PC-PP - 0600264-76.2020.6.21.0000 - Voto Relator(a) - Sessão: 14/03/2023 às 14:00

VOTO

Passo ao exame das irregularidades na aplicação de recursos procedentes do Fundo Partidário apontadas pela Secretaria de Auditoria Interna (SAI), bem como das alegações defensivas apresentadas pelos prestadores:

 

1) Recebimento irregular de recursos procedentes do Fundo Partidário

O órgão técnico entende que o partido recebeu o montante de R$ 49.129,42, depositado no dia 29.8.2019, durante o período de 15.8.2019 a 15.9.2019, em que deveria cumprir a sanção de suspensão do recebimento de quotas do Fundo Partidário decorrente da desaprovação da sua prestação de contas partidária do exercício de 2015, nos autos do processo PC n. 54-16.2016.6.21.0000, transitado em julgado no dia 14.8.2019.

Conforme entendimento anteriormente firmado pelo Tribunal Superior Eleitoral, e atualmente superado, a suspensão dos repasses dos valores deveria ocorrer “a partir da publicação de decisão regional que rejeitou as contas” – AgRg em REsp n. 548-48, acórdão de 11.9.2014, Relatora Ministra Maria Thereza Rocha de Assis Moura, DJE de 25.9.2014.

Segundo essa diretriz, o início do cumprimento da suspensão do repasse de quotas ocorreria no dia seguinte ao do trânsito em julgado do acórdão, sendo o Diário de Justiça Eletrônico o instrumento de publicação oficial pelo qual os diretórios superiores ficariam intimados da decisão que proibia o repasse aos órgãos partidários de hierarquia inferior.

No caso dos autos, o acórdão transitou em 14.8.2019, tendo sido registrado que a suspensão deveria ser cumprida entre 15.8.2019 e 15.9.2019 no Sistema de Informações de Contas (SICO) do Tribunal Superior Eleitoral (https://sico-consulta-web.tse.jus.br/sico-consulta-web/home.jsf).

Contudo, entendo que merece guarida a tese defensiva apresentada pelos prestadores, ao ponderar que deve ser considerado como início do prazo de suspensão o dia seguinte ao da juntada aos autos do mandado de intimação do Diretório Nacional sobre o acórdão que fixou a penalidade, e não o dia seguinte ao do trânsito em julgado.

Isso porque, no processo em que fixada a sanção, foi expedida uma carta de intimação do acórdão, com data de assinatura em 1º.10.2019 (ID 44280183), posterior à data registrada no SICO, determinando o cumprimento da ordem de suspensão, não sendo razoável considerar que o partido devesse cumprir a ordem antes da intimação efetuada por este Tribunal, a qual teria efeito inócuo se não servisse de marco da contagem do prazo de suspensão.

Ademais, o inc. I da al. “a”, c/c o inc. III, al. “a”, item 1, do art. 60 da Resolução TSE n 23.546/17 dispõe sobre a necessidade de intimação do órgão partidário para o cumprimento da ordem de suspensão do repasse de quotas:

Art. 60. Transitada em julgado a decisão que julgar as contas do órgão partidário ou regularizar a situação do órgão partidário:

I - a Secretaria Judiciária do Tribunal ou o Cartório Eleitoral, nos casos de prestação de contas dos órgãos de qualquer esfera, deve proceder de acordo com os termos da decisão transitada em julgado e, quando for o caso, deve:

a) notificar os órgãos nacional e estaduais do partido sobre o inteiro teor da decisão; e

(…)

III – na hipótese de prestação de contas dos órgãos regionais ou municipais, a Secretaria Judiciária dos TREs ou os cartórios eleitorais, conforme o caso, além das providências previstas no inciso I, devem:

a) intimar o órgão partidário hierarquicamente superior para:

1. proceder, até o limite da sanção, ao desconto e retenção dos recursos provenientes do Fundo Partidário destinados ao órgão sancionado, de acordo com as regras e critérios de que trata o inciso II do art. 3º;

 

Na hipótese, após a expedição da carta de intimação enviada por este Tribunal, o Diretório Nacional acusou o recebimento e prontamente suspendeu o repasse do Fundo Partidário no mês seguinte, já tendo sido cumprida a determinação, conforme é possível verificar dos extratos bancários.

O procedimento em questão está atualmente consolidado no § 3º-A do art. 37 da Lei n. 9.096/95, incluído em 27.9.2019 com a publicação da Lei n. 13.877, o qual estabeleceu que o cumprimento da sanção de suspensão deve ocorrer depois da juntada aos autos da prestação de contas do AR relativo à intimação do órgão nacional sobre a decisão que comina a penalidade:

Art. 37. A desaprovação das contas do partido implicará exclusivamente a sanção de devolução da importância apontada como irregular, acrescida de multa de até 20% (vinte por cento).

(…)

3º-A. O cumprimento da sanção aplicada a órgão estadual, distrital ou municipal somente será efetivado a partir da data de juntada aos autos do processo de prestação de contas do aviso de recebimento da citação ou intimação, encaminhada, por via postal, pelo Tribunal Regional Eleitoral ou Juízo Eleitoral ao órgão partidário hierarquicamente superior.

 

Com esses fundamentos, afasto o apontamento de irregularidade quanto ao valor de R$ 49.129,42.

 

2) Aplicação irregular de recursos do Fundo Partidário

O órgão técnico apontou a aplicação irregular de recursos do Fundo Partidário mediante pagamento de despesas que não se enquadram no conceito de gastos partidários, ou sem detalhamento, nos valores de R$ 485,51 (item 2.1), R$ 550,00 (item 2.2), R$ 20.000,00 (item 2.4) e de R$ 180,25 (item 2.5), no total de R$ 21.215,76.

Quanto a esse ponto a área técnica manifestou-se no parecer conclusivo (ID 44875036) do seguinte modo:

2) Conforme descrito nos itens 2 e 3 do relatório de Exame da Prestação de Contas, em relação aos gastos realizados com recursos do Fundo Partidário na conta 500518, agência 3240 do Banco do Brasil, figuram em desacordo com o art. 17, § 2º; art. 18; art. 29, VI, combinados com o art. 35 § 2º todos da Resolução TSE 23.546/2017, no total de R$ 278.025,33.

A irregularidade foi parcialmente sanada pela agremiação, através de documentos permanecendo a irregularidade em relação aos comprovantes dos gastos abaixo relacionados no montante de R$ 31.215,76.

