REl - 0600718-18.2020.6.21.0045 - Voto Relator(a) - Sessão: 09/03/2023 às 09:30

VOTO

Da Admissibilidade Recursal

Em se tratando de prestação de contas de campanha, nos termos do art. 30, § 5º, da Lei n. 9.504/97 e art. 85 da Resolução TSE n. 23.607/19, o prazo para interposição de recurso contra a sentença que julgar a contabilidade é de 3 (três) dias.

A fim de verificar a tempestividade do recurso, colho da certidão de ID 44923467 que “a sentença ID 101785651 foi publicada no Diário da Justiça Eletrônico - DJE/TRE-RS em 24.01.2022 e o recurso foi protocolizado em 28.01.2022, às 00:20”.

Tendo havido a publicação da decisão em 24.01.2022, segunda-feira, o prazo para apresentação do recurso encerrou-se em 27.01.2023, quinta-feira.

No entanto, o apelo somente foi protocolado em 28.01.2022 (ID 44923465), após o fim do prazo, motivo pelo qual não deve ser conhecido.

Anoto, ainda, que, por cautela, verifiquei a aba “expedientes” do sistema processual, onde pude constatar as anotações de previsão de “Data limite prevista para ciência ou manifestação” em “27/01/2022 23:59:59“ e o registro de “Resposta Intempestiva”.

DIANTE DO EXPOSTO, voto pelo não conhecimento do recurso em razão da intempestividade.

 

DESTACO

 

Do Mérito

No mérito, trata-se de recurso interposto contra sentença que desaprovou as contas de DIONISIO FAGANELLO, candidato ao cargo de vereador no Município de Santo Ângelo/RS, nas eleições municipais de 2020, em face das seguintes irregularidades: (I) gastos com combustíveis sem o correspondente registro de locações, cessão de veículos, publicidade com carro de som ou despesa com geradores de energia; e (II) abertura da conta bancária específica após o prazo legal.

Em razão da identificação de despesas realizadas junto a fornecedores, cujos sócios ou administradores estão inscritos em programas sociais, a decisão a quo determinou que fosse encaminhada informação ao Ministério Público Federal para apuração de eventual ilícito no recebimento e/ou inclusão em programas sociais por terceiros.

Considerando que a sentença consignou expressamente que tal apontamento quanto aos fornecedores “não apresenta reflexos na esfera Eleitoral e, portanto, não afeta a regularidade das contas prestadas” (ID 44923460), não há interesse em discutir tal ponto aventado no recurso do prestador de contas.

Passa-se, a seguir, à análise discriminada dos apontamentos glosados.

 

I – Dos gastos com combustíveis em desacordo com o art. 35 da Resolução TSE N. 23.607/19

Foi apontado, no parecer técnico conclusivo, que o candidato realizou gastos com combustíveis, no total de R$ 971,50, sem o correspondente registro de locações, cessões de veículos, publicidade com carro de som ou despesa com geradores de energia, em descumprimento ao art. 35, § 6º, da Resolução TSE n. 23.607/19 (ID 44923457).

Na sentença, o juiz a quo desaprovou as contas em razão de tais despesas com combustíveis.

O recorrente argumenta que a irregularidade não macula a higidez das contas, alega ter efetuado a locação de somente um veículo, quitando o débito com recursos de origem conhecida. Ainda, explica que esperava receber verbas do FEFC em valores superiores aos utilizados na campanha, porém o repasse não ocorreu, ocasionando a extrapolação. Mais: aduz que, embora tenha ultrapassado os valores, tal circunstância não revela impacto ou importância na estratégia de campanha eleitoral do candidato que pudesse resultar em quebra na paridade de armas na disputa eleitoral. Por fim, sustenta que se trata de despesa estimada relativa a veículos automotores, que o valor extrapolou 20% do total de gastos.

A disciplina normativa sobre o uso de veículo na campanha e o limite de gastos com combustível encontram-se no art. 26, § 1º, inc. II, da Lei n. 9.504/97, no art. 35, §§ 6º e 11, e no art. 42, inc. II, da Resolução TSE n. 23.607/19, in verbis:

Lei n. 9.504/97:

Art. 26. São considerados gastos eleitorais, sujeitos a registro e aos limites fixados nesta Lei:

[…]

§ 1º São estabelecidos os seguintes limites com relação ao total do gasto da campanha:

[…]

II - aluguel de veículos automotores: 20% (vinte por cento).

…………………………………...

