MSCiv - 0603488-51.2022.6.21.0000 - Voto Relator(a) - Sessão: 28/02/2023 às 14:00

VOTO

Eminentes Colegas, trata-se de mandado de segurança, com pedido liminar, impetrado por MARCUS SIQUEIRA DA CUNHA, candidato ao cargo de deputado estadual pelo Partido Democrático Brasileiro – PDT, contra ato do Prefeito de Canguçu, MARCUS VINÍCIUS MULLER PEGORARO, e do Tenente da Brigada Militar de Canguçu, CARLOS MULLER.

A presente impetração sustenta a ilegalidade em limitar a realização de propaganda eleitoral por parte do poder público municipal e a licitude da colocação de mesa em uma praça para distribuição de material, sob o fundamento de que os militantes da campanha teriam sofrido suposta perseguição política em decorrência de represálias ao então candidato.

 

I - Da competência e da preliminar de ilegitimidade passiva

Em sede preliminar, a Procuradoria Regional Eleitoral suscitou a ilegitimidade passiva do tenente da Brigada Militar de Canguçu.

Considerando a alegação ministerial, e tendo em vista que as autoridades impetradas no presente mandamus são o Prefeito de Canguçu e o Tenente da Brigada Militar de Canguçu, cumpre verificar a competência desta Corte para a presente ação mandamental e, via de consequência, a legitimidade dos indicados no polo passivo da demanda.

Nessa senda, nos termos da decisão que denegou o pedido liminar, a competência deste Tribunal para processar e julgar mandados de segurança está prevista no Código Eleitoral e no Regimento Interno desta Casa.

Em especial, o art. 29, inc. I, al. “e”, do Código Eleitoral prevê que compete aos Tribunais Regionais processar e julgar originariamente “mandado de segurança, em matéria eleitoral, contra ato de autoridades que respondam perante os tribunais de justiça por crime de responsabilidade e, em grau de recurso, os denegados ou concedidos pelos juízes eleitorais”.

Na espécie, está indicado, na inicial, como uma das autoridades impetradas, prefeito, autoridade que responde perante o Tribunal de Justiça por crime de responsabilidade, a teor do art. 95, inc. XI, da Constituição Estadual, de forma que se impõe o reconhecimento da competência deste Tribunal Regional para conhecer do pedido.

Nesse sentido, cuidando-se de matéria eleitoral e tendo em conta a legislação de regência acima, em reforço às razões já exaradas na decisão liminar, é de se admitir a competência para conhecer do pedido da ação mandamental.

De outra sorte, à luz dos percucientes argumentos lançados pelo douto Procurador Regional Eleitoral, a inicial não delimitou claramente o ato ilegal praticado pelo Comando da Brigada Militar de Canguçu, podendo-se extrair dos fatos ali narrados que a força policial teria sido utilizada apenas como aparato executório para cumprimento da determinação advinda da autoridade administrativa em sua atividade fiscalizatória.

Colho do parecer as considerações que adoto como razões de decidir:

[…]

Não obstante, no que se refere à legitimidade da parte COMANDO DA BRIGADA MILITAR DE CANGUÇU, conclusão diversa se impõe.

A inicial não delimita claramente o ato ilegal praticado pelo Comando da Brigada Militar de Canguçu, restando inviável, no caso concreto, o reconhecimento de sua legitimidade como destinatário de eventual ordem para abster-se de prática intimidatória no sentido de impedir a promoção da campanha política do impetrante, em especial porque, segundo a narrativa, a força policial seria (ou foi) utilizada como aparato executório para o cumprimento de determinação exarada por Secretaria Municipal e decorrente de atividade fiscalizatória.

Além disso, na esteira do entendimento acima apresentado, o Comando da Brigada Militar de Canguçu não se enquadra no conceito de autoridade que responda perante o Tribunal de Justiça por crime de responsabilidade, de modo que, na situação ora posta, cabível sua exclusão do feito.

 

Assim, acolho a preliminar arguida para excluir do polo passivo da ação o Tenente da Brigada Militar de Canguçu, CARLOS MULLER, em razão da ausência de indicação de ato sob sua responsabilidade que, mesmo em tese, violasse direito líquido e certo do impetrante.

Prossigo no exame do mérito.

 

Do Mérito

Sabe-se que o mandado de segurança é remédio constitucional colocado à disposição do jurisdicionado quando seu direito líquido e certo estiver sendo violado ou ameaçado de lesão por ato de autoridade, na esteira do que dispõe o art. 5º, inc. LXIX, da CF/88.

Na espécie, o presente mandamus busca a declaração da ilegalidade de autos de infração de leis municipais, visando à concessão da proteção do direito do impetrante em prosseguir com atos de propaganda eleitoral na área pública que lhe foi interditada, e o afastamento de supostos atos de “perseguição política”.

No exame dos autos, a partir de imagem juntada pelo impetrante, constatou-se a presença de um conjunto de artefatos, entre os quais wind banners e tenda para amparar a mesa de distribuição de material de campanha.

