REl - 0600410-59.2020.6.21.0084 - Divirjo em Parte com o(a) Relator(a) - Sessão: 02/03/2023 às 14:00

VOTO VISTA

des. eleitoral caetano cuervo lo pumo

Trata-se de recurso interposto por FRANCIELLI GARCIA RAPHAELLI, candidata a vereadora de Cerro Grande do Sul nas eleições municipais de 2020, contra a sentença que desaprovou suas contas de campanha e determinou o recolhimento de R$ 2.675,00 ao Tesouro Nacional, em virtude de:

a) falta de apresentação de documentos comprobatórios de despesas custeadas com verbas do Fundo Especial de Financiamento de Campanha – FEFC, no total de R$ 1.172,00;

b) autofinanciamento de campanha na monta de R$ 960,00, não obstante tenha, por ocasião do registro de candidatura, consignado na declaração de bens não possuir patrimônio, o que revelaria a utilização de recursos de origem não identificada, conforme art. 15, inc. I, c/c art. 25, § 2º, ambos da Resolução TSE n. 23.607/19;

c) recebimento de doações de pessoas inscritas no programa social “auxílio emergencial”, a saber: Anelise Garcia Raphaelli (R$ 400,00) e Dione Meirelles Garcia (R$ 143,00), o que indicaria ausência de capacidade econômica, a configurar recursos de origem não identificada, nos termos dos arts. 15, inc. II, e 32 da Resolução TSE n. 23.607/19;

d) omissão de informações relativas ao registro integral da movimentação financeira de campanha.

Irresignada, a candidata recorreu, juntando documentos e sustentando que as impropriedades apontadas são de pequenas monta e significância, sem capacidade para conduzir, por si sós, à reprovação da contabilidade.

A Procuradoria Regional Eleitoral, em parecer escrito, opinou pelo não conhecimento dos documentos juntados ao recurso e pelo desprovimento do apelo.

Destaco, a seguir, fragmento da peça acostada pelo Parquet Eleitoral:

De outra parte, a análise técnica identificou que o aporte de recursos próprios da candidata, no valor de R$ 960,00, são incompatíveis com a declaração de ausência de patrimônio, além do recebimento direto de R$ 400,00 e 143,00, doados, respectivamente, por Anelise Garcia Raphaelli e Dione Meirelles Garcia, pessoas com capacidade econômica não comprovada. Tais valores caracterizam aporte de recursos de origem não identificada.

Com efeito, em se tratando de pessoa inserida em programa social, “auxílio emergencial”, a falta de capacidade econômica é presumida. Nesse sentido, caberia ao prestador trazer aos autos elementos aptos a afastar tal presunção; este, porém, intimado acerca do referido apontamento, sobre ele não se manifestou, e quando da interposição do recurso limitou- se a alegar que não pode ser prejudicado por fato exclusivamente relacionado à pessoa da doadora.

Cabe registrar que se está tratando de eleição para vereador em um município de pequeno porte (Cerro Grande do Sul possui menos de 7.000 eleitores aptos a votar, sendo que no pleito de 2020 apenas 5.949 compareceram às urnas) e que, conforme se pode verificar no Divulgacand, o recorrente recebeu aportes de recursos privados na campanha de apenas três doadores: ela própria (que doou R$ 960,00), Anelise Garcia Raphaelli e Dione, inscritas no “auxílio emergencial”, ressaltando-se o fato de a primeira delas também ser doadora na campanha de JONATHAN BAUM, candidato a vereador pelo mesmo partido. Nesse contexto, difícil a defesa de que a prestadora não conhece as doadoaras o suficiente para ter ciência da incapacidade econômica delas.

Levado a julgamento o feito, na sessão do dia 1º.02.2023, foi o mesmo suspenso, após o douto Procurador Regional Eleitoral, em retificação ao parecer escrito, manifestar-se oralmente pelo afastamento da falha atinente à aplicação de recursos próprios na campanha e pela manutenção das demais irregularidades, indicando, ainda, que Anelise Garcia Raphaelli, beneficiária do Auxílio Emergencial do Governo Federal e doadora de R$ 400,00 para a campanha, é mãe da candidata.

Retomado o julgamento em 07.02.2023, votou a Relatora, no sentido de não conhecer da nova documentação e, no mérito, dar provimento parcial ao apelo, afastando as falhas concernentes à doação de R$ 143,00 e à aplicação de recursos próprios na campanha, no importe de R$ 960,00, mas mantendo a desaprovação das contas, tendo em vista a existência de máculas relacionadas à aplicação de verbas do FEFC (R$ 1.172,00) e ao recebimento de doação de beneficiário de programa social (R$ 400,00), de modo a reduzir de R$ 2.675,00 para R$ 1.572,00 o total a ser recolhido ao Tesouro Nacional.

Reproduzo, a seguir, a fundamentação expendida para conservar a glosa sobre a doação de R$ 400,00 e arredar aquela sobre a contribuição de R$ 143,00:

Relativamente ao recebimento de doações procedentes de dois beneficiários do Auxílio Emergencial do Governo Federal, nos valores de R$ 400,00, efetuada por Anelise Garcia Raphaelli, e de R$ 143,00, oriunda de Dione Meirelles Garcia, é assente nesta Corte o entendimento de que o fato, por si só, não conduz à desaprovação nem impõe o dever de recolhimento da quantia ao erário, quando ausentes provas de prévio conhecimento dos candidatos acerca da condição de beneficiário de programa assistencial:

RECURSO. ELEIÇÕES 2020. PRESTAÇÃO DE CONTAS. CANDIDATO. VEREADOR. DESAPROVAÇÃO. OMISSÃO DA MÍDIA ELETRÔNICA GERADA NO SISTEMA SPCE. RECEBIMENTO DE DOAÇÃO ADVINDA DE PESSOA FÍSICA INSCRITA EM PROGRAMA ASSISTENCIAL DO GOVERNO FEDERAL, POR SI SÓ, NÃO É MOTIVO PARA SE CONCLUIR PELA AUSÊNCIA DE CONDIÇÕES ECONÔMICAS DA DOADORA. DOAÇÃO DEVIDAMENTE IDENTIFICADA. AFASTADA A DETERMINAÇÃO DE RECOLHIMENTO AO TESOURO NACIONAL. MANTIDA A DESAPROVAÇÃO DAS CONTAS. PARCIAL PROVIMENTO.

