MSCiv - 0600011-83.2023.6.21.0000 - Voto Relator(a) - Sessão: 02/03/2023 às 14:00

VOTO

Na hipótese concreta, o mandamus foi impetrado em face de ato da Magistrada da 90ª Zona Eleitoral (Ofício Sei n. 162-2023 – ID 45401950), que a seguir transcrevo:

Prezado Senhor: Tendo em vista a solicitação recebida por e-mail acerca de fornecimento de certidão circunstanciada que se refira unicamente a regularidade quanto ao comparecimento às urnas, informo que não se faz possível, uma vez que a quitação eleitoral reúne a plenitude do gozo dos direitos políticos, o regular exercício do voto, o atendimento a convocações da Justiça Eleitoral para auxiliar os trabalhos relativos ao pleito, a inexistência de multas aplicadas em caráter definitivo por esta justiça especializada e a regular prestação de contas de campanha eleitoral, quando se tratar de candidatos. Posto isso, consultando os assentamentos do cadastro eleitoral e com o que dispõe a Resolução TSE 23.823/2004, em razão de irregularidade na prestação de contas relativa às Eleições Municipais de 2020, Vossa Senhoria não está quite com a Justiça Eleitoral. Saudações, CRISTIAN PRESTES DELABARY JUIZ ELEITORAL.

 

Pois bem, do texto da decisão supracitada pode-se depreender restrição indevida ao fornecimento de documento essencial ao exercício de direitos civis de eleitor.

Em juízo perfunctório, concedi a liminar para assegurar o fornecimento da certidão. Agora, em análise derradeira, tenho por confirmar esse entendimento.

A Resolução que define as normas relativas à prestação de contas das eleições (Resolução TSE n. 23.607/19), em seu art. 80, inc. I, determina o não fornecimento de certidão de quitação eleitoral até o final da legislatura ao candidato que tiver contra si decisão que julgar as contas de campanha como não prestadas. O candidato, com o intuito de ficar adimplente, ajuizou ação para regularizar a apresentação das contas, nos termos do art. 80, § 1°.

A controvérsia cinge-se a estabelecer o alcance da sanção de impedimento de obtenção da quitação eleitoral para o caso de candidato que tiver as contas julgadas como não prestadas e houver apresentado requerimento de regularização, nos termos art. 80 da Resolução TSE n. 23.607-19.

Conforme apropriada manifestação da Procuradoria Regional Eleitoral, em parecer lançado nos autos, existe uma diferença entre a quitação eleitoral plena, que é exigida apenas para fins de registro de candidatura, e a quitação eleitoral referente ao exercício do voto, que é condição necessária ao exercício dos direitos civis. Aquela é mais ampla do que essa, mas serve apenas para fins de capacidade eleitoral passiva, senão vejamos (ID 45405613):

A omissão em apresentar as contas eleitorais no prazo estabelecido acarreta aos candidatos o impedimento de obterem a certidão de quitação eleitoral plena, prevista no art. 11, § 7º, da Lei nº 9.504/97, até o fim da legislatura, persistindo os efeitos da restrição após esse período até a efetiva apresentação das contas, conforme estabelecido no art. 80, I, da Resolução TSE nº 23.607/2019.

Todavia, a quitação eleitoral prevista no citado dispositivo, que diz respeito à plenitude do gozo dos direitos políticos, ao regular exercício do voto, ao atendimento a convocações da Justiça Eleitoral para auxiliar os trabalhos relativos ao pleito, à inexistência de multas aplicadas, em caráter definitivo, pela Justiça Eleitoral e não remitidas, e à apresentação de contas de campanha eleitoral, está inserida na regulamentação legal do registro de candidaturas, sendo exigível apenas para o exercício da capacidade eleitoral passiva.

Para o exercício de outros atos da vida civil, relacionados à obrigatoriedade do alistamento eleitoral e do voto, conforme previsto no art. 14, §1º, da CR/88, a matéria é disciplinada no art. 7º, §1º, do Código Eleitoral:

Art. 7º O eleitor que deixar de votar e não se justificar perante o juiz eleitoral até trinta dias após a realização da eleição incorrerá na multa de três a dez por cento sobre o salário mínimo da região, imposta pelo juiz eleitoral e cobrada na forma prevista no art. 367. (Redação dada pelo art. 2º da Lei nº 4.961/1966.)

§ 1º Sem a prova de que votou na última eleição, pagou a respectiva multa ou de que se justificou devidamente, não poderá o eleitor:

I – inscrever-se em concurso ou prova para cargo ou função pública, investir-se ou empossar-se neles;

II – receber vencimentos, remuneração, salário ou proventos de função ou emprego público, autárquico ou paraestatal, bem como fundações governamentais, empresas, institutos e sociedades de qualquer natureza, mantidas ou subvencionadas pelo governo ou que exerçam serviço público delegado, correspondentes ao segundo mês subsequente ao da eleição;

III – participar de concorrência pública ou administrativa da União, dos estados, dos territórios, do Distrito Federal ou dos municípios, ou das respectivas autarquias;

IV – obter empréstimos nas autarquias, sociedades de economia mista, caixas econômicas federais ou estaduais, nos institutos e caixas de previdência social, bem como em qualquer estabelecimento de crédito mantido pelo governo, ou de cuja administração este participe, e com essas entidades celebrar contratos;

V – obter passaporte ou carteira de identidade;

VI – renovar matrícula em estabelecimento de ensino oficial ou fiscalizado pelo governo;

VII – praticar qualquer ato para o qual se exija quitação do serviço militar ou imposto de renda.

