REl - 0600006-26.2023.6.21.0044 - Voto Relator(a) - Sessão: 28/02/2023 às 14:00

VOTO

Tempestividade.

O recurso é adequado, tempestivo e comporta conhecimento. A irresignação foi interposta em 14.2.2003, dentro do prazo de três dias, contado a partir da intimação da sentença, ocorrida em 12.2.2023, obedecendo-se ao art. 8º da Lei Complementar n. 64/90, regulamentada, no ponto, pelo art. 3º, § 2º, da Resolução TRE-RS n. 404/22, que trata da renovação das eleições majoritárias nos Municípios de Caseiros, Capão do Cipó, Redentora, Miraguaí e São Francisco de Assis, a serem realizadas na data de 05 de março de 2023.

 

Preliminar.

A parte recorrente alega que a sentença fora proferida em desobediência aos princípios do contraditório e da ampla defesa, tendo em vista o indeferimento do pedido de concessão de prazo para a apresentação de alegações finais.

O pedido fora realizado, na origem, com fulcro no art. 43, § 4º, da Resolução TSE n. 23.609/19. A negativa ao pleito, cuja fundamentação compõe a sentença, deu-se com base no art. 43, § 3 º, do mesmo diploma regulamentar.

Transcrevo a íntegra do art. 43 da Resolução TSE n. 23.609/19, que regula de forma clara o rito a ser seguido nos casos de Ação de Impugnação de Registro de Candidatura, demanda que tramita em associação com o Requerimento de Registro de Candidatura, como é cediço:

Art. 43. Encerrada a fase probatória pela juíza ou pelo juiz ou pela relatora ou pelo relator, as partes serão intimadas para apresentar alegações finais no PJe, no prazo comum de 5 (cinco) dias (Lei Complementar nº 64/1990, art. 6º) .

§ 1º Se o Ministério Público for parte, os autos serão imediatamente conclusos após a apresentação das alegações finais, ainda que protocolizadas antes do 5º dia, ou o decurso do prazo.

§ 2º Se não for parte, o Ministério Público disporá de 2 (dois) dias para manifestação após a apresentação ou decurso do prazo das alegações finais, cabendo ao Cartório ou Secretaria proceder, de ofício, à abertura da vista, antes da conclusão dos autos.

§ 3º A apresentação das alegações finais será dispensada nos feitos em que não houver sido aberta a fase probatória.

§ 4º Na hipótese do § 3º deste artigo, ficam assegurados, antes do julgamento, o prazo de 3 (três) dias para manifestação da(o) impugnante, caso juntados documentos e suscitadas questões de direito na contestação, bem como o prazo de 2 (dois) dias ao Ministério Público Eleitoral, em qualquer caso, para apresentar parecer. (Grifei)

 

Nesses termos, adianto que não assiste razão aos recorrentes.

Como bem asseverado na sentença, não houve a abertura de fase probatória no presente feito, de forma que o § 3º do art. 43 é aplicável ao caso posto sem que sejam feridos os princípios do contraditório e da ampla defesa.

Aliás, convém ressalvar que há expressa ordem de dispensa da abertura do prazo de alegações finais em casos como o sob exame, pois “será dispensada” é a expressão constante no § 3º. Desse modo, a d. Magistrada do 1º grau apenas utilizou de interpretação gramatical ao aplicar o rito regulamentar, uma vez que se mostram dispensáveis outras espécies de exegese dada, exatamente, a clareza da norma.

Ademais, e como bem destacado no parecer da r. Procuradoria Regional Eleitoral, o § 4º fora igualmente seguido, pois “[…] No caso dos autos, após a apresentação da contestação pelo impugnado, a parte impugnante foi intimada (ID 45411494) e ofereceu manifestação (ID 45411502), oportunidade em que, além de tecer considerações sobre o documento juntado pela defesa […]”.

Dito de outro modo e indicando dado objetivo, a parte autora foi a última a se manifestar antes da sentença – ID 45411502, oportunidade na qual se expressou sobre a defesa dos impugnados, nitidamente aproveitando o prazo de um dia concedido, em redução temporal permitida nos termos do art. 3º, § 1º, da Resolução TRE-RS n. 404/22.

Ora, é inviável que a parte, sob tais circunstâncias, entenda lhe terem sido tolhidos os direitos ao contraditório e à ampla defesa.

Afasto a preliminar.

Mérito.

A controvérsia se dá, em resumo, no que toca à ocorrência de uma situação de inelegibilidade reflexa na candidatura, ao cargo de prefeito de Capão do Cipó, de ADAIR FRACARO CARDOSO.

Os recorrentes narram e sustentam, em síntese, que:

1. ADAIR FRACARO CARDOSO é irmão de ANSELMO FRACARO CARDOSO, vice-prefeito cassado, agente público que teria permanecido como “um dos chefes do Poder Executivo até 16.10.2022”, ou seja, a menos de 6 (seis) meses da data da eleição suplementar, 05.03.2023;

2. ANSELMO, irmão do candidato ora impugnado, ao ser cassado, deu causa à anulação das eleições de 2020, o que geraria a inelegibilidade por parentesco (reflexa) em desfavor de ADAIR FRACARO CARDOSO, em uma interpretação “em benefício da sociedade e da moralidade” do art. 14, §§ 5º e 7º, da Constituição Federal.