 

 

Observo que, após a última manifestação dos prestadores, a unidade técnica afirmou que os documentos acostados aos autos sanaram a falha do item 2.3 da tabela acima, relativa à falta de demonstração dos serviços prestados por Lacerda Rosseto & Pedrassani Sociedade de Advogados no valor de R$ 10.000,00 (ID 44949344).

Passo ao exame das falhas não sanadas:

2.1 e 2.5) Pagamento de despesas que não se enquadram no rol do art. 17 da Resolução TSE n. 23.546/17

Nos itens 2.1 e 2.5 foi apontado, respectivamente, que o partido utilizou recursos de R$ 485,51 para o pagamento de condenação ao recolhimento de valores ao Tesouro Nacional cominada ao filiado Jorge Dilson Rigoli e de R$ 180,25 para o adimplemento de juros e encargos de fatura relativa à despesa mantida com a Gráfica e Editora Relâmpago.

Os prestadores alegaram que o militante não possuía condições de arcar com a condenação imposta no acórdão de desaprovação da prestação de contas PC n. 0603444-71.2018.6.21.00000, referente às contas da eleição geral de 2018 do candidato ao cargo de deputado federal Jorge Dilson Rigoli, no qual foi determinado o recolhimento da quantia de R$ 453,60 ao erário por uso indevido de recursos do Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC).

Naqueles autos, foi juntado demonstrativo de débito na quantia de R$ 485,51 (ID 4883333), a emissão da GRU em nome de Jorge Dilson Rigoli (ID 5029433) e o respectivo comprovante de pagamento (ID 5029483).

Em relação ao pagamento de juros e encargos à Gráfica e Editora Relâmpago no valor de R$ 180,25, os prestadores afirmaram que não há como separar no boleto o pagamento de juros e multa, ficando a agremiação obrigada a arcar com estes encargos juntamente com o valor principal nas faturas em atraso.

Todavia, as justificativas não são suficientes para afastar as falhas, pois os pagamentos não se encontram no rol de gastos partidários elencados no art. 17 da Resolução TSE n. 23.546/17, configurando aplicação irregular do Fundo Partidário:

Art. 17. Constituem gastos partidários todos os custos e despesas utilizadas pelo órgão do partido político para a sua manutenção e consecução de seus objetivos e programas.

§ 1º Os recursos oriundos do Fundo Partidário somente podem ser utilizados para pagamento de gastos relacionados (Lei nº 9.096/1995, art. 44):

I – à manutenção das sedes e serviços do partido;

II – à propaganda doutrinária e política;

III – ao alistamento e às campanhas eleitorais;

IV – à criação e manutenção de instituto ou fundação de pesquisa e de doutrinação e educação política;

V – à criação e manutenção de programas de promoção e difusão da participação política das mulheres;

VI – ao pagamento de mensalidades, anuidades e congêneres devidos a organismos partidários internacionais que se destinem ao apoio à pesquisa, ao estudo e à doutrinação política, aos quais seja o partido político regularmente filiado; e

VII – ao pagamento de despesas com alimentação, incluindo restaurantes e lanchonetes.

§ 2º Os recursos do Fundo Partidário não podem ser utilizados para a quitação de multas relativas a atos infracionais, ilícitos penais, administrativos ou eleitorais ou para a quitação de encargos decorrentes de inadimplência de pagamentos, tais como multa de mora, atualização monetária ou juros.

§ 3º Os recursos do Fundo Partidário, ainda que depositados na conta bancária prevista no inciso I do art. 6º, são impenhoráveis e não podem ser dados em garantia.

 

Por certo, não há óbice de o partido assumir dívidas de seus correligionários. A falha está em utilizar-se de recurso público para esse fim, por não haver previsão legal.

Além disso, há proibição expressa de utilização de verbas do Fundo Partidário para pagamento de multas e juros de mora no § 2º do dispositivo legal: “§ 2º Os recursos do Fundo Partidário não podem ser utilizados para a quitação de multas relativas a atos infracionais, ilícitos penais, administrativos ou eleitorais ou para a quitação de encargos decorrentes de inadimplência de pagamentos, tais como multa de mora, atualização monetária ou juros”.

A aplicação dos recursos do Fundo Partidário está adstrita a destino específico, razão pela qual a irregularidade deve ser considerada como insanável.

Portanto, permanecem as irregularidades dos itens 2.1 (R$ 485,51) e 2.5 (R$ 180,25).

2.2) Pagamento de despesa sem o detalhamento do serviço prestado

O item 2.2 da tabela refere-se a pagamento efetuado a Leandro Pereira Gomes, CPF n. 924.944.200-91, no valor de R$ 550,00, no dia 14.6.2019, sem descrição do serviço prestado, o que impossibilita a comprovação do seu vínculo com as atividades partidárias.

Os prestadores alegaram que, na verdade, se trata de sócio, na época, da empresa prestadora de serviço Easycom Agência de Viagens e Turismo Ltda., sem, no entanto, fornecer o detalhamento do serviço prestado, ou documentos comprobatórios da alegação, permanecendo a irregularidade.

O art. 18, caput, da Resolução TSE n. 23.546/17 estipula que a comprovação de gastos partidários deve ser realizada por meio de documento fiscal idôneo, sem emendas ou rasuras, devendo dele constar a data de emissão, a descrição detalhada, o valor da operação e a identificação do emitente e do destinatário ou dos contraentes pelo nome ou razão social, CPF ou CNPJ e endereço.

A exigência de descrição detalhada dos serviços prestados justifica-se, entre outros motivos, pela necessidade de confrontar os pagamentos realizados com recursos do Fundo Partidário com as restrições a que é submetida a sua utilização, nos termos do art. 17 da Resolução TSE n. 23.546/17.

Desse modo, mantém-se o apontamento de irregularidade da quantia de R$ 550,00.

 

2.4) Falta de comprovação dos serviços advocatícios contratados

O órgão técnico considerou não sanada a falha no valor de R$ 20.000,00 relativa à falta de comprovação da efetiva prestação de serviços quanto a pagamentos de R$ 10.000,00, em 15.01.2019 e em 07.02.2019, pelo contrato firmado com o escritório de advocacia Genro & Genro Advogados (ID 44272783).