 

Resolução TSE n. 23.607/19:

Art. 35. São gastos eleitorais, sujeitos ao registro e aos limites fixados nesta Resolução:

[…]

§ 6º Não são consideradas gastos eleitorais, não se sujeitam à prestação de contas e não podem ser pagas com recursos da campanha as seguintes despesas de natureza pessoal da candidata ou do candidato:

a) combustível e manutenção de veículo automotor usado pela candidata ou pelo candidato na campanha;

[…]

§ 11. Os gastos com combustível são considerados gastos eleitorais apenas na hipótese de apresentação de documento fiscal da despesa do qual conste o CNPJ da campanha, para abastecimento de:

I - veículos em eventos de carreata, até o limite de 10 (dez) litros por veículo, desde que feita, na prestação de contas, a indicação da quantidade de carros e de combustíveis utilizados por evento;

II - veículos utilizados a serviço da campanha, decorrentes da locação ou cessão temporária, desde que:

a) os veículos sejam declarados originariamente na prestação de contas;

b) seja apresentado relatório do qual conste o volume e o valor dos combustíveis adquiridos semanalmente para este fim;

[…]

 

Art. 42. São estabelecidos os seguintes limites em relação ao total dos gastos de campanha contratados (Lei nº 9.504/1997, art. 26, § 1º):

[…]

II - aluguel de veículos automotores: 20% (vinte por cento).

 

Como se depreende das disposições, as despesas do candidato com combustível, se reputadas como de natureza pessoal, não se consideram gastos eleitorais, não se sujeitam à prestação de contas e não podem ser pagas com recursos da campanha, ressalvadas as hipóteses previstas no art. 35, § 11, incs. I e II, do aludido diploma normativo, que contemplam a realização de carreata e o abastecimento de veículos e geradores utilizados a serviço da campanha.

Podem tais despesas, portanto, ser consideradas gastos eleitorais, contanto que preenchidos os requisitos elencados no art. 35, § 11, da aludida Resolução TSE n. 23.607/19.

In casu, foi juntada aos autos a nota fiscal emitida pelo fornecedor GATELLI COMERCIO DE COMBUSTIVEIS LTDA. contra o CNPJ da campanha (ID 44923348), a corroborar a ocorrência do gasto eleitoral, nos termos da declaração do candidato na sua prestação de contas, em que relaciona a despesa com combustível e lubrificantes (ID 44923304 e ID 44923340).

O recorrente sustenta ter efetuado a locação de 01 (um) veículo, dizendo ter quitado esse débito com recursos de origem conhecida.

Ocorre que nenhum elemento constante nos autos sustenta tal afirmação. Pelo contrário, tanto o extrato da prestação de contas final (ID 44923317) quanto da retificadora (ID 44923391) indicam a inexistência de qualquer gasto da espécie “2.7 - Publicidade por carros de som”, “2.33 - Cessão ou locação de veículos” ou “2.44 - Despesa com geradores de energia”. Da mesma forma, o documento “Resultado de Evento Carreata” aponta a informação “Sem Movimentação” (ID 44923309).

Dessa forma, não foram atendidas as condições previstas no dispositivo retromencionado, uma vez que não se comprovou que o combustível adquirido foi usado no abastecimento de veículos em carreata, de veículo a serviço da campanha ou de geradores de energia.

Assim, a despesa de R$ 971,50, paga com valores da conta “Outros Recursos”, não pode ser considerada gasto eleitoral.

Desse modo, não tendo logrado o recorrente fazer prova da regularidade dessa despesa, nítida a configuração da irregularidade, razão pela qual a glosa deve ser mantida.

Em conformidade com o já decidido por este Tribunal:

RECURSO. ELEIÇÕES 2020. PRESTAÇÃO DE CONTAS. DESAPROVAÇÃO. CANDIDATO. VEREADOR. RECURSOS PRÓPRIOS APLICADOS EM CAMPANHA QUE SUPERAM O TETO PERMITIDO. DESPESA IRREGULAR COM COMBUSTÍVEL. VALOR IRRISÓRIO. MANTIDA A MULTA APLICADA. CORREÇÃO DE OFÍCIO. DESTINAÇÃO DA PENALIDADE AO FUNDO PARTIDÁRIO. APROVAÇÃO COM RESSALVAS. PROVIMENTO.

1. Insurgência contra sentença que desaprovou a prestação de contas referente às eleições municipais de 2020, em razão do excesso de doação de recursos próprios, fixando multa equivalente a 100% da irregularidade, e de despesa irregular com combustível.

2. Extrapolação de recursos próprios. O art. 27 da Resolução TSE n. 23.607/19, além de limitar as doações de pessoas físicas em 10% sobre seus rendimentos no ano anterior, condiciona o uso de recursos próprios do candidato até o mesmo percentual, calculado sobre o valor do teto de gastos estabelecido para o cargo em disputa. Tal regramento foi recentemente incluído pela redação da Lei n. 13.878/19, que acrescentou o § 2º-A ao art. 23 da Lei das Eleições. No caso dos autos, a norma restou descumprida.

