REl - 0600233-17.2020.6.21.0013 - Divirjo do(a) relator(a) - Sessão: 25/01/2023 às 14:00

PROCESSO: RE n. 0600233-17.2020.6.21.0013

PROCEDÊNCIA: CANDELÁRIA

RECORRENTES: COLIGAÇÃO A MUDANÇA NÃO PODE PARAR E PEDRO ROBERTO MORAES

RECORRIDOS: ELISABETE FERREIRA DA SILVA, ADÃO CARLOS MACHADO, ALEXANDRA RIBEIRO BINI, BRUNA TESCH, CARLA GABRIELA DOS SANTOS WERNZ, CELSO ANDRÉ GEHRES, CLÁUDIO LOPES, DALILO FRANCISCO CEZAR, DANIELA DA VEIGA DUMMER, FATIMA ANDREA SCHMITT, LEANDRO KUHN, MARCELO D’AVILA, MARCO ANTÔNIO LARGER, JOÃO ANTÔNIO DA SILVA LOPES, JOÃO ANTÔNIO DIAS SOBRINHO ROGÉRIO GARCIA DA SILVA, RUDIMAR RIBEIRO, SERGIO LUIS DIEHL

RELATOR: DES. ELEITORAL JOSÉ VINÍCIUS ANDRADE JAPPUR

 


 

VOTO DIVERGENTE

DES. ROGÉRIO FAVRETO

 

Inicialmente, registro que estou de pleno acordo com o voto do eminente

Relator em relação à rejeição das preliminares suscitadas.

No mérito, a questão controvertida nos autos diz com a moldura fática hábil à caracterização da fraude à candidatura de ELISABETE FERREIRA DA SILVA no pleito proporcional, com o objetivo de burlar a cota de gênero estabelecida no artigo 10, § 3º, da Lei n. 9.504/97.

Com efeito, a recorrida não foi candidata de fato, pois não buscou, efetivamente, ser eleita, tendo obtido um voto, devendo ser reconhecida fraude na composição da lista de candidatos às eleições proporcionais para preencher o percentual mínimo de candidatas do sexo feminino.

O recurso merece provimento.

A fim de que se estabeleça uma linha de raciocínio, importa que se faça menção a alguns aspectos doutrinários e jurisprudenciais.

A reserva de gênero decorre essencialmente do princípio da igualdade, nos termos consolidados pelo STF (ADC 41, Relator(a): ROBERTO BARROSO, Tribunal Pleno, julgado em 08/06/2017, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-180 DIVULG 16-08-2017 PUBLIC 17-08-2017) :

A igualdade constitui um direito fundamental e integra o conteúdo essencial da ideia de democracia. Da dignidade humana resulta que todas as pessoas são fins em si mesmas, possuem o mesmo valor e merecem, por essa razão, igual respeito e consideração. A igualdade veda a hierarquização dos indivíduos e as desequiparações infundadas, mas impõe a neutralização das injustiças históricas, econômicas e sociais, bem como o respeito à diferença. No mundo contemporâneo, a igualdade se expressa particularmente em três dimensões: a igualdade formal, que funciona como proteção contra a existência de privilégios e tratamentos discriminatórios; a igualdade material, que corresponde às demandas por redistribuição de poder, riqueza e bem-estar social; e a igualdade como reconhecimento, significando o respeito devido às minorias, sua identidade e suas diferenças, sejam raciais, religiosas, sexuais ou quaisquer outras. A igualdade efetiva requer igualdade perante a lei, redistribuição e reconhecimento

 

A cota de gênero é uma ferramenta de discriminação positiva para contornar o problema da sub-representação das mulheres nas casas legiferantes. Por meio da reserva de gênero, busca-se a correção da hegemonia masculina nas posições de tomada de decisão e o estabelecimento de uma distribuição mais adequada e equilibrada das representações de homens e mulheres nas esferas de poder.

A previsão legal está na Lei das Eleições, Lei n. 9.504/97:

 

Art. 10. Cada partido poderá registrar candidatos para a Câmara dos Deputados, a Câmara Legislativa, as Assembleias Legislativas e as Câmaras Municipais no total de até 100% (cem por cento) do número de lugares a preencher mais 1 (um).

[...]

§ 3º Do número de vagas resultante das regras previstas neste artigo, cada partido ou coligação preencherá o mínimo de 30% (trinta por cento) e o máximo de 70% (setenta por cento) para candidaturas de cada sexo.

 

Por meio de imposição legal, buscou-se ampliar a participação feminina no processo político-eleitoral, estabelecendo percentual mínimo de registro de candidaturas femininas em cada pleito. Assim, o §3º do art. 10 da Lei n. 9.504/97 dispõe que cada partido político preencherá o mínimo de 30% e o máximo de 70% para candidaturas de cada gênero. Porém, foi somente a partir da redação dada pela Lei n. 12.034/09 – “minirreforma eleitoral” -que essa disposição passa a ser aplicada tendo em vista o número de candidaturas “efetivamente” requeridas pelo partido, a fim de garantir ao gênero minoritário a participação na vida política do país.

Nas Eleições 2020, o TSE, na tentativa de inibir a burla à cota de gênero, inovou ao fazer constar na própria Resolução n. 23.609/19, que a inobservância da cota de gênero seria causa suficiente para o indeferimento do Demonstrativo de Regularidade de Atos Partidários (DRAP), caso a irregularidade não fosse sanada no curso do processo (§ 6º do art. 17).