Os prestadores justificam o apontamento afirmando que o escritório atuou em prol de seus interesses de forma continuada entre dezembro de 2017 e janeiro de 2019. Referem que o pagamento realizado em janeiro é correspondente aos serviços prestados no mês de dezembro 2018 e que o pagamento feito em fevereiro diz respeito ao mês trabalhado de janeiro 2019, que compreendeu o período de recesso do Judiciário (ID 44271583).

Entretanto, o parecer técnico está correto ao entender pela permanência das falhas, pois as considerações oferecidas não afastam o dever de apresentação da prova dos serviços realizados nos meses de pagamento do prestador de serviços, conforme determina o art. 18, § 7º, inc. I, da Resolução TSE n. 23.546/17.

Veja-se que, em relação aos demais escritórios de advocacia contratados pelo PSOL, Lacerda Rosseto & Pedrassani e Morgental Advocacia, houve vasta comprovação de serviços jurídicos realizados ao partido, além de relatório descritivo das atividades, fotos e cópias de e-mails entre o escritório e a agremiação.

Todavia, nenhum tipo de comprovação foi apresentada quanto ao escritório Genro & Genro Advogados, que recebeu a quantia de R$ 20.000,00 pelo contrato firmado.

Saliento que, no acórdão da prestação de contas do PSOL referente ao exercício financeiro de 2018, processo PC-PP n. 0600270-20.2019.6.21.0000, julgado em 17.11.2021, esta Corte concluiu, por unanimidade, que o escritório Genro & Genro Advogados recebeu R$ 130.000,00 oriundos do Fundo Partidário, mas que a despesa não foi comprovada por ausência de demonstração de efetiva realização de trabalhos jurídicos ao partido em 2018.

Portanto, acolho o parecer técnico no sentido de que não há efetiva comprovação dos serviços prestados pelo escritório Genro & Genro Advogados relativamente ao pagamento de R$ 20.000,00, caracterizando-se aplicação irregular do Fundo Partidário.

Assim, por falta de comprovação dos gastos com recursos do Fundo Partidário, mantenho as falhas referidas nos valores de R$ 485,51 (item 2.1), R$ 550,00 (item 2.2), R$ 20.000,00 (item 2.4) e de R$ 180,25 (item 2.5), no total de R$ 21.215,76, devendo esse montante ser recolhido ao Tesouro Nacional, conforme determinação do art. 59, § 2º, da Resolução TSE n. 23.546/17.

 

3) Divergência na identificação de beneficiários de pagamentos com cheque

A irregularidade do item 3 do parecer conclusivo refere-se à falta de correspondência entre os beneficiários de dezoito pagamentos efetuados com cheque, no total de R$ 9.960,85, identificados nos extratos da conta do Fundo Partidário, e os fornecedores ou prestadores de serviços constantes nos documentos fiscais apresentados:

 

Quanto a essa falha, os prestadores inicialmente afirmaram que os beneficiários dos cheques não coincidem com os emitentes dos documentos fiscais porque os valores foram utilizados por filiados na modalidade de Fundo de Caixa, com gastos individuais de até R$ 400,00, de modo a caracterizar despesas de pequeno vulto, e que estavam dentro do patamar de 2% dos dispêndios lançados no exercício anterior, conforme estipula o art. 19, § 3º, da Resolução TSE n. 23.546/17.

Alegaram que houve o saque por cheque, e que a instituição bancária obrigatoriamente fez constar quem foi o responsável pelo saque no extrato bancário, sendo esse o motivo da divergência entre os beneficiários e os emitentes dos documentos fiscais.

Após a retificação das contas, o valor de R$ 9.960,85 foi declarado como Fundo de Caixa.

Em virtude de o apontamento ter sido mantido no parecer conclusivo, os prestadores novamente manifestaram-se referindo que os cheques nominativos foram erroneamente preenchidos, não havendo possibilidade de correção póstuma, mas que os beneficiários fazem parte do quadro de funcionários e filiados do PSOL que realizam atividades administrativas para o partido.

Todavia, as declarações não sanaram o apontamento, uma vez que não foi comprovado qualquer vínculo das pessoas físicas que receberam os valores com os fornecedores contratados.

O saque de recursos para a realização de pequenas despesas é, de fato, autorizado pela norma eleitoral, contudo a constituição do Fundo de Caixa está limitada a 2% dos gastos lançados no exercício anterior, possibilitando sua recomposição mensalmente, nos termos do art. 19, § 1º, da Resolução TSE n. 23.546/17:

Art. 19. Para efetuar pagamento de gastos de pequeno vulto, o órgão partidário, de qualquer esfera, pode constituir reserva em dinheiro (fundo de caixa) que observe o saldo máximo de R$5.000,00 (cinco mil reais), desde que os recursos destinados à respectiva reserva transitem previamente por conta bancária específica do partido e, no ano, não ultrapasse 2% (dois por cento) dos gastos lançados no exercício anterior.

§ 1º O saldo do fundo de caixa pode ser recomposto mensalmente, com a complementação de seu limite, de acordo com os valores despendidos no mês anterior.

§ 2º O saque dos valores destinados ao fundo de caixa deve ser realizado da conta bancária específica do partido, mediante a emissão de cheque nominativo em favor do próprio órgão partidário.

§ 3º Consideram-se de pequeno vulto os gastos cujos valores individuais não ultrapassem o limite de R$400,00 (quatrocentos reais), vedado, em qualquer caso, o fracionamento desses gastos.

§ 4º A utilização dos recursos do fundo de caixa não dispensa a comprovação dos gastos nos termos do art. 18.

§ 5º O percentual e os valores previstos neste artigo podem ser revistos, anualmente, mediante portaria do presidente do TSE.

 

Na hipótese, o partido realizou os pagamentos com recursos públicos por meio da emissão de cheques, procedimento que não se amolda à modalidade de Fundo de Caixa, a qual deve ser constituída previamente, constituindo método incorreto o praticado pela agremiação.

Consoante refere a unidade técnica no parecer conclusivo do ID 44875036: “os saques para compor o fundo de caixa devem ser feitos mediante emissão de cheque nominativo em favor do órgão partidário, o que não ficou comprovado pelo partido. Além disso, conforme o art. 19, § 3º os valores individuais sacados para o fundo de caixa, não devem ultrapassar o limite individual de R$ 400,00, o que não foi observado nos pagamentos feitos nos dias 03/04/2019, R$ 578,75 e 02/08/2019, R$ 3.229,00 (ID 42052683)”.

