REl - 0600349-27.2020.6.21.0044 - Voto Relator(a) - Sessão: 31/01/2023 às 10:00

VOTO

 

Presentes os pressupostos de admissibilidade, conheço do recurso.

Trata-se de recurso interposto contra sentença que desaprovou as contas de campanha, eleições 2020, cargo de vereador, de MARIA APARECIDA TURCHETTI, no Município de Santiago/RS.

A sentença foi no seguinte sentido (ID 44984970):

As contas sub examine são regidas pela Lei 9.504/1997 e pela Resolução TSE 23.607/2019, encontrando-se devidamente preenchidos os pressupostos processuais e as condições da ação.

No mérito, insta observar que, analisando-se com acuidade os extratos bancários das Contas 404322 (FEFC) e 402745 (Outros Recursos), contata-se a ausência de identificação apenas do beneficiário do Cheque 850005, no valor de R$ 91,99, da Conta404322 (FEFC), não encontrando esteio nos autos e no SPCE Web, assim, o apontamento de realização de pagamentos no montante de R$ 1.922,70 em que não se pode identificar nos extratos bancários os destinatários.

Logrou a prestadora de contas comprovar, ainda, através dos documentos de IDs 81158328, 81158325 e 81158350, tratar-se a quantia de R$ 91,99 de recurso proveniente do FEFC que não foi utilizado na campanha eleitoral, sendo por si sacada através do Cheque 850005 para recolhimento à União, por meio de GRU, resultando demonstrada, desse modo, a efetiva destinação da referida verba.

Igual sorte não socorre Maria Aparecida Turchetti no que se refere ao apontamento de extrapolação do limite de autofinanciamento de campanha.

Com efeito, em que pesem os argumentos expendidos pela prestadora das contas, diante da pacificação pelo egrégio Tribunal Regional Eleitoral do Rio Grande do Sul do entendimento de cômputo dos recursos estimáveis referentes à utilização de veículo do próprio candidato para a aferição da observância do limite de autofinanciamento de campanha, tenho por bem rever o entendimento anteriormente adotado, para alinhamento ao posicionamento da referida corte, conforme preconizado pelo art. 927, V, do CPC, que determina aos juízes e tribunais que observem a orientação do plenário ou do órgão especial aos quais estiverem vinculados.

Colaciono, a propósito, ementas do julgamento de feitos similares, que evidenciam a uniformidade do entendimento acerca da questão do plenário do egrégio Tribunal Regional Eleitoral do Rio Grande do Sul (grifos meus):

(…)

Dessarte, assentado o entendimento de que a norma prevista no § 1º do art. 27 da Resolução TSE n. 23.607/19 abrange todos os recursos próprios empregados pela candidata em sua campanha, tanto os estimáveis em dinheiro, referentes a utilização de veículo próprio, como os em pecúnia, hialina se apresenta, in casu, a extrapolação em R$ 2.003,37 o limite objetivo estabelecido pelo art. 18-C da Lei 9.504/1997, correspondente a 13,78% do total dos recursos de campanha movimentados por Maria Aparecida Turchetti, a elidir a aplicação dos postulados da razoabilidade e proporcionalidade e impor o veredito de desaprovação das suas contas eleitorais, uma vez que ultrapassados os parâmetros adotados pelo TSE e TRE-RS de R$ 1.064,10 e de até 10% do total das receitas arrecadadas como valor ou percentual diminutos.

(…)

Forçosa, ainda, a aplicação da sanção de condenação da prestadora das contas ao pagamento da multa prevista no art. 27, § 4º, da Resolução TSE n. 23.607/19, a qual vai fixada no percentual de 100% da quantia em excesso, ou seja, em R$ 2.003,37, patamar que se afigura razoável, adequado e proporcional à falha verificada, uma vez que superado em 62,67% o teto legal de gastos.