1. Insurgência contra sentença que desaprovou as contas de candidato ao cargo de vereador e determinou o recolhimento da quantia irregular ao Tesouro Nacional.

2. Omissão da mídia eletrônica gerada pelo SPCE. Ainda que a prestação de contas seja entregue sob a modalidade simplificada e dispense a apresentação de algumas informações, a circunstância não afasta a obrigatoriedade de exibir a mídia eletrônica à Justiça Eleitoral, nos termos do art. 64 e parágrafos da Resolução TSE n. 23.607/19.

3. Recebimento de doação de pessoa física beneficiária de programa assistencial do Governo Federal. O fato de receber auxílio emergencial, por si só, não é motivo para se concluir pela ausência de condições econômicas da doadora, pois não pode ser imputado ao candidato o ônus de perquirir a respeito da situação financeira de qualquer doador. Doação devidamente identificada com o nome e o CPF da doadora. Inexistindo acervo probatório que autorize a conclusão da ausência de condições econômicas da doadora para repassar a receita, tampouco do conhecimento do candidato beneficiado sobre essa circunstância, deve ser afastada a falha e a ordem de recolhimento ao Tesouro Nacional.

4. Parcial provimento. Mantida a desaprovação das contas.

(REl PC n. 0600538-79.2020.6.21.0084, Rel. Des. Vinicius Andrade Jappur, DJE 28/10/2022)

No caso em tela, contudo, essa presunção de desconhecimento resta afastada quanto à doação de R$ 400,00, pois em consulta ao cadastro eleitoral da candidata é possível constatar que o valor foi doado por sua mãe, Anelise Garcia Raphaelli, razão pela qual é descabida a tese recursal de que a recorrente desconhecia a condição de beneficiária do Auxílio Emergencial que ostentava sua genitora.

Considerando que a Procuradoria Regional Eleitoral não apontou idêntica situação quanto ao doador Dione Meirelles Garcia, limitando-se a referir que Cerro Grande do Sul se trata de município de pequeno porte, entendo que merece ser afastada a falha tão somente quanto a essa doação, no valor de R$ 143,00.

Portanto, acolho em parte o novo parecer ministerial e afasto tão somente a irregularidade quanto ao recebimento de doação de R$ 143,00.

Após o voto da eminente Desembargadora Eleitoral Kalin Cogo Rodrigues, pedi vista dos autos exclusivamente para análise da irregularidade atinente à doação de R$ 400,00, oferecida por Anelise Garcia Raphaelli.

Passo ao voto.

A Lei n. 9.504/97, em seu art. 23, caput e §§ 1º e 3º, dispõe que pessoas físicas poderão fazer doações em dinheiro para campanhas eleitorais, limitadas a 10 % dos rendimentos brutos auferidos no ano anterior ao pleito, e que, sendo excedido o limite, o infrator ficará sujeito ao pagamento de multa de até 100% (cem por cento) da quantia em excesso.

A Resolução TSE n. 23.607/97, regulamentando a matéria, em seu art. 27, § 8º, preceitua que a aferição do limite de doação do contribuinte dispensado da apresentação de Declaração de Ajuste Anual do Imposto de Renda deve ser realizada com base no limite de isenção previsto para o exercício financeiro do ano da eleição.

Ora, essa é a limitação incidente à hipótese vertente. A doadora, tendo realizado a contribuição de R$ 400,00, encontrava-se ao abrigo das referidas normas, que permitem indistintamente a qualquer pessoa física a doação de até R$ 2.855,97, uma vez que o teto de isenção para o exercício de 2020 foi de R$ 28.559,70.

Impende enfatizar que, independentemente da condição econômica, qualquer pessoa física com inscrição regular no CPF, seja eleitora ou não, salvo se permissionária de serviço público, dispõe do direito de realizar contribuição financeira para campanha, atendidos os parâmetros estabelecidos na legislação de regência, sendo irrelevante o fato de se tratar de beneficiária de programa social do Governo.

Portanto, ainda que a candidata estivesse a par da situação econômica de sua genitora e de sua inscrição visando ao recebimento de auxílio emergencial, no Cadastro Único para Programas Sociais do Governo Federal (CadÚnico), não haveria amparo jurídico para exigir-lhe a recusa da doação eleitoral.

Com efeito, é impensável cogitar-se que o candidato, ao perceber o aporte de doação financeira em sua conta bancária de campanha, seja forçado a averiguar se o contribuinte, pessoa física, ostenta capacidade financeira para realizar o donativo e, em caso negativo, promover a devolução.

Veja-se que a Resolução TSE n. 23.607/19, ao transpor da Lei Eleitoral para seu texto a vedação expressa de partidos e candidatos receberem doação oriunda de permissionário de serviço público, teve o cuidado de instrumentalizar, mediante o art. 31, §§ 8º e 11, a forma pela qual o donatário há de verificar a legalidade da contribuição antes de utilizá-la, verbis:

Art. 31. É vedado a partido político e a candidato receber, direta ou indiretamente, doação em dinheiro ou estimável em dinheiro, inclusive por meio de publicidade de qualquer espécie, procedente de:

(...)

III - pessoa física permissionária de serviço público

(...)

§ 8º O beneficiário de transferência cuja origem seja considerada fonte vedada pela Justiça Eleitoral responde solidariamente pela irregularidade, e as consequências serão aferidas por ocasião do julgamento das respectivas contas.

(...)

§ 11. O Tribunal Superior Eleitoral disponibilizará, em sua página de internet, as informações recebidas dos órgãos públicos relativas às permissões concedidas, as quais não exaurem a identificação de fontes vedadas, incumbindo ao prestador de contas aferir a licitude dos recursos que financiam sua campanha.