Assim, considerando que o partido não comprovou a alegação de que os beneficiários fazem parte do quadro de funcionários e filiados do PSOL que realizam atividades administrativas para o partido, ou qualquer vínculo que justifique os saques dos cheques por pessoas diversas dos emitentes das notas fiscais, deve ser considerada não sanada a falha no valor de R$ 9.960,85.

A quantia deve ser recolhida ao Tesouro Nacional, por se tratar de aplicação irregular de recursos do Fundo Partidário, nos termos do art. 59, § 2º, da Resolução TSE n. 23.546/17.

 

4) Irregularidade na aplicação de recursos na participação política das mulheres

O órgão técnico verificou que o partido não destinou o percentual mínimo de 5% de recursos do Fundo Partidário para a criação ou manutenção de programas de promoção e difusão da participação política das mulheres, nos termos da previsão do art. 22, § 1º, da Resolução TSE n. 23.546/17:

Art. 22. Os órgãos partidários devem destinar, em cada esfera, no mínimo, 5% (cinco por cento) do total de recursos do Fundo Partidário recebidos no exercício financeiro para a criação ou manutenção de programas de promoção e difusão da participação política das mulheres, a serem realizados de acordo com as orientações e de responsabilidade do órgão nacional do partido político.

§ 1º O partido político que não cumprir o disposto no caput deve transferir o saldo para conta bancária de que trata o inciso IV do art. 6º, sendo vedada sua aplicação para finalidade diversa, de modo que o saldo remanescente deve ser aplicado dentro do exercício financeiro subsequente, sob pena de acréscimo de 12,5% (doze inteiros e cinco décimos por cento) do valor previsto no inciso V do caput, a ser aplicado na mesma finalidade (Lei nº 9.096/1995, art. 44, § 5º).

§ 2º Na hipótese do § 1º, o partido fica impedido de utilizar qualquer dos valores mencionados para finalidade diversa.

§ 3º A aplicação de recursos a que se refere este artigo, além da contabilização em rubrica própria do plano de contas aprovado pelo TSE, deve estar comprovada mediante a apresentação de documentos fiscais em que conste expressamente a finalidade da aplicação, vedada a comprovação mediante o rateio de despesas ordinárias, tais como água, luz, telefone, aluguel e similares.

§ 4º A infração às disposições previstas neste artigo implica irregularidade grave a ser apreciada no julgamento das contas.

§ 5º A critério da secretaria da mulher ou, inexistindo a secretaria, a critério da fundação de pesquisa e de doutrinação e educação política, os recursos a que se refere o caput podem ser acumulados em diferentes exercícios financeiros, mantidos em contas bancárias específicas, para utilização futura em campanhas eleitorais de candidatas do partido, não se aplicando, neste caso, o disposto no § 2º.

§ 6º Nas três eleições que se seguirem ao dia 29 de setembro de 2015, os partidos reservarão, em contas bancárias específicas para este fim, no mínimo 5% (cinco por cento) e no máximo 15% (quinze por cento) do montante do Fundo Partidário destinado ao financiamento das campanhas eleitorais para aplicação nas campanhas de suas candidatas, incluídos nesse valor os recursos a que se refere o inciso V do art. 44 da Lei nº 9.096/1995 (Lei nº 13.165/2015, art. 9º).

V. arts. 55-A a 55-C da Lei nº 9.096/1995.

§ 7º Para fins de aferição do limite mínimo legal, devem ser considerados os gastos efetivos no programa e as transferências financeiras realizadas para as contas bancárias específicas de que trata o inciso IV do art. 6º.

 

Segundo o parecer conclusivo, considerando o recebimento de R$ 519.039,16 do Fundo Partidário pela agremiação no exercício de 2019, deveria ter sido demonstrada a destinação de, no mínimo, R$ 25.951,98 (5% do total de recursos do Fundo Partidário recebidos no exercício financeiro) na criação e manutenção de programas de promoção e difusão da participação política das mulheres, restando não aplicado o valor de R$ 3.414,07:

 

Por essa razão, o parecer conclusivo aponta a necessidade de transferência da diferença, R$ 3.414,07, no exercício subsequente ao trânsito em julgado da decisão que julgar as contas, para a conta bancária específica visando à criação ou manutenção de programas de promoção e difusão da participação política das mulheres, sendo vedada sua aplicação para finalidade diversa, sob pena de acréscimo do percentual de 12,5%, nos termos do art. 44, inc. V, § 5º, da Lei n. 9.096/95,

A Procuradoria Regional Eleitoral salienta que, se o PSOL transferiu a quantia de R$ 22.537,91 para a conta bancária específica e, desse montante, apenas R$ 15.355,92 foram utilizados, deve o cálculo da irregularidade ser realizado entre a quantia que deveria ser destinada para a participação feminina (R$ 25.951,98) e a efetivamente utilizada (R$ 15.355,92), o que redunda na falha de R$ 10.596,06. 

Transcrevo o parecer do Parquet (ID 45000900):

No ano de 2019, o Diretório Estadual do PSOL recebeu R$ 519.039,52 do Fundo Partidário, e deveria ter aplicado R$ 25.951,98 na criação e manutenção de programas de promoção e difusão da participação política das mulheres, conforme previsto no artigo 44, V, da Lei nº 9.096/1995. A Unidade Técnica apontou que foi direcionado para a cota de gênero o total de R$ 22.537,91, aquém do montante exigido.

Em sua manifestação, o prestador concordou com o apontamento (ID 44886942).

Entretanto, verifica-se que, de acordo com o Parecer Conclusivo, dos R$ 22.537,91 destinados pelo partido para o cumprimento da cota de gênero, apenas R$ 15.355,92 foram de fato aplicados, sendo que o restante permaneceu na conta.

Portanto, tem-se que, diferentemente do que entendeu a Unidade Técnica, o valor da irregularidade referente à ausência de aplicação mínima do percentual de 5% na criação e manutenção de programas de promoção e difusão da participação política das mulheres pelo PSOL, no exercício de 2019, não é de R$ 3.414,07 (R$ 25.951,98 – R$ 22.537,91), mas de R$ 10.596,66 (R$ 25.951,98 – R$ 15.355,92). Com efeito, não se pode logicamente entender que os recursos que ficaram depositados em conta bancária e não foram efetivamente aplicados na cota de gênero atenderam à política pública a que se destinam.

