REl - 0600288-60.2020.6.21.0047 - Voto Relator(a) - Sessão: 01/02/2023 às 14:00

VOTO

Da Admissibilidade

O recurso é regular, tempestivo e comporta conhecimento.

Do Documento Juntado com o Recurso

Inicialmente, consigno que, no âmbito dos processos de prestação de contas de campanha, este Tribunal tem concluído, em casos excepcionais, com respaldo no art. 266, caput, do Código Eleitoral, pela aceitação de novos documentos, acostados com a peça recursal e não submetidos a exame do primeiro grau de jurisdição, ainda que o interessado tenha sido intimado para se manifestar, quando sua simples leitura, primo ictu oculi, pode sanar irregularidades e não há necessidade de nova análise técnica.

Potencializa-se o direito de defesa, em especial quando a juntada da nova documentação mostra capacidade de influenciar positivamente no exame das contas, de forma a prestigiar o julgamento pela retidão no gerenciamento dos recursos empregados no financiamento da campanha, como denota-se da ementa abaixo colacionada:

EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. RECURSO. PRESTAÇÃO DE CONTAS. DESAPROVAÇÃO. PRELIMINAR. JUNTADA DE NOVOS DOCUMENTOS COM A PEÇA RECURSAL. ACOLHIDA. MÉRITO. AUSENTE OMISSÃO. DIVERGÊNCIA ENTRE OS DÉBITOS CONSTANTES NOS EXTRATOS E OS INFORMADOS NA CONTABILIDADE. PAGAMENTO DESPESAS SEM TRÂNSITO NA CONTA DE CAMPANHA. IMPOSSIBILIDADE DE REABERTURA DA INSTRUÇÃO PROBATÓRIA MEDIANTE A JUNTADA DE NOVOS DOCUMENTOS. INVIÁVEL NOS ACLARATÓRIOS. REJEIÇÃO. 1. Preliminar. Admitida a apresentação de novos documentos com o recurso, quando capazes de esclarecer irregularidades apontadas, sem a necessidade de nova análise técnica ou diligências complementares. 2. Inviável o manejo dos aclaratórios para o reexame da causa. Remédio colocado à disposição da parte para sanar obscuridade, contradição, omissão ou dúvida diante de uma determinada decisão judicial, assim como para corrigir erro material do julgado. Presentes todos os fundamentos necessários no acórdão quanto às falhas envolvendo divergência entre a movimentação financeira escriturada e a verificada nos extratos bancários bem como do pagamento de despesas sem o trânsito dos recursos na conta de campanha. Não caracterizada omissão. Rejeição.

(TRE-RS, RE n. 50460, Relator: Des. Eleitoral SILVIO RONALDO SANTOS DE MORAES, Data de Julgamento: 25.01.2018, DEJERS: 29.01.2018, p. 4.) (Grifei.)

Por essas razões, conheço do documento acostado com o recurso (ID 44984046), consistente em extrato bancário da conta pessoal do recorrente, de simples constatação e com possível aptidão para conduzir ao saneamento da irregularidade.

Do Mérito

No mérito, as contas do candidato foram desaprovadas em virtude do recebimento de recursos de origem não identificada, caracterizados pelo aporte de R$ 4.000,00 em espécie em sua conta de campanha, via depósito bancário, em violação ao disposto no art. 21 da Resolução TSE n. 23.607/19.

Conforme consta dos autos, o examinador de contas, em seu relatório técnico, identificou a seguinte irregularidade (ID 44984009):

3. Doações financeiras oriundas de recursos próprios do candidato, de valor igual ou superior a R$ 1.064,10:

Foram identificadas doações financeiras recebidas, de valor igual ou superior a R$ 1.064,10, realizadas de forma distinta da opção de transferência eletrônica ou cheque cruzado e nominal, entre as contas bancárias do doador e do beneficiário da doação, contrariando o disposto no art. 21, §§ 1º, 2º e 3º, da Resolução TSE nº 23.607/2019, estando sujeito ao recolhimento previsto no art. 32, caput, dessa resolução:

No parecer conclusivo, a unidade técnica entendeu pela persistência da falha, em montante equivalente a 33,17% da receita arrecadada, em face do descumprimento do art. 21, § 3º, da Resolução TSE n. 23.607/19, e recomendou a desaprovação das contas (ID 44984029).

O recorrente alega que foram oportunamente juntados extratos bancários de sua conta pessoal (ID 44984037 e 44984034) que demonstram o saque de R$ 5.000,00 e o imediato depósito em sua conta de campanha de R$ 4.000,00, sendo, portanto, evidenciada a origem dos recursos.

Pois bem.

