REl - 0600711-26.2020.6.21.0045 - Voto Relator(a) - Sessão: 01/02/2023 às 14:00

VOTO

Presentes os pressupostos de admissibilidade, conheço do recurso.

No mérito, trata-se de recurso interposto contra sentença que desaprovou as contas de campanha, eleições 2020, cargo de vereador, de TANIA ROSANA MATOS SANTIAGO no Município de Santo Ângelo/RS.

Consta que a sentença desaprovou as contas da candidata em razão da existência de recebimento de recursos de origem não identificada, infringindo o disposto no art. 32, §§1º e 6º da Resolução TSE n. 23.607/19 (ID 44923276):

Art. 32. Os recursos de origem não identificada não podem ser utilizados por partidos políticos e candidatos e devem ser transferidos ao Tesouro Nacional por meio de Guia de Recolhimento da União (GRU).
§ 1º Caracterizam o recurso como de origem não identificada:
I - a falta ou a identificação incorreta do doador;
II - a falta de identificação do doador originário nas doações financeiras recebidas de outros candidatos ou partidos políticos;
III - a informação de número de inscrição inválida no CPF do doador pessoa física ou no CNPJ quando o doador for candidato ou partido político;
(...)
§ 6º Não sendo possível a retificação ou a devolução de que trata o § 5º, o valor deverá ser imediatamente recolhido ao Tesouro Nacional.

 

Cumpre destacar que, embora o recurso verse a respeito de dois aspectos constantes no exame das contas (ID 100293930), a sentença a quo desaprovou a contabilidade tão somente em virtude da aplicação na campanha de recursos próprios acima do declarado por ocasião do registro de candidatura.

Quanto à existência de despesas realizadas junto a fornecedores cujos sócios ou administradores estão inscritos em programas sociais, a sentença assim se manifestou no sentido de não afetar a regularidade das contas:
 

Por fim, quanto à identificação de despesas realizadas junto a fornecedores cujos sócios ou administradores estão inscritos em programas sociais, a informação já foi encaminhada ao Ministério Público Federal para apuração de eventual ilícito no recebimento/inclusão em programas sociais pelos terceiros. Tal apontamento não apresenta reflexos na esfera Eleitoral e, portanto, não afeta a regularidade das contas prestadas. (Grifo nosso)

 

Assim, examino a questão dos recursos de origem não identificada (art. 32 da Resolução TSE n. 23.607/19), causa de desaprovação das contas no juízo de origem, trecho que transcrevo, verbis:

No registro de candidatura a prestadora de contas declarou exercer a ocupação de professora, conforme consulta disponível em https://divulgacandcontas.tse.jus.br/divulga/#/candidato/2020/2030402020/88536/210000737373. No entanto, no caso em tela, considerando o montante envolvido, R$ 2.552.50, que representa 45,97% do total de receita declarada pela candidata, é incabível a aplicação dos postulados da proporcionalidade e razoabilidade para aprovar as contas com ressalvas, conforme jurisprudência do TRE-RS, uma vez que o valor nominal da irregularidade é superior a R$ 1.064,10 (ou mil UFIR), parâmetro que a disciplina normativa das contas considera módico, de modo a permitir o gasto de qualquer eleitor pessoalmente, não sujeito a contabilização, e de dispensar o uso da transferência eletrônica nas doações eleitorais (arts. 43, caput, e 21, § 1º, da Resolução TSE n. 23.607/2019).

 

Com razão a recorrente.

Na oportunidade do registro de candidatura, a recorrente declarou-se professora e sem bens a declarar. Doou para sua campanha e utilizou o valor de R$ 2.552,50, oriundo de recursos próprios.

A unidade técnica apontou que os recursos próprios aplicados em campanha superam o valor do patrimônio financeiro declarado por ocasião do registro de candidatura, visto que não informou bens. Além disso, não foi apresentada documentação comprobatória da procedência e disponibilidade dos recursos, configurando recursos de origem não identificada.