Destarte, o órgão partidário não se desincumbiu de provar a destinação de, no mínimo, 5% (cinco por cento) do total de recursos recebidos do Fundo Partidário para a criação ou manutenção de programas de promoção e difusão da participação política das mulheres, sendo que o montante da diferença entre o que deveria ter sido aplicado e o que de fato foi alcança R$ 10.596,66.

Cumpre referir que a medida em questão busca fomentar a participação feminina na política e mitigar a baixa representatividade das mulheres na esfera de poder político, a qual, inclusive, dada a sua importância, foi recentemente constitucionalizada, com a inclusão do § 7º ao art. 17 da Constituição, pela Emenda Constitucional 117, de 5 de abril de 2022, e que se justifica porque, conforme o ranking da Inter–Parliamentary Union – UIP1, o Brasil ostenta a 143ª posição em representação feminina no parlamento, muito distante de países mais igualitários.

O descumprimento pelo partido da correta destinação do recurso público repercute em danos difíceis de mensurar e que, certamente, atingem a esfera de participação e representatividade política das mulheres.

Por outro lado, o art. 2º da Emenda Constitucional 117 estabeleceu que:

Aos partidos políticos que não tenham utilizado os recursos destinados aos programas de promoção e difusão da participação política das mulheres ou cujos valores destinados a essa finalidade não tenham sido reconhecidos pela Justiça Eleitoral é assegurada a utilização desses valores nas eleições subsequentes, vedada a condenação pela Justiça Eleitoral nos processos de prestação de contas de exercícios financeiros anteriores que ainda não tenham transitado em julgado até a data de promulgação desta Emenda Constitucional.

De acordo com o entendimento do TSE estabelecido no julgamento da PC 0601826-13.2017.6.00.0000, em virtude da nova determinação constitucional o valor irregular decorrente do descumprimento do art. 44, V, da Lei nº 9.096/95 não deve ser considerado na conclusão do julgamento das contas, para fins de eventual desaprovação. Contudo, persiste a obrigatoriedade de aplicação do montante respectivo nas eleições subsequentes, observadas as disposições do art. 44, § 5º, da Lei n° 9.096/1995, com redação dada pela Lei nº 13.165/2015.

Assim, o valor de R$ 10.596,66 deve ser transferido para conta bancária dos recursos destinados ao programa de promoção e difusão da participação política das mulheres, sendo vedada sua aplicação em finalidade diversa. Caso não ocorra a aplicação nas eleições subsequentes, o partido deverá acrescer 12,5% ao valor correspondente a 5% do total de recursos do Fundo Partidário recebidos, a ser aplicado na mesma finalidade, conforme previsto no art. 22, § 1º da Resolução TSE nº 23.546/2017.

 

Sobre o ponto, foi oportunizada aos prestadores manifestação específica, em homenagem aos princípios do contraditório e da ampla defesa, mas o prazo transcorreu em branco.

De fato, assiste razão ao órgão ministerial, uma vez que os valores do Fundo Partidário destinados à participação política das mulheres que ficaram depositados em conta bancária (R$ 22.537,91) e não foram efetivamente utilizados desatendem à regra do art. 22, § 1º, da Resolução TSE n. 23.546/17.

Ressalto que não está em discussão, neste feito, a intencionalidade no cometimento da falha (dolo), ou a má-fé da agremiação, mas o mero descumprimento de norma cogente aplicável a todos os partidos.

Conforme assentado pelo TSE: “É de se ter enraizada nas estruturas partidárias a consciência da transparência, da moralidade, da economicidade, da razoabilidade, da boa-fé, da cooperação e de outros importantes princípios norteadores das despesas com recursos públicos" (Prestação de Contas n. 229-97.2013.6.00.0000, Acórdão, Rel. Min. Tarcisio Vieira de Carvalho Neto, DJE 19.4.2018).

Considero que a mera disponibilidade da quantia de R$ 22.537,91 em conta bancária representa frágil argumento no sentido da observância da determinação legal de aplicação dos recursos no incentivo à participação da mulher na política, pois a falta de efetivo investimento desse valor desatente à interpretação teleológica da norma e ao próprio fim a que se destina, que é o de concretamente obrigar os partidos a investirem um mínimo de valores públicos, à razão de 5% das cotas do Fundo Partidário, na criação e manutenção de programas de promoção e inclusão política focados no gênero feminino.

O partido e seus dirigentes deveriam ter investido para esse fim a quantia de R$ 25.951,98 e, embora tenham retirado do caixa geral a verba de R$ 22.537,91, somente comprovaram o efetivo e real emprego de valores no total de R$ 15.355,92, sendo irrelevante a alegação de que os recursos estavam na conta bancária à disposição.

Desse modo, acolho a manifestação da Procuradoria Regional Eleitoral no sentido de que o valor de R$ 10.596,66 deve ser transferido para a conta bancária dos recursos destinados ao programa de promoção e difusão da participação política das mulheres, sendo vedada sua aplicação em finalidade diversa.

Caso não ocorra a aplicação nas eleições subsequentes, o partido deverá acrescer 12,5% ao valor correspondente a 5% do total de recursos do Fundo Partidário recebidos, a ser aplicado na mesma finalidade, conforme previsto no art. 22, § 1º, da Resolução TSE n. 23.546/17.

Entretanto, cumpre fazer uma observação quanto ao apontamento do órgão ministerial, no sentido de que essa falha não deve ser considerada para o juízo de desaprovação das contas, por força da Emenda Constitucional n. 117 de 2022 e da conclusão do TSE no acórdão da PC n. 0601826-13.2017.6.00.0000, da relatoria do Ministro Sérgio Banhos, julgado em 7.4.2022.

Inicialmente, confira-se o texto da Emenda Constitucional n. 117 de 2022:

Art. 2º Aos partidos políticos que não tenham utilizado os recursos destinados aos programas de promoção e difusão da participação política das mulheres ou cujos valores destinados a essa finalidade não tenham sido reconhecidos pela Justiça Eleitoral é assegurada a utilização desses valores nas eleições subsequentes, vedada a condenação pela Justiça Eleitoral nos processos de prestação de contas de exercícios financeiros anteriores que ainda não tenham transitado em julgado até a data de promulgação desta Emenda Constitucional.

Art. 3º Não serão aplicadas sanções de qualquer natureza, inclusive de devolução de valores, multa ou suspensão do fundo partidário, aos partidos que não preencheram a cota mínima de recursos ou que não destinaram os valores mínimos em razão de sexo e raça em eleições ocorridas antes da promulgação desta Emenda Constitucional.