Isso posto, em consonância com o art. 74, III, da Resolução TSE 23.607/2019, declaro DESAPROVADAS as contas apresentadas por MARIA APARECIDA TURCHETTI referentes ao pleito eleitoral do ano de 2020 para o cargo de vereadora no município de Santiago, RS, e a condeno ao pagamento de multa no valor de R$ 2.003,37 (dois mil e três reais e trinta e sete centavos), correspondente a 100% da quantia em excesso ao limite para autofinancimento da campanha, a ser recolhida ao Fundo Partidário.

 

No que diz respeito ao limite de uso de recursos próprios para a campanha, sendo o patamar para o cargo em cotejo estabelecido em R$ 3.196,64, a candidata extrapolou o limite em R$ 2.003,37, desatendendo ao disposto no art. 27, § 1º, da Resolução TSE n. 23.607/19.

No ponto, a Resolução TSE n. 23.607/19, que regulamenta a matéria, assim dispõe:

Art. 27. As doações realizadas por pessoas físicas são limitadas a 10% (dez por cento) dos rendimentos brutos auferidos pelo doador no ano-calendário anterior à eleição (Lei nº 9.504/1997, art. 23, § 1º).

§ 1º O candidato poderá usar recursos próprios em sua campanha até o total de 10% (dez por cento) dos limites previstos para gastos de campanha no cargo em que concorrer (Lei nº 9.504/1997, art. 23, § 2º-A).

§ 2º É vedada a aplicação indireta de recursos próprios mediante a utilização de doação a interposta pessoa, com a finalidade de burlar o limite de utilização de recursos próprios previstos no artigo 23, § 2º-A, da Lei 9.504/2017.

§ 3º O limite previsto no caput não se aplica a doações estimáveis em dinheiro relativas à utilização de bens móveis ou imóveis de propriedade do doador ou à prestação de serviços próprios, desde que o valor estimado não ultrapasse R$ 40.000,00 (quarenta mil reais) (Lei nº 9.504/1997, art. 23, § 7º).

§ 4º A doação acima dos limites fixados neste artigo sujeita o infrator ao pagamento de multa no valor de até 100% (cem por cento) da quantia em excesso, sem prejuízo de o candidato responder por abuso do poder econômico, nos termos do art. 22 da Lei Complementar nº 64/1990 (Lei nº 9.504/1997, art. 23, § 3º). (grifo nosso)

 

No caso concreto, considerando o marco de gastos relativos ao cargo (R$ 31.966,35), o uso de recursos próprios estaria restrito a R$ 3.196,63, o qual corresponde a 10% do limite de gastos de campanha no cargo em que concorrer. No entanto, a candidata doou R$ 5.200,00, excedendo, então, em R$ 2.003,37 o limite legalmente permitido.

Verifica-se nos autos e no site https://divulgacandcontas.tse.jus.br/divulga/#/candidato/2020/2030402020/88510/210000673911, acesso em 08.08.2022, que a candidata fez uso de recursos próprios no montante de R$ 5.200,00, sendo R$ 3.600,00 relativos à doação estimável do uso de um veículo Fiat/Palio Fire Economy, placa IQE 6898 (ID 44984930), acrescido de R$ 1.600,00 referentes a depósitos em espécie, efetuados em 07.10.2020 (R$ 1.000,00) e 16.10.2020 (R$ 600,00) em prol da própria campanha.

A recorrente alega que o valor estimável em dinheiro, referente ao seu veículo próprio, não poderia ser considerado como recurso financeiro, devendo ser excluído da contabilização de autofinanciamento.