Ocorre que essas situações dizem respeito ao momento do registro das candidaturas, tendo como consequência o indeferimento do DRAP, caso não observado o percentual estipulado. Contudo, o que se observa é que a fraude tem ocorrido em momento posterior ao regular registro e julgamento das candidaturas, quando já aperfeiçoada a formalidade da porcentagem mínima de gênero exigida para deferimento do DRAP.

No transcurso do processo eleitoral emergem as “candidaturas laranjas”, evidenciadas por comportamentos contrários ao de quem se propõe a disputar um cargo eletivo como: “desistência” ou “abandono” da candidatura no curso do processo eleitoral, ou mesmo realização de atos de campanha em favor de outros candidatos.

Ressalte-se que é direito de qualquer candidato renunciar “formalmente” sua candidatura (art.13 da Lei n. 9.504/97), circunstância em que a cota deve ser restabelecida. Mas, e quando essa renúncia é “informal”, quando há apenas uma “desistência” ou “abandono” dos atos de campanha, ou, ainda, quando a renúncia mesmo formal se efetua em momento que impossibilite ao partido a substituição e a manutenção da cota? Em ambos os casos, havendo infração à cota de gênero, o partido deve ser chamado à responsabilidade, pois é seu ônus manter o percentual legal. Primeiro, porque o partido é responsável por incentivar as políticas de participação feminina interna corporis. Segundo, porque é responsável pela oferta de nomes aptos a concorrer bem como, pelo comportamento ativo e passivo dos candidatos no curso do processo.

Em 2019, por ocasião do julgamento do Recurso Especial Eleitoral n. 19392, Relatoria do Min. Jorge Mussi, Publicação, DJE - Diário da justiça eletrônica, Tomo 193, Data 04/10/2019, Página 105/107, o TSE apreciou caso paradigmático sobre o tema, oriundo do município de Valença do Piauí/PI, eleição proporcional de 2016, no qual foram definidos alguns parâmetros à caracterização da fraude: a) pedir votos para outro candidato que dispute o mesmo cargo pelo qual a candidata concorra; b) ausência da realização de gastos eleitorais; c) votação ínfima (geralmente a candidata não possui sequer o próprio voto); d) nulidade que contamina todos os votos obtidos pela coligação ou partido.

Colaciono a ementa do acórdão:

 

RECURSOS ESPECIAIS. ELEIÇÕES 2016. VEREADORES. PREFEITO. VICE-PREFEITO. AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO JUDICIAL ELEITORAL (AIJE). ART. 22 DA LC 64/90. FRAUDE. COTA DE GÊNERO. ART. 10, § 3º, DA LEI 9.504/97.

1. O TRE/PI, na linha da sentença, reconheceu fraude na quota de gênero de 30% quanto às candidaturas das coligações Compromisso com Valença I e II ao cargo de vereador nas Eleições 2016, fixando as seguintes sanções: a) cassação dos registros das cinco candidatas que incorreram no ilícito, além de sua inelegibilidade por oito anos; b) cassação dos demais candidatos registrados por ambas as chapas, na qualidade de beneficiários.

2. Ambas as partes recorreram. A coligação autora pugna pela inelegibilidade de todos os candidatos e por se estender a perda dos registros aos vencedores do pleito majoritário, ao passo que os candidatos pugnam pelo afastamento da fraude e, alternativamente, por se preservarem os registros de quem não anuiu com o ilícito.

PRELIMINAR. LITISCONSÓRCIO PASSIVO NECESSÁRIO. DIRIGENTES PARTIDÁRIOS. SÚMULA 24/TSE. REJEIÇÃO.

3. O TRE/PI assentou inexistir prova de que os presidentes das agremiações tinham conhecimento da fraude, tampouco que anuíram ou atuaram de modo direto ou implícito para sua consecução, sendo incabível citá-los para integrar a lide como litisconsortes passivos necessários. Concluir de forma diversa esbarra no óbice da Súmula 24/TSE.

TEMA DE FUNDO. FRAUDE. COTA DE GÊNERO. ART. 10, § 3º, DA LEI 9.504/97. ROBUSTEZ. GRAVIDADE. AFRONTA. GARANTIA FUNDAMENTAL. ISONOMIA. HOMENS E MULHERES. ART. 5º, I, DA CF/88.

4. A fraude na cota de gênero de candidaturas representa afronta à isonomia entre homens e mulheres que o legislador pretendeu assegurar no art. 10, § 3º, da Lei 9.504/97 - a partir dos ditames constitucionais relativos à igualdade, ao pluralismo político, à cidadania e à dignidade da pessoa humana - e a prova de sua ocorrência deve ser robusta e levar em conta a soma das circunstâncias fáticas do caso, o que se demonstrou na espécie.

5. A extrema semelhança dos registros nas contas de campanha de cinco candidatas - tipos de despesa, valores, data de emissão das notas e até mesmo a sequência numérica destas - denota claros indícios de maquiagem contábil. A essa circunstância, de caráter indiciário, somam-se diversos elementos específicos.