 

Como se vê, a Emenda Constitucional n. 117/22 afirma que não serão aplicadas sanções de qualquer natureza aos partidos políticos que não tenham utilizado os recursos destinados aos programas de promoção e difusão da participação política das mulheres.

Ao interpretar o alcance da norma, o TSE consignou que, com a constitucionalização, “a gravidade da falha se tornou ainda mais evidente”, e que as regras “alcançam somente as sanções porventura aplicáveis aos partidos que tenham descumprido o percentual mínimo de aplicação na ação afirmativa”. É o que consta do acórdão da Prestação de Contas PC n. 0601765-55: “A referida EC nº 117/2022, portanto, não incide sobre a fase em que o Juízo Eleitoral analisa as glosas identificadas nas contas partidárias para, após, concluir pela sua aprovação, aprovação com ressalvas ou desaprovação (arts. 36 e 37 da Lei nº 9.096/1995 c.c art. 46, I a III, da Res.-TSE nº 23.464/2015)” (Prestação de Contas PC n. 0601765-55.2017.6.00.0000, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, j. 07/04/2022, DJE 06/05/2022).

Ou seja, pela conclusão do acórdão na PC n. 0601765-55, o TSE assentou que, em face da EC n. 117/22, a falha pode ser considerada para efeito de desaprovação das contas, mas deve ser excluída do cálculo para efeito de cominação de sanções.

Todavia, a Procuradoria Regional Eleitoral observa que no acórdão da PC n. 0601826-13, julgado pelo TSE na mesma sessão de 7.4.2022, o entendimento foi de que a falha no incentivo à participação feminina na política não será considerada “na conclusão do julgamento das presentes contas, para fins de eventual desaprovação, devendo o montante apurado ser aplicado nas eleições subsequentes” (TSE, PC n. 0601826-13.2017.6.00.0000, Rel. Ministro Sérgio Banhos, j. 07/04/2022, DJE 11/05/2022).

Ocorre que, em decisão posterior, o TSE reforçou a diretriz firmada no julgado de relatoria do Min. Mauro Campbell Marques (PC n. 0601765-55), consoante se observa do acórdão cuja ementa cumpre transcrever:

TERCEIROS EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. SEGUNDOS OPOSTOS PELO PARTIDO PÁTRIA LIVRE. PRESTAÇÃO DE CONTAS. EXERCÍCIO DE 2016. DESAPROVAÇÃO. OBSCURIDADE. INEXISTÊNCIA. ESCLARECIMENTO. MONTANTE IRREGULAR. RESSARCIMENTO AO ERÁRIO. RECURSOS PRÓPRIOS. EVOLUÇÃO JURISPRUDENCIAL. POSSIBILIDADE DE PAGAMENTO COM VERBAS DO FUNDO PARTIDÁRIO. MATÉRIA A SER APRECIADA EM EXECUÇÃO. AGREMIAÇÃO INCORPORADA. PRECEDENTES. ANISTIA. EC Nº 117/2022. INCIDÊNCIA IMEDIATA. ACOLHIMENTO PARCIAL. (…) 6. Em 5.4.2022, foi promulgada a Emenda Constitucional nº 117/2022, a qual estabeleceu a seguinte anistia em seu art. 2°: “aos partidos políticos que não tenham utilizado os recursos destinados aos programas de promoção e difusão da participação política das mulheres ou cujos valores destinados a essa finalidade não tenham sido reconhecidos pela Justiça Eleitoral é assegurada a utilização desses valores nas eleições subsequentes, vedada a condenação pela Justiça Eleitoral nos processos de prestação de contas de exercícios financeiros anteriores que ainda não tenham transitado em julgado até a data de promulgação desta Emenda Constitucional”.7. Embora a nova disposição constitucional se aplique aos feitos ainda não transitados em julgado, seus efeitos alcançam somente a sanção porventura aplicada ao partido (PC nº 0601765–55/DF, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, DJe de 6.5.2022).8. O embargante deixou de destinar nessa rubrica o valor de R$ 88.989,42 (oitenta e oito mil, novecentos e oitenta e nove reais e quarenta e dois centavos), quantia que foi condenado a aplicar no exercício subsequente ao trânsito em julgado, sob pena de acréscimo de 12,5% do valor previsto no inciso V do art. 44 da Lei nº 9.096/95.9. Diante da anistia constitucional, deve ser afastada a referida condenação, a fim de que a agremiação possa empregar tal montante nas eleições subsequentes ao trânsito em julgado. Precedentes.10. Embargos de declaração acolhidos parcialmente para: i) esclarecer que a possibilidade de utilização dos recursos do Fundo Partidário para o cumprimento da determinação de ressarcimento ao Erário deverá ser requerida na fase de cumprimento de sentença; e ii) afastar a condenação imposta no julgamento das contas, no tocante ao descumprimento do incentivo à participação feminina na política, nos termos da Emenda Constitucional n° 117/2022, a fim de que a grei possa destinar o valor de R$ 88.989,42 (oitenta e oito mil, novecentos e oitenta e nove reais e quarenta e dois centavos) nas eleições subsequentes ao trânsito em julgado.

(Prestação de Contas nº 060184956, Acórdão, Relator(a) Min. Carlos Horbach, Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, Tomo 237, Data: 24.11.2022)  (Grifei.)

 

Este Tribunal, de igual modo, filiou-se ao entendimento de que as regras da EC n. 117/22 são aplicáveis somente às sanções, não interferindo no juízo de aprovação ou desaprovação das contas:

PRESTAÇÃO DE CONTAS DE CAMPANHA. ELEIÇÕES 2020. PARTIDO POLÍTICO. DIRETÓRIO ESTADUAL. IRREGULARIDADE QUANTO AO REPASSE DE RECURSOS DO FUNDO PARTIDÁRIO DESTINADO ÀS QUOTAS DE GÊNERO E DE RAÇA. EMENDA CONSTITUCIONAL N. 117. AFASTADO O RECOLHIMENTO AO TESOURO NACIONAL. FALHA DE BAIXA REPRESENTATIVIDADE. APROVAÇÃO COM RESSALVAS. (…)

6. A promulgação da Emenda Constitucional n. 117, que anistia os partidos políticos das sanções pelo descumprimento das determinações legais de destinação de percentual mínimo de recursos públicos para minimizar as desigualdades de gênero e raça/cor, não afasta o dever da Justiça Eleitoral de aferir a regularidade do uso das verbas públicas e de considerar a falta de observância das ações afirmativas quando do julgamento das contas. Entretanto, ainda que configurada a irregularidade, a quantia impugnada não será objeto de determinação de recolhimento ao Tesouro Nacional, restando afastado o disposto no artigo 79, § 1°, da Resolução TSE n. 23.607/19. 7. A irregularidade representa 0,2% do total da arrecadação do partido e, na esteira do entendimento consolidado desta Corte, não enseja a desaprovação das contas por aplicação dos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, sendo causa somente para o apontamento de ressalva, nada obstante se refira à grave infração quanto à ações afirmativas. 8. Aprovação com ressalvas.