De início, indico que os dados fáticos são verídicos, tanto o laço de parentesco entre ADAIR e ANSELMO como a ocorrência da cassação de ANSELMO do cargo de vice-prefeito de Capão do Cipó.

Ocorre, contudo, que a amplitude de interpretação para a incidência da inelegibilidade reflexa, proposta pelos recorrentes, é inviável. Andou bem a sentença.

Explico.

A Constituição da República traz, como uma das causas de inelegibilidade, a relação de parentesco consanguíneo, nos termos do § 7º do art. 14:

Art. 14. A soberania popular será exercida pelo sufrágio universal e pelo voto direto e secreto, com valor igual para todos, e, nos termos da lei, mediante:

[...]

§ 7º São inelegíveis, no território de jurisdição do titular, o cônjuge e os parentes consangüíneos ou afins, até o segundo grau ou por adoção, do Presidente da República, de Governador de Estado ou Território, do Distrito Federal, de Prefeito ou de quem os haja substituído dentro dos seis meses anteriores ao pleito, salvo se já titular de mandato eletivo e candidato à reeleição.

 

Ou seja, a escolha do Poder Constituinte é clara e se refere àqueles parentes do ocupante da Chefia do Poder Executivo – nomeadamente “[…] de Prefeito ou de quem os haja substituído” dentro dos seis meses anteriores ao pleito, de modo que, se o detentor do cargo de vice-presidente, vice-governador ou vice-prefeito não substituir o titular dentro de seis meses anteriores ao pleito, resta lógico que a hipótese de inelegibilidade não incide.

Ora, a situação de inelegibilidade é condição que limita de forma bastante grave o exercício do direito de ser votado, constante no catálogo dos direitos e garantias fundamentais, de modo que a reiterada jurisprudência do Tribunal Superior Eleitoral indica que as causas de inelegibilidade devem ter interpretação estrita.

Nessa ordem, e a título exemplificativo:

“[...] ‘As restrições a direitos fundamentais devem ser interpretadas restritivamente, consoante lição basilar da dogmática de restrição a direitos fundamentais, axioma que deve ser trasladado à seara eleitoral, de forma a impor que, sempre que se deparar com uma situação de potencial restrição ao ius honorum, como sói ocorrer nas impugnações de registro de candidatura, o magistrado deve prestigiar a interpretação que potencialize a liberdade fundamental política de ser votado, e não o inverso’ [...]”. (Ac. de 10.12.2020 no REspEl nº 060022730, rel. Min. Sérgio Banhos.)

“[...] 4. As causas de inelegibilidade devem ser interpretadas restritivamente, a fim de que não alcancem situações não contempladas pela norma e para que se evite ‘a criação de restrição de direitos políticos sob fundamentos frágeis e inseguros, como a possibilidade de dispensar determinado requisito da causa de inelegibilidade, ofensiva à dogmática de proteção dos direitos fundamentais’ [...] 5. As regras que preveem a inelegibilidade não podem sofrer alargamento por meio de interpretação extensiva, desconsiderando as peculiaridades e a situação real do cidadão, segundo a materialidade do caso analisado, sob pena de obstruir o seu direito constitucional de lançar-se na disputa do certame eleitoral. [...] 8. Cabe ao julgador verificar se a norma jurídica atingiu sua finalidade, o que se faz possível aplicando-se o ordenamento jurídico a cada caso, segundo suas peculiaridades. A capacidade eleitoral passiva é direito fundamental que deve ser resguardado, não podendo ser ela afastada, efetivamente, sob o manto de uma indevida interpretação por analogia, ao equiparar a função do agravado a de um servidor público ordinário, desconsiderando particularidades apresentadas na espécie […]” (Ac. de 29.6.2017 no AgR-REspe nº 28641, rel. Min. Tarcísio Vieira de Carvalho Neto.)


“[...] 3. Na linha da jurisprudência do Tribunal Superior Eleitoral, as regras alusivas às causas de inelegibilidade são de legalidade estrita, sendo vedada a interpretação extensiva para alcançar situações não contempladas pela norma […]” (Ac. de 19.5.2015 no AgR-RO nº 39477, rel. Min. Gilmar Mendes.)

 

Ou seja, o ora impugnado ADAIR é irmão do vice-prefeito cassado que não substituiu o prefeito dentro do prazo de seis meses anteriores ao pleito, de maneira que não há causa de inelegibilidade nas presentes circunstâncias, ainda que se possa considerar que o irmão, ANSELMO, tenha dado causa à anulação das eleições, pois a inelegibilidade reflexa funda-se no liame familiar entre o titular do Poder Executivo e o respectivo parente. A tese de que o vice-prefeito seria “um dos titulares” não pode ser aqui, portanto, agasalhada.