6. A fraude em duas candidaturas da Coligação Compromisso com Valença I e em três da Coligação Compromisso com Valença II revela-se, ademais, da seguinte forma: a) Ivaltânia Nogueira e Maria Eugênia de Sousa disputaram o mesmo cargo, pela mesma coligação, com familiares próximos (esposo e filho), sem nenhuma notícia de animosidade política entre eles, sem que elas realizassem despesas com material de propaganda e com ambas atuando em prol da campanha daqueles, obtendo cada uma apenas um voto; b) Maria Neide da Silva sequer compareceu às urnas e não realizou gastos com publicidade; c) Magally da Silva votou e ainda assim não recebeu votos, e, além disso, apesar de alegar ter sido acometida por enfermidade, registrou gastos - inclusive com recursos próprios - em data posterior; d) Geórgia Lima, com apenas dois votos, é reincidente em disputar cargo eletivo apenas para preencher a cota e usufruir licença remunerada do serviço público.

7. Modificar as premissas fáticas assentadas pelo TRE/PI demandaria reexame de fatos e provas (Súmula 24/TSE).

CASSAÇÃO. TOTALIDADE DAS CANDIDATURAS DAS DUAS COLIGAÇÕES. LEGISLAÇÃO. DOUTRINA. JURISPRUDÊNCIA.

8. Caracterizada a fraude e, por conseguinte, comprometida a disputa, não se requer, para fim de perda de diploma de todos os candidatos beneficiários que compuseram as coligações, prova inconteste de sua participação ou anuência, aspecto subjetivo que se revela imprescindível apenas para impor a eles inelegibilidade para eleições futuras. Precedentes.

9. Indeferir apenas as candidaturas fraudulentas e as menos votadas (feito o recálculo da cota), preservando-se as que obtiveram maior número de votos, ensejaria inadmissível brecha para o registro de "laranjas", com verdadeiro incentivo a se "correr o risco", por inexistir efeito prático desfavorável.

10. O registro das candidaturas fraudulentas possibilitou maior número de homens na disputa, cuja soma de votos, por sua vez, contabilizou-se para as respectivas alianças, culminando em quociente partidário favorável a elas (art. 107 do Código Eleitoral), que puderam então registrar e eleger mais candidatos.

11. O círculo vicioso não se afasta com a glosa apenas parcial, pois a negativa dos registros após a data do pleito implica o aproveitamento dos votos em favor das legendas (art. 175, §§ 3º e 4º, do Código Eleitoral), evidenciando-se, mais uma vez, o inquestionável benefício auferido com a fraude.

12. A adoção de critérios diversos ocasionaria casuísmo incompatível com o regime democrático.

13. Embora o objetivo prático do art. 10, § 3º, da Lei 9.504/97 seja incentivar a presença feminina na política, a cota de 30% é de gênero. Manter o registro apenas das candidatas também afrontaria a norma, em sentido contrário ao que usualmente ocorre.

INELEGIBILIDADE. NATUREZA PERSONALÍSSIMA. PARCIAL PROVIMENTO.

14. Inelegibilidade constitui sanção personalíssima que incide apenas perante quem cometeu, participou ou anuiu com a prática ilícita, e não ao mero beneficiário. Precedentes.

15. Embora incabível aplicá-la indistintamente a todos os candidatos, constata-se a anuência de Leonardo Nogueira (filho de Ivaltânia Nogueira) e de Antônio Gomes da Rocha (esposo de Maria Eugênia de Sousa), os quais, repita-se, disputaram o mesmo pleito pela mesma coligação, sem notícia de animosidade familiar ou política, e com ambas atuando na candidatura daqueles em detrimento das suas.

CASSAÇÃO. DIPLOMAS. PREFEITA E VICE-PREFEITO. AUSÊNCIA. REPERCUSSÃO. SÚMULA 24/TSE.

16. Não se vislumbra de que forma a fraude nas candidaturas proporcionais teria comprometido a higidez do pleito majoritário, direta ou indiretamente, ou mesmo de que seria de responsabilidade dos candidatos aos cargos de prefeito e vice-prefeito. Conclusão diversa esbarra na Súmula 24/TSE.

CONCLUSÃO. MANUTENÇÃO. PERDA. REGISTROS. VEREADORES. EXTENSÃO. INELEGIBILIDADE. IMPROCEDÊNCIA. CHAPA MAJORITÁRIA.

17. Recursos especiais dos candidatos ao cargo de vereador pelas coligações Compromisso com Valença I e II desprovidos, mantendo-se cassados os seus registros, e recurso da Coligação Nossa União É com o Povo parcialmente provido para impor inelegibilidade a Leonardo Nogueira e Antônio Gomes da Rocha, subsistindo a improcedência quanto aos vencedores do pleito majoritário, revogando-se a liminar e executando-se o aresto logo após a publicação (precedentes).

(Recurso Especial Eleitoral nº 19392, Acórdão, Relator(a) Min. Jorge Mussi, Publicação: DJE - Diário da justiça eletrônica, Tomo 193, Data 04/10/2019, Página 105/107)

 

Após o caso de Valença do Piauí, o TSE examinou diversas situações envolvendo fraude à cota de gênero, fixando balizas à configuração do ilícito.

Trago à colação dois julgados oriundos desta Corte, nos quais o TSE definiu a moldura fática caracterizadora da fraude.

