REl - 0600173-29.2020.6.21.0018 - Voto Relator(a) - Sessão: 14/02/2023 às 14:00

VOTO

O recurso é adequado, tempestivo e comporta conhecimento.

Trata-se de recurso interposto contra sentença que desaprovou as contas de campanha, eleições 2020, cargo de vereadora, de ZEILA DENISE GARCIA DOS SANTOS, no Município de Dom Pedrito/RS, em razão de falhas que comprometeram a regularidade das contas apresentadas, em especial a contrariedade ao art. 38, e seus incisos, da Resolução TSE n. 23.607/19.

Acertadamente, a sentença (ID 44979561) foi no seguinte sentido:

A prestação de contas foi apresentada tempestivamente pelo candidato, mas não foi instruída com todos os documentos arrolados no art. 53 da Resolução TSE nº 23.607/2019.

Extraia-se que não houve recebimento de recursos de origem não identificada e de fontes vedadas referidas nos arts. 31 e 32 da Res. TSE n. 23.607/2019, não havendo irregularidades nesse sentido.

Todavia, o parecer conclusivo da unidade técnica apontou irregularidade no sentido de que as despesas contratadas não tiveram a devida comprovação. Foi assim consignado pelo examinador:

[…]

Do exame dos documentos vinculados no Sistema de Prestação de Contas Eleitoral (SPCE-Cadastro) foi identificada a ausência/inconformidade dos documentos comprobatórios relativos às despesas, bem como dos respectivos comprovantes de pagamento (cópia do cheque nominal cruzado ou transferência eletrônica identificando a contraparte), conforme consulta ao extrato bancário eletrônico, disponibilizado pelo TSE no site http://divulgacandcontas.tse.jus.br e no Sistema de Processo Judicial Eletrônico (Pje):

[…]

Quanto às despesas com combustível, em que pese a alegação da candidata, s. m. j., não está comprovado que o caso se enquadra nas exceções previstas no art. 35, § 11 da Resolução TSE 23.607/19. (Total: R$ 110,00)

Quanto às despesas com pessoal e contabilidade, subsiste a mesma irregularidade já apontada, pois não há nos extratos o registro da contraparte/destinação das despesas. Ainda, não foram juntados documentos idôneos capazes de suprir a ausência do registro bancário, como espelho dos cheques ou afins – o recibo/nota fiscal e a declaração unilateral do prestador de serviço não substituem a visualização/conferência de documento fiscal fidedigno. (Total: R$ 3.300,00)

[…]

Adoto, como razões de decidir os termos do parecer conclusivo da unidade técnica, inclusive quanto aos dispositivos normativos mencionados, que efetuou o exame dos extratos bancários e das peças constantes dos autos, concluindo pela irregularidade das contas apresentadas.

De fato, não restou satisfatoriamente comprovado o enquadramento dos gastos com combustível nas exceções previstas na norma, tampouco a destinação inequívoca dos recursos gastos com pessoal e contabilidade.

Adiciono, tão somente, que a exigência de comprovação das despesas e de sua destinação encontra guarida no disposto no art. 35, § 12; art. 38; art. 53, II, c) e art. 60, todos também da Res. TSE n. 23.607/19.

Assim, tendo em vista a ausência de documento idôneo - como espelho dos cheques, se de fato nominais, recibo bancário ou afins - que ateste ou auxilie na efetiva aferição da destinação dos recursos despendidos, inarredável concluir pela irregularidade das despesas.

Por fim, registro que as irregularidades perfazem o montante de R$ 3.410,00 (três mil quatrocentos e dez reais) e são todas oriundas de despesas com recursos de Fundo Especial, o que atrai a obrigação de devolução dos valores ao Tesouro Nacional, nos termos do art. 79, § 1º da Resolução em comento.

Consigno, por fim, que a possibilidade de aprovação com ressalvas, pelo princípio da razoabilidade, esbarra tanto no percentual representado pelas irregularidades, quanto em seu valor absoluto.

O Ministério Público Eleitoral ratificou as irregularidades, opinando pela desaprovação das contas.

Portanto, as contas devem ser desaprovadas.

III – DISPOSITIVO

Isso posto, considerando o relatório final de exame e o parecer do Ministério Público Eleitoral:

a) DESAPROVO as presentes contas de campanha de ZEILA DENISE GARCIA DOS SANTOS, candidata a vereadora pelo Partido Progressistas - PP, relativas às Eleições Municipais de 2020, nos termos do art. 74, III da Resolução TSE nº 23.607/2019;

b) determino o recolhimento ao Tesouro Nacional da importância de R$ 3.410,00 (três mil quatrocentos e dez reais), em até cinco dias após o trânsito em julgado desta decisão, sob pena de encaminhamento dos autos à Advocacia-Geral da União para fins de cobrança, conforme art. 79, § 1º da Resolução TSE nº 23.607/2019.


