionou conhecê-la em razão de audiência judicial que havia participado.

Ainda, em um dos arquivos de vídeo anexado aos autos, que acompanha a denúncia, o acusado menciona “não é porque o teu pai é Desembargador que eu tenho medo, eu sei quem tu é”.

E em outro dos vídeos anexados, ao ser ordenado para que baixe o tom de voz para falar com a Magistrada, o réu responde “eu não baixo o dedo nada, te dou uns tapas na orelha, sim, te dou uns tapão, se bobeia comigo”.

Por fim, como bem pontuou o agente ministerial em memoriais, causa estranheza que um policial civil aposentado, como é o caso do réu, desconheça ou ignore as regras básicas dos períodos eleitorais, especialmente em relação à propaganda eleitoral irregular, não se mostrando minimamente razoável que o réu questionasse a atuação da Magistrada e das servidoras eleitorais na oportunidade, uma vez que estava sendo realizada ação em manifesto descompasso com a legislação eleitoral e, especialmente, às vésperas do pleito eleitoral.

[…]

Logo, diante da prova, a condenação se mostra impositiva.

As condutas denunciadas se amoldam aos tipos penais descritos na denúncia, com ofensa concreta e relevante aos bens jurídicos tutelados e evidenciado o dolo na vontade livre, consciente e dirigida na prática de ato ilícito.

Ausente qualquer excludente de antijuridicidade e da culpabilidade, sendo-lhe possível e exigível comportamento diverso e conforme o Direito.

Nesse sentido, deve o réu ser condenado pela prática dos crimes de desobediência eleitoral e desacato, na forma da denúncia.

Isso posto, julgo PROCEDENTES os pedidos condenatórios da inicial para CONDENAR o réu OLAVO JOSÉ DEON como incurso no art. 347 da Lei nº 4.737/65 (1º fato) e no art. 331 do Código Penal (2º fato).

Quanto ao pedido de desclassificação do crime de desacato para injúria (art. 140 do CP), não acolho o pedido diante da diversidade de bens jurídicos tutelados.

Nesse sentido, segue a jurisprudência que colaciono:

RECURSO ESPECIAL. PENAL. VIOLAÇÃO AO ART. 381 DO CPP NÃO CARACTERIZADA. QUESTÃO PLENAMENTE DECIDIDA PELA INSTÂNCIA A QUO. DESACATO (ART. 331 CP). FUNCIONÁRIO PÚBLICO. OFENSAS EM RAZÃO DE SUA FUNÇÃO. Não prospera a argumentação do recorrente de que o decisum não teria analisado a tese da defesa em relação à impossibilidade de desclassificação do crime de injúria para o de desacato. Violação não caracterizada. Ainda que o recorrente tenha trazido decisão paradigma, esta Corte, nos moldes de precedentes do Eg. STF, sustenta que o crime de desacato (art. 331 CP) configura-se ainda que o funcionário público não esteja no regular exercício de suas funções, mas é ofendido em razão delas. Precedente. Recurso desprovido.

(STJ - REsp: 253139 PA 2000/0028740-7, Relator: Ministro JOSÉ ARNALDO DA FONSECA, Data de Julgamento: 27.11.2001, T5 - QUINTA TURMA, Data de Publicação: DJ 25.02.2002 p. 426.)

No caso em análise, o recorrente teve a firme intenção de desacreditar a Justiça Eleitoral e o poder do exercício de polícia da magistrada e, por isso, não se confunde com crime contra a honra do servidor.

Ademais, as provas audiovisuais demonstram que as ofensas foram proferidas na presença da magistrada e das servidoras públicas do cartório eleitoral, de modo a configurar o crime de desacato.

Assim, não há que se falar em desclassificação do crime de desacato para injúria (art. 140 do CP), pois as ofensas foram proferidas na presença da servidora pública e a vítima estava no exercício de suas funções quando sofreu a agressão, bem como as palavras tiveram o intuito de desprestigiar a boa imagem da Administração Pública e a função pública por ela exercida.

Por fim, importa destacar a postura misógina do agressor, o qual demonstra ânimo determinado em ofender a magistrada e as servidoras eleitorais especialmente por serem mulheres.

A misoginia, o sexismo, são reconhecidas formas de violência contra a mulher. Esse tipo de violência não acomete somente a um tipo determinado de mulher ou de classe social, mas está direcionado a todas as pessoas do sexo feminino, justamente, por estar relacionado à aversão e ao desprezo ao sexo feminino.

No caso concreto, pode-se observar o comportamento sexista do agressor na seguinte fala constante no vídeo de ID 44993020: - “(…) vocês são metidona, querem ser metidas porque são juíza, são o que mais que eu? Não é nada mais do que eu...quero que você me prove que você é juíza! Cadê a carteirinha pra falar comigo?”

Igualmente, percebe-se o sentimento de depreciação do agressor ao cargo ocupado pela magistrada, ao referir-se a ela como “juizinha”, utilizando o termo no modo diminutivo em tom pejorativo.

No ponto, a reflexão trazida aos autos no parecer da Procuradoria Regional Eleitoral é extremamente pertinente (ID 45172631):

Podemos compreender melhor a situação fazendo o seguinte exercício: o réu adotaria o mesmo comportamento se o Juiz fosse do gênero masculino? Tudo leva a pensar que isso não aconteceria. Esse interpretação com perspectiva de gênero, que é o que propõe o Protocolo acima referido, ajuda a compreender a conduta do réu, voltada a desafiar e ofender a dignidade da Justiça e também a dignidade da Magistrada enquanto pessoa do gênero feminino. (grifo nosso)

O cenário trazido aos autos traz a lume que mesmo ocupando cargos de poder, como no caso da magistratura, a mulher ainda sofre com a violência de gênero.

Em relação ao pedido de substituição da pena de detenção por pena restritiva de direitos ou multa, incabível tendo em vista que o réu já foi condenado por crime equivalente (desacato – ID 44993015). E quanto ao sursis, não aplico em razão de ser o réu reincidente em crime doloso (CP, art. 77, inc. I).

Por todo o exposto, dou parcial provimento ao recurso para reconhecer a nulidade parcial da sentença, no ponto em que também considerou como crime de desobediência ter o réu deixado de se retirar do local do fato, mantendo a sentença que julgou procedente a ação penal contra Olavo José Deon, reconhecendo a configuração dos crimes tipificados no art. 347 do Código Eleitoral e 331 do Código Penal, em concurso material.