Como já mencionado por ocasião do indeferimento da liminar, cabe consignar que a vedação relativa à afixação de propagandas eleitorais em bens cujo uso dependa de cessão ou permissão do poder público, ou que a ele pertençam, encontra disciplina no art. 37, §§ 1º a 8º, da Lei n. 9.504/97.

Reproduzo os argumentos constantes na decisão que indeferiu a tutela liminar, lançada nos seguintes termos (ID 45133601):

Decido.

[...]

Em relação à questão de fundo do mandado de segurança – realização de propaganda eleitoral em praça -, colho da Lei das Eleições:

Art. 37. Nos bens cujo uso dependa de cessão ou permissão do poder público, ou que a ele pertençam, e nos bens de uso comum, inclusive postes de iluminação pública, sinalização de tráfego, viadutos, passarelas, pontes, paradas de ônibus e outros equipamentos urbanos, é vedada a veiculação de propaganda de qualquer natureza, inclusive pichação, inscrição a tinta e exposição de placas, estandartes, faixas, cavaletes, bonecos e assemelhados. (Redação dada pela Lei nº 13.165, de 2015) (Vide ADPF Nº 548)

§ 1º A veiculação de propaganda em desacordo com o disposto no caput deste artigo sujeita o responsável, após a notificação e comprovação, à restauração do bem e, caso não cumprida no prazo, a multa no valor de R$ 2.000,00 (dois mil reais) a R$ 8.000,00 (oito mil reais).

§ 2º Não é permitida a veiculação de material de propaganda eleitoral em bens públicos ou particulares, exceto de:

I - bandeiras ao longo de vias públicas, desde que móveis e que não dificultem o bom andamento do trânsito de pessoas e veículos;

II - adesivo plástico em automóveis, caminhões, bicicletas, motocicletas e janelas residenciais, desde que não exceda a 0,5 m² (meio metro quadrado).

§ 3º Nas dependências do Poder Legislativo, a veiculação de propaganda eleitoral fica a critério da Mesa Diretora.

§ 4o Bens de uso comum, para fins eleitorais, são os assim definidos pela Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002 - Código Civil e também aqueles a que a população em geral tem acesso, tais como cinemas, clubes, lojas, centros comerciais, templos, ginásios, estádios, ainda que de propriedade privada.

§ 5º Nas árvores e nos jardins localizados em áreas públicas, bem como em muros, cercas e tapumes divisórios, não é permitida a colocação de propaganda eleitoral de qualquer natureza, mesmo que não lhes cause dano.

§ 6º É permitida a colocação de mesas para distribuição de material de campanha e a utilização de bandeiras ao longo das vias públicas, desde que móveis e que não dificultem o bom andamento do trânsito de pessoas e veículos.

§ 7º A mobilidade referida no § 6o estará caracterizada com a colocação e a retirada dos meios de propaganda entre as seis horas e as vinte e duas horas.

§ 8º A veiculação de propaganda eleitoral em bens particulares deve ser espontânea e gratuita, sendo vedado qualquer tipo de pagamento em troca de espaço para esta finalidade. (grifos meus)

Como se depreende da leitura da norma, a regra é a vedação de veiculação de propaganda de qualquer natureza nos bens cujo uso dependa de cessão ou permissão do poder público, ou que a ele pertençam (caput do art. 37).

Exceções à regra, aplicáveis a bens públicos e privados, são a permissão do uso de bandeiras ao longo de vias públicas e de adesivos em tamanhos limitados (§ 2º). Ao longo das vias públicas também são permitidos, excepcionalmente, a colocação de mesas para distribuição de material de campanha e a utilização de bandeiras (art. 6º).

Pois bem, o exame dos documentos juntados aos autos permite constatar a utilização de tenda para amparar a mesa de distribuição de material de campanha.

Vejamos:

Na hipótese, a regra é a vedação de veiculação de propaganda de qualquer natureza nos bens cujo uso dependa de cessão ou permissão do poder público. As exceções, que devem ser interpretadas restritivamente, não incluem utilização de tenda, que é o caso dos autos.

O próprio impetrante afirma que os órgãos de fiscalização determinaram a retirada desse aparato, ao passo que mantiveram a mesa de distribuição de material de adversário em local próximo.

A viabilidade da utilização de tenda/gazebo ou outra espécie de cobertura também não é questão pacífica na jurisprudência eleitoral, sendo possível localizar precedentes reconhecendo sua irregularidade, conforme segue:

Recursos Eleitorais. Representação. Propaganda irregular. Eleições 2020. Tenda. Concessão de liminar de retirada imediata da propaganda, sob pena de multa. Sentença de procedência.

É permitida a utilização de bandeiras e a colocação de mesas ao longo das vias públicas, desde que móveis e que não dificultem o bom andamento do trânsito de pessoas e veículos. Art. 37, § 6º, da Lei 9.504/97. Rol taxativo.

Provas da fixação de tenda em via pública, obstruindo o tráfego de pessoas e veículos no local. Falta de provas da retirada da propaganda. Ônus do qual não se desincumbiram os representados. Responsabilidade do beneficiário demonstrada. Art. 40-B, parágrafo único, da Lei 9.504/97.