Cabe frisar que argumentos baseados em posições subjetivas acerca do que venha a ser razoabilidade, moralidade ou até mesmo ingenuidade, como os trazidos pelos recorrentes, igualmente não devem fazer incidir situação de redução de direito político. Tais elementos subjetivos já foram devidamente sopesados pelo legislador constituinte quando preferiu inserir a locução “de quem os haja substituído” no texto. Acaso entendesse necessário que os parentes consanguíneos dos vice-prefeitos fossem inelegíveis em quaisquer hipóteses, certamente assim teria feito constar, e disso se afasta a pretensa incidência, no caso concreto, do art. 219 do Código Eleitoral, exatamente em virtude de norma clara sobre o tema, de jaez constitucional, art. 14, § 7º.

Nessa linha, o posicionamento da d. Procuradoria Regional Eleitoral, inclusive com citação doutrinária. Transcrevo:

“[...]

Entretanto, a situação no presente caso é distinta, pois não se trata da inelegibilidade do candidato a Vice-Prefeito que é parente do Prefeito, mas de candidato a Prefeito que é parente do Vice-Prefeito.

Enquanto na primeira hipótese, o candidato (a vice) é parente do chefe do Poder Executivo, na segunda hipótese, o candidato é parente de quem não exerce (salvo se substituir o titular) a chefia do Poder Executivo.

A distinção é relevante, pois o chefe do Poder Executivo possui maior visibilidade e é quem exerce o controle sobre a máquina pública.

Nesse sentido, o seu parente que se candidata está exposto a maiores restrições, de modo a fortalecer-se a alternância de poder. Mas a candidatura do parente do vice-Prefeito não recebe o mesmo tratamento e não está abrigada na inelegibilidade prevista no texto constitucional.

Por limitarem direito constitucionalmente assegurado – exercício da capacidade eleitoral passiva –, os dispositivos que estabelecem as causas de inelegibilidade devem, como sabido, ser interpretados de forma estrita, ou seja, in casu, nos exatos limites estabelecidos no art. 14, § 7º, da Constituição Federal. Nas palavras
de José Jairo Gomes, “não há inelegibilidade do cônjuge e parentes do vice que se mantiver nessa condição, ou seja, que não suceder o titular nem o substituir nos últimos seis meses antes da data marcada para a eleição.” (Direito eleitoral. 16ª. ed., São Paulo:

Atlas, 2020. p. 266). O impedimento, como é possível constatar, é restrito ao cônjuge e parentes consanguíneos e afins, até o segundo grau ou por adoção, daqueles que ocupam o cargo de chefe do Poder Executivo, não alcançando, portanto, a família dos vices que não os tenham sucedido ou substituído dentro dos seis meses que antecedem o pleito.”

 

Em suma, a sentença da d. Magistrada Ana Paula Nichel Santos merece ser mantida pelos seus próprios fundamentos, com destaque para o seguinte trecho da fundamentação, claro por si só:

Assentadas tais premissas, depreendo a inocorrência da alegada inelegibilidade reflexa na situação sub examine, uma vez que, inobstante ser fato incontroverso o parentesco de 2º grau na linha colateral (irmãos) entre Anselmo Fracaro Cardoso e o impugnado Adair Fracaro Cardoso, ora candidato a Prefeito, Anselmo Fracaro Cardoso se encontrava exercendo mandato de Vice-Prefeito, não sucessivo inclusive, por ocasião de sua cassação, não havendo substituído o Prefeito Osvaldo Froner, do partido Progressistas (PP), nos seis meses anteriores ao pleito.

Ora, consoante se verificam das informações constantes do sistema de Divulgação de Candidaturas e Contas Eleitorais do TSE, Anselmo Fracaro Cardoso foi eleito para o cargo de vice-prefeito no município de Capão do Cipó nas eleições de 2012 (https://divulgacandcontas.tse.jus.br/divulga/#/candidato/2012/1699/89141/2100000 07474) e 2020 (https://divulgacandcontas.tse.jus.br/divulga/#/candidato/2020 /2030402020/89141/210000746202), havendo nas eleições de 2016 sagrado-se vencedores nas urnas Osvaldo Froner, do PP, para o cargo de Prefeito, e Jaques Freitas Garcia, do PT, para o cargo de Vice-Prefeito (https://divulgacandcontas.tse.jus.br/divulga/#/candidato/2016/2/89141/210000014196), não havendo que se falar, portanto, em “falta de alternância de poder” (ID 112940573, fl. 12).

No tocante à substituição do prefeito nos seis meses anteriores ao pleito, além da ausência de prova da substituição e, até mesmo, alegação nesse sentido pelos impugnantes, o Ofício Gab 027/2023 da Prefeitura Municipal de Capão do Cipó (ID 113119783,) corrobora a inocorrência de tal fato. Sobreleva destacar, no ponto, que a inelegibilidade, como é dado constatar do texto constitucional, restringe-se aos familiares daqueles que ocupam cargo de Presidente da República, de Governador de Estado ou Território, do Distrito Federal e de Prefeito, não alcançando a família dos vices que não os tenham sucedido ou substituído dentro dos seis meses que antecedem o pleito.

 

Diante do exposto, voto para NEGAR PROVIMENTO ao recurso.