(TRE-RS - PC: 06004102020206210000, de minha relatoria, Data de Julgamento: 23/06/2022, Data de Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico) - Grifei

 

PRESTAÇÃO DE CONTAS DE CAMPANHA. ELEIÇÕES 2020. PARTIDO POLÍTICO. DIRETÓRIO ESTADUAL. ARRECADAÇÃO E DISPÊNDIO DE RECURSOS DE CAMPANHA ELEITORAL. AUSÊNCIA DE REPASSE ÀS CANDIDATURAS DESTINADAS ÀS COTAS DE GÊNERO E DE RAÇA. EMENDA CONSTITUCIONAL N. 117. INAPLICABILIDADE DE SANÇÕES. IRREGULARIDADE DE VALOR IRRISÓRIO. APLICAÇÃO DOS PRINCÍPIOS DA PROPORCIONALIDADE E DA RAZOABILIDADE. APROVAÇÃO COM RESSALVAS.

(...)

3. Apontado no exame técnico a ausência de comprovação de repasses às candidaturas de mulheres, às candidaturas femininas negras e pardas, e às candidaturas masculinas negras e pardas, não sanadas pelo partido. Contudo, o art. 3º da Emenda Constitucional n. 117, de 05 de abril de 2022, vedou a aplicação de sanções de qualquer natureza, inclusive de devolução de valores, multa ou suspensão do Fundo Partidário, aos partidos que não preencheram a cota mínima de recursos ou que não destinaram os valores mínimos em razão de sexo e raça em eleições ocorridas antes de sua promulgação, permanecendo a possibilidade de aposição de ressalvas ou da desaprovação das contas partidárias.

(...)

5. Aprovação com ressalvas.

(Prestação de Contas nº 060040243, Acórdão, Relator(a) Des. DRA. Vanderlei Teresinha Tremeia Kubiak, Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, Data: 03.10.2022) (Grifei.)

 

Com essas considerações, permanece o apontamento da falha, e o partido deve realizar a transferência de R$ 10.596,66 para a conta do Fundo Partidário destinada à promoção da participação política das mulheres no exercício seguinte ao do trânsito em julgado deste acórdão. Nesse ponto, acolho a promoção da Procuradoria Regional Eleitoral de que nesse montante pode ser computado o valor transferido e não aplicado no exercício de 2019, sendo vedada sua aplicação para finalidade diversa.

De igual modo, conforme bem apontado pelo órgão ministerial, caso não ocorra a aplicação do valor de R$ 10.596,06 nas eleições subsequentes, o partido deverá acrescer 12,5% ao valor correspondente a 5% do total de recursos do Fundo Partidário recebidos, a ser aplicado na mesma finalidade, conforme previsto no art. 22, §1º da Resolução TSE n. 23.546/17.

Por fim, tem-se que as irregularidades apontadas (R$ 21.215,76, R$ 9.960,85 e R$ 10.596,66) totalizam R$ 41.773,27, correspondente a 6,64% de toda a receita arrecadada em 2019, na ordem de R$ 628.789,72, mostrando-se razoável e proporcional o juízo de aprovação das contas com ressalvas em face da jurisprudência desta Corte, uma vez que as falhas não comprometeram de forma insanável a confiabilidade, a transparência e a confiabilidade das contas, nem prejudicaram o exame da Justiça Eleitoral sobre a destinação dos recursos públicos recebidos pelo partido.

Além disso, a soma das irregularidades de R$ 21.215,76 e R$ 9.960,85, que totaliza R$ 31.176,61, é quantia que deve ser recolhida ao Tesouro Nacional, uma vez que consiste em aplicação irregular de recursos do Fundo Partidário (art. 59, § 2º, da Resolução TSE n. 23.546/17).

Embora a douta Procuradoria Regional Eleitoral tenha se manifestado pela desaprovação das contas, a hipótese é de aprovação dos registros contábeis com ressalvas, de acordo com a remansosa jurisprudência desta Corte, como demonstra o seguinte julgado da relatoria do ilustre Des. Federal Luís Alberto D'Azevedo Aurvalle:

RECURSO. PRESTAÇÃO DE CONTAS. PARTIDO POLÍTICO. EXERCÍCIO FINANCEIRO DE 2019. DESAPROVAÇÃO. DOAÇÕES REALIZADAS POR FONTE VEDADA. VALOR DIMINUTO. BAIXO PERCENTUAL. MANTIDA A DETERMINAÇÃO DE RECOLHIMENTO AO TESOURO NACIONAL. AFASTADA A MULTA APLICADA. APROVAÇÃO COM RESSALVAS. PARCIAL PROVIMENTO.

1. Insurgência contra sentença que desaprovou as contas da agremiação, relativas ao exercício financeiro de 2019, em razão do recebimento de recursos de fonte vedada.

2. Incontroverso que a doadora exerce cargo em comissão demissível ad nutum, restando reconhecida a inobservância ao previsto no art. 31, inc. V, da Lei n. 9.096/95, que veda aos partidos o recebimento de recursos provenientes de pessoas físicas que exerçam função ou cargo público de livre nomeação e exoneração, ou cargo ou emprego público temporário, ressalvados os filiados a partido político. Nesse contexto, o recolhimento da quantia irregular ao Tesouro Nacional é impositiva e independe da sorte do julgamento final sobre o mérito das contas, pois consubstancia consequência jurídica relacionada à vedação do enriquecimento ilícito, e não providência sancionatória em sentido estrito.

3. A irregularidade representa somente 9,57% da receita arrecadada no exercício, sendo possível o juízo de aprovação com ressalvas, tendo em conta tanto a diminuta expressão do valor nominal quanto a baixa representação percentual da irregularidade, incapaz de comprometer a contabilidade como um todo.

