REl - 0600218-16.2020.6.21.0056 - Voto Relator(a) - Sessão: 14/03/2023 às 14:00

VOTO

O recurso é adequado, tempestivo e comporta conhecimento.

Eminentes Colegas, no mérito, a prestação de contas relativa às eleições municipais de 2020 foi desaprovada pelo juízo a quo em virtude de divergência entre a movimentação financeira registrada na prestação de contas e aquela constante nos extratos eletrônicos, no valor de R$ 1.289,00 (art. 53, inc. I, al. “g”, e inc. II, al. “a”, da Resolução TSE n. 23.607/19).

A análise técnica das contas apontou que, embora tenha sido declarado nos documentos contábeis que a totalidade dos valores financeiros arrecadados - R$ 1.769,00 - foi originada de recursos próprios, o exame dos extratos bancários demonstrou que parte da quantia adveio da doação de R$ 1.289,00 realizada com a devida identificação (transferência bancária) por SIRLEI CASTRO MARTINS (ID 44945877).

Com efeito, a sentença acolheu a falha apontada na análise técnica no sentido de que houve depósito de R$ 1.289,00, em 09.11.2020, o qual não foi declarado na prestação de contas, em afronta ao que estabelece o art. 53 da Resolução TSE n. 23.607/19.

Em seu recurso, a prestadora sustenta que a falha é diminuta, postulando que sejam aplicados os princípios da razoabilidade e proporcionalidade, aduzindo que o valor nominal se mostra razoável no cotejo com a globalidade dos valores e contas apresentadas, bem como menciona que não se verificou o aporte de recursos públicos na irregularidade em análise. Acrescenta que se trata de falha de conteúdo formal, sem potencialidade para causar dano ao erário, tão pouco afrontar os valores constitucionais, já que não houve prejuízo à moralidade e transparência do processo eleitoral, conforme reconhecido pelo próprio juiz sentenciante.

De fato, a Juíza Eleitoral, embora na sentença tenha reconhecido a falha relativa à divergência entre os dados constantes no SPCE e o extrato da conta bancária de campanha, não determinou o recolhimento da quantia ao Tesouro Nacional, sob o fundamento de que não houve comprometimento da verificação da movimentação contábil, nesses termos:

Reconhecida a irregularidade entendo que esta não inviabilizou a identificação do doador originário. Em que pese não seja o mesmo declarado nas contas prestadas a transação ocorreu por meio de transferência bancária, de modo que facilmente identificada a origem do valor creditado na conta “outros recursos”, havendo possibilidade de verificar que o depósito realizou-se em nome de SIRLEI CASTRO MARTINS (ID55380825).

 

Nessa linha, irretocável a sentença prolatada pela douta Magistrada a quo, Dra. Cristina Margarete Junqueira, entendendo que, não obstante reconhecida a irregularidade, a presença da falha não inviabilizou a identificação do doador originário, uma vez que a transação, mesmo não tendo sido declarada nas contas prestadas, ocorreu por meio de transferência bancária, sendo de simples identificação a origem do valor creditado na conta “outros recursos”, porquanto possível verificar que o depósito foi realizado em nome de Sirlei Castro Martins.

Assim, assiste razão, em parte, à recorrente.

O erro na declaração acerca da origem dos recursos doados por apoiadora e atribuído na contabilidade à própria candidata, na hipótese, não repercutiu em excesso de utilização de recursos próprios e, por seu patamar, se pode presumir que também não teria aptidão para resultar em doação acima do limite em relação à doadora.

Isso porque um parâmetro razoável para verificar a possibilidade de doação em excesso seria o limite legal máximo para a isenção da obrigatoriedade de declarar rendimentos ao Fisco Nacional (TRE-RS, Recurso Eleitoral n. 060002344, Acórdão, Relator Des. AMADEO HENRIQUE RAMELLA BUTTELLI, Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, Data: 21/03/2022). Para o exercício de 2020, ano-calendário de 2019, a Receita Federal fixou tal limite em R$ 28.559,70 (vinte e oito mil, quinhentos e cinquenta e nove reais e setenta centavos), de forma que doações em valor inferior a R$ 2.855,97 (dois mil, oitocentos e cinquenta e cinco reais e noventa e sete centavos), ou 10% do limite de isenção, em regra, não violariam o disposto no § 1º do art. 23 da Lei n. 9.504/97.

Do mesmo modo, o trânsito dos recursos pelo sistema bancário permitiu que os batimentos automáticos efetuados pela Justiça Eleitoral pudessem ser realizados, de forma a não comprometer a análise da regularidade das contas.