As doações financeiras iguais ou excedentes a R$ 1.064,10 devem ser promovidas por meio de transferência eletrônica entre as contas bancárias do doador e do beneficiário ou cheque cruzado e nominal, consoante dispõe o art. 21, § 1º, da Resolução TSE n. 23.607/19:

Art. 21. As doações de pessoas físicas e de recursos próprios somente poderão ser realizadas, inclusive pela internet, por meio de:

(...)

§ 1º As doações financeiras de valor igual ou superior a R$ 1.064,10 (mil e sessenta e quatro reais e dez centavos) só poderão ser realizadas mediante transferência eletrônica entre as contas bancárias do doador e do beneficiário da doação ou cheque cruzado e nominal.

§ 2º O disposto no § 1º aplica-se também à hipótese de doações sucessivas realizadas por um mesmo doador em um mesmo dia.

§ 3º As doações financeiras recebidas em desacordo com este artigo não podem ser utilizadas e devem, na hipótese de identificação do doador, ser a ele restituídas ou, se isso não for possível, devem ser consideradas de origem não identificada e recolhidas ao Tesouro Nacional, na forma prevista no caput do art. 32 desta Resolução.

§ 4º No caso da utilização das doações financeiras recebidas em desacordo com este artigo, ainda que identificado o doador, os valores devem ser recolhidos ao Tesouro Nacional, na forma do disposto caput do art. 32 desta Resolução.

(…)

 

O escopo da norma é possibilitar o cruzamento de informações com o Sistema Financeiro Nacional, de modo a permitir que a fonte declarada seja confirmada por meio de mecanismos técnicos de controle da Justiça Eleitoral.

Mesmo na suposta hipótese de utilização de recursos próprios, o preceito normativo impõe que o aporte financeiro à campanha ocorra mediante transferência bancária entre a conta da pessoa física do candidato e a conta específica de campanha, sob pena de comprometimento da transparência de operação.

Por outro lado, este Tribunal tem arrefecido o rigor de disposições desta natureza quando o prestador, por outros meios, atinge o fim colimado pela norma, qual seja, a demonstração segura da origem dos recursos.

In casu, a partir de análise dos extratos bancários acostados, verifica-se que o candidato sacou de sua conta bancária pessoal, no dia 30.9.2020, a soma de R$ 4.000,00, logo após um resgate de R$ 5.000,00 em CDB e outros créditos de “folha de pagamento” (ID 44984046, fl. 3). Em sequência, o candidato efetuou o aporte em dinheiro desse montante em sua conta de campanha, na mesma data, mediante depósito identificado por seu CPF n. 419.563.200-59 (ID 44984001, fl. 2).

Nessa senda, resta comprovado por documentos bancários idôneos e congruentes que a verba injetada na campanha provém de recursos próprios do candidato, de modo que não há que se falar em origem não identificada e, por consequência, em recolhimento de valores ao Tesouro Nacional.

Nesse sentido, destaco os seguintes precedentes:

RECURSO. PRESTAÇÃO DE CONTAS. CANDIDATO. VEREADOR. ELEIÇÕES 2016. PRELIMINAR AFASTADA. POSSIBILIDADE DE APRESENTAÇÃO DE NOVOS DOCUMENTOS COM O RECURSO. MÉRITO. DOAÇÃO EM ESPÉCIE. DEPÓSITO DIRETO NA CONTA DE CAMPANHA. EXTRAPOLADO LIMITE REGULAMENTAR. ART. 18, § 1º, DA RESOLUÇÃO TSE N. 23.463/15. COMPROVADA A ORIGEM DOS VALORES. APROVAÇÃO COM RESSALVAS. PARCIAL PROVIMENTO. 1. Preliminar afastada. O oferecimento de novos documentos com o recurso, especialmente em sede de prestação de contas de campanha, não apresenta prejuízo à tramitação do processo, principalmente quando se trata de documentos simples capazes de esclarecer irregularidades apontadas e que visem salvaguardar o interesse público na transparência na contabilidade de campanha. 2. As doações financeiras de valor igual ou superior a R$ 1.064,10 somente podem ser realizadas mediante transferência eletrônica entre as contas bancárias do doador e do beneficiário. Depósito em espécie realizado diretamente na conta de campanha, acima do limite regulamentar, em desobediência ao disposto no art. 18, § 1º, da Resolução TSE n. 23.463/15. Comprovada a origem da quantia depositada, por meio de cheques e extratos bancários emitidos pelo prestador e devidamente compensados. Atendida a finalidade da norma, identificada a real fonte de financiamento da campanha. Aprovação com ressalvas. Provimento parcial.