O primeiro deles é o RespEL n. 851, originário de Imbé, julgado em 04.08.2020, no qual, por maioria de votos (4 a 3), foi reconhecida a fraude diante do seguinte contexto fático:

a) as candidatas Simoni Schwartzhupt de Oliveira e Dóris Lúcia Costamilan Lopes obtiveram, cada, um único voto na eleição para o cargo de vereador em 2018;

b) ambas fizeram campanha ostensiva para outro candidato, Fabrício Rebech, não havendo uma única publicação, em seus perfis na rede social Facebook, que noticiasse serem elas candidatas no pleito de 2018;

c) Dóris Lúcia Costamilan Lopes nem sequer abriu conta para sua campanha e Simoni Schwartzhupt de Oliveira, apesar de promover a abertura de conta, não realizou movimentação alguma;

d) não houve desistência das candidaturas, tampouco justificativa minimamente plausível que justificasse o abandono;

e) apesar da candidata Simoni Schwartzhupt de Oliveira fazer menção à publicidade providenciada pelo partido, não foi juntado aos autos um único santinho ou material que contivesse propaganda em seu favor.

 

Ao analisar a matéria fática, restou assentado no voto-vista do Ministro Og Fernandes:

[…]

A similaridade do caso em análise com o precedente é evidente.

No leading case formado no caso de Valença do Piauí/PI, também havia candidatas que obtiveram um único voto e que, além de não terem feito campanha em seu favor, optaram por fazer atos de campanha para outros candidatos.

Em ambos os casos também, não houve desistência formal das candidaturas ou explicação plausível que justificasse o seu abandono oficial.

Na verdade, o caso dos autos traz hipótese menos complexa da ocorrida no REspe nº 193-92. Isso porque, no caso de Valença do Piauí/PI, após a propositura das ações eleitorais para apurar a fraude, foi feita prestação de contas retificadora para comprovar que as candidatas haviam realizado gastos eleitorais.

A fraude das candidatas no caso em análise, contudo, não chegou a esse nível de sofisticação.

Conforme transcrevi do acórdão regional, Dóris Lúcia Costamilan Lopes não abriu conta bancária e Simoni Schwartzhupt de Oliveira, apesar de ter aberto conta, não realizou movimentação alguma.

Assinalo, finalmente, que a tese que prevaleceu por apertada maioria no Tribunal Regional Eleitoral do Rio Grande do Sul, o qual entendeu pela inexistência de fraude, funda-se em argumento que enfraquece a política estabelecida pelo legislador quando deu nova redação ao art. 10, § 3º, da Lei nº 9.504/1997.

Disse o relator na origem que a ação devia ser julgada improcedente devido a ter ficado comprovado nos autos que “as candidatas de fato eram engajadas na política”.

A nova redação do § 3º tem por finalidade o engajamento feminino na política não apenas pela participação no pleito como apoiadoras, mas efetivamente como candidatas.

Não se deseja a mera participação formal, mas a efetiva, por meio de candidaturas minimamente viáveis de pessoas interessadas em disputar uma vaga.

Constato, em suma, que ficou comprovada a fraude ao art. 10, § 3º, da Lei nº 9.504/1997, devido à apresentação de duas candidaturas femininas, de Simoni Schwartzhupt de Oliveira e de Dóris Lúcia Costamilan Lopes, que não tinham intenção alguma de disputar o pleito ao cargo de vereador pelo Município de Imbé/RS nas eleições de 2016.

Por todas essas razões, divirjo do eminente relator e voto no sentido de prover o agravo interno para, da mesma forma, dar integral provimento ao recurso especial, decretando a nulidade de (PTB/PDT/PROS), porquanto auferidos a partir todos os votos recebidos pela Coligação Unidos por Imbé de fraude ao disposto no art. 10, § 3º, da Lei nº 9.504/1997, cassando, consequentemente, todos os diplomas eventualmente obtidos pela coligação.

 

Registro que esta Corte, também por 4 a 3, deu provimento ao recurso para julgar improcedente a ação, ao argumento de que a pequena quantidade de votos, a não realização de propaganda eleitoral ou o oferecimento de renúncia no curso das campanhas não configuram, por si sós, condições suficientes para caracterizar burla ou fraude à norma, sob pena de restringir-se o exercício de direitos políticos com base em mera presunção, conforme orientação jurisprudencial:

RECURSOS. AÇÃO DE IMPUGNAÇÃO DE MANDATO ELETIVO. ELEIÇÕES 2016. PROCEDÊNCIA NO PRIMEIRO GRAU. CASSAÇÃO DE MANDATO ELETIVO. NULIDADE DOS VOTOS DA COLIGAÇÃO. PLEITO PROPORCIONAL. PRELIMINARES DE NULIDADE E CERCEAMENTO DE DEFESA AFASTADAS. MÉRITO. QUOTAS DE GÊNERO. ART.10, § 3º, DA LEI N. 9.504/97. FRAUDE À LEI ELEITORAL NÃO CARACTERIZADA. PROVIMENTO. IMPROCEDÊNCIA DA AÇÃO.

1. Preliminares afastadas. 1.1. Processo conduzido com observância ao rito legal da Lei Complementar n. 64/90, não havendo nulidade aser reconhecida. 1.2. A teor do art. 5º da LC n. 64/90, as testemunhas devem comparecer, independentemente de intimação, por iniciativa daparte que as arrolou. 1.3. Inexistência de previsão legal para odepoimento pessoal dos réus.