Nesses termos, na hipótese de recebimento de doação advinda de pessoa física diretamente na conta bancária, ou mesmo por intermédio de instituições que promovam técnicas e serviços de financiamento coletivo, cumpre ao candidato, antes de aplicar os recursos, acessar a página do TSE na internet, para observar se o doador ostenta a qualidade de permissionário de serviço público.

Entretanto, não há previsão de disponibilização pelo TSE de listagem com os nomes dos beneficiários de auxílio emergencial, para que os partícipes da disputa eleitoral possam conferir a licitude da doação, exatamente porque inexiste vedação a tal financiamento.

Por evidente, não se está, aqui, a dizer que os candidatos não possam responder pela arrecadação e subsequente emprego de doações efetivadas por pessoas que detenham a qualidade de “laranjas”, ainda que perpetradas sob as vestes da legalidade.

Tanto podem ser responsabilizados por irregularidades na gestão financeira e econômica da campanha que há, na Resolução TSE n. 23.607/19, dispositivos que referem que os indícios apresentados à Justiça Eleitoral ou por esta constatados devem ser apurados na forma do art. 30-A da Lei n. 9.504/97, do art. 22 da Lei Complementar n. 64/90 e do art. 14, § 10, da Constituição da República, ou até mesmo na esfera criminal.

Contudo, eventual sancionamento ao candidato deverá se dar à luz de provas que apontem para a existência de fraude, de esquema de captação ilícita de recursos, e não, como no caso sub examine, de presunção da ilegalidade porque a candidata recebeu de sua mãe a soma de R$ 400,00 para financiar sua campanha eleitoral, possivelmente tendo ciência do suposto estado de vulnerabilidade social.

Para a configuração da burla, há de ser demonstrado que o doador direto se encontrava materialmente impossibilitado de realizar o aporte e que, em comunhão de esforços com o candidato, os verdadeiros contribuintes são terceiros, defesos de injetar capital na campanha política.

Por oportuno, convém gizar que o entendimento desta Corte vinha sendo pacífico no sentido de que eventual fraude no recebimento de verbas sociais pelos doadores deve ser apurada na esfera competente, sem repercussão na análise da regularidade de contas:

RECURSO. PRESTAÇÃO DE CONTAS. CANDIDATO. VEREADOR. ELEIÇÕES 2016. PRELIMINAR. DOCUMENTOS JUNTADOS COM O RECURSO. POSSIBILIDADE. MÉRITO. ALUGUEL DO COMITÊ ELEITORAL. OMISSÃO. SEDE LOCALIZADA EM CARCAÇA DE VEÍCULO. IMPROPRIEDADE FORMAL. CAPACIDADE FINANCEIRA. DOADOR. PROCEDIMENTO PRÓPRIO. REPRESENTAÇÃO POR DOAÇÃO ACIMA DO LIMITE LEGAL. APROVAÇÃO COM RESSALVAS. PARCIAL PROVIMENTO.

1. Preliminar. A apresentação de novos documentos com o recurso, especialmente em sede de prestação de contas de campanha, não apresenta prejuízo à tramitação do processo, principalmente quando capazes de esclarecer irregularidades apontadas e que visam salvaguardar o interesse público na transparência da contabilidade de campanha. Conhecimento da documentação.

2. Mérito.

2.1. Ausência de registro de cedência ou aluguel do comitê eleitoral. Juntada de documento demonstrando a localização do referido comitê, o qual funcionou dentro de uma carroceria de ônibus. Razoável e verossímil a alegação de ausência do apontamento, na contabilidade, de aluguel de uma carcaça de veículo, revelando-se mera impropriedade, não justificando o severo juízo de desaprovação das contas.

2.2. Doações por pessoa cuja capacidade financeira seria incompatível com as arrecadações. Eventual ausência de condições econômicas do doador não pode ser atribuída ao candidato, sendo irregularidade a ser apurada em ação própria de doação acima do limite legal ajuizada contra o próprio doador. Apresentada prova nos autos capaz de demonstrar a capacidade econômica do doador. Aprovação com ressalvas.

Parcial provimento.

(Prestação de Contas n. 58112, Acórdão de 06.11.2017, Relator Des. Federal João Batista Pinto Silveira, Publicação: DEJERS - Diário de Justiça Eletrônico do TRE-RS, Tomo 200, Data 08.11.2017, p. 13). Grifei.

 

Recurso. Prestação de contas. Candidato. Arrecadação e gastos de recursos em campanha eleitoral. Resolução TSE n. 23.463/15. Eleições 2016.

Recebimento de recursos de beneficiários do programa Bolsa Família e utilização de recursos próprios considerados, pelo magistrado de piso, incompatíveis com os rendimentos do candidato. Desaprovação na origem.

(...)

Parecer técnico pela aprovação das contas e manifestação ministerial de piso pela aprovação com ressalvas. Demonstrado que as doações estão discriminadas como “receitas estimáveis em dinheiro”, decorrentes da cessão de bens móveis. Emissão dos recibos eleitorais e dos respectivos instrumentos de cessão, bem como comprovadas as suas propriedades por meio dos certificados de registro e licenciamento de veículo. Atendidos os requisitos do art. 18, inc. II, da Resolução TSE n. 23.463/15.

Eventual fraude no recebimento de verbas sociais pelos doadores deve ser apurada na esfera competente, sem repercussão na análise da regularidade das contas ora em apreciação. Ausentes elementos nos autos a demonstrar falta de capacidade econômica do candidato prestador, não se pode presumir que os recursos próprios utilizados são incompatíveis com os respectivos rendimentos. Aprovação das contas.

Provimento.

(Recurso Eleitoral n. 26748, ACÓRDÃO de 16.02.2017, Relator Des. Carlos Cini Marchionatti, Publicação: DEJERS - Diário de Justiça Eletrônico do TRE-RS, Tomo 29, Data 20/02/2017, p. 4). Grifei.