Error in judicando. Cominação da multa prevista para propaganda eleitoral antecipada ilícita. Aplicação da multa prevista no art. 37, §1º, da Lei 9.504.97 e art. 19, §1º, da Resolução 23.610/19, mais benéfica aos recorrentes.

Cominação no mínimo legal. Princípios da razoabilidade e proporcionalidade.

Recursos providos em parte, para reduzir o valor da multa para R$2.000,00 (dois mil reais).

(TRE-MG - Recurso Eleitoral nº 060020647, Acórdão, Relator(a) Des. Patricia Henriques Ribeiro, Publicação: DJEMG - Diário de Justiça Eletrônico - TREMG, Data 27/08/2021)

Considerando a existência de dúvida sobre a regularidade de utilização de tenda para proteger mesa de distribuição de material de campanha, não é possível admitir, em exame perfunctório próprio das liminares, a existência do direito líquido e certo afirmado pelo impetrante.

Como a postulação contida na inicial relaciona-se à concessão de ordem para afastar os efeitos dos autos de infração lançados contra o candidato, a liminar deve ser indeferida, pois tal postulação ultrapassa o âmbito da jurisdição eleitoral, já que se referem à infringência de "Leis Municipais" (não eleitorais).

No entanto, fica reconhecida a possibilidade de utilização de mesas de distribuição de material de campanha e de windbanners, desde que sem a tenda.

DIANTE DO EXPOSTO, indefiro o pedido de tutela liminar.

[...]

 

Para além das considerações lançadas no exame liminar, anoto que constou no auto de infração impugnado que o contribuinte autuado “instalou gazebo sem autorização da Prefeitura Municipal em Espaço Público. Ademais, obstinou-se e permaneceu desobedecendo a ordem de desinstalar o objeto”. No documento, está indicada a lei municipal violada pela conduta do impetrante.

Pois bem: não há como reconhecer a existência de direito líquido e certo à utilização de gazebo/tenda para realização de propaganda eleitoral, ou mesmo para amparar o material de propaganda previsto na legislação ou proteger o pessoal contratado pela campanha para divulgação da candidatura.

Como já mencionado, a regra geral é a proibição de veiculação de propaganda eleitoral de qualquer natureza nos bens cujo uso dependa de cessão ou permissão do poder público, ou que a ele pertençam (art. 37 da Lei n. 9.504/97). A exceção é a permissão para utilizar bandeiras e mesas na distribuição de material ao longo de vias públicas, desde que móveis e que não dificultem o bom andamento do trânsito de pessoas e veículos (inc. I do § 2º do art. 37 da Lei das Eleições).

Por equiparação às bandeiras e sob as mesmas restrições, tem sido reconhecida a permissão para utilização de wind banners com propaganda eleitoral.

No entanto, a utilização de tendas e gazebos em praça pública não encontra o mesmo respaldo na jurisprudência eleitoral, de forma que se impõe o reconhecimento da presunção de legalidade do ato impetrado.

Para fins de eventual reconhecimento da ilegalidade do ato coator, seria necessária, ademais, prova de que o artefato em questão não estivesse dificultando o bom andamento do trânsito de pessoas, visto que, em acesso à Lei Municipal n. 796/82, o que se verifica é que o art. 156, indicado no auto de infração, prevê a proibição de “embaraçar ou impedir por qualquer meio, o livre trânsito de pedestres ou veículos nas ruas, praças, passeios, estradas e caminhos públicos”.

Os documentos juntados aos autos e as próprias limitações à produção de prova em mandado de segurança são obstáculo ao reconhecimento da ilegalidade do auto de infração.

De qualquer sorte, como bem expresso no parecer ministerial, tendo já se concluído o período de propaganda eleitoral do pleito de 2022, resta prejudicado “o pedido de ordem à Brigada Militar para que adote conduta omissiva no sentido de que não haja intimidação POR PARTE DE POLICIAIS ou atos que possam impedir a promoção da campanha política do paciente, especialmente o espaço para distribuição de materiais”.

Por fim, quanto à alegada “perseguição política” e ao pedido de comunicação ao Ministério Público Eleitoral, igualmente com razão a douta Procuradoria Regional Eleitoral (ID 45304328),

(b) no que toca ao pedido de comunicação ao Ministério Público Eleitoral, “especialmente em relação aos indício de perseguição política e falta de tratamento isonômico por parte da administração pública Municipal de Canguçu nos termos apresentados”, que não se observam elementos hábeis a demonstrar as alegações do impetrado. Ao contrário, a situação apontada como paradigma para comprovar o tratamento não isonômico revelou-se distinta daquela demonstrada pela inicial e documentos que a instruem, pois a propaganda eleitoral realizada por outro candidato utilizava uma mesa para distribuição de materiais, possibilidade que, inclusive, foi reafirmada ao impetrante na decisão liminar (ID 45133601)

 

Assim, diante da ausência de manifesta ilegalidade do ato impugnado, deve ser denegada a segurança.

 

DIANTE DO EXPOSTO, voto por acolher a preliminar arguida, excluindo do polo passivo da ação o tenente da Brigada Militar de Canguçu, CARLOS MULLER, e, no mérito, pela denegação da segurança.