2. Mérito. A reserva de gênero prevista no art. 10, § 3º, da Lei n.9.504/97 busca promover a igualdade material entre homens e mulheres, impondo aos partidos o incentivo à participação feminina na política. Para alcançar tal objetivo, mister sejam assegurados recursos financeiros e meios para que os percentuais de no mínimo 30% e no máximo 70% para candidaturas de cada sexo sejam preenchidos de forma efetiva, e não por meio de fraude ao sistema.

3. Na espécie, suposto lançamento de candidaturas fictícias do sexo feminino para atingir o percentual da reserva de gênero legal e viabilizar assim maior número de concorrentes masculinos. A pequena quantidade de votos, a não realização de propaganda eleitoral ou o oferecimento de renúncia no curso das campanhas não configuram, por si sós, condições suficientes para caracterizar burla ou fraude à norma, sob pena de restringir-se o exercício de direitos políticos com base em mera presunção, conforme orientação jurisprudencial.

4. Para a procedência da alegação de fraude em sede de AIME é fundamental a demonstração inequívoca que as candidaturas tenham sido motivadas com esse fim exclusivo, o que não é o caso dos autos. Presença de elementos suficientes a inferir no sentido de que as candidatas impugnadas eram, de fato, engajadas na política, satisfazendo o escopo da ação afirmativa.

5. Não conhecido o recurso interposto intempestivamente.

6. Provimento aos demais apelos. Ação julgada improcedente.

(RE 8-51.2017.6.21.0110, Imbé, Rel. Des. Federal João Batista Pinto Silveira, julgado em 16.03.2018).

 

 

Contudo, a decisão acima foi reformada pelo TSE que reconheceu a fraude consoante ementa que reproduzo:

 

ELEIÇÕES 2016. AGRAVO INTERNO. RECURSO ESPECIAL. AIME. FRAUDE. ART. 10, § 3º, DA LEI Nº 9.504/1997. QUADRO FÁTICO DELINEADO PELO ACÓRDÃO REGIONAL. POSSIBILIDADE DE REENQUADRAMENTO JURÍDICO. RECONHECIDA A FRAUDE À COTA DE GÊNERO. NULIDADE DOS VOTOS. PROVIDOS O AGRAVO INTERNO E O RECURSO ESPECIAL.

1. Os fatos existentes no voto–vencido devem ser considerados sempre que não contradigam os descritos no voto–vencedor. Art. 941, § 3º, do CPC/2015. 2. À luz do REspe n° 193–92/PI, de relatoria do Ministro Jorge Mussi, fica comprovada a existência de candidaturas fictícias sempre que identificado, de maneira induvidosa, o completo desinteresse na disputa eleitoral.

3. Agravo interno provido para, da mesma forma, dar integral provimento ao recurso especial, decretando–se a nulidade de todos os votos recebidos pela Coligação Unidos por Imbé, porquanto auferidos a partir de fraude ao disposto no art. 10, § 3º, da Lei nº 9.504/1997.

(RECURSO ESPECIAL ELEITORAL nº 851, Acórdão, Relator(a) Min. Sérgio Banhos, Relator(a) designado(a) Min. Og Fernandes, Publicação: DJE - Diário da justiça eletrônica, Tomo 217, Data 28/10/2020) (grifo nosso)

 

Nesse caso, destaque ao que consignado no voto do Ministro Alexandre de Moraes:

Eu diria, com todo respeito ao que foi dito anteriormente, que, nesse caso só há uma diferença em relação ao caso anterior: elas tiveram um voto. Elas lembraram, pelo menos, de votar em si mesmas. Porque o resto é absolutamente idêntico: não houve um gasto eleitoral, não fizeram campanha. Talvez – e aqui o Ministro Og bem salientou – aqui tenha sido mais acintoso, mas os elementos são idênticos. Uma delas, nesse caso, era namorada de um candidato a vereador e fez campanha para o seu namorado. O que eu disse anteriormente: a prática faz com que se chame as suas irmãs, mães, filhas, namoradas. A outra pediu, via rede, votos para outro candidato.

Ora, mais do que isso para constatar fraude, nós estamos quase sumulando que há necessidade da confissão dupla, do partido e da candidata laranja. Porque não é possível tamanha coincidência, dois casos semelhantes, quase idênticos demonstrando exatamente que se não houver uma atitude firme da Justiça Eleitoral, infelizmente, essa cota de gênero jamais será respeitada. E também trago a experiência de quem já participou da política, com todo o respeito ao Ministro Sérgio Banhos, não há a mínima possibilidade de um partido implantar no outro uma mulher como candidata laranja, somente para prejudicar esse partido. Com todo o respeito ao que foi dito, quem conhece a realidade sabe que isso é absolutamente impossível. Primeiro, porque cada partido tem a sua cota de laranjas e, segundo, sempre há a necessidade da apresentação, abono de fichas.