Tal compreensão, aliás, conforme pesquisa jurisprudencial realizada, é perfilhada pelos demais Tribunais Eleitorais, como se verifica dos arestos abaixo colacionados:

ELEIÇÕES 2020. RECURSO ELEITORAL. PRESTAÇÃO DE CONTAS. OMISSÃO DE EXTRATOS BANCÁRIOS. FLEXIBILIZAÇÃO. CONSULTA ELETRÔNICA. RECEBIMENTO DE RECURSOS DE ORIGEM NÃO IDENTIFICADA. ERRO DO DOADOR. RECEBIMENTO DE DOAÇÃO DE BENEFICIÁRIO DO AUXÍLIO EMERGENCIAL. AUSÊNCIA DE CAPACIDADE ECONÔMICA. PRESUNÇÃO. NÃO COMPROVAÇÃO. SENTENÇA REFORMADA. PARCIAL PROVIMENTO DO RECURSO.

1. A apresentação tardia dos extratos bancários não impediu a análise da movimentação financeira dos recursos a partir dos extratos eletrônicos encaminhados pela instituição financeira à Justiça Eleitoral, razão pela qual sua gravidade deve ser mitigada.

2. A falha na prestação de contas do partido doador, que deixou de registrar a doação à candidata, não pode motivar a desaprovação das contas do prestador que não contribuiu para o erro. A identificação do doador e a demonstração de regularidade na obtenção dos recursos financeiros afastam a pecha de recebimento de recursos de origem não identificada.

3. A ausência de capacidade econômica do doador não pode ser presumida pelo simples fato de ser o doador beneficiário de programas assistenciais, se observados os procedimentos e limites estabelecidos pelas Resoluções do TSE sobre o tema. A eventual fraude na obtenção do benefício social deve ser apurada em procedimento próprio, não se exigindo do prestador a comprovação de aptidão financeira dos doadores de sua campanha.

4. Recurso conhecido e parcialmente provido. Contas aprovadas com ressalvas.

(TRE-CE - Recurso Eleitoral nº 060033762, Acórdão, Relator(a) Des. GEORGE MARMELSTEIN LIMA, Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, Tomo 44, Data 04/03/2022, Página 21/26.) Grifei.

 

RECURSO ELEITORAL. PRESTAÇÃO DE CONTAS DE CAMPANHA. ELEIÇÕES 2020. VEREADOR. CONTAS DESAPROVADAS.

As irregularidades que ensejaram a desaprovação consistem em: a) recebimento de doações financeiras de pessoas físicas beneficiárias de auxílio emergencial, no montante de R$3.000,00 e b) arrecadação efetuada através de um depósito de R$2.400,00, arrecadados como recursos próprios do candidato, sem a comprovação de que tal quantia integrava o patrimônio do candidato, bem como utilização de meio inadequado para a transferência da quantia.

Afastada a determinação de recolhimento de R$3.000,00 relativos ao recebimento de doações financeiras de pessoal beneficiárias de auxílio emergencial.

Inobservância da forma prevista para emprego de valores na campanha do prestador, com base no art. 21, § 1º, da Resolução TSE nº 23.607/2019, uma vez que houve depósitos de valores em espécie e não por transferência bancária.

Irregularidade que perfaz a 29,09% do total de recursos. Mantida a desaprovação das contas.

No caso de não observância da forma prevista no art. 21, § 1º da Res. TSE nº 23.607/2019, deve ser determinado o recolhimento integral do valor doado em desconformidade com a norma, ao Tesouro Nacional, a título de RONI, nos termos do § 4º do mesmo dispositivo.

RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO.

(TRE-MG - Recurso Eleitoral nº 060020875, Acórdão, Relator(a) Des. Luiz Carlos Rezende e Santos, Publicação: DJEMG - Diário de Justiça Eletrônico-TRE-MG, Data 15/06/2021.) Grifei.

 

RECURSO ELEITORAL. ELEIÇÕES 2020. CANDIDATO AO CARGO DE VEREADOR. DOADOR DA CAMPANHA BENEFICIÁRIO DE AUXÍLIO EMERGENCIAL. RECEBIMENTO DE CONTRIBUIÇÕES E REALIZAÇÃO DE DESPESAS EM DATA ANTERIOR À ENTREGA DAS CONTAS PARCIAS, MAS NÃO INFORMADOS À ÉPOCA. OMISSÃO DE RECEITA ESTIMÁVEL EM DINHEIRO. NÃO APRESENTAÇÃO DE RECIBOS DE PAGAMENTO A PRESTADORES DE SERVIÇO. DESAPROVAÇÃO. MANUTENÇÃO.

1. No tocante à irregularidade consubstanciada no recebimento de doação de beneficiário de auxílio emergencial, assiste razão ao recorrente. A legislação eleitoral não impõe ao candidato a incumbência de verificar a capacidade financeira do doador. Afasta–se, por consequência, a determinação de recolhimento ao Tesouro Nacional, por não se considerar tal quantia como recurso de origem não identificada (RONI).

2. A Resolução TSE nº 23.607/2019, em seu art. 47, §6º, é clara ao afirmar que “a não apresentação tempestiva da prestação de contas parcial ou a sua entrega de forma que não corresponda à efetiva movimentação de recursos caracteriza infração grave, salvo justificativa acolhida pela justiça eleitoral, a ser apurada na oportunidade do julgamento da prestação de contas final”. 3. Ainda que se considere a justificativa do recorrente no tocante à obrigatoriedade de somente o doador registrar a contribuição em sua prestação de contas, permanece a irregularidade quanto às demais doações, que somam R$ 6.400,00 e representam 46,07% dos valores arrecadados. Outrossim, os gastos realizados e não declarados nas contas parciais totalizaram R$ 1.675,00, que correspondem a 13,93% das despesas efetuadas pelo recorrente. Salienta–se que tal ponto não foi objeto de irresignação em sede recursal, restando a discussão, assim, preclusa. Montantes e percentuais que não podem ser considerados irrisórios para possibilitar a aplicação dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade. Falhas que comprometem a higidez das contas. Precedente deste Regional.