Em reforço a esse posicionamento, destaco que o parecer da douta Procuradoria Regional Eleitoral também apontou que a irregularidade “consiste em erro meramente formal, insuscetível de impedir à Justiça Eleitoral o controle do movimento financeiro da campanha, tanto que o juízo a quo afastou a determinação de recolhimento da quantia tida como irregular ao Tesouro Nacional, pois facilmente identificada a origem do valor creditado na conta “outros recursos”, havendo possibilidade de verificar que o depósito realizou-se em nome de SIRLEI CASTRO MARTINS”, a concluir que, independente do percentual alcançado com a falha, caberia a aprovação das contas com ressalvas. Vejamos:

Assim, ainda que o valor resultante da irregularidade seja superior àquele adotado pela jurisprudência como referência para o afastamento do severo juízo de desaprovação, tem-se que é possível a aprovação das contas com ressalvas, visto que, como dito, a divergência de dados constantes no SPCE e nos extratos bancários não comprometeu a fiscalização da Justiça Eleitoral, sobretudo porque facilmente identificado o agente doador, eis que obedecidos os critérios do artigo 21, inciso I e §1º da Resolução TSE nº 23.607/2019. Além disso, cumpre ressaltar que não houve a utilização de recursos públicos na campanha da recorrente.

 

Neste trilhar, tratando-se de falha formal no registro da informação, e não de recursos públicos, cabe autorizar a mitigação do juízo de desaprovação.

Efetivamente, na hipótese dos autos, conquanto o valor da irregularidade seja superior ao parâmetro considerado como módico pela Corte (R$ 1.064,10) como critério para aprovação das contas com ressalvas e represente 67% do valor declarado como receita recebida (R$ 1.924,06 – ID 44945864), tendo em vista que, como bem salientou o órgão ministerial, a divergência de dados constantes no SPCE e nos extratos bancários não comprometeu a fiscalização da Justiça Eleitoral, sendo facilmente identificado o agente doador e obedecidos os critérios do art. 21, inc. I e §1º da Resolução TSE n. 23.607/19, cabível a aprovação das contas com ressalvas.

Ainda nessa senda, em hipóteses semelhantes, cito decisões do Tribunal Superior Eleitoral e do Tribunal Regional Eleitoral do Mato Grosso do Sul:

AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL ELEITORAL. ELEIÇÕES 2010. PRESTAÇÃO DE CONTAS DE CAMPANHA. IRREGULARIDADE. REALIZAÇÃO DE DESPESAS ANTES DA ABERTURA DA CONTA BANCÁRIA E DA OBTENÇÃO DOS RECIBOS ELEITORAIS. EFETIVO CONTROLE DAS CONTAS ASSEGURADO. AUSÊNCIA DE MÁ-FÉ. APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE. APROVAÇÃO COM RESSALVAS. INOVAÇÃO DE TESES. DESCABIMENTO. NÃO PROVIMENTO.

1. A aplicação do princípio da proporcionalidade no julgamento da prestação de contas de campanha possui respaldo na jurisprudência do Tribunal Superior Eleitoral. Precedentes.

2. Na espécie, o acórdão regional asseverou que as despesas realizadas com serviços de impressão antes da abertura de conta bancária específica e obtenção do bloco com recibos eleitorais não prejudicou o efetivo controle das contas, porquanto os gastos foram devidamente identificados.

3. É incabível a inovação de teses na via do agravo regimental. Na espécie, não se conhece da alegada divergência jurisprudencial com julgados desta Corte. Precedentes.

4. Agravo regimental não provido.

(Recurso Especial Eleitoral nº 864239, Acórdão, Relator(a) Min. Castro Meira, Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, Data: 03/09/2013, Página 75) (Grifei.)

 

ELEIÇÕES 2020. PRESTAÇÃO DE CONTAS DE CAMPANHA. CANDIDATO. NÃO APRESENTAÇÃO DE EXTRATO BANCÁRIO. EXTRATO ELETRÔNICO. NÃO COMPROMETIMENTO DA REGULARIDADE DAS CONTAS. REGISTRO DE RECEITAS E DESPESAS. DIVERGÊNCIA COM A DOCUMENTAÇÃO FISCAL APRESENTADA. FALTA DE ANOTAÇÃO NO SPCE. ERRO MATERIAL. RECURSO PROVIDO.

A ausência de extrato da conta bancária destinada à movimentação de recursos da campanha não compromete a apreciação das contas quando possível a constatação, pelos extratos eletrônicos encaminhados pelas instituições bancárias, de que não houve movimentação financeira. Precedentes. Divergência entre a documentação fiscal e os relatórios da prestação de contas, decorrente de erro material no momento do registro da doação no SPCE, reputado irrelevante pela unidade técnica em seu conjunto, configura mera impropriedade a ensejar a anotação de ressalva no julgamento das contas. Precedentes. Recurso provido, para julgar aprovadas as contas, com ressalvas.

(TRE/MS - Recurso Eleitoral nº 060026982, Acórdão de , Relator(a) Des. JULIZAR BARBOSA TRINDADE_1, Publicação: DJE - Diário da Justiça Eleitoral, Tomo 137, Data: 29/07/2021, Página 31/35) (Grifei.)

 

A falha não pode ser superada para fins de reconhecer que a prestação de contas atendeu às normas eleitorais, mas a análise do conjunto de dados permite concluir que a natureza formal da irregularidade e sua repercussão autorizam a aprovação com ressalvas da contabilidade.

Assim, o recurso comporta parcial provimento.

 

DIANTE DO EXPOSTO, voto por dar provimento parcial do recurso para aprovar com ressalvas as contas de AMANDA MARTINS MAFASSIOLLI, relativas às eleições municipais de 2020, nos termos do art. 74, inc. II, da Resolução TSE n. 23.607/19.