O que nós temos hoje nos mais de cinco mil municípios brasileiros, é uma industrialização de candidaturas laranjas de mulheres. E isso simplesmente é a negativa do que se pretende – e o nosso presidente, o eminente Ministro Luís Roberto Barroso bem salientou no caso anterior –, da ampliação da participação da mulher. Se num caso 75% das candidaturas eram laranjas, nesse outro caso 33%, se não tem nenhum apoio, não conseguem nem provar que fizeram campanha, nós nunca teremos a possibilidade de equiparação, pelo menos mínima de chances das candidaturas de mulheres.

E, volto a dizer, com o absoluto respeito às posições em contrário, mas cada decisão da Justiça Eleitoral, principalmente dessa Corte, que sinaliza que há necessidade, como eu disse, de uma confissão dupla, isso acaba incentivado as candidaturas laranjas.

Aqui, não tenho também nenhuma dúvida, como bem salientou o eminente Ministro Og Fernandes, que houve fraude, clara fraude das candidatas. Vejam, uma delas, que era namorada de um candidato que foi vereador eleito, disse que não lembrava nem do número com o qual concorreu. Nem do número lembrava. A outra, dizendo “não, nós trabalhamos muito, pelo partido e pelo vereador”. E diz “outro vereador”. Mais do que isso, para constatar a fraude, realmente, é exigir-se confissão dupla, confissão dela, confissão das candidatas e dos partidos. (grifo nosso)

 

O segundo julgado que merece relevo é originário do município de Viadutos/RS referente as Eleições de 2016, para o cargo de vereador (0000495-85.2016.6.21.0003). Interposta Ação de Impugnação de Mandato Eletivo (AIME) pelo Ministério Público Eleitoral contra a Coligação Unidos por Viadutos, a sentença a quo reconheceu haver provas de que a coligação teria indicado três candidatas à vereadora, de maneira fictícia, apenas para cumprir o requisito legal mínimo de candidaturas por gênero.

Em sede de recurso, esta Corte Regional afirmou que a fraude foi comprovada, apenas restringindo à candidata Dirce Coser Zanin, atingindo o Demonstrativo de Regularidade dos Atos Partidários (DRAP) da coligação e acarretando a revogação do deferimento dos registros de candidatura da chapa proporcional.

No TSE, por unanimidade, a decisão foi mantida, consoante ementa que reproduzo:

 

ELEIÇÕES 2016. RECURSO ESPECIAL ELEITORAL. AÇÃO DE IMPUGNAÇÃO DE MANDATO ELETIVO. ELEIÇÕES PROPORCIONAIS. FRAUDE À QUOTA DE GÊNERO. GRAVAÇÃO AMBIENTAL. LICITUDE. CASSAÇÃO DOS REGISTROS E DOS DIPLOMAS VINCULADOS AO DRAP VICIADO. RETOTALIZAÇÃO DOS VOTOS.

SÍNTESE DO CASO

1. Trata–se de recurso especial eleitoral manejado em face de acórdão do TRE/RS que manteve a sentença que julgou procedente a AIME em relação à fraude à quota de gênero, declarando a invalidade da constituição da Coligação Unidos por Viadutos, indeferindo–lhe o registro para as eleições proporcionais, cassando os mandatos obtidos por ela na eleição proporcional, declarando nulos todos os votos que lhe foram atribuídos na aludida eleição para a Câmara de Vereadores e redistribuindo as vagas por ela conquistadas aos partidos e às coligações adversárias que alcançarem o quociente eleitoral.

ANÁLISE DO RECURSO ESPECIAL

2. Na hipótese de fraude à quota de gênero, não procede o argumento dos recorrentes, no sentido de que a ação de impugnação de mandato eletivo deveria ser extinta, sem resolução de mérito, por ilegitimidade ad causam de todos os candidatos não eleitos. Isso porque, no julgamento dos Agravos Regimentais nos Recursos Especiais 684–80 e 685–65, rel. designado Ministro Luís Roberto Barroso, DJE de 31.8.2020, o Tribunal já decidira, por maioria, que os suplentes, embora possam participar do processo, não tem sua inclusão no polo passivo da demanda alçada a pressuposto necessário para a viabilidade da ação, já que são litisconsortes meramente facultativos.

3. Conquanto o STF tenha reconhecido a repercussão geral da questão concernente à licitude da gravação ambiental realizada por um dos interlocutores sem o conhecimento do outro, na seara ambiental, o Ministro Dias Toffoli, relator do leading case (RE 1040515) – no bojo do qual foi reconhecida a repercussão geral –, indeferiu pedido de suspensão dos processos que versem sobre a matéria.

4. Não houve negativa de prestação jurisdicional, mas julgamento contrário à pretensão da parte, com base na análise detida do conjunto probatório pela Corte de origem, circunstância que afasta as apontadas ofensas legais.

5. Não procede a alegação de cerceamento de defesa, tampouco de negativa de prestação jurisdicional pela Corte Regional, em relação ao pedido de produção de prova pericial, quando se percebe, pelos termos do acórdão regional, que os ora recorrentes, nem em primeira instância, nem em sede recursal, insurgiram–se contra o indeferimento da prova.

6. Este Tribunal, no julgamento do REspe 408–98, procedeu à adequação da sua jurisprudência à compreensão do STF, firmada no RE 583.937/RJ (Tema 237), "para as Eleições de 2016 e seguintes, a fim de reconhecer, como regra, a licitude da gravação ambiental realizada por um dos interlocutores sem o conhecimento do outro e sem autorização judicial", assentando a sua aplicação independentemente da circunstância de a captação ter se realizado "em ambiente público ou privado" (REspe 408–98, rel. Min. Edson Fachin, DJE 6.8.2019).