5. Provimento parcial do recurso, apenas para afastar a determinação de recolhimento do valor de R$ 2.425,00, mantida a desaprovação das contas.

(TRE-RJ - RECURSO ELEITORAL nº 060059885, Acórdão, Relator(a) Des. Joao Ziraldo Maia, Publicação: DJE - DJE, Tomo 149, Data 31/05/2022.) Grifei.

 

RECURSO ELEITORAL. PRESTAÇÃO DE CONTAS DE CAMPANHA. ELEIÇÕES MUNICIPAIS 2020. JUNTADA EXTEMPORÂNEA DE DOCUMENTOS. PRECLUSÃO. FALHAS MATERIAIS. RECEBIMENTO DE DOAÇÃO DE BENEFICIÁRIO DO AUXILIO EMERGENCIAL DO PROGRAMA DO GOVERNO FEDERAL. SUPOSTA AUSÊNCIA DE CAPACIDADE ECONÔMICA PARA FAZER A DOAÇÃO. PRESUNÇÃO. NÃO COMPROVAÇÃO. APURAÇÃO EM PROCEDIMENTO PRÓPRIO. SOBRA DE CAMPANHA. NÃO RECOLHIMENTO. CONJUNTO DE VÍCIOS QUE COMPROMETEM A TRANSPARÊNCIA E CONFIABILIDADE DAS CONTAS. RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO. SENTENÇA MANTIDA.

1. A natureza jurisdicional do processo de prestação de contas atrai a incidência do instituto da preclusão, razão pela qual não se admite, após o momento adequado, o saneamento de falhas e irregularidades quando anteriormente já se teve oportunidade. Precedentes.

2. A legislação em vigor não exige a comprovação da capacidade econômica do doador nos autos da prestação de contas e eventual dúvida deverá ser investigada em procedimento próprio com essa finalidade, não se podendo, diante da ausência de elementos de prova no processo, presumir a falta de capacidade econômica do doador.

3. A apresentação do extrato bancário em sua forma definitiva referente às contas de campanha é imprescindível, mesmo que não haja movimentação financeira, pois constitui requisito de regularidade que permite a sua efetiva análise das contas.

4. Quando o candidato deixou de apresentar comprovante de recolhimento de sobra de campanha à respectiva direção partidária viola o art. 50 §1º e §2º da Resolução TSE nº 23.607/2019.

5. Recurso conhecido e desprovido, para manter a sentença de primeiro grau.

(TRE-PA - Recurso Eleitoral nº 060049062, Acórdão, Relator(a) Des. LEONAM GONDIM DA CRUZ JÚNIOR, Publicação: DJE - Diário da Justiça Eletrônico, Tomo 18, Data 01/02/2022, Página 40). Grifei.

 

RECURSO ELEITORAL EM PRESTAÇÃO DE CONTAS. PLEITO MUNICIPAL. ELEIÇÕES 2020. CANDIDATO. VEREADOR. RECEBIMENTO DE RECURSO DE ORIGEM NÃO IDENTIFICADA. DOAÇÃO RECEBIDA DE PESSOA FÍSICA BENEFICIÁRIO DE PROGRAMA SOCIAL DO GOVERNO FEDERAL. AUXÍLIO EMERGENCIAL. INEXISTÊNCIA DE ÓBICE LEGAL. PRESUNÇÃO DE BOA-FÉ DO CANDIDATO. APURAÇÃO DE IRREGULARIDADE PELOS MEIOS LEGAIS NA JUSTIÇA COMUM. OMISSÃO DE DESPESA APURADA MEDIANTE CONFRONTO DE NOTA FISCAL ELETRÔNICA. LIVRE PREENCHIMENTO DO PRESTADOR DE SERVIÇOS SEM ANUÊNCIA DE SEU TITULAR. IMPOSSIBILIDADE DE PRESUNÇÃO DE IRREGULARIDADE. RECURSO PROVIDO. CONTAS APROVADAS COM RESSALVAS.

O fato de o doador ser beneficiário de programa social do governo não é motivo, por si só, apto à desaprovação da conta do candidato. Não cabe à Justiça Eleitoral avaliar eventual irregularidade cometida pelo doador no recebimento do auxílio emergencial sem comprovação de que o prestador soubesse de tal condição naquele momento, cabendo, se for o caso, a apuração pelo Ministério Público pela via adequada. A emissão de nota fiscal na modalidade eletrônica em determinado CPF ou CNPJ é de livre preenchimento do prestador de serviços, independendo de anuência de seu titular, o que não se presume apenas com esses elementos, a existência de arrecadação e gastos não declarados na prestação de contas.

Não havendo óbice ao principal objetivo da análise das contas que é o exercício da fiscalização em torno da movimentação dos recursos empregados na campanha por parte

desta Justiça Especializada, deve ser provido o recurso para reforma da sentença, com a aprovação das contas com ressalvas.

(TRE-MS - Recurso Eleitoral nº 060037638, Acórdão, Relator(a) Des. MONIQUE MARCHIOLI LEITE, Publicação: DJE - Diário da Justiça Eleitoral, Tomo 101, Data 09/06/2021, Página 33/37.) Grifei.

 

Recurso Eleitoral. Eleições 2020. Prestação de contas. Candidato. Doação eleitoral. Ausência de capacidade econômica do doador. Beneficiário do Auxílio Emergencial. Única impropriedade. Ausência de indícios de doação simulada e de ocultação de doador. Provimento do recurso.

I - A mera suspeita de ausência de capacidade econômica do doador não é justificativa suficiente para a desaprovação das contas.

II - O fato de a doadora ter recebido hipoteticamente de forma ilegal o auxílio emergencial deve ser apurado na esfera competente, sem repercussão na análise da regularidade das contas ora em questão, por não haver indícios suficientes de que a doação tenha sido simulada para ocultar o verdadeiro doador ou a fonte.