 

No caso concreto, não pode ser negado ao impetrante o direito de obter a certidão circunstanciada de quitação eleitoral, pois depende da obtenção desse documento para assumir cargo na Assembleia Legislativa do Estado do Rio Grande do Sul. A assunção ao cargo está relacionada ao livre exercício de profissão e ao percebimento de verbas de caráter alimentar, não podendo esta Justiça Especializada negar o documento, visto estar o impetrante em dia com o exercício das obrigações eleitorais relativas ao voto.

A restrição permanece apenas para fins de eventual candidatura a cargo eletivo, conforme diretriz jurisprudencial recente deste Tribunal, adotada por unanimidade na sessão de 15.8.2022, quando do julgamento do mandado de segurança MS n. 0600295-28.2022.6.21.0000, da relatoria do Desembargador Eleitoral Caetano Cuervo Lo Pumo:

MANDADO DE SEGURANÇA. ELEIÇÕES 2020. OMISSÃO DAS CONTAS DE CAMPANHA. NEGADA CERTIDÃO DE QUITAÇÃO ELEITORAL AO IMPETRANTE. A AUSÊNCIA DE QUITAÇÃO ELEITORAL POR OMISSÃO DE PRESTAÇÃO DE CONTAS TEM RELEVO APENAS PARA FINS DE REGISTRO DE CANDIDATURA. DETERMINADA EMISSÃO DE CERTIDÃO CIRCUNSTANCIADA COM REFERÊNCIA À REGULARIDADE QUANTO AO COMPARECIMENTO ÀS URNAS, TENDO EM VISTA OS DEMAIS ATOS DA VIDA CIVIL. RECONHECIDO O DIREITO LÍQUIDO E CERTO. CONCEDIDA A SEGURANÇA.

1. Mandado de segurança impetrado em face de ato de Juiz Eleitoral que negou a expedição de certidão de quitação eleitoral em razão do julgamento pela omissão das contas de campanha referentes ao pleito de 2020, nos termos do art. 80, inc. I, da Resolução TSE n. 23.607/19.

2. O julgamento das contas de campanha como não prestadas gera ao candidato o impedimento de obter a certidão de quitação eleitoral até o final da legislatura a que concorreu, nos termos do art. 80, inc. I, da Resolução TSE n. 23.607/19. Conforme disposto no inc. I do § 1º do art. 80 da referida norma, após o trânsito em julgado da decisão que julgar as contas como não prestadas, o interessado pode requerer a regularização de sua situação para "evitar que persistam os efeitos do impedimento de obter a certidão de quitação eleitoral após o fim da legislatura". Portanto, considerando que a legislatura 2021-2024, relativa ao cargo de vereador disputado nas eleições de 2020, encerra-se apenas em 31 de dezembro de 2024, somente após findo tal período é que se restabelecerá a quitação eleitoral plena do interessado.

3. A ausência de quitação eleitoral por omissão de prestação de contas tem relevo somente para fins de registro de candidatura, como se extrai do art. 11, § 7º, da Lei n. 9.504/97, razão pela qual o cidadão possui direito à certidão circunstanciada que refira unicamente a sua regularidade quanto ao comparecimento às urnas, tendo em vista os demais atos da vida civil que não se referiram à sua elegibilidade. Reconhecido o direito líquido e certo do eleitor de obter certidão circunstanciada que ateste o regular exercício do voto, caso assim esteja constando nos assentamentos eleitorais, permitindo-lhe a prática dos atos da vida civil que não se relacionem à registrabilidade ou à elegibilidade, conforme previsto no art. 7º, § 1º, do Código Eleitoral.

4. Concedida a segurança.

(Grifei.)

 

Assim, na esteira do parecer ofertado pelo douto Procurador Regional Eleitoral e de jurisprudência atual deste Tribunal, a confirmação da decisão que concedeu a ordem em caráter liminar é medida que se impõe.

Diante do exposto, VOTO pela concessão da segurança, para o fim de confirmar a decisão liminar que determinou ao Juízo impetrado o fornecimento da certidão de quitação eleitoral circunstanciada que se refira exclusivamente às eventuais pendências quanto à obrigação de votar, justificar a ausência ou pagar a multa respectiva, enquanto perdurar a restrição para obtenção de certidão de quitação eleitoral plena, de modo a possibilitar ao impetrante a prática de atos da vida civil.