(TRE-RS, RE 15329, Relator: Des. Eleitoral Silvio Ronaldo Santos de Moraes, Data de Julgamento: 18.12.2017, Diário de Justiça Eletrônico, Tomo 10, Data 24.01.2018, p. 12). Grifei.

 

RECURSO. PRESTAÇÃO DE CONTAS. CANDIDATO. VEREADOR. DEPÓSITOS BANCÁRIOS. CONTA DE CAMPANHA. EXTRAPOLADO LIMITE REGULAMENTAR. IDENTIFICADA A ORIGEM DAS DOAÇÕES. RECOLHIMENTO AO TESOURO NACIONAL. AFASTADO. PROVIMENTO PARCIAL. APROVAÇÃO COM RESSALVAS. ELEIÇÕES 2016.

O recebimento de doação por meio de depósito em espécie na conta-corrente de campanha, sem a observância da transferência eletrônica, afronta o disposto no art. 18, § 1º, da Resolução TSE n. 23.463/15. Comprovada a origem da quantia depositada, oriunda da conta corrente do candidato. Ainda que não tenha observado a legislação de regência sobre a matéria, foi possível a identificação das reais fontes de financiamento da campanha. Afastada a determinação de recolhimento ao Tesouro Nacional. Aprovação com ressalvas.

Provimento parcial.

(TRE-RS, RE 204-19.2016.6.21.0122, Relator: Des. Eleitoral Jamil Andraus Hanna Bannura, Data de Julgamento: 19.9.2017). Grifei.

 

RECURSO. PRESTAÇÃO DE CONTAS. CANDIDATO. VEREADOR. ELEIÇÃO 2016. PRELIMINAR. ADMITIDA A JUNTADA DE DOCUMENTOS NOVOS COM O RECURSO. MÉRITO. DOAÇÃO EM ESPÉCIE PELO PRÓPRIO CANDIDATO. VALOR ACIMA DO LIMITE ESTABELECIDO. ART. 18, § 1º, DA RESOLUÇÃO TSE N. 23.463/15. ORIGEM IDENTIFICADA. AFASTADO RECOLHIMENTO AO TESOURO NACIONAL. APROVAÇÃO COM RESSALVAS. PARCIAL PROVIMENTO.

1. Preliminar. Admitida a apresentação de novos documentos com o recurso, quando capazes de esclarecer irregularidades apontadas sem a necessidade de nova análise técnica ou diligências complementares.

2. Doação em espécie pelo próprio candidato, acima do valor estabelecido na norma, em desacordo ao disposto no art. 18, § 1º, da Resolução TSE n. 23.463/15, que exige a realização mediante transferência eletrônica. Irregularidade sanada com a devida identificação do doador e da origem da receita, restando atendida a finalidade da norma. Reforma da decisão para aprovar as contas com ressalvas e isentar o recorrente da determinação de recolhimento da importância ao Tesouro Nacional.

3. Parcial provimento.

(TRE-RS, RE 589-86.2016.6.21.0050, Relator: Des. Federal João Batista Pinto Silveira, Data de Julgamento: 08.3.2018). Grifei.

 

RECURSO. PRESTAÇÃO DE CONTAS. ELEIÇÕES 2020. CANDIDATOS. PREFEITO E VICE. RECURSOS DE ORIGEM NÃO IDENTIFICADA. DEPÓSITOS SUCESSIVOS EM ESPÉCIE. MESMO DOADOR E NO MESMO DIA. VALORES TOTAIS PARA AFERIÇÃO DO LIMITE LEGAL. COMPROMETIMENTO DA TRANSPARÊNCIA DA CONTABILIDADE. RESOLUÇÃO TSE N. 23.607/19. EXIGÊNCIA DE TRANSFERÊNCIA ELETRÔNICA. AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO ADICIONAL MÍNIMA SOBRE A ORIGEM DOS RECURSOS. PERCENTUAL DA IRREGULARIDADE ELEVADO. INAPLICABILIDADE DOS PRINCÍPIOS DA RAZOABILIDADE E PROPORCIONALIDADE. RECOLHIMENTO DO VALOR IRREGULAR AO TESOURO NACIONAL. DESPROVIMENTO.

1. Recurso contra sentença que desaprovou prestação de contas referentes às eleições municipais de 2020 de candidatos aos cargos de prefeito e vice-prefeito, determinando o recolhimento de valor ao Tesouro Nacional, em virtude do recebimento de receita de origem não identificada, tendo em vista o aporte de depósitos sucessivos, em espécie, na conta bancária de campanha.

2. Matéria disciplinada no art. 21 da Resolução TSE n. 23.607/19. Os valores dos depósitos sucessivos efetuados por um mesmo doador, em um mesmo dia, devem ser somados para fins de aferição do limite legal de R$ 1.064,10 em que facultado o crédito em espécie, tal qual prescrito no art. 21, § 2º, da Resolução TSE n. 23.607/19.