III - Não é razoável exigir que o candidato tenha plena ciência da condição pessoal de todos os contribuintes de sua campanha, salvo se houver uma irregularidade substancial, perceptível pelo candidato, e desde que fique evidenciada a finalidade de ocultar o verdadeiro doador ou a fonte, para burlar as vedações legais previstas na legislação eleitoral, conforme dispõe o art. 32, da Resolução TSE n. 23.607/2019, que trata de Recursos de Origem Não Identificada (RONI).

IV - Recurso provido.

(TRE-RO - Recurso Eleitoral nº 060062913, Acórdão de , Relator(a) Des. WALISSON GONCALVES CUNHA, Publicação: DJE/TRE-RO - Diário Eletrônico da Justiça Eleitoral, Tomo 47, Data 14/03/2022, Página 6/11.) Grifei.

Nesse ponto, ressalto não desconhecer a existência de precedentes desta Corte, relatados, em sua maioria, pelo eminente Desembargador Eleitoral Silvio Ronaldo Santos de Moraes e julgados na Sessão do dia 07.10.2021, que, apreciando processos oriundos do Município de Ibiraiaras, decidiram pela irregularidade do aporte financeiro de beneficiários de auxílio emergencial, a exemplo do REl 0600604-33.2020.6.21.0028, cuja ementa reproduzo:

RECURSO. ELEIÇÕES 2020. PRESTAÇÃO DE CONTAS. DESAPROVAÇÃO. CANDIDATO. VEREADOR. DOAÇÃO PROVENIENTE DE PESSOA FÍSICA BENEFICIÁRIA DO AUXÍLIO EMERGENCIAL. PANDEMIA COVID-19. INDÍCIOS CONCRETOS DO CONHECIMENTO E DA ANUÊNCIA DO PRESTADOR. CONFIRMADA A IRREGULARIDADE. PREPONDERÂNCIA DO PRINCÍPIO DA MORALIDADE. PRESERVAÇÃO DA FINALIDADE SOCIAL DO BENEFÍCIO. RECURSO DE ORIGEM NÃO IDENTIFICADA. AUSENTES ESCLARECIMENTOS DA PARTE INTERESSADA. MANTIDO O DEVER DE RECOLHIMENTO AO TESOURO NACIONAL. MANUTENÇÃO DA SENTENÇA. DESPROVIMENTO.

1. Insurgência contra sentença que desaprovou prestação de contas referentes às eleições municipais de 2020, em razão do recebimento de doação financeira proveniente de pessoa física beneficiária do auxílio emergencial de que trata o art. 2º da Lei n. 13.982/20, medida assistencial repassada pelo Governo Federal para minimizar os efeitos socioeconômicos decorrentes da pandemia causada pelo novo coronavírus (Covid-19), a evidenciar a ausência de capacidade financeira do doador e a caracterização da doação como recurso de origem não identificada. Determinado o recolhimento ao Tesouro Nacional.

2. Apesar de a legislação não prever vedação expressa à doação eleitoral por pessoa física beneficiária de programas sociais, a ausência de provas de que o doador possuía capacidade financeira para o aporte, e a existência de indícios concretos de que o candidato não ignorava a condição de seu apoiador podem caracterizar a doação como recebimento de recursos de origem não identificada. Particularidades do caso concreto o distinguem das hipóteses fáticas de precedentes deste Tribunal, no sentido de que a prova da capacidade econômica de terceiro doador não pode ser atribuída ao candidato, devendo eventual irregularidade dessa natureza ser apurada em demanda específica, sem repercussão na análise da regularidade das contas.

3. Os elementos constantes nos autos são suficientes para que se estabeleça uma relação próxima entre o candidato e seu apoiador, não sendo plausível a alegação de que o recorrente desconhecesse a condição econômica ou ignorasse a qualidade de beneficiário do auxílio emergencial de seu doador. Circunstância que impõe o entendimento no sentido de fazer preponderar os princípios da moralidade e da transparência das contas, preservando a finalidade social do benefício, qual seja, garantir a sobrevivência das pessoas que tiveram sua renda reduzida no período de enfrentamento à crise causada pela pandemia da Covid-19. Não se mostra crível nem verossímil que o doador, em um contexto de pandemia e crise econômica, recebendo verba assistencial destinada à sua manutenção básica e de sua família, pratique liberalidades financeiras a candidato, perfazendo doação em monta superior ao valor mensal da própria prestação assistencial.

4. O contexto dos fatos comprova o modus operandi de contribuições análogas à presente e que marcaram as eleições de 2020 na comunidade do pequeno município, por meio de doações a candidatos feitas por pessoas físicas beneficiárias da verba emergencial da covid-19. Não merece reparo a sentença no ponto em que reconheceu a irregularidade e caracterizou o valor como recurso de origem não identificada, frente à ausência de esclarecimentos da parte interessada, determinando o recolhimento do equivalente ao Tesouro Nacional.

5. Inviável o juízo de aprovação com ressalvas das contas com base nos postulados da razoabilidade e da proporcionalidade, ainda que a quantia em questão seja diminuta e represente baixa porcentagem da arrecadação total de campanha. A jurisprudência do TSE não admite a aplicação dos aludidos princípios nos processos de prestação de contas quando, a despeito da irrelevância percentual ou nominal dos valores envolvidos, constatarem-se indícios de má-fé do prestador e houver o comprometimento da fiscalização exercida pela Justiça Eleitoral. Contundentes indicativos de que o prestador se apartou dos deveres de transparência e colaboração no fornecimento de informações à Justiça Eleitoral, incorrendo em irregularidade grave, uma vez que se utilizou, para fins de campanha eleitoral, de verba legalmente destinada ao amparo de pessoas com vulnerabilidade social agravada durante a situação de emergência pública decorrente da pandemia da Covid-19, nos termos da Lei n. 13.982/20.

6. Ademais, a insuficiência dos esclarecimentos sobre a origem dos recursos em questão abre espaço, em tese, para a ocultação de eventual fonte vedada de receitas ou de transgressão aos limites de gastos legalmente impostos aos candidatos, afetando, sobremaneira, o controle sobre a origem dos recursos e o destino dos gastos de campanha exercidos pela Justiça Eleitoral. Mantida a determinação de recolhimento ao Tesouro Nacional.