3. Despesa eleitoral com combustível. Incontroverso o gasto eleitoral com combustível, demonstrado por meio de nota fiscal com CNPJ de campanha. Alegado uso de veículo próprio, adquirido por meio de contrato de compra e venda – acostado aos autos, mas não transferido junto ao órgão competente. O veículo em questão não foi declarado originariamente na prestação de contas. Assim, o caso concreto não se enquadra em nenhuma das hipóteses autorizativas previstas no § 11 do art. 35 da Resolução TSE n. 23.607/19 para o gasto de recursos eleitorais com combustíveis, permanecendo a falha assinalada.

4. A soma das irregularidades corresponde a 33,30% das receitas declaradas pela candidata, mas, em termos absolutos, ostenta valor irrisório, inferior à importância de R$ 1.064,10 (ou mil UFIR) adotada pela Corte Superior e por este Tribunal como uma espécie de "tarifação do princípio da insignificância", considerando a quantia o máximo absoluto entendido como diminuto.

5. A determinação de multa é consequência específica da extrapolação do limite de doação de recursos próprios para campanha estabelecido no § 4º do art. 27 da Resolução TSE n. 23.607/19, sendo devida mesmo no julgamento pela aprovação das contas com ressalvas.

6. Correção, de ofício, de erro material na sentença quanto à destinação da penalidade de multa ao Tesouro Nacional, devendo ser recolhida ao Fundo Especial de Assistência Financeira aos Partidos Políticos (Fundo Partidário), nos termos do art. 38, inc. I, da Lei n. 9.096/95.

7. Provimento. Aprovação com ressalvas.

(Processo n. 0600399-90.2020.621.0064 - RE - Recurso Eleitoral n 060039990 - Ametista Do Sul/RS ACÓRDÃO de 18.11.202 Relator FRANCISCO JOSÉ MOESCH – Publicação: PJE - Processo Judicial Eletrônico-PJE.)

 

Logo, não comprovadas as condições do § 11 do art. 35 da Resolução TSE n. 23.607/19, deve ser mantida a sentença quanto ao ponto em discussão.

Registro que os argumentos formulados em relação à extrapolação de limites de gastos estão dissociados dos apontamentos técnicos e dos fundamentos da sentença, de forma que não cabe seu enfrentamento.

 

II - Da abertura da conta bancária específica após o prazo legal

A irregularidade remanescente diz respeito à abertura de conta bancária, que extrapolou o prazo de 10 (dez) dias contados da concessão do CNPJ.

Com efeito, no art. 3º, inc. I, al. ‘c’, e art. 8º, § 1º, inc. I, e § 2º, da Resolução TSE n. 23.607/19 encontra-se preceituada a obrigação de os candidatos efetuarem a abertura de conta bancária para a movimentação de recursos no prazo de dez dias após a concessão do CNPJ, verbis:

Art. 3º A arrecadação de recursos para campanha eleitoral de qualquer natureza deverá observar os seguintes pré-requisitos:

I - para candidatas ou candidatos:

(...)

c) abertura de conta bancária específica destinada a registrar a movimentação financeira de campanha; e

(...)

 

Art. 8º É obrigatória para os partidos políticos e os candidatos a abertura de conta bancária específica, na Caixa Econômica Federal, no Banco do Brasil ou em outra instituição financeira com carteira comercial reconhecida pelo Banco Central do Brasil e que atendam à obrigação prevista no art. 13 desta Resolução.

§ 1º A conta bancária deve ser aberta em agências bancárias ou postos de atendimento bancário:

I - pelo candidato, no prazo de 10 (dez) dias contados da concessão do CNPJ pela Secretaria da Receita Federal do Brasil;

II - os partidos que não abriram a conta bancária "Doações para Campanha" até o dia 15 de agosto de 2018, poderão fazê-lo até 15 de agosto do ano eleitoral. (Vide, para as Eleições de 2020, art. 7º, inciso III, da Resolução nº 23.624/2020)

§ 2º A obrigação prevista neste artigo deve ser cumprida pelos partidos políticos e pelos candidatos, mesmo que não ocorra arrecadação e/ou movimentação de recursos financeiros, observado o disposto no § 4º deste artigo e no art. 12 desta Resolução.

(…)

(Grifei.)