 

Assim, a sentença acolheu os apontamentos efetuados pela unidade técnica em seu parecer conclusivo (ID 44979557) de que os recursos financeiros originários do Fundo Especial de Financiamento de Campanha - FEFC foram empregados incorretamente na campanha, pois a prestadora não respeitou as disposições do art. 38 e seus incisos, de tal forma que lhe foi aplicada a penalidade prevista no art. 79, § 1º, da Resolução TSE n. 23.607/19.

Sustenta a recorrente que a falha constatada é meramente formal, pois a informação financeira foi declarada, escriturada, e subsidiou a prestação de contas, sem qualquer óbice à atividade fiscalizatória da Justiça Eleitoral. Diz que a emissão de cheques não cruzados em “momento algum compromete a análise técnica do processo eleitoral de prestação de contas, vez que todos os elementos comprobatórios compõem a presente prestação de contas (notas fiscais, recibos de prestação de serviço, emissão de cheques nominais para o respectivo pagamento e extratos das contas bancárias de campanha) o que pode ser comprovado através dos documentos já anexados ao processo de origem, incluindo declarações das pessoas que prestaram serviço ao candidato e declararam que realmente receberam, em que pese ter fornecido recibos e tudo devidamente informado e constando no Divulgacand.”

Consta que a prestadora efetuou pagamentos por meio de cheques não cruzados, o que impossibilitou a aferição da contraparte.

A unidade técnica, em seu parecer conclusivo, esclarece o ponto da seguinte forma (ID 44979557):

Do exame dos documentos vinculados no Sistema de Prestação de Contas Eleitoral (SPCE-Cadastro) foi identificada a ausência/inconformidade dos documentos comprobatórios relativos às despesas, bem como dos respectivos comprovantes de pagamento (cópia do cheque nominal cruzado ou transferência eletrônica identificando a contraparte), conforme consulta ao extrato bancário eletrônico, disponibilizado pelo TSE no site http://divulgacandcontas.tse.jus.br e no Sistema de Processo Judicial Eletrônico (PJe):
 

DATA

FORNECEDOR

IRREGULARIDADE

VALOR
(R$)

N. CH

CT

05/11/20

Pozzebonn & Castro
Serviços Contábeis Ltda

Cheque caixa

900,00

850001

236870

10/11/20

Suzi Mary Relingue

Cheque caixa

300,00

850009

236870

10/11/20

Evaldo Laide Monteiro

Cheque caixa

300,00

850007

236870

10/11/20

Max Uillian
Dos Santos

Cheque caixa

300,00

850006

236870

10/11/20

Michel dos Santos
Monteiro

Cheque caixa

300,00

850005

236870

11/11/20

Luana Relingue
Rodirgues

Cheque caixa

300,00

850008

236870

11/11/20

Maykel dos Santos
Monteiro

Cheque caixa

300,00

850010

236870

11/11/20

Maria de Fátima
Laide Monteiro

Cheque caixa

300,00

850011

236870

12/11/20

Ana Cristiane
Caetano da Silva

Cheque caixa

300,00

850012

236870

18/11/20

SIM REDE DE POSTOS LTDA

Gasto com combustíveis

55,00

 

236870

23/11/20

SIM REDE DE POSTOS LTDA

Gasto com combustíveis

55,00

 

236870

 

 

TOTAL

R$ 3.410,00

 

 


 

Quanto às despesas com combustível, em que pese a alegação da candidata, s. m. j., não está comprovado que o caso se enquadra nas exceções previstas no art. 35, § 11, da Resolução TSE 23.607/19. (Total: R$ 110,00)

Quanto às despesas com pessoal e contabilidade, subsiste a mesma irregularidade já apontada, pois não há nos extratos o registro da contraparte/destinação das despesas. Ainda, não foram juntados documentos idôneos capazes de suprir a ausência do registro bancário, como espelho dos cheques ou afins – o recibo/nota fiscal e a declaração unilateral do prestador de serviço não substituem a visualização/conferência de documento fiscal fidedigno. (Total: R$ 3.300,00)

 

 Houve, portanto, infração ao disposto no art. 38 da Resolução TSE n. 23.607/19, o qual determina que os gastos eleitorais de natureza financeira só podem ser efetuados por meio de:

  1.  cheque nominal cruzado;
  2.  transferência bancária que identifique o CPF ou CNPJ do beneficiário;
  3.  débito em conta; ou
  4.  cartão de débito da conta bancária.

 

Na espécie, a recorrente emitiu 9 (nove) cheques sem que se pudessem identificar os respectivos beneficiários, em descumprimento ao que determina o art. 38 da Resolução TSE n. 23.607/19, não constando especificação da contraparte no extrato bancário.

Nesse sentido, o que constou no parecer da douta Procuradoria Regional Eleitoral (ID 45141037):

[…] os meios de pagamento previstos no art. 38 da Resolução TSE n. 23.607/2019 são os únicos que permitem identificar exatamente a pessoa, física ou jurídica, que recebeu o valor depositado na conta de campanha, constituindo, assim, um mínimo necessário para efeito de comprovação do real destinatário dos recursos de campanha, e, por consequência, da veracidade do gasto correspondente.