7. Provimento negado.

(Recurso Eleitoral n. 060060433, Acórdão, Relator Des. Silvio Ronaldo Santos de Moraes, Publicação: PJE - Processo Judicial Eletrônico, julgado em 07.10.2021). Grifei.

Entrementes, em todos esses feitos, nos quais foi detectada irregularidade na doação e determinado o recolhimento do respectivo montante ao Tesouro Nacional, houve a expressa menção à existência de um modus operandi particular executado no âmbito daquele município que os diferenciava dos demais casos, com especial relevo para a existência de uma ação conjugada entre o doador do auxílio e o candidato.

Tal situação, no entanto, não se verifica no processo em análise.

Cabe destacar que, a rigor, não há que se falar em incapacidade econômica de Anelise Garcia Raphaelli para a doação de R$ 400,00, precisamente porque a importância é inferior ao quantum do benefício social por ela embolsado. Vale dizer, a própria aptidão para essa contribuição restou demonstrada de maneira cabal nos autos.

Ir além disso significa que compete à Justiça Eleitoral aferir se a doação – em montante inferior à renda comprovadamente granjeada pelo contribuinte e com observância aos parâmetros normativos – situa-se, num juízo presuntivo, em patamar compatível com a parcela que lhe restaria para efetuar gastos com alimentação, moradia, educação, transporte, quiçá lazer, vindo a se realizar, em última ratio, julgamento das contas do próprio doador, o que não se afigura razoável.

O beneficiário do auxílio emergencial pode utilizar o numerário para o que melhor lhe aprouver, assim como todas as demais pessoas, inclusive, exempli gratia, aquelas que não tenham se qualificado para o auxílio, sem embargo de perceberem a modesta remuneração de um salário mínimo.

Logo, se o indivíduo desejar, em detrimento de sua própria subsistência, utilizar o valor para contribuir para algum candidato ou partido político, em um engajamento político protegido pela Constituição e pelas regras eleitorais, descabe à Justiça Eleitoral opor óbice, tanto ao que doa quanto ao que recebe.

Deve a Justiça Eleitoral atuar no sentido de resguardar a paridade de armas entre os concorrentes, impedindo a ocorrência de abuso de poder econômico, de modo a garantir a normalidade e legitimidade das eleições. Nada obstante, tal não pode se dar sem amparo na lei.

Anote-se que, segundo o parecer ministerial, incumbiria à prestadora de contas produzir prova para afastar a presunção de incapacidade econômica da doadora, tendo em vista se tratar de pessoa inserida no programa de auxílio emergencial.

Todavia, consoante o art. 91 da Resolução TSE n. 23.607/19, os indícios de irregularidade devem ser processados na forma ali estabelecida, não defluindo da leitura do dispositivo a conclusão do Parquet Eleitoral de que, lançados tais sinais, cumpre exclusivamente ao candidato afastá-los, sob pena de reconhecimento da mácula.

Eis a norma, litteris:

Art. 91. Os indícios de irregularidade relativos à arrecadação de recursos e gastos eleitorais obtidos mediante cruzamento de informações entre órgãos e entidades da administração pública devem ser processados na forma descrita a seguir:

I - tão logo identificados, os indícios de irregularidade serão diretamente encaminhados ao Ministério Público;

II - o Ministério Público, procedendo à apuração dos indícios, poderá, entre outras providências:

a) requisitar à autoridade policial a instauração de inquérito;

b) requisitar informações a candidatas ou a candidatos, partidos políticos, doadoras ou doadores, fornecedoras ou fornecedores e a terceiras ou terceiros para a apuração dos fatos, além de determinar outras diligências que julgar necessárias;

c) requerer a quebra dos sigilos fiscal e bancário de candidata ou de candidato, partido político, doadora ou doador ou fornecedora ou fornecedor de campanha (Lei Complementar nº 105/2001, art. 1º, § 4º);

III - concluída a apuração dos indícios, o Ministério Público, juntando os elementos probatórios colhidos e manifestando-se sobre eles, fará a imediata comunicação à autoridade judicial e solicitará a adoção de eventuais pedidos de providência que entender cabíveis;

IV - recebida a manifestação ministerial, a(o) presidente ou a juíza ou o juiz eleitoral, conforme o caso, deve determinar:

a) a autuação do processo na classe petição, caso não tenha sido autuado o processo de prestação de contas; ou

b) a juntada ao processo de prestação de contas já autuado;

V - tão logo autuado o processo de prestação de contas, o processo autuado na classe petição deve ser a ele associado ou apensado, ficando preventa(o) para o processo de prestação de contas a relatora ou o relator da petição;

VI - autuado e distribuído o processo, a autoridade judicial determinará a intimação da prestadora ou do prestador de contas;

VII - a autoridade judicial examinará com prioridade a matéria, determinando as providências urgentes que entender necessárias para evitar a irregularidade ou permitir o pronto restabelecimento da legalidade;

VIII - inexistindo providências urgentes a adotar, o resultado da apuração dos indícios de irregularidade será considerado por ocasião do julgamento da prestação de contas, caso tenha sido concluída a apuração.

§ 1º A autoridade judicial poderá fixar prazo de 3 (três) dias para o cumprimento de eventuais diligências necessárias à instrução da apuração dos indícios de irregularidade de que trata este artigo, com a advertência de que o seu descumprimento poderá configurar crime de desobediência (Código Eleitoral, art. 347) .

§ 2º Se, até o prazo fixado para o pronunciamento do Ministério Público a respeito da regularidade da prestação de contas, disposto no art. 73 desta Resolução, não houver sido encaminhada à autoridade judicial a manifestação de que trata o inciso III do caput deste artigo, o Ministério Público deverá proferir, naquela ocasião, manifestação sobre os indícios de irregularidade que lhe foram encaminhados para apuração.

§ 3º Se, até o julgamento da prestação de contas da candidata ou do candidato ou do partido político a que se referem os indícios, a apuração não houver sido concluída, o resultado desta que detecte a prática de ilícitos antecedentes e/ou vinculados às contas deve ser encaminhado aos órgãos competentes para apreciação.