 

Quanto à falha, o recorrente alegou que, embora tenha extrapolado o prazo de 10 dias para cumprir com esta obrigação, “trata-se de vício meramente formal que não compromete a identificação da origem das receitas e a destinação das despesas da prestação de contas”.

O relatório preliminar (ID 44923386) apontou que o “CNPJ foi concedido em 21/09/2020 e a conta bancária foi aberta em 07/10/2020 (seis dias após o prazo)”. Na análise conclusiva, considerou-se que, “Não obstante o atraso, tal fato configura-se uma impropriedade que não impediu o exame das contas, gerando ressalva nas contas” (ID 44923457).

Na mesma linha, foi consignado pelo magistrado na decisão que a “abertura da conta bancária após o prazo legal, por si só, não impediu o exame das contas, ensejando ressalvas” (ID 44923460).

Assim, não se evidenciou o efetivo prejuízo à atuação da Justiça Eleitoral no acompanhamento e na fiscalização do fluxo financeiro de campanha. No ponto, deve ser mantido o fixado na sentença, visto que a falha não foi superada e a aposição de ressalvas, na hipótese, é a medida mais adequada.

 

III – Do Julgamento das Contas

Cumpre anotar, por fim, que a decisão de primeiro grau, embora concluindo pela desaprovação das contas em razão de despesas com combustíveis, no valor de R$ 971,50, sem o correspondente registro de locações, cessões de veículos, publicidade com carro de som ou despesa com geradores de energia, deixou de determinar o recolhimento do valor correspondente.

Diante disso, inviável que a referida providência seja adotada nesta instância, em face da preclusão da matéria, diante da ausência de recurso ministerial e da incidência do princípio da non reformatio in pejus, conforme entendimento desta Corte em caso análogo:

RECURSO. ELEIÇÕES 2020. DESAPROVAÇÃO DE CONTAS. CANDIDATO. VEREADOR. UTILIZAÇÃO DE RECURSOS FINANCEIROS PRÓPRIOS EM MONTANTE SUPERIOR AO PATRIMÔNIO DECLARADO. INVIABILIZADO O RECOLHIMENTO DE VALORES AO TESOURO NACIONAL. PRINCÍPIO DE VEDAÇÃO À REFORMATIO IN PEJUS. DIVERGÊNCIA ENTRE FORNECEDOR E BENEFICIÁRIO DO PAGAMENTO. FALHA GRAVE. INVIÁVEL A APLICAÇÃO DOS POSTULADOS DA RAZOABILIDADE E DA PROPORCIONALIDADE. MANUTENÇÃO DA SENTENÇA. DESPROVIMENTO.

(...).

3. Não determinado pelo juízo a quo o recolhimento de valores ao Tesouro Nacional (art. 32, caput e § 2º, da Resolução TSE n. 23.607/19). Inviável que a referida providência seja adotada nesta instância, em face da preclusão da matéria, diante da ausência de recurso ministerial e da impossibilidade de agravamento da situação jurídica do recorrente, por incidência do princípio da vedação da reformatio in pejus. Nesse sentido, jurisprudência desta Corte.

(...).

6. Desprovimento.

(TRE-RS – REl 0600207-06.2020.6.21.0082, Relator: DES. ELEITORAL SILVIO RONALDO SANTOS DE MORAES, Data de Julgamento: 15.6.2021)

 

Assim, permanece a irregularidade, no valor de R$ 971,50, que representa 6,7% do total das receitas declaradas (R$ 14.312,00), dentro do parâmetro de R$ 1.064,10 que a disciplina normativa das contas considera módico, de modo a permitir o gasto de qualquer eleitor pessoalmente e de dispensar o uso da transferência eletrônica interbancária nas doações eleitorais (arts. 43, caput, e 21, § 1º, da Resolução TSE n. 23.607/19).

Nesse passo, a mácula, ainda que mantida, não supera o parâmetro de R$ 1.064,10, definido por esta Corte, de sorte que a quantia, tida por ínfima, viabiliza a aplicação dos postulados da razoabilidade e da proporcionalidade como forma de atenuar sua gravidade sobre o conjunto das contas, de maneira a possibilitar a aprovação das contas com ressalvas, de acordo com a jurisprudência do egrégio Tribunal Superior Eleitoral e desta Corte.

Logo, o recurso comporta provimento parcial, para que as contas sejam aprovadas com ressalvas em homenagem aos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade, sem determinação de recolhimento ao erário, porquanto não fixada na decisão a quo.

 

DIANTE DO EXPOSTO, voto pelo parcial provimento do recurso de DIONISIO FAGANELLO, para reformar parcialmente a sentença e aprovar com ressalvas as contas relativas às eleições municipais de 2020, nos termos da fundamentação.