REl - 0600250-37.2020.6.21.0083 - Voto Relator(a) - Sessão: 26/01/2023 às 14:00

VOTO

O recurso é tempestivo e, presentes os demais pressupostos de admissibilidade, merece conhecimento.

EDEVALDO LIMA DE OLIVEIRA, candidato ao cargo de vereador no Município de Sarandi nas eleições 2020, interpõe recurso contra a sentença proferida pelo Juízo da 83ª Zona Eleitoral, que desaprovou as contas em razão de ausência de comprovação de gasto eleitoral com verba do FEFC - Fundo Especial de Financiamento de Campanha.

A auditoria contábil realizada no juízo de origem identificou irregularidade em pagamento de despesa com verba oriunda do FEFC, decorrente do desconto de dois cheques nos valores de R$ 1.000,00 (cada) atribuídos pelo recorrente a pagamentos de serviço de panfletagem.

No ponto, o recorrente juntou aos autos (1) contratos de prestação de serviço firmado entre o candidato e as prestadoras Nilvania Paim e Kellen Matos de Souza, além de (2) recibos em nome das contratadas e da (3) imagem dos cheques emitidos da conta de campanha de Edevaldo, preenchidos de modo nominal, não cruzado, nos valores referidos. Observo que, nos extratos bancários, o registro dos cheques descontados veio desacompanhado da indicação das contrapartes.

No ponto, a Resolução TSE n. 26.607/19 dispõe:

Art. 38. Os gastos eleitorais de natureza financeira, ressalvados os de pequeno vulto previstos no art. 39 e o disposto no § 4º do art. 8º, ambos desta Resolução, só podem ser efetuados por meio de:

I - cheque nominal cruzado;

II - transferência bancária que identifique o CPF ou CNPJ do beneficiário;

III - débito em conta; ou

IV - cartão de débito da conta bancária.

O recorrente sustenta que os documentos juntados conferem regularidade às contas.

Sem razão.

Muito embora estejam presentes as cópias dos contratos de prestação de serviço, recibos eleitorais e cheques nominais, o pagamento não foi comprovado, pois os extratos oferecidos não indicam as contrapartes sacadoras dos valores, registrando apenas “cheque terceiros por caixa” e “cheque compensado”.

Sublinho que a falha decorre da não observância das formas estabelecidas na legislação de regência para pagamento dos gastos eleitorais: cheque nominal cruzado, transferência bancária que identifique o CPF ou CNPJ do beneficiário, débito em conta ou cartão de débito da conta bancária. No caso, o preenchimento dos cheques não atendeu ao exigido cruzamento.

No ponto, bem esclarece o douto Procurador Regional Eleitoral, em alentado trecho do parecer, o qual transcrevo e adoto expressamente como razões de decidir, a fim de evitar desnecessária repetição:

Nesse sentido, cumpre destacar que, para as eleições de 2020, o TSE buscou ser mais rigoroso com o controle dos gastos eleitorais, pois acrescentou a obrigação do pagamento se dar por cheque cruzado, previsão inexistente para as eleições anteriores.

Diga-se que os meios de pagamento previstos no art. 38 da Resolução TSE nº 23.607/2019 são os únicos que permitem identificar exatamente a pessoa, física ou jurídica, que recebeu o valor depositado na conta de campanha, constituindo, assim, um mínimo necessário para efeito de comprovação do real destinatário dos recursos e, por consequência, da veracidade do gasto correspondente.

Tais dados fecham o círculo da análise das despesas, mediante a utilização de informações disponibilizadas por terceiro alheio à relação entre credor e devedor e, portanto, dotado da necessária isenção e confiabilidade para atestar os exatos origem e destino dos valores. Isso porque somente o registro correto e fidedigno das informações pela instituição financeira permite o posterior rastreamento, para que se possa apontar, por análise de sistema a sistema, eventuais inconformidades.

Assim, se por um lado o pagamento pelos meios indicados pelo art. 38 da Resolução TSE nº 23.607/19 não é suficiente, por si só, para atestar a realidade do gasto de campanha informado, ou seja, de que o valor foi efetivamente empregado em um serviço ou produto para a campanha eleitoral, sendo, pois, necessário trazer uma confirmação, chancelada pelo terceiro com quem o candidato contratou, acerca dos elementos da relação existente; por outra via a tão só confirmação do terceiro por recibo, contrato ou nota fiscal também é insuficiente, pois não há registro rastreável de que foi tal pessoa quem efetivamente recebeu o referido valor.

É somente tal triangularização entre prestador de contas, instituição financeira e terceiro contratado, com dados provenientes de diversas fontes, que permite, nos termos da Resolução TSE nº 23.607/2019, o efetivo controle dos gastos de campanha a partir do confronto dos dados pertinentes. Saliente-se, ademais, que tal necessidade de controle avulta em importância quando, como no caso, se trata de aplicação de recursos públicos.

Ademais, a obrigação de que os recursos públicos recebidos pelos candidatos sejam gastos mediante forma de pagamento que permita a rastreabilidade do numerário até a conta do destinatário (crédito em conta), como se dá com o cheque cruzado (art. 45 da Lei nº 7.357/85), assegura que outros controles públicos possam ser exercidos, como é o caso da Receita Federal e do COAF.

Finalmente, ao não ser cruzado o cheque, permitindo o saque sem depósito em conta, resta prejudicado o sistema instituído pela Justiça Eleitoral para conferir transparência e publicidade às receitas e gastos de campanha, uma vez que impossibilitada a alimentação do sistema Divulgacandcontas com a informação sobre o beneficiário, inviabilizando o controle por parte da sociedade.

Nesse norte, inexistindo a comprovação do vínculo entre os pagamentos e as credoras declaradas, objeto do recibo, do cheque e do contrato juntados à prestação, remanesce a irregularidade e a correta determinação de recolhimento do valor de R$ 1.000,00.

Observo que a irregularidade alcança o montante de R$ 2.000,00, valor integral do recurso oriundo do FEFC recebido pelo candidato e equivalente a 46,57% do total arrecadado, R$ 4.294,00.

Contudo, a sentença determinou o recolhimento de apenas R$ 1.000,00, circunstância que lhe aproveita, pois é inviável a alteração para pior do valor a ser recolhido, por força do princípio da non reformatio in pejus.

Por fim, não obstante a ordem de recolhimento esteja estabelecida abaixo do parâmetro de R$ 1.064,10, tenho que a aplicação dos princípios constitucionais da razoabilidade e da proporcionalidade resta prejudicada no presente caso concreto, pois, substancialmente, o valor de irregularidades identificado na sentença é de R$ 2.000,00 (dois mil reais), apenas a quantia a ser devolvida ao Tesouro Nacional é que se mostra equivocada, e tudo indica a ocorrência, no tópico, de erro material na decisão.

Diante do exposto, VOTO pelo desprovimento do recurso.