7. No julgamento do REspe 193–92, de relatoria do Min. Jorge Mussi, cujo julgamento foi concluído em 17.9.2019, esta Corte Superior considerou que as circunstâncias indiciárias relativas à elaboração das prestações de contas, associadas aos elementos de prova particulares de cada candidata – relações de parentesco entre candidatos ao mesmo cargo, votação zerada ou ínfima, não comparecimento às urnas, ausência de atos de propaganda, entre outros –, seriam suficientes para demonstrar, de forma robusta, a existência da fraude no cumprimento dos percentuais de gênero previstos no art. 10, § 3º, da Lei 9.504/97.

8. Na espécie, a conclusão acerca da ocorrência da fraude teve como lastro, ao lado dos elementos indiciários concernentes à votação zerada e à existência de outro candidato ao mesmo cargo na família da suposta candidata, a incoerência entre a justificativa apresentada por ela para a desistência de campanha e os fatos relatados em depoimento por sua filha, bem como a sua própria confissão, captada em gravação ambiental, no sentido de que não pretendia realizar campanha, salvo para o seu cunhado, já que seu nome foi lançado apenas "para legendar".

9. A partir das premissas fixadas no aresto regional, cuja revisão é inviável em sede extraordinária, a conclusão a respeito da ocorrência da fraude se baseou em elementos de prova suficientemente robustos.

10. A análise da questão alusiva à incidência do art. 224 do Código Eleitoral às eleições proporcionais, dado o momento da conclusão do presente julgamento, está prejudicada, por perda de objeto, em face do término da legislatura referente ao pleito de 2016.CONCLUSÃORecurso especial a que se nega provimento.

(RECURSO ESPECIAL ELEITORAL nº 49585, Acórdão, Relator(a) Min. Sergio Silveira Banhos, Publicação: DJE - Diário da justiça eletrônica, Tomo 142, Data 03/08/2021, Página 0) (grifo nosso)

Pelo exposto, percebe-se que o combate às ditas “candidaturas laranjas” tem sido objeto de preocupação e debates nas Cortes Eleitorais. Dessarte, o grande desafio que se impõe é a avaliação do que configura ou não fraude a cota de gênero. Com relação a esse ponto, as palavras do Ministro do TSE Alexandre de Moraes, nesse caso de Viadutos/RS, são primorosas:

[…]

No mérito, a questão restringe-se a saber se o conjunto dos fatos – votação zerada, inexistência de atos de campanha, incongruência na justificativa de desistência do pleito e interceptação ambiental de conversa em que a candidata revelou que seu nome foi indicado apenas para preenchimento de legenda – é capaz de configurar fraude à cota de gênero e o consequente indeferimento do registro da Coligação Unidos por Viadutos para as eleições proporcionais.

Conforme defendi no julgamento dos Recursos Especiais 0602016-38 e 0602033-74, o fato de a candidata não ter realizado nenhum ato de campanha aliado à votação zerada já seria suficiente, no meu entender, para o reconhecimento da fraude, uma vez que a argumentação no sentido da desistência da candidatura deve sempre ser acompanhada por elementos mínimos que comprovem que a candidatura, de fato, existiu, o que não ocorreu na hipótese. (grifo nosso)

 

Pois bem, com base nessas diretivas jurisprudenciais, passo a analisar o caso em tela.

O juiz de primeira instância considerou que a representante não logrou produzir prova cabal de que a candidatura tenha sido lançada de forma fraudulenta. E, segue: “Enfim, não houve direcionamento da prova ao principal aspecto do pedido investigatório, que seria demonstrar a intenção de fraudar a lei mediante o lançamento de candidatura laranja, o que não se conclui por força da mera desistência da candidata”.

Com razão o magistrado nesse aspecto, a desistência, por si só, ou, em outras palavras, como um fato isolado, não configura a fraude. Ocorre que o contexto em que se desenvolveu a “campanha” da candidata é capaz de revelar a fraude.

A moldura fática do presente feito em relação à Elisabete é essa:

  1. não realização de ato em prol de sua campanha (além de seu próprio registro como candidata);

  2. a obtenção de apenas um voto (ID 44866890 e ID 44866888), o seu próprio voto, conforme confirmado por Elisabete em audiência, sequer seu cabo eleitoral ou familiares votaram nela;

  3. não há prova de realização de qualquer propaganda eleitoral da candidata Elisabete (quer seja por parte dela ou por seus coordenadores de campanha);

  4. a candidata realizou apenas uma postagem de um santinho em seu Facebook (28.09.22),

  5. o cabo eleitoral contratado e pago com a integralidade do valor recebido pela candidata não realizou propaganda alguma em prol da candidata seja mediante entrega de santinhos seja por meio digital, ainda que possuísse perfil em rede social,

  6. na prestação de contas consta doação de R$ 1.000,00 pelo PP (oriundo do FEFC) e R$ 496,00 relativos a material de campanha disponibilizado pelo partido. Contudo, a candidata não doou nenhum valor para sua própria campanha.