§ 4º Na hipótese do parágrafo anterior, os indícios de irregularidade poderão ser utilizados no exame técnico de contas, ainda que apenas como informação de inteligência, sobre a qual a prestadora ou o prestador de contas deve ser intimada(o) a manifestar-se, prosseguindo regularmente a sua apuração pelo Ministério Público Eleitoral, a quem compete promover as ações deles decorrentes, caso confirmados.

 

Verificados indícios de irregularidade, devem ser apurados, inclusive por meio de quebra dos sigilos fiscal e bancário, descabendo a simples transferência ao candidato do ônus de evidenciar que o sinal de prova não se sustenta.

De mais a mais, no contexto ventilado nos autos, mostra-se despicienda a prova de suficiência econômica – a qual, sublinho, restou efetivamente demonstrada –, porquanto o montante doado é parco, muito aquém do teto para pessoas dispensadas de declarar imposto de renda.

Não fosse isso, consigno que, para o recebimento do auxílio em tela, não era imprescindível que a situação da pessoa fosse de absoluta ausência de renda.

Transcrevo, abaixo, o art. 2º da Lei n. 13.982, de 02.4.2020, que fixou os requisitos para recebimento, pelo período de três meses, do auxílio emergencial de R$ 600,00, verbis:

Art. 2º Durante o período de 3 (três) meses, a contar da publicação desta Lei, será concedido auxílio emergencial no valor de R$ 600,00 (seiscentos reais) mensais ao trabalhador que cumpra cumulativamente os seguintes requisitos:

I - seja maior de 18 (dezoito) anos de idade, salvo no caso de mães adolescentes; (Redação dada pela Lei nº 13.998, de 2020)

II - não tenha emprego formal ativo;

III - não seja titular de benefício previdenciário ou assistencial ou beneficiário do seguro-desemprego ou de programa de transferência de renda federal, ressalvado, nos termos dos §§ 1º e 2º, o Bolsa Família;

IV - cuja renda familiar mensal per capita seja de até 1/2 (meio) salário-mínimo ou a renda familiar mensal total seja de até 3 (três) salários mínimos;

V - que, no ano de 2018, não tenha recebido rendimentos tributáveis acima de R$ 28.559,70 (vinte e oito mil, quinhentos e cinquenta e nove reais e setenta centavos); e

VI - que exerça atividade na condição de:

a) microempreendedor individual (MEI);

b) contribuinte individual do Regime Geral de Previdência Social que contribua na forma do caput ou do inciso I do § 2º do art. 21 da Lei nº 8.212, de 24 de julho de 1991; ou

c) trabalhador informal, seja empregado, autônomo ou desempregado, de qualquer natureza, inclusive o intermitente inativo, inscrito no Cadastro Único para Programas Sociais do Governo Federal (CadÚnico) até 20 de março de 2020, ou que, nos termos de autodeclaração, cumpra o requisito do inciso IV.

 

Portanto, ainda que a renda familiar mensal não ultrapassasse três salários mínimos, equivalentes a R$ 3.135,00, ou, sendo superior, desde que a renda per capita fosse de até meio salário mínimo, poderia ser recebido, legalmente, o auxílio emergencial.

Demais disso, assinalo que, na sentença, a glosa se alicerçou nos arts. 15, inc. II, e 32 da Resolução TSE n. 23.607/19, porém a moldura fática delineada nos autos não se subsome ao cânone tipificador da receita como de origem não identificada.

Reproduzo os dispositivos:

Art. 15. Os recursos destinados às campanhas eleitorais, respeitados os limites previstos, somente são admitidos quando provenientes de:

(...)

II - doações financeiras ou estimáveis em dinheiro de pessoas físicas;

(…)

Art. 32. Os recursos de origem não identificada não podem ser utilizados por partidos políticos e candidatos e devem ser transferidos ao Tesouro Nacional por meio de Guia de Recolhimento da União (GRU).

§ 1º Caracterizam o recurso como de origem não identificada:

I - a falta ou a identificação incorreta do doador;

II - a falta de identificação do doador originário nas doações financeiras recebidas de outros candidatos ou partidos políticos;

III - a informação de número de inscrição inválida no CPF do doador pessoa física ou no CNPJ quando o doador for candidato ou partido político;

IV - as doações recebidas em desacordo com o disposto no art. 21, § 1º, desta Resolução quando impossibilitada a devolução ao doador;

V - as doações recebidas sem a identificação do número de inscrição no CPF/CNPJ no extrato eletrônico ou em documento bancário;

VI - os recursos financeiros que não provenham das contas específicas de que tratam os arts. 8º e 9º desta Resolução;

VII - doações recebidas de pessoas físicas com situação cadastral na Secretaria da Receita Federal do Brasil que impossibilitem a identificação da origem real do doador; e/ou

VIII - recursos utilizados para quitação de empréstimos cuja origem não seja comprovada

(…)

Desse modo, não há como caracterizar a doação sub examine como recurso de origem não identificada, o que, por si só, demanda o afastamento da falha.

Assim, tenho que o acervo probatório, além de comprovar que Anelise Garcia Raphaelli possuía capacidade de levar a efeito a doação eleitoral de R$ 400,00, não autoriza a conclusão de que a candidata tenha de qualquer modo executado fraude à legislação, do que deflui a inexistência de irregularidade na doação recebida pela recorrente.

Por derradeiro, anoto que doações de beneficiários de programas sociais podem denotar indícios de fraude no recebimento do auxílio, mas que a circunstância deve ser apurada pelo órgão competente, na esfera apropriada, sem aprioristicamente macular a regularidade das contas em questão.

ANTE O EXPOSTO, respeitosamente, divirjo em parte da eminente Relatora, Desa. Eleitoral Kalin Cogo Rodrigues, apenas para afastar a glosa alusiva à doação de R$ 400,00 efetuada pela senhora Anelise Garcia Raphaelli, acompanhando-a nas demais conclusões, inclusive quanto à desaprovação das contas.