Em sua defesa, a candidata sustenta que estava em licença do cargo de professora, sendo o valor doado proveniente de recursos de sua renda mensal. Afirma também que, “caso a irregularidade seja de pequena monta, sem maior repercussão no contexto da campanha do candidato e não agrida seriamente o bem jurídico tutelado, não seria suficientemente robusta para caracterizar algum ilícito”.

No caso dos autos, a candidata declarou no seu RRC a profissão de professora, aliás a ocupação consta também em seu nome para urna - “Professora Tania Santiago” -, bem como, em consulta realizada em 13.10.2022, no sítio do DivulgaCandContashttps://divulgacandcontas.tse.jus.br/divulga/#/candidato/2020/2030402020/88536/210000737373/extratos), pode-se verificar a origem do aludido valor como proveniente de recursos próprios da candidata, da seguinte forma: duas transferências bancárias (R$ 1.500,00, em 01.10.20, e R$ 1.000,00, em 30.10.20) e um depósito (R$52,50 em 07.12.20), constando como contraparte o CPF 247.314.630-68 da candidata.

Logo, afastada a irregularidade no que diz respeito à alegação de recursos de origem não identificada, passo a verificar a utilização de valores acima do montante declarado quando do RRC.

Nesse ponto, a jurisprudência é assente no sentido de que a utilização de recursos financeiros próprios em campanha em montante superior ao patrimônio declarado no registro de candidatura não é motivo suficiente para desaprovar as contas, quando compatível com a realidade financeira de candidato e com a ocupação por ele exercida, consoante ilustra o seguinte julgado:

AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL. ELEIÇÕES 2016. VEREADOR. CONTAS DE CAMPANHA DESAPROVAÇÃO. USO DE RECURSOS FINANCEIROS PRÓPRIOS EM CAMPANHA EM MONTANTE SUPERIOR AO PATRIMÔNIO DECLARADO. COMPATIBILIDADE. REALIDADE FINANCEIRA E OCUPAÇÃO DO CANDIDATO. VALOR ÍNFIMO. DESPROVIMENTO.

1. O uso de recursos financeiros próprios em campanha em montante superior ao patrimônio declarado no registro de candidatura não é motivo suficiente, por si só, para desaprovar contas, quando compatível com a realidade financeira de candidato que declara sua ocupação. Precedentes.

2. No caso dos autos, embora o TRE/CE tenha assentado a existência de outras irregularidades que ensejaram a rejeição do ajuste contábil, consignou, especificamente quanto ao tema, que a renda mensal do candidato, declarada no valor de R$ 2.000,00, possibilitou a doação de recursos próprios no montante de R$ 2.500,00, e que a hipótese não cuida de recursos de origem não identificada.

3. Concluir em sentido diverso demandaria reexame de fatos e provas, providência inviável em sede extraordinária, a teor da Súmula 24/TSE.

4. Agravo regimental desprovido.

(TSE, Recurso Especial Eleitoral n. 35885, Acórdão, Relator Min. Jorge Mussi, Publicação: DJE - Diário da justiça eletrônica, Tomo 61, Data: 29.3.2019, pp. 64-65.) (Grifo nosso)

 

Nesse aspecto, o posicionamento da Procuradoria Regional Eleitoral (ID 45140306):

Portanto, deve ser afastada a irregularidade relacionada à utilização de recursos próprios no valor de R$ 2.552,50, uma vez que inferiores à 10% do teto de isenção do Imposto de Renda Pessoa Física (R$ 2.855,79).

 

Assim, afasto a irregularidade apontada sob a rubrica de recursos de origem não identificada no valor de R$ 2.552,50, pois comprovada sua procedência, e, consequentemente, a determinação para recolhimento do valor ao Tesouro Nacional. Por fim, considero o montante doado compatível com a ocupação declarada pela candidata, visto que, na qualidade de professora licenciada, continua percebendo proventos.

Diante do exposto, VOTO pelo provimento do recurso para aprovar com ressalvas as contas de TANIA ROSANA MATOS SANTIAGO, afastando a irregularidade apontada, assim como o recolhimento ao Tesouro Nacional.