     

Diante desse cenário, divirjo das conclusões do julgador ao considerar que “Não logrou a representante, assim, produzir prova cabal de que a candidatura tenha sido lançada de forma fraudulenta (...)”(ID 44866988).

Na dicção do que refere Ministro Luís Felipe Salomão, “...a jurisprudência foi construída no sentido de que não basta um único indício ou fator que aponte nessa direção. É preciso que o conjunto todo da obra seja contundente".

É o caso dos presentes autos, aos elementos indiciários (votação única e inexistência de atos de campanha) formando um conjunto de provas robustas a demonstrar que a candidata se manteve inerte durante todo o processo eleitoral, comportando-se como se não disputasse a eleição.

Por óbvio, não se está diante de um caso de “mera desistência”, eis que comprovada de forma induvidosa o completo desinteresse de Elisabete na disputa eleitoral, caracterizando, assim, a existência de candidatura fictícia.

As alegações de Elisabete quanto à saúde de sua mãe e a gravidez de sua filha, os quais seriam impedimentos aos atos de campanha, somados ao cenário da pandemia, não se sustentam uma vez que ambos os eventos são anteriores ao seu registro de candidatura de modo a não justificar a ausência de campanha eleitoral.

Com efeito, o que se vislumbra é que a candidata simplesmente abandonou a sua campanha, não procedendo a renúncia formal, a qual possibilitaria o preenchimento da vaga a outra candidata que de fato desejasse concorrer ao cargo eletivo.

Quanto as alegações de falta de tempo para fazer campanha em razão das complicações familiares ou o temor do contágio do coronavírus, demonstrou-se que a candidata realizou várias postagens para venda de seus produtos alimentícios, logo, de igual modo, poderia ter realizado sua campanha eleitoral mesmo que exclusivamente por este meio social e ainda proteger-se da pandemia.

Como se verifica do exame dos fatos e provas produzidas, além da votação única, há um conjunto de circunstâncias que se se assemelham aos precedentes acima colacionados que caracteriza a fraude à cota de gênero.

Nessa medida, havendo prova suficiente de candidatura feminina fraudulenta no DRAP do partido PROGRESSISTAS-PP de Candelária, como consequência, é possível afirmar que foi o registro de candidatura de Elisabete que permitiu à agremiação concorresse ao pleito de 2020 com os seus candidatos do sexo masculino.

Dessa forma, forçosa a determinação de recontagem do quociente eleitoral e partidário, diante da fraude reconhecida, que contamina a chapa proporcional como um todo:

 

ELEIÇÕES 2016. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE IMPUGNAÇÃO DE MANDATO ELETIVO (AIME). AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO JUDICIAL ELEITORAL (AIJE). FRAUDE NA COTA DE GÊNERO. PROVAS ROBUSTAS. COMPROVAÇÃO. PROVIMENTO.

1. A fraude à cota de gênero de candidaturas femininas representa afronta aos princípios da igualdade, da cidadania e do pluralismo político, na medida em que a ratio do art. 10, § 3º, da Lei 9.504/1997 é ampliar a participação das mulheres no processo político–eleitoral.

2. No caso, as pretensas candidatas manifestaram–se expressamente no sentido de que suas candidaturas visavam apenas o preenchimento formal decotas de gênero. A chapa proporcional engendrou um esquema para simular a efetividade da candidatura, com a votação mínima das supostas candidatas e até a divulgação, de baixa repercussão, das respectivas campanhas.

3. Caracterizada a fraude e, por conseguinte, comprometida a disputa, a consequência jurídica é: (i) a cassação dos candidatos vinculados ao DRAP, independentemente de prova da sua participação, ciência ou anuência; (ii) a inelegibilidade àqueles que efetivamente praticaram ou anuíram com a conduta; e (iii) a nulidade dos votos obtidos pela Coligação, com a recontagem do cálculo dos quocientes eleitoral e partidários, nos termos do art. 222 do Código Eleitoral.

4. Diante do término dos mandatos impugnados, remanesce apenas a imputação da inelegibilidade às candidatas partícipes do ilícito eleitoral. 5. Recurso Especial parcialmente provido.(RECURSO ESPECIAL ELEITORAL nº 76455, Acórdão, Relator(a)Min. Alexandre de Moraes, Publicação: DJE - Diário da justiça eletrônica, Tomo 89, Data 18/05/2021)

 

Diante do exposto, VOTO pelo PROVIMENTO do recurso, reconhecendo a prática da fraude à cota de gênero, nas eleições para o cargo de vereador do PROGRESSISTAS de Candelária, eleições de 2020, declarando nulos os votos conferidos às candidatas e candidatos e à legenda do partido PROGRESSISTAS-PP de Candelária, nas eleições proporcionais.

Determino a cassação dos diplomas expedidos (titulares e suplentes) devendo ser realizado o recálculo dos quocientes eleitoral e partidário, por ser inaplicável à espécie o disposto no art. 175, § 4º, do Código Eleitoral, por força do disposto no art. 198, inc. II, al. "b", da Resolução TSE n. 23.611/19, que foi objeto inclusive de confirmação pelo TSE no RO 603900-65.2018.6.05.0000, Rel. Min. Sergio Silveira Banhos, DJE de 26/11/2020.

Comunique-se, após a publicação, esta decisão à respectiva Zona Eleitoral para cumprimento.