A tese apresentada está de acordo com a recente jurisprudência desta Corte, que no julgamento do recurso REl n. 0600387-39.2020.6.21.0044, da relatoria da Desembargadora Vanderlei Teresinha Tremeia Kubiak, ocorrido em 24.10.2022, alinhou-se ao entendimento firmado pelo TSE no sentido de que a cessão de veículo próprio não deve ser contabilizada na aferição do limite de gastos de autofinanciamento:

RECURSO. ELEIÇÕES 2020. PRESTAÇÃO DE CONTAS. CANDIDATA. DESAPROVAÇÃO. EXCEDIDO LIMITE DE AUTOFINANCIAMENTO DE CAMPANHA. BEM ESTIMÁVEL EM DINHEIRO. CESSÃO DE AUTOMÓVEL. PRECEDENTE DO TSE. REVISÃO DE POSICIONAMENTO DESTA CORTE. EXCLUÍDA A DOAÇÃO ESTIMÁVEL. AFASTADA A MULTA FIXADA NA SENTENÇA. APROVAÇÃO DAS CONTAS. PROVIMENTO.

1. Recurso contra sentença que desaprovou as contas de candidata, em razão da extrapolação do limite de autofinanciamento, determinando o pagamento da multa prevista no art. 27, § 4º, da Resolução TSE n. 23.607/19, no percentual de 100% da quantia em excesso, a ser recolhida ao Fundo Partidário.

2. Excedido o limite de autofinanciamento de campanha, em discordância ao disposto no art. 27, § 1º, da Resolução TSE n. 23.607/19, que estabelece que o candidato poderá usar recursos próprios até 10% (dez por cento) dos limites previstos para gastos de campanha no cargo em que concorrer.

3. Posicionamento do Tribunal Superior Eleitoral, a partir do julgamento do REspEl 0600265–19/PI, de relatoria o Min. Sérgio Banhos, na sessão de 26/5/2022, estabelecendo que o uso de veículo automotor do próprio candidato em campanha não configura gasto eleitoral e que não há óbice a que a ressalva do § 7º do art. 23 da Lei 9.504/97 – que exclui os bens estimáveis em dinheiro relativos à utilização de bens móveis ou imóveis do limite de 10% de doação de pessoas físicas a candidatos – seja também aplicada por analogia à hipótese de autofinanciamento de campanha. Decisão tomada de forma unânime, com o relator reajustando seu voto após manifestação de divergência, o que demonstra que os julgadores debateram e ponderaram sobre as circunstâncias que envolvem a cessão de bens do próprio candidato na campanha eleitoral.

4. Prestígio ao precedente do TSE, em homenagem à igualdade de tratamento na resposta judicial e à segurança jurídica. Proposta de revisão de posicionamento para declarar que os recursos estimáveis que representem cessão de veículo do próprio candidato para uso em sua campanha eleitoral não devem ser computados para fins de verificação de observância dos limites de autofinanciamento do prestador de contas.

5. Excluída a doação estimável (cessão de veículo da candidata para uso em sua campanha) do cômputo dos valores para fins de apuração do limite de gastos, tem-se que a recorrente aportou, a título de recursos próprios, valores que não superam o limite estipulado para o cargo de vereador no município, devendo ser afastada a multa aplicada.

6. Provimento. Aprovação das contas.

(REl n. 0600387-39.2020.6.21.0044, Rel. Desembargadora Vanderlei Teresinha Tremeia Kubiak, DJE 28.10.2022)

 

Assim, excluída a doação estimável referente à cessão de veículo próprio para uso em sua campanha, no valor de R$ 3.600,00, do cômputo dos valores para fins de apuração do limite de gastos, constata-se que a recorrente aportou, a título de recursos próprios, o montante de 1.600,00 - valor em espécie, o qual não supera o patamar de R$ 3.196,64 estipulado para o cargo de vereador no Município de Santiago-RS, devendo ser afastada a multa aplicada na decisão recorrida em razão de extrapolação decorrente de autofinanciamento.

Ante o exposto, VOTO pelo provimento do recurso, para reformar a sentença e aprovar as contas de MARIA APARECIDA TURCHETTI, afastando a determinação do recolhimento do montante de R$ 2.003,37 ao Fundo Partidário.