 

No caso em tela, sendo o pagamento realizado sem a devida identificação dos destinatários do valor, restou inviabilizado o sistema instituído pela Justiça Eleitoral para conferir transparência e publicidade às receitas e aos gastos de campanha, pois impediu o controle e a fiscalização da destinação dos recursos públicos.

Outro ponto que restou prejudicado foi o rastreamento para verificar se os destinatários dos pagamentos de fato pertenciam à relação que originou o gasto de campanha, além de outros controles públicos, como é o caso da Receita Federal e do COAF.

A legislação eleitoral dispõe, nos arts. 38 e 60, caput e §§ 1º e 2º, da Resolução TSE n. 23.607/19, sobre a análise conjunta das despesas. O primeiro dispositivo legal elenca os meios pelos quais os pagamentos devem ser efetuados, e o segundo contempla um rol de documentos complementares à comprovação dos gastos eleitorais.

Dessa maneira, a Justiça Eleitoral construiu uma análise circular das despesas, contando, para isso, com dados das instituições financeiras, dos prestadores de contas e dos terceiros contratados, para atestar a origem e o destino dos valores.

A Procuradoria Regional Eleitoral explicita em suas palavras a necessidade de analisar de forma conjunta os dados extraídos (ID 45141037):

É somente tal triangularização entre prestador de contas, instituição financeira e terceiro contratado, com dados provenientes de diversas fontes distintas, que permite, nos termos da Resolução TSE n. 23.607/2019, o efetivo controle dos gastos de campanha a partir do confronto dos dados pertinentes. Saliente-se, ademais, que tal necessidade de controle avulta em importância quando, como no caso, se trata de aplicação de recursos públicos.

 

Contudo, ao cotejar os extratos bancários juntados com o recurso, é possível verificar que a transparência da contabilidade não foi afetada em relação ao pagamento do valor de R$ 900,00 para a empresa Contábil Pozzebon & Castro Serviços Contábeis.
                      Explico.
                     No ID 44979566 há extrato bancário com o lançamento do débito do valor de R$ 900,00 no dia 05.11.2020. Ao mesmo tempo, há o extrato bancário do contratado que identifica o crédito de R$ 900,00 na mesma data.
                  Assim, na medida em que essa Corte se utiliza de elementos constantes no sistemas da Justiça Eleitoral, não menos razoável a possibilidade de examinar os extratos bancários juntados em recurso, que não são documentos unilaterais como o contrato de prestação de serviços. O cruzamento entre o que foi debitado na conta da candidata com o que foi creditado na conta do contratado é suficiente para afastar a glosa do valor de R$ 900,00.
               De outra banda, na esteira do parecer ministerial, acolho os argumentos recursais para corrigir o valor gasto a título de combustíveis, pois o valor total é de R$ 55,00 relativo ao cheque 850004, que foi devolvido e reapresentado, operação que se pode conferir por meio do link disponível em:  https://divulgacandcontas.tse.jus.br/divulga/#/candidato/2020/2030402020/86290/210000671148/extratos, acesso em 03.11.2022.
             Dessa forma, do valor a ser devolvido ao Erário (R$ 3.410,00) há de ser deduzida a importância total de R$ 955,00 (R$ 900,00 + R$55,00), cujo montante é de R$ 2.455,00.
      Conforme consta, as irregularidades ainda que reduzidas nessa instância (R$ 2.455,00) representam 52,90% do total das receitas declaradas (R$ 4.640,00) e o valor absoluto é significativo e superior ao parâmetro de 1.000 UFIR adotado por esta Corte, como viabilizador de ressalvas às contas.

Corroborando, segue decisão monocrática proferida pelo Ministro Luiz Edson Fachin, nos autos do RESPE n. 37447, em 13.6.19:

Entendo que o limite percentual de 10% (dez por cento) adotado por este Tribunal Superior revela-se adequado e suficiente para limitar as hipóteses de incidência dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade.

É de se harmonizar, contudo, a possibilidade de sobreposição dos critérios do valor diminuto e da aplicação dos princípios já citados. Em casos tais, deve prevalecer, até o limite aqui indicado, o critério de valor absoluto, aplicando-se o critério principiológico de forma subsidiária.

Assim, se o valor da irregularidade está dentro do máximo valor entendido como diminuto, é desnecessário aferir se é inferior a 10% (dez por cento) do total da arrecadação ou despesa, devendo se aplicar o critério do valor diminuto.

Apenas se superado o valor máximo absoluto considerado irrisório, aplicar-se-á o critério da proporcionalidade e da razoabilidade, devendo ser considerado o valor total da irregularidade analisada, ou seja, não deve ser desconsiderada a quantia de 1.000 UFIRs alcançada pelo critério do valor diminuto.

 

Diante do exposto, VOTO pelo conhecimento e parcial provimento do recurso, tão somente para reduzir o valor a ser devolvido ao Tesouro Nacional para o montante de R$ 2.455,00. mantida a desaprovação das contas.