(...)

4. Este Regional tem arrefecido o rigor dessas disposições normativas quando o prestador, por outros meios, atinge o fim colimado pela norma, qual seja, a demonstração segura da origem dos recursos, mormente, por meio do oferecimento de comprovantes de saque em dinheiro da conta-corrente do doador e imediato depósito em espécie na conta de campanha, demonstrando que a operação de transferência bancária restou meramente decomposta em um saque, seguido incontinenti de um depósito na mesma data.

(…)

(TRE-RS, REl 0600624-82.2020.6.21.0138, Relator: Des. Eleitoral Silvio Ronaldo Santos de Moraes, Data de Julgamento: 07.7.2021). Grifei.

 

RECURSO. ELEIÇÕES 2020. PRESTAÇÃO DE CONTAS. CANDIDATO. VEREADOR. DESAPROVAÇÃO. RECEBIMENTO DE VALORES DE ORIGEM NÃO IDENTIFICADA. DEPÓSITOS BANCÁRIOS SUCESSIVOS, EM ESPÉCIE, NA MESMA DATA E PELO MESMO DOADOR. ULTRAPASSADO O LIMITE LEGAL. RECOLHIMENTO DA QUANTIA AO TESOURO NACIONAL. INVIABILIDADE DA APLICAÇÃO DOS POSTULADOS DA RAZOABILIDADE E DA PROPORCIONALIDADE. MANUTENÇÃO DA SENTENÇA. DESPROVIMENTO.

1. Insurgência contra sentença que desaprovou contas referentes às eleições municipais de 2020 diante do recebimento de recursos, em espécie, de origem não identificada, por meio de depósitos bancários efetuados na mesma data. Determinação de recolhimento de valores ao Tesouro Nacional.

2. Matéria disciplinada no art. 21 da Resolução TSE n. 23.607/19. As doações em montante igual ou superior a R$ 1.064,10 devem ser realizadas mediante transferência eletrônica entre as contas bancárias do doador e do beneficiário da doação ou cheque cruzado e nominal, devendo os valores ser recolhidos ao Tesouro Nacional caso haja utilização dos recursos recebidos em desacordo com o estabelecido no dispositivo, ainda que identificado o doador. Outrossim, os valores dos depósitos sucessivos realizados por um mesmo doador, em um mesmo dia, devem ser somados para fins de aferição do limite legal de R$ 1.064,10, em que facultado o crédito em espécie, tal qual prescrito no art. 21, § 2º, da referida Resolução.

(...)

4. Este Regional tem arrefecido o rigor das disposições normativas quando o prestador, por outros meios, atinge o fim colimado pela norma, qual seja, a demonstração segura da origem dos recursos, mormente, por meio do oferecimento de comprovantes de saque em dinheiro da conta-corrente do doador e imediato depósito em espécie na conta de campanha, demonstrando que a operação de transferência bancária restou meramente decomposta em um saque seguido, incontinenti, de um depósito na mesma data. No entanto, na hipótese, inexiste comprovação adicional mínima sobre a origem dos recursos, impossibilitando que a falha seja relevada. A ausência de esclarecimento acerca do motivo do emprego de valores em espécie não restou suprida pela alegação de os recursos impugados advirem de proventos de aposentadoria e subsídios de vereador, máxime quando se sabe que, de ordinário, esses valores são pagos não em dinheiro, mas via operações bancárias. Configurada irregularidade que afeta a transparência das contas e a necessidade de recolhimento aos cofres públicos da importância eivada de mácula, porquanto efetivamente empregada pelo candidato em sua campanha.

(…)

(TRE-RS, REl 0600214-66.2020.6.21.0124, Relator: Des. Eleitoral Silvio Ronaldo Santos de Moraes, Data de Julgamento: 13.7.2021). Grifei.

 

Entrementes, tais elementos de prova, ainda que retratem de forma idônea que a transferência tenha se dado por meio das operações de saque sucedido de depósito, não logram desconstituir a irregularidade formal, razão pela qual se impõe a aposição de ressalvas às contas.

Assim, em linha com o parecer ministerial, hão de ser as contas aprovadas com ressalvas, afastando-se a determinação de recolhimento aos cofres públicos.

 

Ante o exposto, VOTO pelo parcial provimento do recurso, para que sejam aprovadas com ressalvas as contas de JEOVANE WEBER CONTREIRA, candidato ao cargo de vereador no Município de São Borja, afastando-se a determinação de recolhimento de recursos ao Tesouro Nacional.