4. Afastada a sanção de multa de até 20% sobre a importância apontada como irregular, diante da aprovação das contas com ressalvas, na medida em que o art. 37 da Lei n. 9.096/95 menciona a desaprovação das contas como pressuposto para sua aplicação.

5. Parcial provimento. Aprovação com ressalvas. Mantida a determinação de recolhimento ao Tesouro Nacional. Afastada a sanção de multa.

(RE 0600040-10.2020.6.21.0075, Rel. Des. Federal Luís Alberto D'azevedo Aurvalle, j. na sessão de 03.11.2021) (Grifei.)

 

Tal conclusão, porém, não afasta o dever de recolhimento do valor indevidamente recebido ao Tesouro Nacional, que independe da sorte do julgamento final sobre o mérito das contas, pois consubstancia consequência jurídica relacionada à vedação do enriquecimento ilícito, e não providência sancionatória em sentido estrito.

Nessa linha, segundo o TSE: “A aprovação das contas com ressalvas em função das irregularidades apuradas impõe sempre a devolução dos respectivos valores ao erário” (PC n. 978-22/DF, redator para o acórdão Min. Dias Toffoli, DJe de 14.11.2014).

Inviável, entretanto, a aplicação da sanção de multa de até 20% sobre a importância apontada como irregular, assim como da suspensão das quotas do Fundo Partidário, nos termos da jurisprudência desta Corte:

RECURSO. PRESTAÇÃO DE CONTAS. PARTIDO POLÍTICO. EXERCÍCIO FINANCEIRO DE 2017. DESAPROVAÇÃO. RECEBIMENTO DE RECURSOS ORIUNDOS DE FONTES VEDADAS. AUTORIDADES PÚBLICAS. IRRETROATIVIDADE DAS ALTERAÇÕES INTRODUZIDAS PELA LEI N. 13.488/17. MANTIDO O RECOLHIMENTO AO TESOURO NACIONAL. AFASTADAS A SANÇÃO DE MULTA E A PENALIDADE DE SUSPENSÃO DO FUNDO PARTIDÁRIO. PARCIAL PROVIMENTO.

1. Desaprovação das contas da agremiação em razão do recebimento de recursos de fonte vedada, oriundos de contribuições de ocupantes de cargos de chefia demissíveis ad nutum. Escorreita a aplicação, pelo juízo a quo, da legislação vigente à época do exercício financeiro a que se refere a prestação de contas, alinhando-se ao entendimento consolidado por esta Corte e na esteira da jurisprudência do TSE.

2. Irrelevante o argumento de o cargo ocupado por autoridade ser em governo administrado por integrante de partido adversário. Recebida a doação de servidor que se enquadre na categoria de autoridade pública, nos termos da Resolução TSE n. 23.464/2015, aplicável ao exercício em análise, incide o caráter objetivo da norma, sem espaço para eventual análise subjetiva.

3. Valores irregularmente recebidos que representam 2,83% do total de recursos arrecadados pela agremiação no exercício financeiro. Aplicados princípios da razoabilidade e da proporcionalidade. Mantido o recolhimento ao Tesouro Nacional. Afastadas a sanção de multa sobre a quantia a ser recolhida ao Tesouro Nacional e a penalidade de suspensão do repasse de quotas do Fundo Partidário.

4. Parcial provimento.

(Recurso Eleitoral n 5482, ACÓRDÃO de 11/04/2019, Relator(aqwe) MARILENE BONZANINI, Publicação: DEJERS - Diário de Justiça Eletrônico do TRE-RS, Data 22/04/2019). (Grifei.)

 

RECURSO. PRESTAÇÃO DE CONTAS. PARTIDO POLÍTICO. EXERCÍCIO FINANCEIRO DE 2017. DESAPROVAÇÃO. RECEBIMENTO DE RECURSOS ADVINDOS DE FONTES VEDADAS. AUTORIDADE. RECONHECIDA A INCONSTITUCIONALIDADE DO ART. 55-D DA LEI N. 9.096/95. INCIDÊNCIA DAS DISPOSIÇÕES DA LEI N. 13.488/17 COM RELAÇÃO A PARTE DAS CONTRIBUIÇÕES. BAIXA REPRESENTATIVIDADE DA IRREGULARIDADE FRENTE AO TOTAL MOVIMENTADO NO PERÍODO. APLICAÇÃO DOS POSTULADOS DA RAZOABILIDADE E DA PROPORCIONALIDADE. RECOLHIMENTO DA QUANTIA IMPUGNADA AO TESOURO NACIONAL. AFASTADA A SANÇÃO DE MULTA. APROVAÇÃO COM RESSALVAS. PROVIMENTO.

[...]

4. O valor irregularmente recebido representa 2,1% do total da receita arrecadada no exercício financeiro, possibilitando o juízo de aprovação com ressalvas. Circunstância que não afasta a devolução ao Tesouro Nacional do valor indevidamente recebido, conforme estabelece o art. 14, § 1º, da Resolução TSE n. 23.464/15, afastando-se apenas a aplicação da multa, cabível somente nos casos de desaprovação. Redução do valor a ser recolhido ao erário, em virtude de duas contribuições abrangidas pelas disposições da Lei n. 13.488/17.

5. Provimento.

(Recurso Eleitoral n 805, ACÓRDÃO de 02/09/2019, Relator MIGUEL ANTÔNIO SILVEIRA RAMOS, Publicação: DEJERS – Diário de Justiça Eletrônico do TRE-RS, Tomo 167, Data: 06/09/2019, Página 5)

 

Ante o exposto, VOTO pela aprovação com ressalvas da prestação de contas do exercício financeiro de 2019 do DIRETÓRIO ESTADUAL DO PARTIDO SOCIALISMO E LIBERDADE (PSOL) DO RIO GRANDE DO SUL, determino o recolhimento, ao Tesouro Nacional, da quantia de R$ 31.176,61 e a transferência de R$ 10.596,06 para a conta do Fundo Partidário destinada à promoção da participação política das mulheres, no exercício seguinte ao do trânsito em julgado deste acórdão, com a ressalva de que nesse montante pode ser computado o valor transferido e não aplicado no exercício de 2019, sendo vedada sua aplicação para finalidade diversa e de que, caso não ocorra a sua aplicação nas eleições subsequentes, o partido deve acrescer 12,5% ao valor correspondente a 5% do total de recursos do Fundo Partidário recebidos, a ser aplicado na mesma finalidade, nos termos da fundamentação.